Economia Brasileira: Séculos XVI a XIX - PDF

Summary

This document analyzes the early modern Brazilian economy, focusing on the colonial period (16th to 19th centuries). It discusses the mercantile, colonial, and slave-based nature of the economy and the influence of European powers. The text also explores the factors related to the different phases of capitalist development and the role of the slave trade.

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CAPÍTULO 1 A empresa mercantil, colonial e escravocrata cedido por Editora nova cultural “Escravos negros vindos da África” — rugendas — Biblioteca municipal de são paulo No século XVI, a Península Ibérica destacava-se como um dos agentes mais dinâmicos do capitalismo comercia...

CAPÍTULO 1 A empresa mercantil, colonial e escravocrata cedido por Editora nova cultural “Escravos negros vindos da África” — rugendas — Biblioteca municipal de são paulo No século XVI, a Península Ibérica destacava-se como um dos agentes mais dinâmicos do capitalismo comercial. O Brasil, domínio português inserido na empresa mercantil, colonial e escravocrata que caracterizou a expansão ultramarina, figurava como uma das peças centrais do intrincado mosaico criado pelo périplo dos portugueses. Várias fontes nos ajudam a desvendar essa rica história, na qual a economia ocupa lugar nobre 1. A acumulação primitiva gerada nas colônias determinou um dos veios mais significativos da acumulação geral do capitalismo. O Brasil participava desse processo como pólo exportador de riquezas para todo o continente europeu, por intermédio de sua Metrópole. Essa marca na formação econômica brasileira viria a constituir a matriz da estrutura colonial do país, que perdurou mesmo após a emancipação política para a forma estado-nação ocorrida no século XIX. 1.1 AS TRÊS VIAS DE CONSTITUIÇÃO DO CAPITALISMO Há três casos particulares de construção do modo de produção capitalista: o caminho clássico, o prussiano e o colonial, que envolvem, nos planos teórico e prático, questões que devem ser respondidas de acordo com as possibilidades reais de cada caso. As mudanças possíveis em cada uma das vias são dadas no itinerário da inserção de cada região no capitalismo mundial. Os países líderes do capitalismo construíram seu desenvolvimento pela via clássica — forma sustentada de realizar a industrialização beneficiando-se dos ganhos da era colonial. Nos séculos XVIII e seguintes, ocorreram transformações político-econômicas a partir das revoluções democrático- burguesas. A via prussiana foi seguida pelos países de industrialização retardatária, no século XIX. Marcados pela ausência de processos democráticos de emancipação, esses países conquistaram, no entanto, sua autonomia econômica. Já os países de via colonial somavam ao atraso democrático o econômico. Vale lembrar que existem algumas semelhanças entre o capitalismo de via prussiana e o de via colonial que os afastam da via clássica, colocando-os sob o mesmo manto das formas não clássicas de transição para o capitalismo. Porém, apesar das semelhanças (como a ausência de revoluções democrático-burguesas ou a existência de grandes propriedades de terra), há também diferenças substantivas entre as duas formas: enquanto a via prussiana representou uma passagem do feudalismo para o capitalismo, a via colonial não o fez, pois nasceu 2 inserida no sistema já dominado pelo capital. Toca-se, portanto, na questão central da forma de propriedade fundiária implementada nas colônias, o latifúndio. Além disso, a forma colonial de construção capitalista criou uma burguesia sem condições de obter autonomia política para seus países e incapaz de contribuir para que eles escapassem dos marcos da dependência colonial, ou seja, da subordinação aos pólos dinâmicos das economias centrais. Em outras palavras, a burguesia dos países de via colonial não realizou nem suas tarefas econômicas, nem as políticas, diferentemente da prussiana, que deixou apenas de realizar suas tarefas políticas. ACUMULAÇÃO GERAL E PRIMITIVA A acumulação de capital foi teorizada pelo filósofo e economista alemão Karl Marx. Com sua contribuição crítica à economia política, a esteira ricardiana, sistematizou as leis gerais da produção. Ao comprar a força de trabalho, o capitalista apropria-se também do excedente de sua produção, denominado mais- valia. A realização dessa mais-valia promove a reprodução ampliada do sistema econômico, pois parte do excedente é reinvestido na produção. Como é a força de trabalho — denominada de capital variável — que cria valor, a acumulação capitalista decorre da exploração do contingente de trabalhadores, associada à utilização de máquinas, edifícios, insumos, ou seja, o capital constante. A acumulação geral de capital pressupõe a acumulação primitiva, que ocorrera na passagem do feudalismo para o modo de produção capitalista na Europa. Esse processo originário de acumulação caracterizou-se pela separação do trabalhador das condições objetivas de trabalho, principalmente a terra e as ferramentas. De maneira concomitante a essa separação, formou-se o capital comercial advindo das trocas. Portanto, a acumulação originária deve- se à reunião de riquezas pelos negociantes de mercadorias durante o renascimento comercial e urbano (a partir do século XI), ao tráfico de escravos e à apropriação das terras dos camponeses — fenômeno histórico identificado como cercamentos. A Inglaterra é o exemplo clássico de desenvolvimento econômico burguês e berço da Revolução Industrial, resultado da acumulação primitiva. 