Caderno de Estudos: Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial PDF 2024

Summary

Este documento é um caderno de estudos sobre ética e direitos humanos na atividade policial para o curso de formação de praças da Academia de Polícia Militar da Trindade em 2024. O documento inclui os direitos humanos, a ética e a atividade policial, abrangendo os princípios éticos e a deontologia.

Full Transcript

POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR DA TRINDADE CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS Fonte: Fauxels / Pexels. CADERNO DE ESTUDOS...

POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR DA TRINDADE CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS Fonte: Fauxels / Pexels. CADERNO DE ESTUDOS ÉTICA E DIREITOS HUMANOS NA ATIVIDADE POLICIAL APMT - Florianópolis - 2024 POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR DA TRINDADE CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS CADERNO DE ESTUDOS DIREITOS HUMANOS APMT FLORIANÓPOLIS - 2024 @2024. TODOS OS DIREITOS DE REPRODUÇÃO SÃO RESERVADOS À POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. SOMENTE SERÁ PERMITIDA A REPRODUÇÃO PARCIAL DESTA PUBLICAÇÃO, DESDE QUE CITADA A FONTE. Edição, distribuição e informações: Academia de Polícia Militar da Trindade - APMT. Divisão de Coordenação Pedagógica e da Divisão de Formação e Graduação. Av. Me. Benvenuta, 265 - Trindade, Florianópolis - SC, 88035-001 www.pm.sc.gov.br FICHA TÉCNICA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA - PMSC COMANDANTE GERAL - Coronel PM Aurélio José Pelozato da Rosa SUBCOMANDANTE - Coronel PM Alessandro José Machado CHEFE DE ESTADO MAIOR - Coronel PM Jailson Aurélio Franzen ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR DA TRINDADE - APMT DIRETOR GERAL - Coronel PM Cleber Pires SUBDIRETOR - Tenente-coronel PM José Luís Cavassin COMANDANTE DA ESFAP - Tenente-coronel PM Lucius Paulo de Carvalho DIVISÃO DE FORMAÇÃO E GRADUAÇÃO - DFG DIVISÃO DE COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA - DCP CHEFIA - Major PM Carlos Alexandre da Silva PEDAGOGA - Cabo PM Vanessa Marina Moreira Antunes AUXILIARES DA COORDENAÇÃO DE CURSOS DFG - Subten PM André Luiz Neves & 1º Sgt PM Rodrigo Silvio da Silveira AUXILIAR DFG - 2º Sgt PM Douglas Ricardo Silvano DESIGNER EDUCACIONAL / DOCENTE - Profª Drª Arice Cardoso Tavares DESIGNER GRÁFICO / DOCENTE - Profª Esp. Elisa MOtta Machado & Prof. Esp. Fábio Luiz Raulino EQUIPE DE ELABORAÇÃO CONTEUDISTA - Coronel PM Julio Cesar Pereira & Tenente-coronel PM Fred Hilton Gonçalves da Silva DESIGNER EDUCACIONAL / DOCENTE - Profª Mª Grayce Lemos PROJETO GRÁFICO - Profa Dra Mayara Atherino Macedo DESIGNER GRÁFICO / DOCENTE (Diagramação) - Profª Drª Mayara Atherino Macedo & Prof. Esp. Fábio Luiz Raulino BIBLIOTECÁRIA / DOCENTE (Revisão Metodológica) - Profa Dra Dilva Páscoa De Marco Fazzioni & Profa Dra Luciana Mara Silva NOTA - O conteúdo dessa obra é o mesmo do Caderno de Estudos de Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial, utilizado no Curso de Formação de Sargentos do ano 2024 na íntegra, com alteração apenas dos elementos gráficos/pré-textuais. P762 Santa Catarina. Polícia Militar. Academia de Polícia Militar da Trindade. Curso de Formação de Praças. Caderno de estudos: direitos humanos / Polícia Militar de Santa Catarina. Academia de Polícia Militar da Trindade. Curso de Formação de Praças. [Conteudistas Julio Cesar Pereira, Fred Hilton Gonçalves da Silva]. - Florianópolis: APMT, 2024. 68 p. : il. Bibliografia: p. 66-68 1. Segurança pública. 2. Ética. 