Resumo da Introdução à Fenomenologia do Espírito (PDF)
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Este documento oferece um resumo da introdução à Fenomenologia do Espírito, de Hegel. O texto discute diferentes perspectivas sobre conhecimento e absoluto, apontando as principais ideias do filósofo.
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Resenha da “Introdução” à Fenomenologia do Espírito Edições utilizadas: - NOBRE, Marcos. Como nasce o novo: experiência e diagnóstico de tempo na “Fenomenologia de espírito” de Hegel. São Paulo: Todavia, 2018. (p. 84-99) - HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Tr...
Resenha da “Introdução” à Fenomenologia do Espírito Edições utilizadas: - NOBRE, Marcos. Como nasce o novo: experiência e diagnóstico de tempo na “Fenomenologia de espírito” de Hegel. São Paulo: Todavia, 2018. (p. 84-99) - HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do espírito. Trad. Paulo Meneses, Karl-Heinz Efken; José Nogueira Machado. Petrópolis: Vozes, 2014. (p. 69-79) [§73] Hegel inicia a Introdução abordando aquela modalidade de “representação natural” (p. 84) cuja inverdade será demonstrada como a contraparte do processo de determinação do conceito de uma fenomenologia do espírito e do modo como ela procederá. Tal representação é aquela que trata o conhecer como um “instrumento” ativo na apreensão do absoluto ou como um “meio” passivo no qual o absoluto aparece para nós, isto é, que coloca entre o absoluto, o que é em si, e a consciência, ou o que é para ela, um “limite que os separaria sem mais” (p. 85). Isso pois, explica Hegel, se o conhecer é um instrumento ou um meio, ou seja, algo externo àquilo que se quer conhecer, sua aplicação não deixa o objeto sobre o qual é aplicado idêntico, mas deve necessariamente o alterar mediante a forma desse instrumento ou desse meio, de modo que o objeto do conhecer, o absoluto, não seria mais como é em si, mas tão somente como aparece para a consciência por meio do conhecer. Para Hegel, então, há aqui um contrassenso, um meio que produziria resultados opostos à sua finalidade, o conhecer que deveria nos aproximar do absoluto em verdade apenas sanciona que tal aproximação não é de todo possível, e aqui ele rapidamente esboça sua tese central: “o contrassenso está antes em nos servirmos de um meio”. Passa então a responder a possível objeção a seus argumentos de que o conhecimento da natureza e do grau de distorção causado pelo conhecer no objeto do conhecer poderia permitir ao final do processo abstratamente separar do conhecimento aquilo que corresponde ao em si do absoluto e aquilo que corresponde ao momento subjetivo do conhecer. A falha nesse raciocínio está para Hegel no fato de que, com a remoção daquilo colocado no objeto pelo conhecer, o objeto novamente se distanciaria da consciência e o processo como um todo seria nulificado; se só se pode aproximar-se do absoluto mediante o conhecer, a separação a posteriori entre aquilo que é o conhecer e aquilo que é a coisa não pode ter outro resultado que não a repetição da situação prévia ao conhecer. Ou ainda, querermos que o absoluto se aproxime de nós por meio de instrumento sem em nada se alterar é uma astúcia, e “ele bem zombaria dessa astúcia” (p. 86). Contudo, e aqui está concretamente a resposta hegeliana que será desenvolvida no restante da introdução, a zombaria do absoluto só ocorreria se “já não estivesse e não quisesse ele estar em nós tal como é em si mesmo e para si mesmo”, porque no caso do conhecimento como instrumento ou meio haveria um complexificação de suas atividades, um jogo de aproximação e afastamento do conhecer de seu objeto que daria a impressão de que o conhecer é outra coisa que não uma “conexão imediata”, ou seja, a verdadeira conexão entre a consciência e o absoluto, sendo que essa imediaticidade está garantida pelo fato de o absoluto já estar em nós, como se afirmou anteriormente. Contudo, é necessário ressaltar que essa aproximação e esse anúncio do absoluto como estando em nós de alguma forma ainda é por demais abstrato e não corresponde desde já à posição hegeliana, sob