1.2 OBJETIVAÇÃO DA LÓGICA DO CAPITAL E SUA EXPANSÃO Situada a importância do contexto histórico para entendermos as relações brasileiras com as demais regiões do globo no momento atual, passemos à análise da economia colonial brasileira. Os textos clássicos discutem o tema da ocupação territorial durante a colonização da América com base na divisão entre colônias de povoamento e de exploração. As colônias de povoamento dizem respeito ao estabelecimento definitivo de europeus no Novo Mundo; caracteriza-se, como o próprio nome indica, pelo povoamento, pela busca de um novo lar, por pessoas que procuravam afastar-se de conflitos internos da Europa. No século XI, o continente europeu desenvolvia- se comercialmente, tendo alcançado notável situação socioeconômica no século XV, principalmente na Inglaterra. Ocorriam, no entanto, simultaneamente, lutas político-religiosas e transformações econômicas consideráveis, particularmente o fenômeno dos cercamentos. Durante dois séculos, grandes contingentes populacionais migraram para regiões de clima similar ao de seu local de origem, concentrando-se, prioritariamente, na zona temperada 3. As colônias de exploração centravam-se na produção de gêneros que interessassem ao mercado internacional. A diversidade de condições naturais, em comparação às européias, propiciava a obtenção de gêneros diferentes e atrativos, considerados artigos de luxo, como o açúcar, chamado, então, de “ouro branco”. Tais produtos ofereciam altas taxas de retorno para quem neles investisse. Atraídos por esses estímulos, que eram diferentes daqueles dos colonos da zona temperada, esses ocupantes buscavam enriquecer, para depois usufruir, na Metrópole, a sua nova condição. Seus interesses estavam voltados para o usufruto das vantagens potenciais, porém o esforço físico em ambiente tão inóspito deveria ficar a cargo de outros. Os colonos eram empreendedores, mas raramente trabalhadores propriamente ditos. O sentido último das ações dos donos das novas terras era o comércio, pois, com sua realização, obtinha-se o lucro. Sendo assim, como a princípio as novas descobertas não contemplaram nenhum bem comercializável, a idéia de povoar as terras brasileiras não surgiu de imediato. Entretanto, outras circunstâncias, advindas da disputa de novos aventureiros de além-mar, colocaram a necessidade da ocupação efetiva do solo e a construção de laços para além do habitual estabelecimento de feitorias — forma que assumiram as primeiras possessões portuguesas na África. Foi, portanto, por intermédio das colônias de exploração que o capital comercial se objetivou no Brasil. Inicialmente, o problema a ser resolvido dizia respeito à determinação da natureza dos gêneros que poderiam ser aproveitados no novo território. De imediato, a solução vislumbrada recaiu sobre os produtos naturais, como madeiras, destinadas à construção ou à obtenção de tinturas, cujo exemplo clássico é o pau-brasil. Posteriormente, o extrativismo viria a ser substituído pela agricultura. Sua exploração seria feita em grande escala, gerando unidades monocultoras com elevado número de trabalhadores. A necessidade de mão-de-obra abundante conheceu sua solução definitiva na escravidão africana — o tráfico negreiro viria a ser a solução encontrada dentro das regras da economia política praticada pelo mercantilismo, indo ao encontro das necessidades da acumulação primitiva, que conheceu na empresa mercantil, colonial e escravocrata um dos momentos da construção do modo de produção capitalista. 1.3 ASCENSÃO DA BURGUESIA E O PACTO COLONIAL Inicialmente, durante meio século, o descobrimento das terras nativas pareceu ser um episódio secundário para os portugueses. Enquanto os espanhóis colheram imediatamente os frutos auríferos da conquista — bastava estender a mão e alcançá-los —, os portugueses não tiveram a mesma sorte. Por isso, os principais objetivos da empreitada lusa foram comprometidos: primeiro, não haviam encontrado a almejada passagem para as ricas Índias, centro das especiarias, alvo maior das navegações. Segundo, não desfrutavam as vantagens extrativas de que gozavam os espanhóis. A notícia da existência de riquezas metálicas no Novo Mundo, contudo, espalhava-se pela Europa e fazia aumentar a cobiça em relação ao outro lado do Atlântico. As colônias ibéricas tornavam-se alvos de possíveis invasões européias. Diante de tal quadro, a ocupação efetiva revelava-se prioritária, pois, antes de qualquer outra providência maior, era necessário garantir a posse do território colonial português para além dos próprios interesses mercantis imediatos. Sendo assim, a gênese da nossa civilização ocorreu por pressões políticas das lutas no continente europeu. Os rivais europeus entendiam que os ibéricos poderiam desfrutar somente dos territórios que realmente ocupavam. E não foram poucas as vezes que esse reconhecimento caiu por terra, nas várias invasões ocorridas. Por todos esses motivos, a ocupação tinha de ser realizada, concorrendo com os recursos escassos antes destinados, prioritariamente, ao Oriente. Coube à alta administração lusa encontrar, de forma criativa, os meios produtivos adequados para maximizar as fontes de recursos. Reiteradamente, os diferentes analistas da economia política do mercantilismo sustentam a importância cabal do comércio na transição do feudalismo para o capitalismo e, conseqüentemente, o papel das navegações e dos descobrimentos na aceleração da dinâmica mercantil. Sem dúvida, as trocas mereciam papel de destaque, porém o desenho estaria incompleto se não adicionássemos fatores internos e externos à economia européia que facilitaram a realização dos grandes empreendimentos capitalistas. Como fator externo, deve-se destacar a influência dos árabes, que introduziram novos hábitos, técnicas e conhecimentos gerais no território europeu. Como fatores internos, houve o crescimento da produtividade agrícola e os avanços tecnológicos nas manufaturas, criando, assim, excedentes de alimentos e produtos manufaturados que podiam ser exportados com atrativas taxas de lucro. As feiras (núcleos das primeiras cidades modernas) e as Cruzadas também contribuíram, respectivamente, de forma local e internacional, para desenvolver o sistema econômico nascente. Essas condições estimulavam o comércio de longa distância. O incremento produtivo verificado nas atividades primárias e secundárias da economia, criando uma nova agricultura de escala diferenciada e impulsionando a manufatura, tornou-se pressuposto da expansão ultramarina e da colonização das novas terras. Essa nova realidade fez surgir novos grupos sociais, que se fortaleceram e conheceram sua ascensão política devido à força econômica e financeira das atividades mercantis. Surgiam as grandes Companhias de Comércio, organizadas em monopólios e ligadas ao aparelho de Estado, que estava passando por transição, pois era disputado por grupos de interesses antagônicos: clero, nobreza e a burguesia nascente. Ao mesmo tempo que a nobreza e a Igreja detinham a hegemonia política, dividiam com a burguesia uma legislação que se coadunava com as necessidades das novas atividades econômicas — o comércio e a manufatura. A burguesia se apresentava como contrapeso à monarquia feudal, jogando hábil xadrez