Psicopatologia - Ansiedade - Dalgalarrondo PDF

Summary

This book discusses various anxiety disorders and related conditions, exploring the prevalence, symptoms, and different types of anxiety, such as generalized anxiety disorder and panic attacks. It also covers disorders like phobias, social anxiety, post-traumatic stress disorder, and obsessive-compulsive disorder. The textbook presents a comprehensive overview for further mental health practice guidance.

Full Transcript

31. Síndromes ansiosas e síndromes com importante componente de ansiedade SÍNDROMES ANSIOSAS Neste capítulo, serão abordados os transtornos mentais nos quais sintomas ansiosos configuram formas “puras” ou “quase puras” de transtornos de ansiedade (transtorno de ansiedade generalizada [TAG]...

31. Síndromes ansiosas e síndromes com importante componente de ansiedade SÍNDROMES ANSIOSAS Neste capítulo, serão abordados os transtornos mentais nos quais sintomas ansiosos configuram formas “puras” ou “quase puras” de transtornos de ansiedade (transtorno de ansiedade generalizada [TAG] e transtorno de pânico) ou aqueles nos quais a ansiedade tem importância central ou muito relevante (fobias, ansiedade social, estresse pós-traumático, quadros dissociativos e conversivos, quadros hipocondríacos e de somatização e transtorno obsessivo- compulsivo [TOC]). As síndromes ansiosas representam os transtornos mentais mais frequentes e apresentam, mundo afora, prevalência na vida em torno de até 17 a 30% e, no último ano, em torno de até 11 a 18% (Somers et al., 2006; Kessler et al., 2007; Remes et al., 2016). No Brasil, estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram pelo menos algum transtorno de ansiedade e/ou fobias, nos últimos 12 meses, em 18,8 a 20,8% da população e pelo menos uma vez na vida em 27,7 a 30,8% (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). As síndromes ansiosas “puras” são ordenadas inicialmente em dois grandes grupos: quadros em que a ansiedade é constante e permanente (ansiedade generalizada, livre e flutuante) e quadros em que há crises de ansiedade abruptas e mais ou menos intensas. São as chamadas crises de pânico, que podem configurar, se ocorrerem de modo repetitivo, o transtorno de pânico (Hollander; Simeon, 2004). O Quadro 31.1 resume os principais elementos desses dois transtornos segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5) e a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-11). Quadro 31.1 | Critérios diagnósticos para os transtornos de ansiedade segundo o DSM-5 e a CID-11 TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA (TAG) ATAQUE DE PÂNICO E TRANSTORNO DE PÂNICO Ansiedade, apreensão e preocupações excessivas na maioria dos Ataque de pânico dias, por muitos meses (no DSM-5, pelo menos seis meses), em Crises de ansiedade, de intenso desconforto ou de sensação diferentes atividades e eventos da vida. Além disso, a pessoa de medo que alcançam um pico em minutos (geralmente não considera difícil controlar a preocupação e a ansiedade. duram mais que meia ou uma hora), com pelo menos quatro A ansiedade e a preocupação estão associadas a pelo menos mais dos seguintes critérios: três dos seguintes sintomas: palpitações ou taquicardia inquietação ou sensação de estar “com os nervos à flor da sensação de falta de ar, desconforto respiratório pele” sensação de asfixia ou de estar sufocando cansaço fácil, fatigabilidade suor de mãos, pés, face, geralmente frio dificuldade de concentrar-se medo de perder o controle ou enlouquecer irritabilidade, “pavio curto” medo de morrer, de ter um ataque cardíaco tensão muscular, dificuldade de relaxar tremores ou abalos alteração do sono (dificuldade de pegar no sono ou mantê-lo) formigamentos ou anestesias nos dedos e nos lábios O foco da ansiedade ou preocupação não é decorrente de outro ondas de calor ou calafrios transtorno mental (como medo de ter crises de pânico, ser desrealização (sensação de que o ambiente familiar contaminado – no caso de TOC –, ganhar peso – no caso da está estranho) ou despersonalização (sensação de anorexia) estranheza quanto a si mesmo) Ansiedade, preocupação ou sintomas físicos causam sofrimento tontura, instabilidade significativo ou prejuízo no funcionamento social. dor ou desconforto torácico náusea ou desconforto abdominal Transtorno de pânico Ter ataques de pânico de forma repetitiva e inesperada Pelo menos um dos ataques foi seguido por período mínimo de um mês com os seguintes critérios: preocupação persistente com a possibilidade de ter novos ataques preocupação com implicações ou consequências dos ataques, como perder o controle, enlouquecer ou ter um infarto alterações do comportamento relacionadas aos ataques (evitar aglomerações, evitar sair de casa) presença ou não de agorafobia associada O transtorno não é devido a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (medicamento, uso de substâncias) ou a uma condição médica ou doenças (como hipertireoidismo, lúpus, diabetes, entre outras). Transtorno de ansiedade generalizada O quadro de TAG caracteriza-se pela presença de sintomas ansiosos excessivos, na maior parte dos dias, por vários meses. A pessoa vive angustiada, tensa, preocupada, permanentemente nervosa ou irritada. Nesses quadros, são frequentes sintomas como insônia, dificuldade em relaxar, angústia constante, irritabilidade aumentada e dificuldade em concentrar-se. São também comuns sintomas físicos como cefaleias, dores musculares, dores ou queimação no estômago, taquicardia, tontura, formigamento e sudorese fria. Alguns termos populares para esses estados são: “gastura”, “repuxamento dos nervos” e “cabeça ruim” (ver Glossário no hotsite do livro). Para se fazer o diagnóstico de uma síndrome ansiosa, também é necessário verificar se os sintomas ansiosos causam sofrimento clinicamente significativo e prejudicam a vida pessoal, social e ocupacional do indivíduo. No Brasil, estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de TAG, nos últimos 12 meses, em 2,2 a 3,5% da população e, pelo menos uma vez na vida, em 5,8 a 6,0% (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). Transtornos da personalidade (TPs) ocorrem com frequência associados ao TAG; os diagnósticos de TP mais frequentes nesse grupo são borderline e paranoide (Marco, 2013; Latas; Milovanovic, 2014). Crises de ansiedade, crises de pânico Em muitos pacientes, a ansiedade se manifesta sob a forma de crises intermitentes, com a eclosão de vários sintomas ansiosos, em número e intensidade significativos (Nardi; Valença, 2005). Associados às crises agudas e intensas de ansiedade, pode ou não haver sintomas constantes de ansiedade generalizada. Assim, as crises de pânico são crises marcantes de ansiedade, nas quais ocorre importante descarga do