pena de novo dogmatismo. Antes, uma posição como essa só poderia ser defendida ao final do processo fenomenológico como um todo, onde a consciência se experimenta totalmente e somente aí pode-se constatar o fato de que o absoluto não lhe é externa. [§74] Essa representação natural é para Hegel uma espécie de “preocupação de cair em erro”, a qual “põe uma desconfiança na ciência”, na medida em que constrange o conhecimento a primeiramente acertar contas com seus próprios limites e formas antes que possa propriamente adentrar em seu objeto. A ciência, entretanto, diz Hegel, não precisa de tais limitações, mas conhece por si mesma independentemente dos nossos escrúpulos. Nesse caso, a desconfiança pode ser virada contra a própria desconfiança que marca a representação natural analisada, contra a desconfiança no conhecer; Hegel diz que pode ser que “esse temor de errar seja já o próprio erro”. A pressuposição fundamental dessa atitude moderna é para Hegel: 1) O tratamento do conhecer como instrumento ou meio; 2) A separação entre o ato de conhecer e nós mesmos, o Eu, como se ele pudesse consistir em algo além disso; 3) A existência de um limite absoluto entre o conhecer e o absoluto, seu objeto, e; 4) Que mesmo separado do absoluto, separado da verdade, o conhecer seja ainda assim verdadeiro, pelo que Hegel caracteriza o “temor do erro” (p. 87) como o “temor da verdade”. [§75] Explica aqui qual exatamente é a razão para a conclusão da inverdade do conhecer e dos conhecimentos dele derivados caso se entenda que ele está separado do absoluto. Trata-se aqui da tese de que “somente o absoluto é verdadeiro, ou, somente o verdadeiro é absoluto”. Diante da negação dessa tese pela posição criticada por ele na Introdução, Hegel conclui que o significado de termos como conhecer, absoluto ou verdade ainda está por ser alcançado, e que muitas vezes são utilizados de modo incorreto, como no caso da defesa de uma verdade para o conhecimento em separado do absoluto. [§76] Diante do erro de tal representação natural e diante da ausência da definição correta dos conceitos que utiliza, Hegel alerta que não é necessário “se afligir” com ela e com tais equívocos, os quais chama de “subterfúgios que a incapacidade da [ou “para”, em Hegel, 2014, p. 71] ciência extrai da pressuposição de tais relações, a fim de simultaneamente libertar-se da faina da ciência e dar-se a ver em um esforço sério e zeloso”. A única resposta devida nesse caso é a rejeição de saída de tais relações como “contingentes e arbitrárias” e a observação de que nelas se pressupõe a significação dos termos que utilizam como universalmente conhecida, o que desobriga seus representantes de fornecerem as referidas definições.1 Essa representação natural, portanto, só poderia dar luz a conhecimentos ou modos de falar que constituíssem um mero “vazio fenômeno do saber (p. 88) [ou “aparência oca do saber”, em Hegel, 2014, p. 71], o qual estaria em oposição à ciência que surge. Ao surgir, contudo, a ciência também necessariamente se constitui seu fenômeno, uma vez que seu aparecimento não é ela mesma desdobrada completamente “em sua verdade”. Com isso, Hegel explicita a conexão entre a ciência emergente e os saberes não verdadeiros até aqui tratados: a ciência não surge desconectada deles, não surge independentemente deles, mas surge “ao lado de outro saber”, ou seja, não como algo qualitativamente diferente imediatamente, mas como algo que aparece no mesmo plano dos outros saberes não verdadeiros. Hegel sintetiza esse ponto da seguinte forma: “Com o que dá no mesmo representar-se que ela [a ciência] é o fenômeno porque surge ao lado de outro saber, ou denominar aquele outro saber não verdadeiro o fenômeno dela”. Tal proximidade, portanto, não é um paralelismo, mas os próprios saberes falsos 1 Hegel utiliza uma linguagem altamente indefinida aqui, não apontando diretamente quem é precisamente seu adversário. Nobre explica que isso se dá porque seu ponto é analisar a estrutura lógica de uma concepção acerca da verdade, do conhecer e da razão que é a tal ponto pervasiva que é impossível individualizar contra