Situação Clínica: Solidão, Cristalização da Identidade Feminina e a Clínica Psicológica Existencial (PDF)
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This document discusses a clinical situation focusing on the relationship between loneliness, the crystallization of female identity, and existential psychological approaches. It explores the interplay of philosophical thought with clinical psychology, including questioning the role of pre-conceived notions and expectations in a therapeutic setting.
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SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Principais questões desveladas: A transposição do pensamento filosófico para a psicologia clínic...
SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Principais questões desveladas: A transposição do pensamento filosófico para a psicologia clínica – aplicabilidade do pensamento filosófico à clínica psicológica. Tomar cuidado para não tornar a clínica nem uma filosofia aplicada (filosofia clínica), ou o contrário, fazer uma mera aplicação teórica desses esclarecimentos e concepções filosóficas. Mas sim realizar um exercício cuidadoso de questionamento e reflexão nos sustentando num espaço que é um espaço de manter esse exercício de pensamento que a filosofia nos proporciona e ao mesmo tempo pensar esse caráter ôntico e concreto da vida das suas formulações existenciais e no seu sofrimento. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial O perigo da prescrição na clínica – perigo em tomarmos os direcionamentos clínicos como prescritivos. Quando de certo modo conhecemos de antemão aquilo que queremos alcançar, ou seja, podermos apontar previamente um certo direcionamento moral, onde já tomamos aquilo que “é melhor”, “o caminho ideal”, ou aquilo que entendemos de antemão como uma libertação ou cura. A cura é o objetivo da clínica psicológica? – Não e sim. Não, pois não sabemos de antemão o que seria curar-se, mas por outro lado, sim, uma vez que com a relação que se estabelece na clínica, possamos sustentar o espaço de pensamento que se demora ao pensar sobre as orientações do mundo que nos aprisionam em um dever ser. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Demorar no espaço do pensamento (pergunta ingênua) no sentido de oportunizar o exercício do pensamento, ou seja, não responder às perguntas (perguntas da Flávia) Toda pergunta nos coloca e sustentar o lugar do terapeuta diante de um não saber, de um enquanto aquele que não sabe não-ser. Nos coloca diante o as respostas. Não sustentar a caráter de negatividade e de expectativa da Flávia: que ela indeterminação. vai alcançar as respostas Abre-se possibilidades de prontas que procura (ela busca, singularização. a princípio, um caminho mais ou menos direto e imagina que o analista dirá como ela deve agir. O analista não direciona as escolhas da paciente. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial A não-resposta não representa um furtar-se de responder não é um juízo negativo da resposta (eu não vou te dizer). A não-resposta é um deixar aberto para sustentar o espaço de reflexão. Um espaço que permite a possibilidade da responsividade. Considerar que toda articulação de sentido se dá a partir do horizonte histórico fundamental de cada modo de ser. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial A cristalização da identidade feminina de Flávia aparece na redução da realização de si (projeto existencial encurtado), devido sua realização ser unicamente por meio das relações amorosas. A realização da própria existência reduzida a conquista de uma relação amorosa (ser mulher é se realizar por meio de uma relação afetiva). Quando esse projeto ôntico concreto não se confirma na experiência dela, o sofrimento é avassalador. Ela acredita que não há outra possibilidade existencial para ela, a não ser a da relação amorosa. A identidade feminina (para Flávia) se reduz às relações amorosas (redução do processo identitário do que é ser mulher). SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Mas é a partir dessa não realização amorosa, que na concepção dela é um fracasso, que outras possibilidades, tornam-se possíveis. Pouco a pouco. Falar de cristalização de um processo identitário é algo próprio da existência, na medida em que a existência se constitui num mundo a partir desse âmbito singular e universal, ou seja, a partir dessa liberdade que é uma liberdade sempre em situação (uma liberdade situada historicamente) e é nesse âmbito singular/universal que as coisas são possíveis. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial As identidades são aquilo que acreditamos que nos constitua. Flávia acredita que para ser mulher, completa e realizada, precisa estar namorando alguém, futuramente casar-se, e corresponder a isso que ela acredita que seja o ideal para uma mulher (o ser dela enquanto projeto), ou seja, ela precisa se fazer mulher nesse âmbito. Ela tem de ser mulher. Ela persegue esse ser mulher numa tentativa de uma identificação plena com aquilo que ela acredita que corresponda a essa plenitude ideal. Ela se esforça para o alcance de uma determinada plenitude. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade Por isso tanto feminina e a clínica psicológica existencial sofrimento. Ela fala dessa dor que dilacera. De início a Flávia Desse sufocamento. Esse obscurece, fecha caráter de estar imersa nessa possibilidade qualquer outra única de realização que possibilidade de sufoca, pois não há ali, realização. de certo modo a própria experiência da abertura, mesmo sendo sempre abertura originária. A analista vai sustentando o exercício interrogatório, de Deposita no questionamento, especialista a aposta convidando a do caminho, da analisanda a também resposta, do alívio. perseguir o próprio caminho de questionamento (p.33). SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial A analista esclarece que há uma diferença fundamental em sanar o sofrimento e acompanhar o sofrimento. O que não deixa de ser um convite para a própria analisanda mergulhar no sofrimento (e que na maioria das vezes a gente procura evitar). A analista vai então se aproximando do sofrimento, dessa dor que a Flávia sente, e pergunta o que tanto dói. A Flávia vai mostrando todas a sua desilusão com o fim do relacionamento que ela acreditava que seria pra sempre. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Essas ilusões não se sustentam e vão aparecendo no decorrer do processo terapêutico, enquanto colocações que não se confirmam. Essas expectativas que não vão se confirmando, vão abrindo um certo vazio. É na destruição dessas ilusões (acreditava que ele voltaria para ela), que se dá no âmbito da psicoterapia, que lacunas se abrem, e nas lacunas, possibilidades. A própria tensão que a analista vai mantendo (ela não direciona, não teoriza, não prescreve, não tutela - entrega a tutela de si, à Flávia), ou seja, não aponta as possibilidades, não dá forma a elas. Então, é essa tensão que mantém e sustenta a flexibilização do que se pode (o que Kierkegaard vai chamar de possibilidade para a possibilidade). SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Sustentar essa fragilidade existencial, o não-saber, é que possibilita outras possibilidades de realização, como vai acontecendo pouco a pouco com a Flávia. Ela vai somando algumas experiências fracassadas, e vai entendendo (não intelectivamente), mas vai experimentando que essas expectativas que ela costuma ir lançando no outro, depositando no outro, e que não se satisfazem, compõem a compreensão (por esse viés interpretativo/Heidegger) de que é possível ser de outro modo-de-ser. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial A soma das experiências fracassadas de Flávia desvelam a compreensão de que isso que ela vai depositando nos outros, (que esse outro iria sempre suprir), esse anseio de realização, ela vai aos poucos se apropriando, no sentido de pensar que há outros modos de também estar bem, de se realizar, de estar alegre com outras conquistas que não são somente as conquistas amorosas (a própria entrada na universidade). Então, essas outras experiências, conjugadas à própria experiência terapêutica, vai mostrando para ela, que não é a ordem do seu querer que vigora, e mais do que isso, que o outro como aquele único que pode oferecer a possibilidade de realização plena da sua identidade feminina, perde a potência. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Ela conquista de certa forma, um modo de ser (uma conquista temporal, que se dá no jogo da vida, na existência, ou seja, é uma conquista que se ganha e se perde) ela não deixa de se movimentar por meios de processos de identidade (porque isso é do mundo), mas movimenta-se de uma forma muito menos cristalizada. O processo identitário é algo que se modula no plano concreto e que possibilita que nós possamos vir-a-ser. A tarefa clínica que se deu pelo exercício da reflexão, possibilitou à Flávia a abertura de novas possibilidades de ser mulher. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Na medida em que a terapeuta sustenta a pergunta, a própria analisanda (Flávia), se mantém em uma atmosfera de questionamento também. Porém, não podemos dizer que essa postura da analista necessariamente oportunizaria esse tipo de compreensão (resposta) de todos os clientes, pois, se assim fizéssemos estaríamos nos voltando para as psicologias que utilizam o aparato da técnico/teórico calculante para provocar determinados efeitos provocados a priori. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Mas é o contrário disso. Sustentar as questões, ou seja, sustentar a tensão existencial, é demorar se em si, nesse âmbito da própria abertura da indeterminação, é poder sustentar também a possibilidade de rearticulações existenciais. Como foi o que aconteceu com a Flávia e foi se dando pouco a pouco, vagarosamente, na sua relação com o mundo. Mas cabe ressaltar que poderia também ter sido num piscar de olhos. Não há regras nesse sentido. Flávia vai se apropriando de outras formas de realização, mas também sustentando a inicial, que é a realização amorosa. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial O que está em jogo na situação clínica da Flávia é a conduta da cristalização da identidade feminina, e isso não significa que a realização de si por meio de relacionamento amoroso, namoro, casamento, não possam se conjugar em outros âmbitos. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Sobre a clínica fenomenológica, não podemos pensá-la como algo que se confunda com a poesia. A poesia a gente fala, contempla, gosta, tem um certo gozo... O que inclusive, pode acontecer quando a gente vê as metamorfoses, as transformações de um analisando, que se dão em uma articulação do instante, e que acontecem porque acontecem... SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial Porém, se acreditarmos que as transformações só se dão dessa forma, não tem mais o porque ter clínica. A clínica da psicologia fenomenológico-existencial, sustenta, deixa amadurecer... pacientemente o clínico aguarda, para que a possibilidade de transformação possa acontecer. Então não é só pelo instante que algo se mostra e se transforma, existem outros modos de algo poder se transformar. Tomemos cuidado para não nos anteciparmos ao tempo, ao espaço. SITUAÇÃO CLÍNICA Solidão, cristalização da identidade feminina e a clínica psicológica existencial A poesia é importante para despertar o nosso sensível em relação às coisas. Mas a clínica tem um diferencial, onde ela dialoga com a literatura, dialoga com a filosofia, mas ela guarda em si mesmo uma singularidade que nem a filosofia e nem a literatura conseguem abarcar.