sistema nervoso autônomo. Nelas ocorrem sintomas como batedeira ou taquicardia, suor frio, tremores, desconforto respiratório ou sensação de asfixia, náuseas, formigamentos em membros, dedos e/ou lábios. Nas crises intensas, os pacientes podem experimentar diversos graus da chamada despersonalização, que se revela como sensação de a cabeça ficar leve, de o corpo ficar estranho, sensação de perda do controle, estranhar-se a si mesmo. Pode ocorrer também a desrealização, ou seja, a sensação de que o ambiente, antes familiar, parece estranho, diferente, não familiar. Além disso, ocorre com frequência nas crises de pânico um considerável medo de ter um ataque do coração, um infarto, de morrer e/ou enlouquecer. As crises são de início abrupto (chegam ao pico em 5 a 10 minutos) e de curta duração (duram em geral 15 minutos, raramente mais de 1 hora). São muitas vezes desencadeadas por determinadas condições, como estar em aglomerados humanos, ficar “preso” (ou com dificuldade para sair) em congestionamentos no trânsito, supermercados com muita gente, shopping centers ou estar em situações de ameaça (Costa Pereira, 1997). Transtorno de pânico Denomina-se o quadro de transtorno de pânico caso as crises sejam recorrentes, com desenvolvimento de medo de ter novas crises, preocupações com possíveis implicações da crise (perder o controle, ter um ataque cardíaco ou enlouquecer) e sofrimento subjetivo significativo. O transtorno de pânico pode ou não ser acompanhado de agorafobia, ou seja, muito desconforto e fobia de lugares amplos e aglomerações (Nardi; Valença, 2005). No Brasil, estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de transtorno de pânico, nos últimos 12 meses, em 18,8 a 20,8% da população e, pelo menos uma vez na vida, em 27,7 a 30,8% (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). Pessoas com transtorno de pânico têm, com bastante frequência, TP, e até um terço dos pacientes com transtorno de pânico pode ter um TP associado, como TP borderline, evitativa e paranoide (Marco, 2013; Latas; Milovanovic, 2014). Transtorno de ansiedade de separação (CID-11 e DSM-5) Sobretudo em crianças, pode haver medo e ansiedade importantes relacionados a separar-se de pessoas significativas, percebidas como protetoras (mães, avós, pais, entre outras). Tipicamente, a criança tem muito medo e ansiedade de, para ir à escola, separar-se da mãe ou de outros membros da família. Chora muito, fica muito ansiosa e amedrontada, tem medo de que algo muito ruim ocorra. A criança muitas vezes pede ou exige que a mãe fique com ela na sala de aula. Também pode ter dificuldades em dormir sozinha e/ou ter pesadelos relacionados à separação. Em adultos, isso pode ocorrer com o(a) companheiro(a) romântico(a) (separar-se do[a] namorado[a] ou esposo[a]). Para o diagnóstico, os sintomas devem durar muitos meses e ser suficientemente graves, prejudicando o desenvolvimento escolar, pessoal e social da criança, adolescente ou adulto. Síndromes ansiosas de base orgânica Os quadros de ansiedade podem ser de origem orgânica, isto é, pode ocorrer uma síndrome ansiosa (em crises de pânico ou ansiedade generalizada) que é claramente resultante de doença física, uso de fármacos, substâncias ou outra condição orgânica. Nesses casos, a síndrome ansiosa associa-se temporalmente à instalação de uma doença orgânica (p. ex., hipertireoidismo, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer, entre outras) ou ao uso de medicamentos, como corticoides, antiparkinsonianos, anti-hipertensivos, ou substâncias tóxicas, como cocaína, álcool, maconha, gasolina, chumbo ou mercúrio. As síndromes ansiosas também são comuns nos quadros psicopatológicos associados ao período pré-menstrual e ao puerpério e relacionados a grandes cirurgias (como transplante cardíaco). Na ansiedade de base orgânica, é particularmente frequente a presença da irritabilidade e da labilidade do humor. A Tabela 31.1 apresenta as principais causas das síndromes de ansiedade secundárias ou orgânicas, assim como as principais substâncias que desencadeiam ou causam depressão. Tabela 31.1 | Principais doenças físicas, condições médicas e substâncias associadas aos quadros de ansiedade orgânica DOENÇAS FÍSICAS FREQUÊNCIA (%) Hipertireoidismo 60% Hipotireoidismo 30-40% Esclerose múltipla 32% Câncer Fases iniciais: 15-23% Fases terminais: 69-79% Doença pulmonar Fases iniciais: 32-57% obstrutiva crônica Fases terminais: 51-75% Acidente vascular 18-25% cerebral Síndrome do ovário 20% policístico Doença coronariana 10-50% Insuficiência cardíaca 2-49% congestiva Doenças 11-49% cardiovasculares Diabetes 1-16% Substâncias que Corticosteroides, simpatomiméticos (ou outros broncodilatadores), cafeína, hormônios tireoidianos, produzem ou antiparkinsonianos, anticolinérgicos, anti-hipertensivos, inseticidas organofosforados, gases asfixiantes, dióxido e desencadeiam monóxido de carbono, gasolina, tinta, cocaína, álcool, Cannabis, alucinógenos quadros ansiosos Fontes: DSM-5 (APA, 2014); Remes et al., 2016. SÍNDROMES COM IMPORTANTE COMPONENTE DE ANSIEDADE (FOBIAS E ANSIEDADE SOCIAL, DISSOCIAÇÕES, CONVERSÕES, SOMATIZAÇÕES, TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO E TRANSTORNOS OBSESSIVO-COMPULSIVOS) Os principais quadros psicopatológicos com predomínio de ansiedade eram, de modo geral, no passado, considerados formas de neuroses (Cordás, 2004). Assim, o TAG e o transtorno de pânico constituíam a “neurose de angústia”; os transtornos fóbicos (fobia social, agorafobia e fobia simples) eram considerados “neurose fóbica”; quadros dissociativos e conversivos eram “neurose histérica ou histeria”; quadros hipocondríacos e somatoformes, “neurose hipocondríaca”; e o TOC era a “neurose obsessiva-compulsiva”. Por fim, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) era nomeado “neuroses traumáticas ou neuroses de guerra” (shell shock e war neurosis). Isso mudou com o advento das classificações internacionais, CID-10 e CID-11, e com o DSM-III, o DSM-IV e o DSM-5 (Quadro 31.2). Quadro 31.2 | Um pouco sobre a história e o significado do construto “neurose” O construto neurose forneceu, ao longo da história da psicopatologia no século XX, uma moldura conceitual e classificatória bastante rica, que abarcava sintomas da série da ansiedade, da fobia, da obsessão, da dissociação, da conversão e da somatização. As neuroses se caracterizavam, no plano da subjetividade, por dificuldades e conflitos intrapsíquicos e interpessoais que mantinham no indivíduo um estado contínuo de sofrimento associado a frustração, angústia, rigidez emocional e sentimentos de inadequação. Seus mecanismos básicos eram o recalque (mas também projeção, deslocamento, negação, regressão, racionalização e formação reativa), que representava a luta interna, quase