quem propriamente se deveria insurgir, ainda que tenha tal concepção sua âncora maior em Kant podem ser vistos enquanto aparições –ou aparências– da ciência em processo de surgimento e desdobramento. Ela, porém, não pode viver nessa aparência, mas deve “virar-se contra ela” e a deixar para trás. Esse existir da ciência nos saberes não verdadeiros ao mesmo tempo em que necessita os negar e superar é o procedimento que marcará a FE como um todo e que Hegel começa a elaborar aqui. Em primeiro lugar, consigna que a ciência não pode rejeitar inteiramente o conhecimento não verdadeiro e se colocar como um outro tipo de conhecer inteiramente distinto, e nem buscar nele aquilo que Hegel chama de “pressentimento”, ou seja, buscar nele diretamente a imagem de um saber melhor, como se ela estivesse já lá positivamente de alguma forma. Hegel quer evitar o duplo abismo de positivar o conhecimento não verdadeiro e de o despachar por completo como um nada, uma vez que é esse mesmo despachar –só que da ciência– que constitui sua inverdade em primeiro lugar. [§77] A apresentação do saber fenomênico que Hegel irá realizar ao longo do livro não é então de início a ciência em sua forma acabada, mas é precisamente o caminho da “consciência natural que impele para o saber verdadeiro” (p. 89), ou ainda o caminho da alma por sua “série de figurações”, até o momento em que se depura “em espírito”. Ao fim desse processo, a alma, agora espírito, experimenta a si mesma em sua completude e, com isso, sabe o que ela própria é em si. Desse modo, esse saber verdadeiro diz respeito a nada menos do que o conhecimento da própria consciência sobre si mesma, o surgimento da ciência como o saber verdadeiro que, como diz Hegel acima, nós também somos. Essa consciência natural, destaque-se, é em sua forma mais avançada aquela consciência que corresponde à representação natural. [§78] A consciência natural Hegel a descreve como “apenas conceito do saber ou saber não real”2, ou seja, como uma figura abstrata e imediata do saber que ainda não foi efetivado movimento de surgimento da ciência. Nesse sentido, essa consciência natural é para si o saber verdadeiro, ou se toma como um saber verdadeiro, sendo isso que a caracteriza de modo geral, a saber que ela é qualquer consciência que toma seu saber imediato pela verdade última sobre aquilo que é. Para ela, portanto, o caminho da apresentação do saber fenomênico que é a emergência da ciência e do conhecimento do 2 Aqui é interessante destacar o uso do termo “conceito do saber” como uma espécie meramente abstrata de saber, no que conceito se refere aqui não ao que a coisa deve ser ou ao ideal normativo que é em outros momentos em Hegel, mas tão somente à forma mais abstrata e menos determinada de algo. O uso de “conceito” no sentido oposto é visto em [§80] absoluto aparece como “a perda de si mesma”, de modo que é caracterizado como caminho da dúvida ou do desespero por Hegel. Essa dúvida ou ceticismo, todavia, não é de qualquer espécie, uma vez que não tem como seu término a solução da dúvida e a restituição da verdade duvidada, mas penetra conscientemente “na não verdade do saber fenomênico”, sendo que essa não verdade se dá não porque ele erra suas conclusões, mas porque aquilo que ele toma por verdadeiro ainda não é o verdadeiro, mas tão somente o “conceito não realizado” (p. 90), desse modo, Hegel postula que a falsidade não é um erro de raciocínio, mas sim, como dito, uma incompreensão fundamental –ou uma limitação fundamental, caso olhemos a questão do ponto de vista das figuras da consciência– acerca do próprio sentido do verdadeiro. Disso deriva a crítica hegeliana à noção de que o critério de veracidade do conhecimento seria a medida em que esse conhecimento é produzido autonomamente e autarquicamente pelo pensamento individual, como se o único adversário para alcançar a verdade fosse a heteronomia e a devoção à autoridade, ainda que um pensamento autônomo seja melhor do que um heterônomo. Antes, Hegel aponta que a consciência “em ciência” é constituída, como já dito, no curso do progresso de negação e superação de suas