na conquista de espaços políticos correspondentes a cada avanço econômico. Classe oprimida pelo despotismo medieval, avançava paulatinamente das comunas urbanas aos governos recém-unificados. A burguesia, constituída nos marcos do capitalismo, viu finalmente seus anseios de classe social serem traduzidos pela economia política do mercantilismo, por meio de uma legislação que era o reflexo dessa política: o Estado absolutista. MERCANTILISMO O Mercantilismo foi um conjunto de práticas econômico-comerciais que serviu de base à formação dos Estados da Era Moderna. Para a burguesia nascente, era indispensável a união dos territórios visando a homogeneização legal, lingüística, monetária e dos costumes em geral. A política econômica mercantilista sustentava o projeto do capitalismo comercial. Recomendava a busca de superávit da balança comercial e do balanço de pagamentos, o controle da oferta das mercadorias para maximizar os lucros e a organização das Companhias de Comércio Monopolista, que criavam leis, tarifas, selos e outras medidas para viabilizar os negócios. Entre as ações de sua plataforma política, podemos destacar o bulionismo ou metalismo, balança comercial e balanço de pagamentos favoráveis e o pacto colonial, os quais, somados à criação de tarifas, selos e atos reguladores, realizavam o projeto da força econômica emergente, circunscrita, nesse momento histórico, às tarefas da acumulação originária. PACTO COLONIAL O pacto colonial foi um dos elementos básicos constituintes da política econômica mercantilista. Consistia basicamente no exclusivismo comercial da Metrópole em relação às suas colônias, subordinando-as por meio de um conjunto de medidas econômicas e políticas. Os representantes locais das nações européias controlavam as relações comerciais e defendiam os interesses da Coroa e das Companhias de Comércio, organismos de capital misto ou estatal. Após o período em que prevaleceu a busca por metais preciosos — ou seja, a demanda por maximizar ouro e prata circunscritos às fronteiras nacionais —, cresceu o desejo pelas garantias de sempre obter saldo favorável na balança comercial. Dessa maneira, as exportações de bens foram incentivadas e as importações foram inibidas. Para tanto, os monopólios agiram com firmeza, dado que a regulamentação existente fortalecia essa política econômica, alimentando o pacto colonial nas colônias. Era uma lógica carregada de contradições, pois as medidas beneficiavam alguns setores do capital comercial, prejudicando outros. Essa marca da concorrência capitalista, já presente em germe no nascedouro do sistema, determinaria a política de alianças do poder real com grupos comerciais visando um retorno maior de seus próprios investimentos. Futuramente, na era industrial, a classe comerciante teria de romper todos esses laços que haviam garantido sua ascensão, pois a senda que a fortificara tornar-se-ia uma camisa-de-força. Em razão de seu poder econômico- financeiro, a burguesia suportaria essa transição para dar o xeque-mate posteriormente, a partir das revoluções democrático-burguesas da via clássica e das “reformas pelo alto” da via prussiana. 1.4 A MARCA DA COLONIZAÇÃO DE EXPLORAÇÃO Coube ao colonizador sistematizar o pacto colonial nos moldes dos interesses europeus, criando, no solo nativo, alternativas que permitissem auferir o lucro almejado e aproveitar as potencialidades da colônia, transformando-a em produtora efetiva de riquezas. As soluções encontradas — a princípio o extrativismo e mais tarde a plantation de cana-de-açúcar, seguidos da mineração, do renascimento agrícola e da cafeicultura — inscreveram a economia colonial na história metropolitana. As Terras de Vera Cruz consubstanciaram-se em uma inesgotável fonte de recursos, responsável junto à economia do Velho Mundo por um dos veios mais promissores da construção do capitalismo, sobretudo o inglês. A maneira encontrada pelos colonizadores para ocupar a colônia foi a exploração agrícola, superando a mera atividade extrativa realizada segundo os moldes do Oriente. A empresa foi ideada levando em conta todas as dificuldades: era preciso encontrar um produto favorável às novas condições existentes em terras virgens, sem contingente trabalhista respeitável e que gerasse altas taxas de retorno aos seus investidores. Para tal empreitada, a experiência dos portugueses desempenhou papel relevante, pois já praticavam a plantation açucareira nas ilhas do Atlântico. Por isso, já dispunham de conhecimento técnico e de uma indústria fornecedora da infra-estrutura necessária.Com produção em escala, as mercadorias portuguesas conseguiam concorrer com as italianas, a preços baixos, difundindo o hábito de consumo do açúcar. Sem dúvida, o fornecimento do açúcar brasileiro para o mercado europeu tornou-se página importante da era colonial, transformando essa especiaria em um bem de consumo tão importante que passou a interferir até mesmo nos costumes da época. Colaborando para a edificação dessa atividade com sabores lucrativos, contou-se com o capital holandês, uma vez que parte significativa dos investimentos proveio dos Países Baixos. Os batavos integraram as várias etapas, financiaram o comércio e a refinação e participaram da importação de mão-de- obra africana. Vislumbrada a viabilidade da nova empresa, tornou-se mais fácil atrair a atenção dos empreendedores. Desde o início, o problema maior, sem sombra de dúvida, havia sido o suprimento de mão-de-obra; sem esse efetivo, pouco teriam valido a experiência lusa e o capital neerlandês. Como sabemos, a mão-de-obra nativa brasileira, apesar de diversas tentativas, não se apresentou como solução definitiva da questão. A Europa não tinha condições de sofrer grandes sangrias populacionais, principalmente para cumprir esse papel, como vimos nas páginas precedentes. Somente se a paga fosse muito boa, o colono europeu se disporia a trabalhar nos trópicos. Não era o caso, pois a própria acumulação estaria comprometida se um dos fatores essenciais da produção, a força de trabalho, exigisse remuneração elevada. Mesmo a possibilidade de distribuição de terras, como ocorreu no norte dos Estados Unidos, não se mostrava viável. As populações destinadas à zona temperada davam conta dos sacrifícios de receber lotes que careciam de total 4 investimento para dar algum retorno. A união de todos os elementos descritos — técnica de produção, mão-de- obra, investimentos, mercado consumidor —, somada à necessidade da ocupação definitiva, tornou o empreendimento um sucesso. Aliados à lógica do capital comercial, foram a marca da colonização, gerando vantagens comparativas que determinaram a opção de ocupar o Brasil e romper a linha do Tratado de Tordesilhas. PLANTATION Sistema de propriedades agrícolas de grandes proporções em que se praticava a monocultura por meio da exploração de mão-de- obra escrava, durante a era colonial. A produção oriunda dessas terras destinava-se, prioritariamente, à exportação. Foi introduzido pelos portugueses, que originariamente o praticavam na ilha de São Tomé. No continente americano, foi implantado principalmente no Brasil, nas Antilhas e no sul dos Estados Unidos. Esse sistema era um dos elos que sustentavam a empresa mercantil, colonial e escravocrata. 