sempre inconsciente, entre impulsos inaceitáveis perante um julgamento rígido e automático. Também de grande importância eram as dificuldades interpessoais do sujeito “neurótico”, o qual era marcado pela rigidez e frustração recorrente nas relações pessoais e pela insatisfação constante com o que recebia e dava aos outros. O psicopatólogo holandês Jan Hendrik van den Berg (1914-2012), em uma vertente existencialista, concebia a neurose como uma perturbação do contato inter-humano, uma perturbação nas relações com o outro. No centro de todas as neuroses, situava-se a angústia (van den Berg, 1970, p. 237). Nessa mesma linha, para Henri Ey (1900-1977), as neuroses representavam antes uma perturbação do equilíbrio interior do sujeito neurótico do que uma mudança em seu sistema de realidade (que, nesse caso, seria a psicose). Nos neuróticos, de modo geral, dominavam as manifestações de uma angústia permanente e de mecanismos de defesa que, em última análise, fracassavam na resolução de conflitos (Ey, 1974). Nos sistemas diagnósticos atuais, DSM e CID, o conceito de neurose acabou sendo totalmente suprimido. Em seu lugar, entrou um número maior de transtornos, como os de ansiedade (TAG e transtorno de pânico), as fobias, os TOCs, os transtornos dissociativos, os transtornos conversivos, a hipocondria e a somatização, assim como os transtornos relacionados ao estresse e a traumas psíquicos. Assim, o construto neurose como “princípio organizador” foi abandonado e trocado por uma variedade de transtornos específicos. Certamente, essa troca se relacionou a certo enfraquecimento das concepções psicanalíticas na psiquiatria contemporânea e à maior ênfase em tratamentos farmacológicos e concepções neurobiológicas relacionadas aos distintos quadros ansiosos. De modo geral, os profissionais de orientação psicanalítica continuam utilizando o construto “neurose” na prática clínica e no plano teórico. Uma das consequências do abandono de construtos abrangentes como “neurose” é o aumento marcante dos diagnósticos de comorbidades, em particular no campo dos transtornos de ansiedade e depressivos em relação a transtornos comórbidos da personalidade. Ao se abandonar categorias amplas, que incluem, além de sintomas, modos de ser e reagir (como a personalidade do indivíduo), os sistemas atuais geram a necessidade de múltiplos diagnósticos de comorbidade, o que muitas vezes é feito de forma estabanada e confusa. Transtornos fóbicos As síndromes ou transtornos fóbicos caracterizam-se por medos intensos e irracionais, desproporcionais, desencadeados por situações, objetos ou animais que objetivamente não oferecem ao indivíduo perigo real e proporcional à intensidade de tal medo. As síndromes fóbicas mais importantes são apresentadas a seguir (Hollander; Simeon 2004). Na agorafobia, o medo e a angústia relacionam-se a um conglomerado de pessoas (em supermercados, shopping centers, congestionamento no trânsito, entre outros lugares) em espaços amplos ou em locais de onde possa ser difícil escapar ou onde o auxílio ou a presença de pessoas próximas não seja rapidamente acessível. Os indivíduos com agorafobia têm frequentemente crises de medo, que chegam ao pânico quando estão fora de casa, em um congestionamento, em uma ponte ou túnel, em meio a uma multidão, em um estádio de futebol, em um grande supermercado, no cinema ou no teatro. Têm, com frequência, medo de viajar de ônibus, automóvel ou avião. Há tendência de evitar tais situações, o que geralmente leva a estreitamento das possibilidades vivenciais do indivíduo, restringindo-o, às vezes, a sua casa e a ambientes muito familiares e seguros. No Brasil, estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram presença de agorafobia, nos últimos 12 meses, em 1,6 a 2,7% da população e, pelo menos uma vez na vida, em 3,5 a 4,0% (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). Já a fobia simples ou específica caracteriza-se por medo intenso, persistente, desproporcional e irracional, como medo de animais (barata, sapo, cobra, passarinho, cachorro, cavalo, entre outros), medo de ver objetos cortantes, como seringas, faca, vidros quebrados, ou medo de ver sangue. A exposição ao objeto ou animal fobígenos geralmente deflagra um estado de angústia, que pode chegar a uma crise de pânico. Os indivíduos acometidos reconhecem o caráter irracional e desproporcional de seus medos. Nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, a fobia simples ocorre, pelo menos uma vez na vida, em 14,6 a 16,8% da população (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). Por sua vez, a ansiedade social e a fobia social caracterizam-se por medo intenso e persistente de situações sociais que envolvam expor-se ao contato interpessoal, demonstrar capacidade de desempenho ou participar de situações competitivas e de cobrança. “Ansiedade social” e “fobia social” são termos usados muitas vezes como sinônimos, mas tende-se a ver a fobia social como um quadro mais grave que a ansiedade social. O indivíduo sente intensa angústia ao ter de falar em público, apresentar um seminário, fazer uma palestra, chegando a apresentar dificuldade até em utilizar banheiros públicos, alimentar-se em refeitórios públicos ou assinar cheques na frente de pessoas desconhecidas. O medo da exposição é mais forte com pessoas estranhas ou tidas, por algum motivo, como hierarquicamente em posição superior (chefes no trabalho, diretor da escola, professores, entre outras). O indivíduo tenta evitar tais situações e reconhece o caráter absurdo de seus temores. Há, geralmente, grande sofrimento com tais dificuldades, que pode comprometer a carreira estudantil e profissional das pessoas acometidas e limitar sua vida social, emocional e de lazer. No Brasil, estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de fobia social, nos últimos 12 meses, em 2,1 a 3,9% da população e, pelo menos uma vez na vida, em 4,0 a 5,7% (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). Pessoas com fobia social têm, com muita frequência, como comorbidade o TP evitativa (cerca de 60% das pessoas com fobia social têm TP evitativa) (Fallon et al., 2012). Transtornos dissociativos e transtornos conversivos: histeria No passado, de uma forma ou outra, todos os transtornos dissociativos e conversivos tendiam a ser agrupados no grande capítulo da histeria ou neurose histérica. A CID-11 e o sistema DSM, desde o DSM-III, do início dos anos de 1980, até o atual DSM-5, desmontaram o construto histeria em várias condições distintas. A CID-11, entretanto, mantém, de certa forma, o construto histeria, ao agrupar todas ou quase todas as condições dissociativas e conversivas em uma rubrica única, denominando-a “transtornos dissociativos”. No entanto, o DSM- 5 e a CID-11 