figurações, de modo que tratar tal processo como resolvido imediatamente pela simples convicção é falso e característico da parcialidade das figurações particulares da consciência; em verdade “esse caminho [da consciência] é a execução efetiva [de sua constituição em ciência]”. Trata-se para a verdade de uma mudança não apenas da origem da crença, mas de seu próprio conteúdo, de modo que o ceticismo dessa natureza defendida por Hegel causa desespero não em um tipo outro de pensamento, mas em todos os pensamentos “representações e opiniões naturais” da consciência fenomênica que com eles não pode atingir sua finalidade de alcançar a verdade. [§79] Abordando a completude da série de “formas da consciência não real” (p. 91), Hegel anuncia que ela se dará mediante “a necessidade da progressão e da concatenação [delas]”, ou seja, que o processo é guiado por uma necessidade imanente à série de formas da consciência a serem negadas sucessivamente, tanto no sentido de que uma deve necessariamente levar à próxima quanto no que a verdade sobre seu todo aparece tão somente ao fim do processo, como dito no caso do caminho ser a própria execução. Essa necessidade imanente é o caráter positivo –determinado– da negação que realiza, visto que o procedimento de desdobramento das formas parciais e não reais da consciência não é, segundo Hegel, “meramente negativo”, mas aparece assim tão somente sob a ótica da consciência natural, que vê o processo unilateralmente como seu desaparecer. Aponta então para o ceticismo como uma das figuras incompletas da consciência que hipostasia esse momento negativo do procedimento da formação da consciência, para o qual o exame de uma proposição ou argumento só pode resultar no puro nada que é a demonstração de sua incompletude ou parcialidade (por meio da equipolência), abstraindo do fato de que esse nada “é, de maneira determinada, o nada daquilo de que resulta”, ou seja, que ao negar um conteúdo determinado de uma figura da consciência, obtém-se uma imagem negativa dela a qual possui tanto conteúdo quanto a figura anterior. A negação determinada é a forma verdadeira do resultado de apresentação de uma figura da consciência que deve resultar no reconhecimento de seu caráter meramente aparente, e é porque essa negação é determinada, isto é, porque ela tem um conteúdo que é precisamente o reconhecimento das faltas da figura anterior, que “a passagem [de uma figura a outra] se fez na negação, por intermédio do que a progressão se dá por si mesma mediante a série completa de figuras”. Entende-se então que o processo de apresentação das sucessivas figuras da consciência é movido por uma necessidade imanente que procede por meio da negação determinada de cada uma das figuras da consciência, de modo que no próprio procedimento de identificação de sua insuficiência, uma nova imagem que é o seu negativo pode aparecer como um positivo, como uma nova figura. O processo como um todo então pode ser visto como se autoproduzindo na medida em que a série completa de figuras pode ser enxergada agora como conectada por sucessivas relações de negação determinada. [§80] O término desse processo, porém, sua meta ou “alvo”, tal qual a sua progressão, é “fixado para o saber” de maneira necessária. Esse alvo Hegel o define como “onde o saber não carece mais de passar além de si mesmo”, ou seja, onde conceito e objeto se correspondem mutualmente, um critério de verdade onde a coisa corresponde ao seu próprio conceito e onde, portanto, não se observa mais a necessidade imanente do pensamento de se ultrapassar para corresponder ao seu objeto. Hegel chama a progressão rumo a esse estágio de “imparável” no sentido não de alguma necessidade metafísica, mas sim de uma vez posto em curso, como observado na explicação da negação determinada, não se permitir “encontrar satisfação em nenhuma estação anterior” (p. 92). Tal necessidade imanente de progressão, afirma Hegel, não se aplica ao que tem tão somente uma existência natural, sendo nesses casos necessário a ação de um outro para o remover de seu ser-aí imediato em um procedimento que é sua morte. A consciência, por