1.5 A Q UESTÃO DA MÃO-DE-OBRA A acumulação capitalista está centrada no binômio propriedade privada e trabalho. A natureza é a fonte potencial de todos os valores de uso, e o trabalho — a mediação de sua apropriação — é gerador da sociedade. A economia política clássica, desde a sua edificação, preocupou-se em teorizar como essa dinâmica, combinada de forma eficiente, poderia gerar lucros. Na Europa, berço do capitalismo, esses elementos uniram-se por meio de variados desenhos, desde a manufatura até o sistema fabril. A forma “gremial” foi o germe da futura fábrica. O mestre artesão era o proprietário da oficina, das ferramentas e das matérias-primas (que, em alguns casos, eram recebidas no ato da encomenda) e trabalhava comseus jornaleiros. Estes, em troca de aprendizado, moradia e alimentação, ajudavam a fabricar as mercadorias cujo destino era o mercado. As indústrias têxteis desenvolveram-se a partir desse sistema, criando paulatinamente um controle autônomo da produção. Com o crescimento da economia e o desenvolvimento urbano, deu-se a separação crescente do trabalhador de seus meios de produção — terra e ferramentas —, restando-lhe a venda de seu potencial de trabalho como única fonte de subsistência. Os cercamentos constituem um dos elementos históricos mais importantes no processo de acumulação primitiva. Entretanto, o trabalho assalariado — forma clássica do sistema capitalista, pois tornou-se dominante e estendeu-se em vários ramos — não foi a única forma de trabalho presente na história do capitalismo. A escravidão moderna participou ativamente do crescimento das riquezas geradas no período mercantil, seja como pólo acumulativo no tráfico negreiro e no escambo, seja como 5 importante fonte de lucros nas plantations. No caso brasileiro, houve várias tentativas de aproveitamento do gentio. Inicialmente, a mão-de-obra indígena foi utilizada na extração do pau-brasil e depois, timidamente, na lavoura da cana-de-açúcar. Nesta última atividade, os esforços necessários para a compulsão não compensavam a empreitada. Com exceção dos jesuítas6, que lograram um real aproveitamento desse contingente produtor local nas suas missões, boa parte dos demais colonizadores resolveu definitivamente suas necessidades de fator trabalho com o uso dos escravos 7 africanos : “(É) A partir do alvará de 29 de março de 1559, dirigido ao capitão da Ilha de São Tomé e ordenando que, à vista de certidão passada pelo governador do Brasil, cada senhor de engenho pudesse resgatar até 120 escravos do Congo, pagando apenas um terço de direitos, que começa a ser menor a penúria de 8 braços africanos na colônia”. No início, registrou-se escassez no fornecimento da mão-de-obra escrava. Somente a partir do final do século XVII, os traficantes — inicialmente portugueses, substituídos por franceses e depois ingleses — atenderiam com maior regularidade à demanda brasileira de escravos. Na análise dos ciclos econômicos do próximo capítulo, demonstraremos a relação entre a acumulação predatória realizada na era colonial e o escravismo, forma de superação dos problemas encontrados pelo colono em relação à força de trabalho. Questões DE REVISÃO Quais as diferenças entre as vias colonial, clássica 1. e prussiana de constituição do capitalismo? Como podemos caracterizar a forma de 2. inserção da economia brasileira no cenário colonial internacional? Quais as diferenças mais marcantes entre colônias 3. de exploração e de povoamento? Quais as principais 4. características da empresa colonial? Qual foi a influência exercida pelas idéias 5. mercantilistas sobre a política econômica colonial? Que marcas a colonização de 6. exploração deixou no Brasil? Como foi equacionada a 7. questão do suprimento de mão-de-obra? CAPÍTULO 2 Os ciclos econômicos cedido por Editora Nova Cultural “Engenho” — Rugendas — Biblioteca Municipal de São Paulo Foram imensas as dificuldades para a implantação da agricultura e de atividades extrativas no período do Brasil Colônia. Para atrair o colono, que deveria superar as dificuldades da zona tropical, era necessário oferecer-lhe grandes propriedades de terra, como recompensa pelo grande sacrifício. Convencidos da necessidade de ocupação das terras brasileiras, os portugueses dividiram-na em lotes, denominados capitanias hereditárias, e deram início à produção agrícola na forma de plantation, como vimos nas páginas precedentes. O Brasil conheceu, então, certo florescimento econômico, mas que não se deu de maneira regular e linear, e sim sob a forma de ciclos econômicos. A teoria econômica afirma que os ciclos são flutuações nas atividades econômicas da era industrial, ou seja, alternância de períodos de expansão e de contração da economia. Tendencialmente, as crises cíclicas ocorrem em intervalos periódicos relativamente constantes. Há diversas explicações para o fenômeno e inúmeras propostas para o enfrentamento da questão. Na história econômica brasileira, o conceito de ciclos econômicos é utilizado para identificar os movimentos de crescimento e declínio das atividades extrativas (ciclo do pau-brasil), da produção agrícola (borracha, cana-de-açúcar, cacau, café) e mineradora (ouro). 