mantêm separado desses construtos o transtorno da personalidade histriônica (não mais presente na CID-11). O Quadro 31.3 detalha um pouco mais essas transformações dos conceitos e classificações psicopatológicas. Quadro 31.3 | A histeria ou neurose histérica e os sistemas DSM-5 e CID-11 A chamada histeria foi uma das mais paradigmáticas condições na história da psicopatologia; foi reconhecida (partes do construto) pelos médicos da Antiguidade, nas tradições de Hipócrates e Galeno. Muito estudada na segunda metade do século XIX e no início do XX por autores como Paul Briquet, Joseph Babinski, Jean-Marie Charcot, Sigmund Freud, Emil Kraepelin e Pierre Janet, foi marcadamente transformada nas influentes classificações norte-americanas atuais (sistema DSM) e, internacionalmente, na CID. As crises histéricas, com acometimento da consciência, desmaios, movimentos abruptos e marcantes, parecidos (mas, na verdade, distintos) com a crise tônico-clônica de epilepsia, ou os quadros conversivos com afonia, cegueira ou paralisias psicogênicas, ocorriam, muitas vezes, em pessoas com comportamento e personalidade caracteristicamente dramáticos, certo infantilismo e, eventualmente, sedução pueril e necessidade de ser o centro das atenções. Segundo van Den Berg (1970), o paciente histérico apresenta uma peculiaridade: necessita de contato e tem incapacidade de mantê-lo e aprofundá-lo. Do ponto de vista existencial, tais indivíduos vivem em um contexto de inautenticidade no contato interpessoal; suas relações soam falsas, eles parecem que precisam representar constantemente em seu relacionamento com as pessoas. Subdividiam-se os quadros histéricos em três grandes subgrupos: histeria de conversão ou conversiva (que corresponde ao atual transtorno conversivo, no DSM-5), histeria dissociativa (que corresponde ao atual “transtorno dissociativo”) e forma mista de histeria (com conversão e dissociação). Conforme salienta Ramadan (1985, p. 8), o comprometimento provocado pela histeria não é equivalente à função biológica ou natural do órgão, segundo suas estruturas e disposições anatomofuncionais; o distúrbio corresponde, sempre, à utilização habitual que o paciente faz do órgão, ou à representação imaginária e simbólica que tem daquela função. Ao quebrar e subdividir a histeria ou neurose histérica em transtornos como transtorno da personalidade histriônica, transtorno dissociativo de movimentos, sensação ou cognição, transtorno dissociativo de identidade, amnésia dissociativa, fuga dissociativa e transtorno conversivo, os sistemas DSM e CID desmontaram a noção de uma entidade nosológica unitária, com subformas inter-relacionadas, em várias condições relativamente independentes. No entanto, ao que parece, tal mudança tem produzido pouco avanço tanto para a compreensão psicopatológica como para o tratamento das pessoas acometidas. O sistema da CID (CID-10 e CID-11), de certa forma, mantém parcialmente a noção de histeria, ao agrupar os transtornos dissociativos e os conversivos sob a rubrica única de “transtornos dissociativos”. Entretanto, os elementos da personalidade histriônica que eram integrados aos sintomas dissociativos e conversivos para formar o conceito clássico de histeria são também abandonados pela CID. Conversão e dissociação Na conversão, ocorrem tipicamente alterações das funções sensoriais ou das funções motoras, que lembram sintomas neurológicos, mas que são, na realidade, claramente distintos das condições neurológicas. Há, assim, a conversão de um conflito psíquico inconsciente (desejos, temores inconscientes e inaceitáveis para o indivíduo) para o corpo; conversão aqui significa, portanto, “salto” do plano psíquico para o plano de sintomas corporais. Em relação às funções sensoriais, pode haver anestesias de partes do corpo, perda da visão, do olfato ou da audição. Em relação às funções motoras, pode haver fraqueza ou paralisias, contraturas, movimentos anormais, perturbações do andar e no ficar de pé (astasia-abasia) e rouquidão psicogênicas ou perda total da voz (afonia conversiva). Por serem psicogênicas (de causa predominantemente psicológica), as alterações sensoriais, como perda da visão ou audição, perda da voz, anestesia das mãos ou de um braço, ou as motoras, como paralisias de membros, correspondem à representação mental e simbólica do corpo, e não à neuroanatomia objetiva ou à função neurológica. Por exemplo, as paralisias de braços ou das pernas, nos quadros conversivos, não têm padrão neurológico, ou seja, no exame neurológico da região não correspondem a nenhuma síndrome neurológica, como síndrome hemiplégica piramidal, paralisia decorrente de lesão medular ou de nervo periférico. Exames como ressonância magnética do cérebro ou da coluna vertebral ou eletroneuromiografia da parte afetada são, geralmente, normais. Por isso, no DSM-5, os transtornos conversivos são também chamados de transtornos de sintomas neurológicos funcionais – denominação infeliz, pois não são, de fato, sintomas neurológicos. Chama atenção, eventualmente, nesses pacientes, o fato de, ao notarem seus distúrbios corporais aparentemente muito graves (paralisias, cegueira, anestesias, entre outros), reagirem com certa indiferença. A isso, os clínicos antigos denominaram la belle indifférence des hystériques (a bela indiferença das histéricas). Essa indiferença seria devida, talvez, à noção (mesmo que inconsciente) de que tal alteração (paralisia, cegueira, entre outras) é, na realidade, transitória e passageira. Na dissociação, ocorre a perturbação, a separação e o isolamento de aspectos da mente e da personalidade. Aqui, dissociação significa “separação”, “rechaço”, de uma parte da mente inaceitável para o indivíduo. A dissociação pode ocorrer por meio de crises em que se perde parcialmente a consciência (a pessoa se “desliga” do ambiente e de si mesma, com desmaio parcial e abalos musculares), ou em episódios em que parte da memória é momentaneamente apagada, como a memória retrógrada de eventos traumáticos do passado (Micale, 1995). Pensamentos, desejos e experiências vividas, conflitantes com os valores do paciente, são isolados e suprimidos do campo da consciência e da memória. Transtornos conversivos e transtornos dissociativos (DSM-5 e CID-11) Os transtornos conversivos e os dissociativos são denominados e agrupados de forma diferente no DSM-5 e na CID-11. No DSM-5, eles são separados e situados em dois capítulos diferentes: o de transtornos dissociativos, de um lado, e o de transtornos de sintomas somáticos e transtornos relacionados, de outro, estando neste último alojados os transtornos conversivos. A CID-11 coloca todos os transtornos conversivos e dissociativos em um capítulo único, denominado “transtornos dissociativos”. Transtornos conversivos Os