outro lado, “é para si mesma o seu conceito”, ou seja, tem em si mesma a totalidade daquilo que a constitui enquanto unidade [aqui o conceito entendido dessa forma e não, como antes, como o estágio mais abstrato do processo de desdobramento do objeto] e, por isso, não está limitada ao ser-aí de nenhuma de suas determinações parciais. Como diz Hegel: “[a consciência é] imediatamente o passar além do limitado, e, uma vez que esse limitado lhe pertence, passar além de si mesma”; esse processo é, como vimos o se por da consciência ao lado das figuras limitadas, surgindo junto delas, porém necessitando se virar contra elas na contínua execução de sua experiência de si mesma. Essa violência que a consciência realiza sobre si mesma enseja duas possíveis reações contrária: a inércia de tentar evitar o pensamento e o fortalecimento das crenças já possuídas contra esse pensamento; nenhum dos dois, porém é capaz de bloquear o caminho em curso do pensamento, a inércia é sempre perturbada por novos pensamentos e mesmo as crenças mais ferrenhamente tidas não podem satisfazer a razão que não se satisfaz com nada que seja “espécie” [ou “modo”, em Hegel, 2014, p. 74, ou, mais genericamente, particular]. Esse “medo da verdade”, como Hegel chama a representação natural que teme o erro do conhecer discutido acima, disfarça-se do tipo de cuidado com a verdade que, devido ao seu suposto zelo extremo, barra por inteiro o acesso a ela e é essa satisfação que Hegel comanda abandonar na medida em que toma somente as coisas como são para-si e não como são em-si. [§81] Aqui, explicada a necessidade o modo da progressão das figuras da consciência cuja apresentação é o objetivo da obra, Hegel se propõe a “recordar algo do método da execução” (p. 93). Essa apresentação, descrita agora como um “comportamento da ciência para com o saber fenomênico e como investigação e exame da realidade do conhecer”, não pode, diz Hegel, proceder sem a prestação de contas prévia relativamente ao seu fundamento, àquilo que autoriza o julgamento de que uma figura da consciência não constitui o seu pleno desenvolvimento; em suma: o “padrão de medida” para a desigualdade entre conceito e coisa que Hegel define como a “essência ou o em-si”. Esse padrão de medida, porém, não se encontra já disponível de saída para a ciência, uma vez que ela deve surgir justamente ao lado dos saberes fenomênicos e ser progressivamente desdobrada pelas sucessivas negações determinadas de tais saberes ou figuras da consciência. Desse modo, o parágrafo se conclui com a aparente impossibilidade de realização do exame das figuras da consciência [ou dos saberes fenomênicos] do tipo proposto por Hegel. [§82] Hegel procura sanar essa aparente contradição abordando as “determinações abstratas” das categorias do saber e da verdade “tais como se encontram na consciência”, ou seja, de modo independente do conteúdo particular que tais categorias devem assumir em seu desdobramento e desenvolvimento reais e relativo somente às operações da consciência sem considerar suas formas particulares. Inicialmente, descreve-se que a consciência deve diferenciar algo de si ao mesmo tempo em que deve se relacionar com ele, ou seja, a consciência admite uma separação entre ela e aquilo que a cerca, mas ao mesmo tempo busca se relacionar com esse algo, e esse algo agora relacionado é algo “para a consciência”, sendo que o aspecto determinado, ou seja, positivo ou com conteúdo dessa relação ou do ser de algo para a consciência é o saber. Então, no tratamento abstrato do saber na consciência, descobre- se que todo saber é saber de algo, que ele tem por excelência – e isso é determinável abstratamente– algum conteúdo na medida em que é o modo determinado de ser de algo para a consciência. O saber, entretanto, é diferente do “ser em si” daquele relacionado, pelo que ele nunca é idêntico ao saber que se tem dele e “é posto como sendo” independentemente da relação com a consciência, a isso Hegel chama de verdade. Aqui Hegel limita sua investigação pelo momento, na medida que porquanto seu objeto é o saber fenomênico, as determinações desse