2.1 A PRODUÇÃO AÇUCAREIRA O processo de mudança da mão-de-obra nativa para a negra ocorreu durante a era colonial. Foi mais rápido na região Nordeste, principalmente na Bahia e em Pernambuco, dois grandes núcleos iniciais da produção açucareira, que demandavam a força de trabalho proveniente da África. Em um segundo estágio viriam os vizinhos do Rio de Janeiro e São Vicente. Ao redor de Pernambuco, a mudança da mão-de-obra estendeu-se tanto nos eixos norte-sul como para o interior. Podemos detectar sua expansão até a fronteira com o Rio Grande do Norte. No mais, só surgiriam pequenos núcleos de menor importância no 1 Maranhão e na foz do Rio Amazonas. No resto do país, a implantação do sistema foi mais lenta. Seu custo fora das zonas nobres do eixo econômico era alto, pois as condições de viagem e os maus- tratos impostos aos escravos reduziam seus quadros pela metade, aumentando seu valor. Resolvido o fator trabalho, a monocultura pôde iniciar-se; eram extensas unidades com grande número de braços tocando a produção, sob o olhar ameaçador de um feitor, homem de confiança do proprietário. O engenho, cuja função era produzir açúcar, constituía o centro dessas fazendas. Lá, manipulava- 2 se a cana e criava-se o produto final. Com o passar do tempo, o conceito de engenho se estendeu a todas as terras e culturas, tornando-se equivalente a 3 propriedade canavieira. As extensas terras eram ocupadas principalmente com as grandes plantações, mas também com a agricultura de subsistência e pastagens dos animais. Desde a sua implantação, no século XVI, até quase o final do século XVIII, a produção açucareira foi o eixo da economia colonial. O açúcar constituía um produto nobre de exportação, por seu destaque no plano internacional. Até o século XVII, a produção cabocla era líder no mercado mundial, só vindo a perder esse lugar quando entraram no cenário americano as produções concorrentes, realizadas na América Central e nas Antilhas. Destarte, os produtores locais tiveram de começar a investir em outros produtos. O tabaco baiano não só teve boa receptividade na Europa como cumpria papel similar à aguardente no escambo feito na costa africana. Sintomaticamente, sua decadência se deu à época da proibição do tráfico negreiro, no século XIX. Ainda durante o ciclo açucareiro, Lisboa enfrentaria dificuldades advindas das invasões holandesas na região Nordeste. Com o domínio castelhano sobre a Coroa lusa, durante o século XVII, unindo a Península Ibérica sob um único governo, os neerlandeses tornaram-se inimigos de Portugal e, conseqüentemente, do Brasil. A manutenção dos interesses portugueses na região Nordeste tornou-se 4 mais difícil, sendo garantida na ponta das baionetas. Outro dado que nos aponta a relevância do período em pauta é o aumento territorial brasileiro. A defesa do monopólio açucareiro levou ao alargamento das nossas fronteiras sob o domínio ibérico, com o estímulo ao povoamento de outras faixas de terras, atingindo a região amazônica. 2.2 O CICLO DO OURO O ouro brasileiro provocaria grandes mudanças, que levariam ao esgotamento da primeira fase do açúcar. Contudo, o metal não superaria, em cifras de produção global, o montante de recursos que o açúcar forneceu ao longo da história da colônia. Quando surgiu no palco nacional, porém, fez grande alarde, atraindo todas as atenções locais e internacionais. As demais atividades declinaram diante da importância desse metal. O ouro atraiu para Minas Gerais, junto com as classes dominantes, um contigente populacional carregado pela ilusão do enriquecimento rápido. É verdade que se buscava ouro desde o início da empreitada mercantil. A descoberta imediata desse metal pelos espanhóis sempre havia alimentado a fantasia lusa de que todo o território americano estivesse repleto de jazidas auríferas, e essa esperança permaneceu viva durante dois séculos de 5 exploração. Comprovam-no as várias expedições que, desde o início, tinham se embrenhado mata adentro. Muitos membros dessas empreitadas pagaram com a própria vida a ousadia, pois quase todas se perderam, vítimas dos índios ou da própria natureza. Essas expedições assumiam diversas formas, dentre as quais destacaram-se as bandeiras paulistas, que tinham como objetivo a captura de índios. Foram esses aventureiros que encontraram o ouro mineiro na região das cidades históricas de Minas Gerais. Começou, então, a corrida ao ouro brasileiro, que, durante um século, ocuparia o centro nervoso da economia. A repercussão da descoberta do metal ocasionou um movimento migratório inédito para o Brasil, alterando o perfil populacional, sobretudo pelo surgimento de uma camada média na escala social. A mineração atraiu colonos de menores posses, devido ao tamanho mais modesto das minas brasileiras em relação às das colônias castelhanas. No que diz respeito à importância dessa migração, Furtado afirma: “Não se conhecem dados precisos sobre o volume da corrente emigratória que, das ilhas do Atlântico e do território português, se formou com direção ao Brasil no decorrer do século XVIII. Sabe-se, porém, que houve alarme em Portugal, e que se chegou a tomar medidas concretas para dificultar 6 o fluxo migratório”. A indústria da mineração consubstanciava-se na exploração das jazidas, a qual se dava, de um lado, nas lavras e, de outro, pelo trabalho dos faiscadores — homens livres e nômades que produziam isoladamente e já faziam parte do cenário europeu. Seu volume tendeu a aumentar na fase de decadência do ouro. A produção maior, no entanto, era obtida nas grandes lavras, que reuniam um número elevado de trabalhadores, a maioria dos quais era escrava. Não se registra a presença do índio. Não se pode ignorar que a produção aurífera conheceu novas modalidades de trabalho escravo em virtude de sua organização geral. Diferentemente do ciclo econômico anterior, alguns escravos gozavam de uma posição diferenciada na economia mineira, com maior mobilidade social. Podiam mesmo chegar a se estabelecer por conta própria, trabalhando por quotas e acumulando o suficiente para adquirir a própria liberdade. Essas diferenças sociais atingiam os homens livres também. No passado, somente os grandes proprietários gozavam do status advindo de sua posição dominante na estratificação social vigente. Em Minas, porém, as possibilidades eram outras e vários empreendedores de menor porte logravam sucesso na nova atividade. Vale lembrar que a atividade aurífera exigia um controle maior por parte dos colonizadores, devido à sua importância como fonte de riqueza. O controle era praticado por meio de atos, regimentos, regulamentos e vigilância local, pelo superintendente da Intendência de Minas, forma de administração especial da Coroa. É dessa época a determinação da quinta parte — o quinto — como taxação