transtornos conversivos, no DSM-5, são quadros em que um ou mais sintomas de alteração de função motora ou sensorial psicogênica estão presentes. Os sintomas devem causar sofrimento e/ou disfunção e não são explicados por causas neurológicas ou médicas somáticas. Assim, no DSM-5, os transtornos conversivos são de: 1. fraqueza ou paralisia (das pernas, de um braço, de uma mão); movimentos anormais, como tremores, distonias, mioclonias, distúrbios da 2. marcha; 3. dificuldades ou impossibilidade de deglutição; 4. alterações da fala, como afonia ou disfonia, rouquidão ou fala arrastada; 5. ataques semelhantes a uma convulsão epiléptica (“crise histérica”); 6. anestesia ou perda sensorial (cegueira ou visão em túnel, perda auditiva ou olfativa); 7. sintomas mistos. Transtornos dissociativos Os transtornos dissociativos se caracterizam por perda na continuidade da experiência subjetiva e perturbação da integração normal (por isso, dissociação), da consciência, da memória, da identidade, das emoções, das percepções, da representação corporal, do controle motor e/ou do comportamento. Em decorrência de traumas emocionais graves ou conflitos psíquicos, o paciente “necessita” cindir parte de suas funções mentais, rechaçando os elementos consciente ou inconscientemente temidos ou indesejados. Há vários subtipos de transtornos dissociativos, que serão apresentados a seguir. Na amnésia dissociativa (DSM-5 e CID-11), em geral o indivíduo esquece elementos seletivos e significativos do ponto de vista psicológico (amnésia psicologicamente seletiva). Do ponto de vista temporal, trata-se, geralmente, de uma amnésia retrógrada, com o indivíduo esquecendo ou apagando todos ou alguns aspectos seletivos do passado ou de um evento passado particular (em geral traumático ou inaceitável psicologicamente). Associada à amnésia dissociativa, pode ocorrer a chamada fuga dissociativa, na qual o indivíduo perambula sem rumo, por horas ou dias, em estado parcialmente alterado da consciência (e pode apresentar o chamado estado crepuscular da consciência). Uma paciente nossa, internada no Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-UNICAMP), na terceira década de vida, havia sofrido grave agressão sexual quatro meses antes e apresentou quadro de fuga dissociativa. Ao ser encontrada pela família, apresentava amnésia dissociativa retrógrada que abarcava tudo o que havia acontecido em sua vida até o período em que sofreu o trauma sexual. Afirmava que não lembrava nada de sua infância e adolescência, que acreditava que seus pais seriam realmente seus pais, pois eles o afirmavam, mas, de fato, ela não se lembrava deles, nem dos irmãos. Não lembrava nada em sua vida escolar. Sobre os eventos que ocorreram depois do trauma sexual, ela apresentava boa memória (memória anterógrada) e não mostrava dificuldades em guardar informações adquiridas depois do episódio. Transtorno dissociativo de identidade (DSM-5 e CID-11) (Brand et al., 2016) No transtorno dissociativo de identidade, há ruptura da identidade e presença de dois ou mais estados de personalidade distintos (identidades dissociadas). A ruptura da identidade implica, geralmente, marcante descontinuidade no senso de si mesmo, no senso de agência e no domínio das próprias ações. O comportamento é observado por outras pessoas ou é relatado pelo indivíduo. Pelo menos duas “personalidades distintas” recorrentemente tomam o controle da consciência e do funcionamento do paciente e atuam em áreas específicas da vida diária, como na família ou no trabalho. Mudanças da personalidade são acompanhadas de alterações correlatas na sensopercepção, na cognição, no afeto, no controle motor, na memória e nos comportamentos. Há, tipicamente, episódios de amnésia associados a tais dissociações. Embora muitos casos tenham sido relatados em trabalhos internacionais (ver Brand et al., 2016) e servido de inspiração para filmes e livros, na prática clínica, em nosso meio cultural, eles são relativamente pouco frequentes. Transtorno de despersonalização/desrealização (DSM-5 e CID-11) A despersonalização é definida como estranhamento e sensação de irrealidade em relação ao próprio Eu. A pessoa percebe seu self como algo estranho ou irreal, sente-se “distante de si mesma”, como se fosse um observador externo de si, dos seus sentimentos, pensamentos, ações e sensações corporais. Já a desrealização é caracterizada por perceber o mundo ao redor, pessoas e objetos conhecidos e familiares como se fossem irreais ou estranhos, como se estivessem em um sonho, em cenas distantes ou nubladas, sem cor ou visualmente distorcidas. Para o diagnóstico desse transtorno, é necessário que o indivíduo tenha seu senso de realidade bem preservado. Assim, não deve estar psicótico ou apresentar sintomas psicóticos associados (como delírios e/ou alucinações). Transtorno do transe e transtorno do transe com possessão (CID-11) No transtorno do transe, o indivíduo deve apresentar estados de transe nos quais há alteração de seu estado de consciência, e o senso de identidade pessoal é alterado. No transe com possessão, a consciência e identidade da pessoa é substituída por uma instância ou identidade externa “possuidora”; o indivíduo se comporta com a sensação de estar sendo controlado pela entidade ou agente “possuidor”. Esses quadros de transe são recorrentes e, se o diagnóstico for feito em um episódio único, devem durar vários dias. Os transtornos de transe e de transe com possessão são involuntários e indesejados. Eles se diferenciam de transes religiosos culturais, pois o caso diagnosticado não pode fazer parte de práticas religiosas culturais do indivíduo e de seu meio cultural. Assim, pessoas que experimentam estados de transe, por exemplo, em centros espíritas kardecistas, centros de umbanda ou candomblé não devem receber esses diagnósticos – são fenômenos religiosos e culturais normais, não psicopatológicos. Crises histéricas: transtorno conversivo com ataques semelhantes a uma convulsão epiléptica (DSM-5) Muito importante na prática clínica é a identificação das anteriormente chamadas crises histéricas. Nos dias atuais, elas são denominadas pelo DSM-5 como transtorno conversivo com ataques semelhantes a uma convulsão epiléptica. Tal denominação e classificação são, de certa forma, inexatas, pois se trata de mecanismo de dissociação da consciência, e não de conversão (conceitos vistos anteriormente). Trata-se de crises de curta duração (minutos a poucas horas), com turvação mais ou menos profunda da consciência, espasmos, tremores, abalos, hipertonia ou atonia muscular. O paciente range os dentes, saliva pela boca, às vezes geme ou grita. Em geral, são crises desencadeadas por situação estressante, as quais ocorrem após discussão ou briga pessoal, recebimento de