saber serão tomadas tal como aparecem em suas diferentes configurações ou nas diferentes figuras da consciência. [§83] Nesse curto parágrafo Hegel realiza um procedimento estrutural de central importância para sua argumentação: em nossa investigação sobre o saber, não se determina o que esse saber é em si, uma vez que, sendo ele objeto da investigação, o que obtemos dele é como ele aparece “para nós”, e “o Em-si do saber resultante dessa investigação seria, antes, seu ser para nós [utilizada a tradução de Hegel, 2014, p. 76]”. Nesse caso poderíamos apenas ter um saber sobre como o saber se nos aparece, e não a verdade sobre esse saber, seu em si e, por isso, o padrão de medida não seria outra coisa que não nós mesmos, nosso saber sobre o saber, de modo que o objeto [saber] poderia muito bem não o reconhecer. [§84] Chegou-se, então, a uma determinação posterior da aparente contradição entre o padrão de medida para a desigualdade entre conceito e coisa que impele a consciência ao movimento: a distinção entre saber e verdade só aparentemente deixou a empreitada hegeliana em terreno mais arenoso. A resposta hegeliana para tanto já foi anunciada brevemente na distinção entre consciência e aquele ser-aí limitado à sua forma imediata e incapaz de se transcender. Isso pois, se a consciência é capaz de autotranscedência, ela “dispensa essa separação ou aparência de separação [entre em-si e para-si] e de pressuposição”, ela “dá sua medida nela mesma” pelo que a consciência e aquilo com que ela se compara são idênticos, e a própria distinção mencionada incide em seu interior. Explica-se essa resposta porque a própria consciência tem em si “algum para um outro”, em seu interior já está o caráter determinado do saber, com o que se quer dizer que ela é capaz de colocar conteúdos determinados para si, o que constitui a já vista natureza do saber. Contudo, esse outro não aparece apenas para ela, mas também aparece em seu interior como um em si, fora da relação determinada do saber. A consciência é capaz de postular o em-si, isto é, ela é capaz de identificar o outro que é para ela como também sendo algo existente fora dessa relação, e é nesse outro posto para além das determinações postas pelo saber que o critério de medida já está posto pela e na consciência, não de modo independente dos saberes determinados dos objetos para ela. Trata-se do problema dos limites, a saber que, ao por um limite, ao imaginar o em-si para além das representações, já devo ter necessariamente ultrapassado esses limites, já devo ter esse em-si no interior da consciência como algo que ultrapassa o saber, mas que não está dele absolutamente desconectado, no modo como Hegel descreveu a emergência da ciência ao lado dos saberes fenomênicos, como sua negação, mas como sendo eles parte dela de alguma forma. Para demonstrar seu argumento Hegel descreve a reversibilidade dos termos utilizados para descrever o para-si e o em-si: caso se nomeie o saber como conceito e a verdade como objeto, trata-se de se o conceito corresponde ao objeto, mas se a verdade for denominada o conceito de algo e o saber específico como objeto, trata-se de se o objeto corresponde ao conceito. Ambos descrevem a mesma coisa, e para Hegel o essencial é identificar que “recaem no próprio saber que investigamos esses dois momentos, conceito e objeto, serparaumoutro e seremsimesmo” (p. 95), de modo que com isso não é mais necessário identificar padrões de medida externos a coisa, na medida em que seu em-si já incide no próprio saber da consciência que é para-si seu conceito, e nem se basear na subjetividade dos lampejos e intuições particulares. [§85] Uma conclusão importante desse argumento é que a comparação entre conceito e coisa, assim como um tal vagaroso questionamento acerca da natureza e localização do padrão de medida para a análise do saber da consciência sobre si mesma se tornam supérfluos, e “examinando-se a consciência a si mesma, também por esse outro lado resta-nos apenas o puro ver”, ou seja, que estando na consciência a distinção entre em-si e para-si, o próprio exame ou a própria apresentação da