sobre o ouro extraído. A Fazenda Real enfrentava muitos contratempos para a fiscalização da cobrança desse imposto. Tratava-se de um tributo alto para os mineradores, que não pouparam criatividade para burlar o fisco e maquiar o montante da produção obtida. Foi uma longa disputa que desembocou na criação das Casas de Fundição. Todo o ouro extraído tinha de passar por esse local para ser fundido e cunhado, quando, então, no ato da colocação do selo régio, era recolhido o tributo. Estava terminantemente proibida a circulação de metal que não tivesse sido anteriormente “quintado”. As conseqüências para os infratores eram severas, chegando até o degredo para fora dos domínios luso-africanos. Todas essas medidas foram somadas a outra, mais drástica para os envolvidos no atraente negócio das minas de ouro: a decretação da quota mínima, por volta de 100 arrobas ou 1.500 quilos. Espontaneamente ou de forma compulsória, por meio do derrame, a quantia tinha que ser entregue à fiscalização. Tamanho abuso de Lisboa determinou um clima de revolta, culminando com a Inconfidência Mineira, que, apesar de todos os percalços, conseguiu pôr um fim nesses atos predatórios para a colônia. O século XVIII chegou ao seu final conhecendo a decadência da mineração brasileira. O ouro que ainda era encontrado, geralmente nos leitos e nas margens dos rios, na forma de aluvião, diferentemente daquele extraído de rochas matrizes, era pouco abundante, o que explica seu precoce esgotamento. Somava- se a esse fato o baixo nível tecnológico empregado pelo explorador, sem pesquisa ou aprofundamento de seus conhecimentos. A administração colonial, devido a seu caráter exploratório, nunca investira em educação nem na racionalização de processos produtivos, comportamento que teve reflexos na economia local e acelerou a decadência da mineração. Outra preciosidade explorada à época foram os diamantes. O Brasil tomou o lugar antes ocupado pela Índia como grande produtor de diamantes para, posteriormente, perdê-lo para a África do Sul, onde ocorreriam descobertas de grandes jazidas dessa pedra. Em comparação com o ouro, a produção brasileira de diamantes foi pequena, mas conheceu a mesma lógica exploratória. Nesse caso, a Corte acabou por assumir totalmente a questão, com controle direto sobre o Distrito de Diamantina e demais áreas. A mineração, apesar de relativamente efêmera, ocupou um lugar de destaque na história da colônia. No período de sua vigência, foi o foco das atenções no país e cresceu em detrimento das demais atividades. Houve uma corrida ao ouro de outras regiões do país em direção a Minas Gerais, a qual alterou o quadro populacional interno, promovendo a ocupação do Centro-Oeste e a mudança do eixo econômico (que até então estava localizado nas áreas de produção açucareira). Desenvolveram-se também, na região, a agricultura e a pecuária, como atividades acessórias para a manutenção da produção 7 mineradora. Outra conseqüência foi a transferência da capital, em 1763, da Bahia para o Rio de Janeiro, pois as comunicações entre Minas e a Metrópole seriam estabelecidas com mais facilidade por intermédio do porto carioca. 2.3 O RENASCIMENTO AGRÍCOLA Com o florescimento da mineração, a agricultura atravessou um período de decadência. Fenômeno oposto ocorreria no século XVIII, quando, novamente, a agricultura se tornaria a maior fonte de recursos da colônia. Sob os auspícios das vantagens trazidas pela Revolução Industrial e os progressos obtidos no mundo recém-industrializado, novas oportunidades surgiram no mercado internacional. Em consequência da aliança portuguesa com o governo inglês, que colocava Portugal numa posição privilegiada no emaranhado das guerras européias, o Brasil pôde aproveitar as novas oportunidades emergentes para oferecer, com vantagens, suas mercadorias tropicais nas rotas comerciais e investir em um novo produto: o algodão. Com novas tecnologias desenvolvidas na Revolução Industrial, esse tecido tornou-se a principal matéria-prima da época. Devido ao aumento incessante da produção fabril, o Oriente não conseguiu dar conta da demanda. A América, com suas reservas de terras virgens, foi chamada a fornecer a matéria-prima, e o Brasil passou a ocupar um lugar de des-taque naquela nova corrida. O algodão é originariamente americano. As populações nativas, inclusive os indígenas brasileiros, já o conheciam antes dos descobrimentos. Até o último quartel do século XVIII, esse produto era usado para fabricar vestimentas rudes e, ocasionalmente, exportado. Com o surto industrial, passou a ser produzido em todo o país, do Pará ao Paraná, passando por Goiás e chegando até o Rio Grande do Sul. O açúcar acompanharia o algodão no renascimento agrícola da colônia. Após um centenário de decadência, as antigas regiões produtoras renasceram. A região paulista também participou dessa nova fase, começando a demarcar sua futura posição na economia nacional. Outra produção que floresceu nesse ciclo foi a do arroz. Embora secundário em relação ao açúcar, teve certa expressão na pauta de exportações. As principais lavouras estavam localizadas, primeiro, no Maranhão e, depois, no Pará e no Rio de Janeiro. O anil foi uma esperança frustrada. Os americanos se tornaram, no século XVIII, os maiores produtores mundiais, superando a produção indiana, que era a grande fornecedora de então. Esse produto foi cultivado nos Estados Unidos, em São Domingos e também no Brasil, que chegou a exportar cinco mil arrobas pela capitania do Rio de Janeiro. Porém, nesse mesmo século começou a decadência e a liderança comercial voltou a ser exercida pela Índia. Os ingleses, com a perda de suas colônias americanas, voltaram a investir na Ásia, e a cultura de anil brasileira conheceu o declínio. Ainda no século XVIII, o cacau apareceu no cenário baiano e na região paraense. Complementarmente, observou-se no Pará a exportação de produtos florestais, tais como baunilha, cravo e canela, juntamente com as resinas aromáticas, explorando a mão-de-obra indígena, apesar de todas as dificuldades conhecidas. O café, proveniente da Abissínia, passou pela Europa antes de atingir a América e chegou ao Brasil na primeira metade do século XVIII. Adaptando-se perfeitamente ao nosso solo e sendo plantado e consumido como bebida no país, causou grande expansão na economia brasileira depois da Independência. Sua análise merecerá, na Parte 2 deste livro, um