uma notícia inesperada ou ao presenciar cena emocionalmente carregada. É raro durarem mais do que algumas horas, praticamente nunca surgem durante o sono e quase nunca ocorrem sem a presença de outras pessoas. Emil Kraepelin, em um trabalho de 1905, Loucura histérica, descreve uma crise desse tipo em um homem de 50 anos de idade: Queixava-se de mal-estar, caía ao chão em estado de rigidez, jogava a cabeça para trás do travesseiro; suas pálpebras se fechavam convulsivamente e tinha as pupilas dilatadas, com débil reação à luz. Quando se lhe abriam, forçosamente, os olhos, se viam os globos oculares em rotação brusca para cima. Se observavam também movimentos de defesa quando se lhe tocavam com uma agulha, ou se passava água ou uma solução de quinino em seus lábios. As manifestações do ataque se agrandavam com a aproximação do médico a sua cama e diminuíam até desaparecer, quando ninguém estava perto dele. Atualmente, o enfermo está dono de si, lúcido e bem orientado, ainda que um pouco confuso em suas manifestações (Kraepelin, 1905, p. 104). Do ponto de vista clínico, é fundamental poder diferenciar tais crises das crises epilépticas. O Quadro 31.4 pretende resumir e sistematizar os elementos desse importante diagnóstico diferencial. Quadro 31.4 | Diferenças entre crises dissociativas e crises epilépticas CRISE DISSOCIATIVA OU CONVERSIVA CRISE EPILÉPTICA SEMELHANTE A CONVULSÃO (NO PASSADO, “CRISE HISTÉRICA”) Mais comum em mulheres. Distribuição equilibrada entre os sexos. Antecedentes pessoais de personalidade histriônica, Pode ou não haver alterações psiquiátricas prévias; pode haver dificuldades quadros conversivos ou dissociativos ou conflitos emocionais relacionadas a ter uma doença crônica e aos estigmas preconceituosos psicológicos importantes. relacionados à epilepsia. Predominam manifestações motoras, que tendem a Segue os padrões dos diferentes tipos de crises epilépticas, como crises tônico- ser mais bizarras. clônicas (as crises parciais complexas, com seus automatismos, também podem apresentar aspecto aparentemente bizarro). Uma fase tônica que precede a clônica é mais rara. A fase tônica (contrações musculares típicas mantidas por segundos) precede a clônica (abalos musculares dos membros e do tronco) no tipo grande mal. O paciente quase sempre fica com os olhos fechados O paciente pode ter a crise com os olhos abertos. durante a crise. Quando o indivíduo prende a respiração, as Hipertonia generalizada. extremidades quase sempre se apresentam relaxadas. Atividade motora bilateral com preservação de Quando há atividade motora bilateral, a consciência deve estar alterada (exceção: consciência indica pseudocrise. espasmos mioclônicos ou flexores). Tende a surgir na presença de outras pessoas, Pode surgir durante o sono ou quando o indivíduo está sozinho. durante o dia, após discussões ou brigas familiares; raramente surge durante o sono. A instalação costuma ser mais lenta que abrupta. Instalação geralmente abrupta. A duração tende a ser mais longa que a de uma crise Duração mais curta, geralmente de segundos a poucos minutos. epiléptica. Geralmente não há confusão mental, obnubilação, Após a crise, podem ocorrer confusão mental e obnubilação, tontura, cefaleia tontura, cefaleia intensa ou hipotonia muscular após intensa e hipotonia muscular. a pseudocrise. Raramente há liberação de esfincteres e perda de Pode haver liberação de esfincteres, com perda de urina durante a crise. urina durante a crise. Eletrencefalograma (EEG) não demonstra alterações O EEG pode demonstrar manifestações do tipo epiléptico na fase interictal durante a crise; tende a ser normal nos períodos (espículas, pontas, espícula-onda); na fase ictal, há traçado típico de crise intercríticos. generalizada no EEG. Transtorno de estresse pós-traumático (CID-11 e DSM-5) O TEPT é um transtorno com forte componente de ansiedade que se desenvolve após a exposição do indivíduo a um ou mais eventos extremamente ameaçadores, traumáticos e horríveis (como estupro, sequestro, assalto, homicídio, desabamentos, incêndios, catástrofes naturais, eventos de guerra, entre outros). O TEPT se caracteriza por lembranças ou recordações vívidas que invadem a consciência do indivíduo que passou pelo trauma, os chamados flashbacks (ou em forma de pesadelos). Estes, com frequência, se acompanham por emoções fortes e profundas, com ansiedade, medo e/ou horror e sensações físicas marcantes. Ocorrem, assim, de forma recorrente, a intensa sensação física e/ou sentimentos de que se está imerso nas mesmas emoções de quando se experimentou o evento traumático. O paciente busca evitar os pensamentos e as recordações do evento traumático ou, ainda, evitar atividades, situações ou pessoas que de alguma forma representem reminiscências do evento. No TEPT, o indivíduo experimenta um estado de contínua sensação de ameaça; tende a estar hipervígil ou pronto para reagir a estímulos, como ruídos inesperados. Os sintomas duram muitas semanas ou meses e causam grande sofrimento (Wallace; Cooper, 2015). Como a sociedade brasileira apresenta níveis de violência muito altos, o TEPT representa uma condição de grande relevância clínica e social para os profissionais da saúde mental. Em uma amostra representativa de adolescentes, jovens e adultos de 15 a 75 anos, que somou 3.744 pessoas entrevistadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, cerca de 90% já haviam experimentado eventos traumáticos violentos em suas vidas. A prevalência de algum transtorno mental nessa amostra foi de 42,1 a 44,0%. O TEPT ocorreu, nos últimos 12 meses, em 1,6 a 5,0% das pessoas e, pelo menos uma vez na vida, em 8,7 a 10,2% (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). Transtorno obsessivo-compulsivo Os quadros obsessivo-compulsivos, apesar de terem marcante componente de ansiedade, tendem, nas classificações atuais, a ser colocados em um capítulo separado. Eles se caracterizam por ideias, fantasias e imagens obsessivas e por atos, rituais ou comportamentos compulsivos. Esses quadros são vividos como uma pressão sobre o indivíduo, como algo que o obriga e a que se submete. No Brasil, estudos epidemiológicos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro revelaram a presença de TOC, nos últimos 12 meses, em 2,8 a 3,9% da população (casos graves em 42,5% dos casos) e, pelo menos uma vez na vida, em 3,6 a 4,1% (Andrade et al., 2012; Ribeiro et al., 2013). Os quadros obsessivo-compulsivos dividem-se em dois subtipos básicos: aqueles nos quais predominam as ideias obsessivas e aqueles nos quais predominam os atos e os comportamentos compulsivos (Miguel, 1996). Muito frequentemente, entretanto, se observam formas mistas. Os quadros obsessivos, portanto, caracterizam-se por ideias, pensamentos, fantasias ou