consciência em uma de suas figuras determinadas já é o suficiente para atestar a veracidade ou não desse conhecimento, não sendo necessário comparações externas ou o uso de intuições. Isso “pois a consciência é, de um lado, consciência de um objeto e, de outro lado, consciência de si mesma; consciência do que é para ela o verdadeiro e consciência de seu saber dele”. Ambos são “para a mesma”, de modo que sua comparação é feita por ela, na medida em que, como já argumentado, o fato de se conseguir ter na consciência um outro que existe fora da determinidade das relações de saber já importa em que esse outro não existe em nenhum lugar fora dela, de modo que pode ser tomado em seu interior tal qual esse saber. A correspondência entre saber e verdade sempre é para a consciência. Hegel diz aqui com todas as palavras que “justamente porque a consciência sabe em geral sobre um objeto, já está dada a distinção entre algo que é, para a consciência, o Em-si, e um outro momento que é o saber ou o ser do objeto para a consciência [utilizada a tradução de Hegel, 2014, p. 77]”. O próprio saber de um objeto já implica para a consciência identificar algo que ele é em si e aquilo que ele é para a consciência, de modo que é demonstrado a interioridade do em-si na consciência. E é quando um não corresponde ao outro que a consciência pode adentrar naquele movimento imanente e necessário de autossuperação descrito previamente. Identificada a necessidade de mudar seu saber derivado da não-identidade entre ele e o objeto, Hegel postula que essa alteração na consciência muda, também, o próprio objeto, na medida em que o saber, por ser determinado, pertencia àquele objeto particular, de modo que uma mudança de saber não pode existir sem uma mudança de objeto. A mudança do saber, de como o objeto é para a consciência, altera também como ele é em si para a consciência, pelo que esse anterior em si “vem a ser para ela o que não é em si ou o que era em si apenas para ela” (p. 96), ou ainda “o padrão de medida se altera quando o objeto do qual ele deveria ser o padrão de medida, no exame, não subsiste” [§86] Hegel caracteriza esse movimento da consciência sobre si mesma como “dialético” e na medida em que, por conta do caráter determinado da negação e do caráter imanente à consciência daquilo que os objetos são em-si, esse movimento “desponta para ela o novo objeto verdadeiro”, ele se torna “aquilo que se denomina experiência”. Passa-se então à análise mais detida do caráter desse verdadeiro de que se falou até agora, de modo a melhor explicitar o que a argumentação do livro tem de científica. Inicialmente se nota que o verdadeiro nesse caso é, em verdade, ambíguo, na medida em que é em-si, mas também é em-si para a consciência. Esses dois objetos, contudo, não estão em simples relação de representação, como já visto anteriormente na denegação daquela representação natural. Antes, como o objeto em-si se altera para a consciência na medida em que se descobre que o saber não corresponde a ele, esse primeiro objeto (o em-si), passa a ser “algo que só para ela é o em si” (p. 97) e, com isso “o serparaela desse em si é o verdadeiro, o que quer dizer, entretanto, que é a essência ou seu objeto”. O segundo objeto não representa o primeiro, ele é o primeiro transformado na medida em que se descobriu que o saber que a ele correspondia não lhe era idêntico. A insuficiência do saber em ser idêntico ao objeto torna o objeto em si insuficiente perante a consciência, aquilo que era seu em si passa ser tão somente aquilo que se representava dele na própria consciência. Então aquilo que era em-si se revela como sendo apenas em-si para a consciência e, portanto, o novo objeto, o segundo objeto, é a negação determinada do primeiro objeto, é sua “nadidade”, ou a “experiência sobre ele [o primeiro objeto] feita”. O serparaaconsciência do em-si é o, por assim dizer, verdadeiro verdadeiro na medida em que é o resultado da experiência que nega aquilo que inicialmente aparecia como o em-si e demonstra que ele é o em-si para a consciência apenas, aparecendo então como objeto de fato da consciência [§87] Hegel reconhece que nessa descrição da experiência, a noção de que o saber do primeiro objeto (seu ser para a consciência) constitua ele próprio o segundo objeto, objeto esse “em que se diz que a experiência teria sido feita”. Nessa visão, o novo objeto seria fruto de uma “reversão da própria consciência” Hegel contrasta essa ideia com uma outra, mais usual, segundo a qual a inverdade do primeiro objeto só se daria no contato com outro objeto, ou seja, de maneira “acidental e extrínseca”, que encontramos de maneira contingente. É precisamente essa primeira maneira de observar a experiência, diz Hegel, que transforma a sucessão de experiências da consciência em ciência, na medida em que estabelece sua imanência e necessidade e que ao mesmo tempo não é acessível como tal, a saber, como resultado de uma reversão necessária da própria consciência, para a própria consciência examinada. Trata-se de uma outra formulação da negação determinada, na medida em que o resultado de saber não verdadeiro um saber não verdadeiro não é o nada simplesmente, mas um nada determinado, portanto um nada que possui um conteúdo, nomeadamente “o que o saber precedente tem de verdadeiro” (p. 98). O processo pode ser agora assim descrito: ao se realizar uma experiência em um objeto, gerando assim um objeto novo que é o serparaaconsciência do em-si anterior, surge “uma nova figura da consciência, para a qual a essência é algo diverso do que para a figura precedente”, essa nova essência, esse novo em-si, constitui um novo limite dessa figura a ser posteriormente negado de forma determinada, assim garantindo a continuidade e concatenação desse processo e dessas figuras. Esse “nascimento” de um novo objeto ocorre, porém, como dito, às costas da consciência, e aqui Hegel diferencia dois níveis desse aparecer do novo objeto. Por um lado, há aí um momento do “ser em si ou do ser para nós” que é diferente daquilo que se apresenta para aquela consciência que está compreendida na experiência, isto é, temos uma visão dessa experiência como que de fora. Para a consciência que realiza a experiência, o que surge é um novo conteúdo, o objeto aparece como seu conteúdo, enquanto que para nós, para quem observa essa experiência do ponto de vista de sua totalidade, podemos compreender apenas “o que há de formal no mesmo [nascimento] ou seu puro nascer”. Para “nós”, o nascimento de um novo objeto é ao mesmo tempo objeto para uma consciência e “movimento e devir” no interior de um todo mais amplo. [§88] Por esse motivo, e aqui se encontra a síntese do que é propriamente uma Fenomenologia do Espírito, “esse caminho rumo a ciência já é ele mesmo ciência”, uma vez que já é ele mesmo saber determinando imanentemente e constituído de modo sistemático. É, portanto, especificamente “ciência da experiência da consciência”. [§89] Elaborando esse caráter sistemático, Hegel afirma que a experiência que a consciência faz sobre suas formações pregressas deve “compreender nada menos do que todo o sistema da consciência, ou todo o reino da verdade do espírito” (p. 99), de modo que as experiências não aparecem como momentos “abstratos” ou desconectados do todo do processo, mas sim como “são para a consciência”, ou seja, tal como aparecem no curso de nascimento e morte de diferentes figuras da consciência, como momentos nesse todo até o absoluto, ou o momento em que a consciência corresponde e conhece a si mesma. Esse momento corresponde à deposição de “sua aparência de ser afetada por algo estranho”, sendo que a descrição e apresentação desse momento de maneira formal “coincide exatamente com esse mesmo ponto da ciência do espírito”. Essa apreensão pela consciência de si mesmo representa o ponto em que a sua ciência, ou a ciência da experiência da consciência, culmina, no momento em que para ela a essência corresponde ao fenômeno e vice-versa, e também aí essa consciência “designará a própria natureza do saber absoluto”, de modo que o processo a ser empreendido aqui como que abre as portas para um tal saber, permite ao final alcançar sua verdadeira significação nos termos postos no início da introdução.