estudo minucioso, pois sua ascensão e seu auge ocorreram já fora dos marcos da época colonial. Por ora, é suficiente lembrar que esse produto surgiu, paradoxalmente, como um gênero de menor importância. No início, foi desprezado em favor do açúcar, mas acabaria por figurar praticamente isolado na balança comercial cabocla a partir do Segundo Império. Esse fato deveu-se, em grande parte, à posição adotada pelos Estados Unidos, que, menosprezando os grandes centros, até então os maiores produtores, voltaram os olhos para a produção brasileira. Caio Prado Jr. relata que: “Os Estados Unidos, grandes consumidores de café, voltar-se-ão (…) para os novos produtores (…). Em particular o Brasil, favorecido além do mais, com relação a eles, pela sua posição geográfica. A produção cafeeira encontrará nos Estados Unidos um dos seus principais mercados; em meados do século, quando o café se torna o grande artigo de exportação brasileira, aquele país absorverá mais de 50% dela. E essa porcentagem ainda crescerá com o tempo” 8. O renascimento agrícola colonial marcou a superação da era da mineração. Definitivamente, a agricultura retomou sua importância e foi reconhecida como a base da economia local. Novamente, o Brasil voltou-se do interior para a costa, cumprindo um papel de colônia de exploração. Esse novo surto não teve uma longa vida no Nordeste, pois, já na segunda metade do século XIX, o Centro-Sul tomaria a liderança, enquanto se assistia ao declínio das regiões Norte e Nordeste e à ascensão do Sul e do Sudeste, na época do Brasil politicamente independente. 2.4 ENTRAVES À CONSOLIDAÇÃO DO CAPITALISMO Um dos nódulos mais significativos no desenvolvimento da sociedade capitalista é a formação do mercado interno. A economia colonial do Brasil, na fase açucareira, era orientada apenas para o mercado externo. As exportações de açúcar geraram um enorme afluxo de receitas em direção à colônia, mas a riqueza obtida acabou sendo despendida com importações, ou seja, retornou às economias centrais, enriquecendo um seleto grupo de colonizadores e comerciantes. A economia brasileira não logrou frutos substantivos que fossem responsáveis por inaugurar uma nova era. Ao contrário, entrou e saiu dos ciclos econômicos da era colonial com a marca de uma economia subordinada aos centros hegemônicos do capital. O país permanecia povoado por uma massa humana em sua maioria escravizada ou vivendo de subsistência, impossibilitada de formar um contingente consumidor relevante que gerasse um mercado local nos moldes daqueles dos países de capitalismo desenvolvido. A economia mineira foi mais propícia à formação de um mercado interno, ainda que restrito, do que a economia centrada no açúcar. Apesar de ter gerado uma lucratividade inferior à da sua antecessora, a economia mineira criou um cenário um pouco mais promissor para a colônia. De fato, longe da costa, em alguns casos compensava à atividade local suprir necessidades antes satisfeitas pela importação. Acrescente-se também a menor concentração de renda do ciclo aurífero com relação ao ciclo açucareiro, propiciando maior mobilidade social com um padrão de consumo mais elevado do que o encontrado no cenário anterior. Entretanto, o fator mais dinâmico que efetivamente poderia tirar o país de seu atraso estrutural — a produção manufatureira — não vingou. Em vista das dificuldades existentes na própria Metrópole, dificilmente a colônia apresentaria faceta diferenciada nesse setor. São famosas as análises do Tratado de Methuen e suas conseqüências para a manufatura portuguesa: “O pequeno desenvolvimento manufatureiro que tivera Portugal a fins do século anterior resulta de uma política ativa que compreendera a importação de mão-de-obra especializada. O acordo de 1703 com a Inglaterra (Tratado de Methuen) destruiu este começo de indústria e foi de conseqüências profundas tanto para Portugal como para sua colônia. Houvessem chegado ao Brasil imigrantes com alguma experiência manufatureira, e o mais provável é que as iniciativas surgissem no momento adequado, desenvolvendo-se uma 9 capacidade de organização técnica que a colônia não chegou a conhecer”. Nessa fase da indústria nascente, contudo, não se logrou dar um passo adiante. O ouro brasileiro, provavelmente, foi o maior responsável por todos esses entraves, pois entorpeceu a Metrópole, desest-imulando avanços da dinâmica fabril. Usado para vencer a decadência do fim do período açucareiro, foi consumido nas trocas com produtos ingleses, baseadas no Tratado de Methuen, favorecendo os produtores de vinho portugueses. Por diversas razões, como vimos, o Brasil não foi capaz de adentrar o século XIX com uma ampla e dinâmica economia de mercado. Inserido desde o início na periferia do sistema capitalista, não pôde converter as imensas riquezas que tinha produzido durante três séculos de sua história em desenvolvimento econômico e social. Sua passagem de uma era para outra — de colônia para estado-nação — seria carimbada pela permanência do atraso estrutural vivido pelo maior país do continente sul-americano. Na primeira metade do século XIX, após o fim do período colonial, na época do renascimento agrícola, não se registravam alterações substantivas nessa estrutura brasileira arcaica. Mesmo com essas vicissitudes, a exploração lusa conseguiu dominar, por longo tempo, um vasto império colonial e determinar esse modus vivendi. Encontrando-se a Europa dividida em lutas internas, havia menos motivação ainda para que Portugal mudasse sua política colonial. Portugal perdera sua autonomia para a Espanha quando ainda gozava, com os holandeses, das benesses do açúcar brasileiro. Não foram poucas as sangrias financeiras durante os 60 anos em que ficou subordinado aos castelhanos. Quando retomou o controle sobre seus territórios, temeu ser atropelado pelas nações européias concorrentes do período setecentista. A neutralidade era impossível nesse cenário de nações bem mais fortes que o enfraquecido reino luso. Restava-lhe a aliança dos ingleses como último recurso. Com a busca pelo apoio britânico, o Brasil sofreria uma nova sangria de riquezas. No século XIX chega a família real ao Brasil, fugindo das guerras napoleônicas. Mesmo podendo-se registrar algumas modificações na colônia, nada realmente diferenciado do que descrevemos até aqui ocorreu. Ao contrário, o Brasil firmou-se definitivamente como dominação inglesa