imagens persistentes que surgem de forma recorrente na consciência; são vivenciados com angústia e como algo que “invade” a consciência. Um paciente jovem, de 24 anos, relatava: “embora eu seja muito católico, vêm repetidamente à minha mente ideias como de que a Virgem Maria é uma prostituta, ou me imaginava tendo relação sexual com minha irmã. É horrível, mas tais ideias não param de vir à minha mente”. O indivíduo reconhece o caráter irracional e absurdo desses pensamentos e tenta, às vezes, lutar contra eles ou neutralizá-los com outros pensamentos ou com atos e rituais específicos. No entanto, geralmente, tais tentativas fracassam. Nos quadros compulsivos, predominam comportamentos e rituais repetitivos, como lavar as mãos inúmeras vezes, tomar muitos banhos, verificar se as portas e janelas estão trancadas dezenas de vezes, colocar todos os objetos do quarto em certa ordem, etc., assim como atos mentais, como repetir palavras mentalmente em silêncio, fazer listas mentais, fazer determinadas contas, em geral em resposta a uma ideia obsessiva (“Devo estar com câncer, aids ou sífilis; então tenho que me lavar constantemente”). Os comportamentos e os atos compulsivos também podem surgir como forma de cumprir regras mágicas que precisam ser rigidamente seguidas. Outras razões para os atos e os rituais compulsivos são pensamentos mágicos que vinculam a realização do ato compulsivo com o afastamento de algum evento temível ou indesejado (“Se eu der 15 voltas no quarteirão antes de entrar em casa, ninguém da família morrerá”). Na prática clínica, nem sempre é fácil demarcar com precisão o limite entre a obsessão e a fobia (p. ex., obsessão por limpeza, fobia de sujeira ou contaminação) ou entre a ideia delirante e a obsessão com pouca crítica e insight. Da mesma forma, em alguns casos, é difícil diferenciar entre o ato compulsivo (vivenciado como obrigatório e desprazeroso) e o ato impulsivo. Pessoas com TOC têm com frequência TP, sobretudo do grupo C: TP obsessivo-compulsiva (9-21%), TP evitativa (18%) e TP dependente (18%). Também podem apresentar TP paranoide (15%) e TP narcisista (6,3%) (Fallon et al., 2012). CONDIÇÕES PSICOPATOLÓGICAS VIVENCIADAS SOBRETUDO NO CORPO O termo “somatização” tem significação ampla, referente ao processo pelo qual um indivíduo padece em seu corpo sintomas físicos, que não têm origem exclusiva em uma doença física, mas se relacionam bem mais a dificuldades psicológicas, psicossociais ou interpessoais. Sintomas comuns nesses quadros são dores difusas (cefaleias, lombalgias, artralgias, dores abdominais, “corpalgias”, entre outras), sintomas gastrintestinais (náuseas, diarreia, dispepsia), fadiga, sono ruim e sintomas psicopatológicos inespecíficos, como ansiedade, depressão e irritabilidade. Somatizações são muito frequentes em adultos, principalmente mulheres, mas também ocorrem em crianças e idosos. A somatização pode acontecer na presença de doença física demonstrável (intensificando demasiadamente a apresentação sintomática), assim como na ausência de qualquer doença ou condição física. Pode haver (mas não obrigatoriamente) o desejo, consciente ou inconsciente, de estar no papel de doente físico a fim de obter de alguma forma ganhos primários (nesse caso, tentativa inconsciente de se reequilibrar psicologicamente) ou ganhos secundários (benefícios sociais ou interpessoais concretos, como licenças médicas e aposentadoria). Além disso, é possível que a somatização sirva como um meio de comunicação quando a expressão verbal mais direta está bloqueada. Pode também representar uma forma de expressão de sofrimento e desconforto em pessoas que não conseguem reconhecer e verbalizar seus sentimentos. Denomina-se alexitimia a dificuldade de identificar sentimentos e outras experiências subjetivas e diferenciá-las de sensações corporais, assim como a dificuldade de falar sobre as próprias emoções e dificuldades subjetivas e a tendência a ter um estilo de pensamento orientado para o externo, para o concreto. A alexitimia tende a ser mais frequente em alguns grupos sociais e culturais (homens, trabalhadores braçais, populações rurais, migrantes do campo para a cidade) e possivelmente se associa a certos traços de personalidade, como introversão, isolamento e dificuldades nas relações interpessoais. Há, entretanto, certa controvérsia sobre se realmente há relação entre a alexitimia e maior ocorrência de somatizações (revisão sobre alexitimia em Páez; Casullo, 2000). Os quadros de somatização podem ser situacionais e transitórios (durante uma fase difícil da vida) ou estáveis e duradouros, passando a ser um estilo ou modo de conduzir a vida (Ford, 1986). Os indivíduos com quadros hipocondríacos e somatizações tendem a rejeitar a ideia de que seu sofrimento seja de origem psicológica ou psicossocial, voltando-se sempre à queixa corporal. Sintomas médicos inexplicados Há, atualmente, a tendência a se identificar os processos de somatização com o que se convencionou chamar de “sintomas médicos inexplicados” (SMIs) (medically unexplained symptoms – MUS). Tais sintomas são comuns na atenção primária e sobrecarregam tanto os pacientes como os profissionais da saúde. Os profissionais têm de enfrentar a dificuldade de fornecer aos pacientes e familiares explicações que sejam minimamente convincentes e legitimadas (van Ravenzwaaij et al., 2010). Os SMIs têm considerável prevalência e apresentam-se frequentemente como dores de cabeça, dores nas costas e lombalgias, dores musculares e nas juntas, associadas a fadiga e mal-estar corporal geral. Para tentar explicá-los, têm sido propostas abordagens e teorias explicativas, como: desregulação endócrina e imunológica, disfunção do sistema nervoso autonômico, modelo da amplificação somatossensorial, sensitização sistêmica, modelo do déficit em filtro de sinais e propriocepção anormal (van Ravenzwaaij et al., 2010). Na população em geral, dois terços dos homens e quatro quintos das mulheres relatam pelo menos uma dessas queixas, nas últimas duas semanas. Em cerca de 25 a 50% dos sintomas vistos na atenção primária, não há evidência de qualquer doença física. Em ambulatórios e consultórios de especialistas, tal frequência parece ser ainda maior (30-70%) (van Ravenzwaaij et al., 2010). Além de se sobrepor à noção de somatização, a noção de SMI também se sobrepõe às noções de fibromialgia e síndrome da fadiga crônica, que serão abordadas a seguir. Fibromialgia e síndrome da fadiga crônica Denomina-se fibromialgia a condição na qual pacientes relatam dores corporais difusas, mas com maior importância nos músculos. A dor é real (estudos neurofuncionais indicam ativação de estruturas neurais relacionadas à dor) e se concentra em determinados pontos do corpo, principalmente aqueles associados às