intermediada pelos portugueses, afastando-se de uma economia capitalista dinâmica. Diferentemente do capitalismo de via clássica e de via prussiana, o capitalismo de via colonial não consegue realizar uma política econô-mica autônoma e um capitalismo sustentado. A acumulação capitalista advinda da produção de tantas riquezas no Brasil migrou para a Europa, pólo hegemônico do capitalismo mundial, ou seja, produziu-se para a Metrópole, não se retendo na colônia o resultado de tantos esforços. As relações arcaicas de produção e comercialização que procediam da organização do sistema produtivo brasileiro emperravam as leis da acumulação capitalista. No Brasil, bem como nas demais colônias, a evolução do capitalismo não foi acompanhada de um período de idéias iluministas, que gerasse pensamentos humanistas, mesmo que utópicos, para formar o cidadão consciente e uma comunidade democrática, como lembra Coutinho, na sua análise sobre os dilemas brasileiros: “Os movimentos neste sentido, ocorridos no século passado e no início deste século, foram sempre agitações superficiais, sem nenhum caráter verdadeiramente nacional e popular. Aqui, a burguesia se ligou às antigas classes dominantes, operou no interior da economia retrógrada e fragmentada. Quando as transformações políticas se tornaram necessárias, elas eram feitas ‘pelo alto’, através de conciliações e concessões mútuas, sem que o povo participasse das decisões e impusesse organicamente a sua vontade coletiva. Em suma, o capitalismo brasileiro, em vez de promover uma transformação social revolucionária — o que implicaria, pelo menos momentaneamente, a criação de um ‘grande mundo’ democrático — contribuiu, em muitos casos, para acentuar o isolamento e a solidão, a 10 restrição dos homens ao pequeno mundo de uma mesquinha vida privada”. A economia talvez seja uma das áreas mais ricas em que se faziam mais evidentes esses sinais de isolamento e concentração. Durante mais de três séculos de colonização da Coroa portuguesa, o Brasil não organizou, de forma autônoma, uma produção agrícola. As vicissitudes que acompanharam a história produtiva inicial trazem, até os dias atuais, suas cores estampadas nas contradições de uma forma capitalista que ainda não consegue propiciar chances reais de ascensão social para a grande maioria da população. A esperança de muitos economistas de que o capitalismo poderia, por seu desenvolvimento crescente e pelas leis da economia de mercado, resolver os problemas materiais dos países periféricos ainda não se concretizou. Já segundo a escola estruturalista, a Teoria das Vantagens Comparativas, fruto daquela esperança e modelo de interpretação da dinâmica capitalista, não passou pelo teste da história colonial, colocando novas questões para a teoria econômica resolver. Tais questionamentos dizem respeito à relação entre a análise da época colonial e a dos demais capítulos da economia política geral e brasileira, desafiando o economista a buscar novas criações analíticas que dêem conta do passado e do presente. O passado não poderá ser mudado, mas a sua elucidação gerará, para o presente e o futuro, novas perspectivas. VANTAGENS COMPARATIVAS Possuem vantagens comparativas os bens, produzidos em um determinado país, cujos custos de produção sejam menores que os de outro país. As vantagens comparativas podem ser naturais ou adquiridas. As naturais são aquelas ligadas aos produtos agrícolas e as adquiridas são aquelas ligadas à produção de bens industriais. Esse conceito econômico é originário da economia política clássica e foi seguido pela escola marginalista. Após a Segunda Guerra Mundial, a Teoria das Vantagens Comparativas foi criticada pelos estruturalistas cepalinos, como Raúl Prebisch e Celso Furtado11. A inserção da economia brasileira na divisão internacional do trabalho é definida, desde a colonização da América, pela empreitada comercial marítima da Europa. No século XIX, mesmo conquistando sua independência política, o Brasil não rompeu os laços de subordinação estrutural aos pólos hegemônicos do capitalismo internacional. Desde o início de sua história como colônia o país se encontra diante da problemática da emancipação, que perdura até os dias atuais e tem alimentado um rico debate, no qual podemos vislumbrar pelo menos três grandes correntes de pensamento. A primeira delas identifica a solução dos problemas econômicos do país na sua incorporação ao mercado internacional de forma passiva, isto é, sem acirrar as contradições com o sistema financeiro arquitetado pelos países hegemônicos e aceitando pacificamente as regras do jogo ditadas por eles. Trata-se da abertura para o capital externo em nome da integração com o mercado mundial e da aceitação da livre concorrência 12. A segunda corrente defende a possibilidade de o país ainda ser um centro autônomo dentro do capitalismo, conseguindo sua emancipação econômica com um controle próprio da lógica do capital. O desenvolvimento econômico poderia ser alcançado desde que certas políticas econômicas garantissem nossa soberania, por meio de protecionismo e de uma participação agressiva do Estado na economia, quer como catalisador e financiador do processo de industrialização, quer como produtor direto de serviços públicos e mesmo de bens 13 intermediários como aço, petróleo e produtos químicos. A terceira posição defende a superação da dependência econômica brasileira pelo rompimento com o modo de produção capitalista. Não existiria possibilidade de emancipação econômica e, conseqüentemente, política, nas hostes do capital, mas apenas para além de sua tutela. Romper com a subordinação e com o subdesenvolvimento, segundo essa corrente de pensamento, seria romper com o capitalismo14. Questões DE REVISÃO Qual foi o legado sócio- 1. político-econômico do ciclo do açúcar? Que relação pode ser estabelecida entre 2. mineração e formação do mercado interno? Que razões explicam o 3. renascimento agrícola brasileiro? Aponte que produtos tiveram alguma importância econômica durante o período 4. colonial, além daqueles representativos dos grandes ciclos econômicos. Quais foram os principais obstáculos ao 5. desenvolvimento capitalista no Brasil Colônia? Que herança restou-nos da era colonial, traduzida 6. nas contradições da economia brasileira? De que maneira o Brasil 7. poderia alcançar sua emancipação econômica?

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