articulações. Há maior sensibilidade à dor. Forma-se um círculo vicioso no qual o indivíduo com musculatura dolorida tem mais tensão muscular, o que amplifica a dor. Essas pessoas também têm sono de má qualidade, mais ansiedade e depressão, gerando dificuldades na realização de atividades físicas e exercícios. O sedentarismo piora as dores e tensões musculares, o que retroalimenta o círculo vicioso. Na síndrome da fadiga crônica, há cansaço ou fadiga persistentes e relevantes, que duram de vários meses a vários anos (exige-se, para o diagnóstico, pelo menos seis meses), sem o diagnóstico de uma doença física ou mental que explique melhor esses sintomas. Tal síndrome acomete mais adultos, mas também foi descrita em crianças. Ela é acompanhada por outros sintomas subjetivos, como sono ruim e não reparador, dificuldades na atenção, na concentração e na memória, mal-estar após exercícios físicos, dores musculares e nas articulações, sensibilidade aumentada nos linfonodos cervicais ou axilares, dor de garganta e cefaleia (ver revisão em Zorzanelli, 2010). Tanto a fibromialgia como a síndrome da fadiga crônica (mas também a distimia, os quadros mistos de ansiedade e depressão e outros transtornos de somatização) se assemelham à categoria histórica chamada “neurastenia” (Quadro 31.5). Quadro 31.5 | A neurastenia Introduzida pelo norte-americano Georg Miller Beard (1839-1883), em 1869, a neurastenia já foi uma categoria muito utilizada por clínicos e pelo público leigo. Atualmente, está em relativo desuso e tende a ser substituída pelos conceitos de síndrome da fadiga crônica, distimia, fibromialgia, entre outros. A neurastenia se caracteriza por fadiga fácil depois de esforço físico ou mental, dores musculares, dificuldade em relaxar, sensação de fraqueza e exaustão corporal, irritabilidade, dificuldade em concentrar-se, tonturas, cefaleias e insegurança. Pode haver dificuldades com o sono. Sintomas depressivos sobrepõem-se amplamente aos da neurastenia (Bertolote, 1997). Por fim, cabe assinalar que, na prática clínica diária, sintomas como dores musculares, cansaço, tontura, dores abdominais e de outras partes do corpo, em mais de 15% dos casos, permanecem sem justificativas biomédicas e são identificados como SMI. Segundo Kirmayer e colaboradores (2004), tais sintomas ocorrem nas mais diversas culturas e estão associados a estresses emocionais e sociais dos mais variados (as próprias culturas dispõem de sistemas médico-explicativos que formulam hipóteses locais que elucidam e classificam tais experiências), não sendo sempre adequado reduzi-los à categoria de somatização ou transtorno psicossomático. Hipocondria ou transtorno hipocondríaco No transtorno hipocondríaco (transtorno de ansiedade de doença, CID-11 e DSM-5, nosofobia, CID-11), predominam os temores e as preocupações intensas com a ideia de ter uma patologia grave. Essas ideias surgem geralmente a partir de sensações corporais ou sinais físicos mínimos ou insignificantes. O indivíduo procura constantemente médicos e serviços de saúde para ver se “agora tem a doença mesmo” ou para receber garantias do contrário. Entretanto, embora haja preocupação enorme com a possibilidade de sofrer de tais doenças, tal preocupação não tem caráter delirante, e o indivíduo pode fazer uma crítica, em algum momento, quanto ao caráter absurdo de suas preocupações. Nos transtornos hipocondríacos, são frequentes alterações comórbidas de personalidade: 40 a 70% das pessoas com transtorno hipocondríaco têm algum TP, geralmente os da personalidade paranoide (19%), evitativa (18%) e obsessivo-compulsiva (14%). Em um estudo na Grécia, os TPs mais comuns foram TP histriônica (22%) e TP obsessivo-compulsiva (22%) (Fallon et al., 2012). Os instrumentos padronizados de avaliação de quadros ansiosos, Escala de Avaliação de Ansiedade de Hamilton, e de TOC, Escala Yale-Brown de Obsessões e Compulsões (Y-BOCS), estão disponíveis no hotsite do livro. Quadro 31.6 | Semiotécnica de síndromes com predomínio de ansiedade PERGUNTAS Ataques de pânico: Você já teve ataques ou crises de medo intenso, em que se sentiu muito mal? Teve crises intensas de ansiedade? Sentia batedeira, falta de ar, formigamentos, sensação de que iria morrer ou perder o controle? Duravam quanto tempo? Quando foi a primeira crise? Quantas crises, em média, ocorriam em um mês? Agorafobia: Tem medo de lugares muito amplos, como supermercados, estádios, cinemas, congestionamento de carros? Tem medo de ter um ataque de ansiedade nesses lugares ou de não poder escapar deles? Fobias simples: Tem medo de alguma coisa ou de algum animal em especial (cobra, sapo, barata, cachorro)? Tem medo de ver sangue, facas, giletes ou vidros quebrados? Tem medo de avião? Fobia social: Você se acha uma pessoa tímida? Tem medo de falar em público, dar aulas ou apresentar seminários? Tem medo de ir a festas e conhecer gente nova? Tem receio de falar com pessoas que considera mais importantes que você? Tem medo ou sente desconforto em se alimentar na frente de desconhecidos? Crises dissociativas: Já teve desmaios ou crises nervosas em que “desligou” (perdeu a consciência)? Quando ocorreram? Quanto tempo duravam as crises? Com que frequência têm ocorrido? Algo facilita que as crises ocorram (discussões, brigas, contrariedades)? Você tem algum grau de controle sobre esses desmaios? Sintomas conversivos: Já teve paralisias ou anestesias de partes do corpo? Como surgiram? Estavam relacionadas a algum problema pessoal? Você ficou assustado com isso? Teve outros problemas no corpo (p. ex., perder a voz, a visão) relacionados com períodos de nervosismo ou com brigas ou outros problemas pessoais? Sintomas hipocondríacos: Sente-se muito preocupado com sua saúde física? Acha que tem alguma doença? Acha que pode ser algo grave? Apesar de os exames serem negativos, acha que realmente deve ter algo grave? Em caso de as respostas confirmarem que já houve síndromes ansiosas, sintomas ansiosos, ou de somatizações, perguntar: Quando foi que esses problemas (sintomas) começaram a acontecer? Houve períodos em que estiveram melhores ou piores? Algo ajudou você a melhorar em relação a esses problemas? SEMIOLOGIA DE QUADROS OBSESSIVO-COMPULSIVOS PERGUNTAS Ideias obsessivas: Você tem algumas ideias ou pensamentos que não saem de sua cabeça e que voltam sem parar, incomodando-lhe? Quais são esses pensamentos? O que acha deles? São absurdos ou reais? Atos compulsivos: Você realiza algum tipo de ato ou ritual de forma repetitiva? Tem manias como lavar as mãos muitas vezes, verificar repetidamente se as portas e as janelas da casa estão realmente fechadas? Demora muito tempo no banho? Os atos, os rituais ou as manias servem para neutralizar algum pensamento ou ideia?

Use Quizgecko on...
Browser
Browser