3. Direitos humanos. I. Pereira, Julio Cesar. II. Silva, Fred Hilton Gonçalves da. III. Título. CDD: 363.2 Ficha catalográfica elaborada por: Luciana Mara Silva - CRB: 14/948. Biblioteca do APMT (Cap. Oscar Romão da Silva). Como referenciar esta publicação: POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA. Academia de Polícia Militar da Trindade. Curso de Formação de Praças. Caderno de estudos: direitos humanos. [Conteudistas Julio Cesar Pereira, Fred Hilton Gonçalves da Silva]. Florianópolis: APMT, 2024. [Intranet - Acesso Restrito]. MINICURRÍCULO DO CONTEUDISTA Graduação Direito - UFSC (Habilitação OAB) Especialização Prevenção ao Crime - UNISUL Gestão de Segurança Pública - UNISUL Preparatório à Magistratura Federal - Escola Superior da Magistratura Federal de Santa Catarina Cursos de Formação Investigação e Perícias Criminais - Academia de Polícia Militar D. João VI – Rio de Janeiro / RJ – Centro de Criminalística; Julio Cesar Pereira Sistema Interamericano de Direitos Humanos - Coronel PM RR Comissão de Direitos Humanos da OEA/Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores do Brasil; Atuação: Desenvolvimento Humano Sobre Vitimologia; Ex-Professor de Direito Penal na Universidade do II Seminário de Direitos Humanos, realizado pela Vale do Itajaí – Biguaçu; Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC; Ex-membro da Comissão de Curso Internacional de Criminologia. Direitos Humanos da OAB/SC; Ex-consultor da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB/SC. MINICURRÍCULO DO CONTEUDISTA Graduação Bacharel em Segurança Pública - PMSC Especialização MBA em Gestão Estratégica do Conhecimento Organizacional –Fie. Segurança Pública - Curso de Aperfeiçoamento de Oficias PMSC. Cursos de Formação Mergulho Autônomo Internacional –Escola de Mergulho Comandos; Treinamento de Táticas em Policiamento Montado 8º BPM; Fred Hilton Gonçalves da Silva Especialização para Oficiais em Tropa Montada no Tenente Coronel PM Polícia Militar de São Paulo; Chefe da DP-4 Treinamento do Uso Legal da Arma de Fogo na Perspectiva dos Direitos Humanos PMSC; Imobilizações Táticas – CATI (Center for Advanced Tactical Imobilization); Gerenciamento de Crises; Sistema e Gestão em Segurança Pública; Treinamento de Nivelamento para instrutores em Técnica de Policiamento Ostensivo; Treinamento em Escolta Tática com Motocicletas. SUMÁRIO Capítulo 1 Capítulo 4 DIREITOS HUMANOS ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS 44 ÉTICA 9 Lei de Abuso de Autoridade 45 Deontologia 11 Crime de Tortura 46 Capítulo 2 CONCEITO DE DIREITOS Uso da Força pela Polícia Militar HUMANOS 14 na Perspectiva dos Direitos Humanos 48 Evolução Histórica 19 Código de Conduta para Gerações de Diretos Humanos 32 Funcionários Responsáveis pela Características dos Direitos Aplicação da Lei 51 Humanos 33 Capítulo 5 Capítulo 3 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 57 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 36 Destaques Positivos 61 APRESENTAÇÃO Prezado Aluno, Na leitura do presente Caderno de Estudos, espera-se que o discente possa A presente disciplina intitulada “Ética e reconhecer nossa atuação profissional Direitos Humanos” tem como proposta como promotora dos direitos humanos, explorar a importância dos Direitos Hu- bem como nossa importância na manu- manos como um reflexo de progressão tenção da ordem e paz social, inclusive da sociedade. Nesta construção, abor- nos momentos de crise nos quais atua- daremos, os princípios éticos, trabalhan- mos coibindo a ação de alguns grupos, do o conceito de deontologia. porém visando a defesa dos direitos da maioria. A abordagem do assunto visa dotar de conhecimento introdutório sobre este Espera-se que cada vez mais os alunos assunto, para que possamos, inclusive, e profissionais tenham senso crítico, desenvolvido através do domínio desta identificar algumas distorções e exage- matéria tão controversa nos meios poli- ros midiáticos sobre o tema, bem como ciais e tornar nossos profissionais prota- reconhecer situações diversas do coti- gonistas nas discussões deste tema. diano aos quais estes direitos precisam e devem ser aplicados. Bons Estudos! CAPÍTULO 1 DIREITOS HUMANOS Fonte: Rawpixel / PxHere. Fonte: PMSC (2020). ÉTICA Nesta primeira parte de nosso caderno Podemos trazer para reflexão a ex- de estudos, vamos refletir inicialmente pressão “bons costumes”, a qual pode sobre ética e moral, como fundamento ser utilizada como sinônimo de moral para o melhor entendimento do tema ou moralidade. Traz em seu bojo uma central desta matéria. série de juízos de valor, acerca do bem, do certo, do justo, do adequado etc. O termo moral pode ser entendido Estes conceitos, por sua vez, desdo- como o conjunto de normas e valores brar-se-ão em normas específicas de adotados por determinada sociedade, comportamento, regras de conduta acerca dos comportamentos que se que postulam deveres positivos, não julgam certos ou errados, desejados abstratos. ou indesejados e que, pela força da repetição, acabam por serem adota- dos socialmente como necessários. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 1 9 DIREITOS HUMANOS ÉTICA Sobre Ética, podemos entender que Aris- tóteles (384-322 a.C.) iniciou o diálogo IMPORTANTE como disciplina filosófica. Isto se evi- dencia em sua obra “Ética a Nicômaco”, Mais do que nunca, necessita-se de onde o autor procura dar uma resposta um elemento ou de um princípio que ao problema levantado anteriormente sirva de fundamento para distinguir- -se o agir correto do incorreto, o agir por Sócrates e Platão em uma pergunta justo do injusto. A investigação em simples: de que maneira deve o homem torno desse critério ou procedimento viver sua vida. do agir moral é a tarefa da Ética como disciplina filosófica. Ampliando a definição, as palavras dos eticistas Jung Mo Sung e Josué Cândido da Silva, quando nos trazem uma defini- ção da ética como “reflexão teórica que analisa e critica ou legitima os funda- mentos e princípios que regem um de- terminado sistema moral”. Um conceito semelhante nos traz Vázquez: ‘A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade’. Desta- co abaixo José Jaime Rauber: Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 1 10 Deontologia Avançando um pouco, mesmo que de Segundo Motta (1984) o termo Deon- forma superficial, A Deontologia é uma tologia teve sua origem do grego deon parte da Filosofia Moral e um braço da - o que deve ser feito, o dever em si e Ética Normativa. Tal termo foi criado logia - conhecimento metódico fundado em 1834 pelo filosofo Jeremy Bentham, em argumentos ou provas. Esse termo para designar o ramo da Ética que tem surgiu em 1834 pelo filósofo inglês Je- como objeto de estudo o fundamento remy Bentham para se referir ao ramo do dever e das normas, ou seja é consi- da ética cujo objeto de estudo são os derada a ciência ou teoria do dever e da fundamentos do dever e as normas mo- obrigação, onde é estudada a moralida- rais. A Deontologia é conhecida também de de uma ação com base em normas. sob o nome de “Teoria do Dever”. Fonte: PMSC (2020). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 1 11 ÉTICA DEONTOLOGIA Este mesmo autor diz ainda que a Deontologia também se refere ao conjunto de princípios e regras de con- duta — os deveres — inerentes a uma determinada profissão. Assim, cada profissional está sujeito a uma Deon- tologia própria, à regular o exercício de sua profissão, conforme o Código de Ética de sua categoria. TEORIA NA PRÁTICA O Código de Ética são normas estabe- Fonte: PMSC (2020). lecidas pelos próprios profissionais de determinada área, tendo em vista não exatamente a qualidade moral, mas a correção e padronização de suas inten- ções e ações, em relação a direitos, de- veres ou princípios, nas relações entre a profissão e a sociedade. SAIBA MAIS Pensando na Polícia Militar, cabe res- Importante ler a Lei 6218/83 que trata do saltar o Estatuto dos Policiais-Militares Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Estado de Santa Catarina, ressal- de Santa Catarina conforme link abaixo: tando que em na Seção II iniciando com http://leis.alesc.sc.gov.br/ o artigo 29 especificamente trata da html/1983/6218_1983_lei.html Ética Policial-Militar. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 1 12 CAPÍTULO 2 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS Fonte: Capri23auto / Pixabay. Fonte: Rawpixel Ltda. CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS Com o entendimento inicial das ques- cação e a importância do reconhecimen- tões levantadas no primeiro capítulo, to desses direitos para a humanidade. agora vamos estudar o conteúdo acerca Direitos Humanos podem ser concei- da progressão da temática “Direitos Hu- tuados como: manos” ao logo da história da sociedade. Neste sentido, o conteúdo proporciona ao discente conhecer os conceitos e for- IMPORTANTE talecer conhecimentos, solidificando a O conjunto de direitos, cujo objetivo base do tema, facilitando o entendimen- principal é a preservação da dignidade to e a reflexão crítica de novos saberes. da pessoa humana, partindo do pressu- posto que todos os indivíduos da es- Neste capítulo também serão verificadas pécie humana são iguais, sem que seja as características desses direitos que aplicado qualquer juízo de valor. influenciam de forma direta na sua apli- Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 14 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS Partindo deste conceito já construído, uma pergunta que podemos e devemos fazer e que a muito instiga a teoria geral dos direitos humanos é feita por Flavia Piovesan: REFLITA As normas de direito diretos huma- nos podem ter um sentido universal ou são culturalmente relativas? (PIOVESAN, 2017, p. 16). Para o autor Joaquim Herrera Flores, em concordância com Boaventura de Souza Santos, o conceito de sentido universal é um ponto de chegada e não de partida, logo precisamos nos ater ao desenvol- vimento cultural para podermos ter um “catálogo”, digamos assim, de valores Fonte: Subin / Pexels. universais não etnocêntricos. Vamos O QUE SERIA A DIGNIDADE mais a frente entender um pouco mais DA PESSOA HUMANA? sobre isso ao discorrer sobre a evolução Esta expressão amplamente utilizada e histórica dos direitos humanos. presente em nossa Carta Constitucional Deixando essa questão para instigá-los, têm difícil conceituação, inclusive entre vamos retornar a um conceito central os estudiosos do assunto. Neste sentido, referido no início do capítulo, dignida- sem exaurir o tema e reconhecendo de humana. inúmeros conceitos de diversos autores, Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 15 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS traremos um dos conceitos ensinados biente equilibrado, direito ao repouso, por Sarlet (2012, p. 57) em seu livro à dignidade, à informação, liberdade “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos religiosa, e seus desdobramentos. Fundamentais” que trata sobre o tema: A ideia de “Direitos Humanos” traz à [...] por dignidade da pessoa huma- tona a questão da igualdade entre os na a qualidade intrínseca e distin- seres humanos, ou seja, apesar da ine- tiva de cada ser humano que o faz quívoca singularidade de cada indivíduo merecedor do mesmo respeito e bem como suas características culturais, consideração por parte do Estado e devemos pensar em cada pessoa como da comunidade, implicando, neste “proprietária” e “digna” de direitos míni- sentido, um complexo de direitos e mos, sendo determinante para sua apli- deveres fundamentais que assegu- cação apenas a condição de ser humano. rem a pessoa tanto contra todo e Não é uma tarefa fácil, porém é o ponto qualquer ato de cunho degradante onde devemos lastrear este tema. e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais Nas palavras de Fábio Konder Compa- mínimas para uma vida saudável, rato (2011, p. 77): além de propiciar e promover sua A revelação de que todos os seres participação ativa e co-responsável humanos, apesar das inúmeras nos destinos da própria existência diferenças biológicas e culturais e da vida em comunhão com os demais seres humanos. que os distinguem entre si, merecem igual respeito, [...]. É o Logo, os direitos humanos tratam de reconhecimento universal de que, um grupo especial de direitos, pois em razão dessa radical igualdade, estão relacionados à vida, liberdade, ninguém – nenhum indivíduo, segurança, privacidade, crença, opinião, gênero, etnia, classe social, grupo participação política, direito à proteção, religioso ou nação – pode afir- ao trabalho, saúde, progresso, meio am- mar-se superior as demais. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 16 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS Direitos humanos são direitos mínimos merecedores de consideração e respei- inerentes a qualquer ser da espécie to, independente de qualquer caracte- humana, sob os quais não deve ser feito rística individual. juízo de valor acerca do gênero, crenças, Pensando agora como agentes do Es- cultura, nacionalidade, diferenças físi- tado, devemos ser garantidores destes cas, classe social ou outra característica direitos; direitos que devem ser reco- que o faça diferente. Nesta senda, são nhecidos e inalienáveis pelo Estado. valores universais não etnocêntricos Pode ser diminuindo a interferência como já foi citado e não podem ser res- estatal na esfera privada, para que o tritos apenas a determinado grupo ou mesmo não atue de forma arbitrária, parcela da população, mas aplicados a bem como exigindo a atuação positiva todos os humanos, sem distinção. do Estado interferindo ativamente Tratando-se de um direito de alcance para as garantias desses direitos (legis- extenso e global. Verifica-se que esta lação protetiva dos direitos – Estatuto universalidade baseia-se na lógica de da Criança e do Adolescente, Leis tra- que todos são igualmente dignos, sendo balhistas, etc.). Direitos reconhecidos pelo Estado Fonte: Pixabay / Pexels. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 17 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS Nos ensinamentos de Alexandre de Apesar da gênese deste tema ter re- Moraes): lação próxima dos abusos do Estado contra o cidadão, tema da maioria dos [...] os direitos humanos relacio- autores, cabe ressaltar que os direitos nam-se diretamente com a garan- humanos também têm como objeto a tia de não ingerência do Estado na esfera individual e a consagração proteção da sociedade contra o abuso da dignidade humana, tendo um de particulares. Serão verificados al- universal reconhecimento por guns exemplos ao longo deste Caderno parte da maioria dos Estados, seja de Estudos. em nível constitucional, infracons- titucional, seja em nível de direito Para uma melhor compreensão, é pru- consuetudinário ou mesmo por dente fazermos uma síntese histórica tratados e convenções internacio- sobre direitos humanos, tema da nossa nais. (MORAES, 2011, p. 21). próxima aula. Igualdade Fonte: Min An / Pexels Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 18 Mundo antigo. Fonte: Freepik. Evolução Histórica A presença humana na Terra ocorreu com que o homem primitivo se organi- muito antes da formação do Estado zasse em grupos e, deste novo arranjo como conhecemos. O homem, livre e humano, foi necessário estabelecer as solitário, vivia conforme as regras da primeiras regras limitando a natureza natureza, pautando suas ações apenas de cada indivíduo como forma de manu- nos instintos e na necessidade de so- tenção desta nova estrutura coletiva. brevivência. No caso de conflito, a regra O homem já não seguia mais exclusi- da natureza era colocada em prática, ou vamente seu instinto natural, mas as seja, venceria o mais forte, o mais prepa- diretrizes necessárias à sustentação rado, não havendo assim, limites para as do grupo ao qual pertencia. Logo, este suas vontades quando vencedor. A vio- grupo determinava as regras, os limites lência e a barbárie eram uma constante. de sua aplicação e as respectivas san- Com o passar do tempo, a necessidade ções em caso de descumprimento do de segurança e maior estabilidade fez “acordo coletivo”. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 19 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA Posteriormente, foi estabelecido que O Estado é um contraste ao homem um determinado grupo fosse repre- primitivo, no qual este abdica de seus sentante do todo na criação das regras instintos naturais, subordinando-se as impostas, execução das benfeitorias regras necessárias para a vida em cole- necessárias ao coletivo e outro grupo tividade, enquanto aquele tem o dever responsável para punir os que não de proporcionar sua segurança, punindo conseguissem frear seus instintos a todos que transgridam normas de primitivos, desrespeitando os preceitos relações sociais, através de regras claras da vida em coletividade. e com limites bem definidos. A evolução deste novo contexto, no qual Ao longo do tempo, este agrupamento o homem deixa seu estado de natureza, de pessoas (sociedade) foi criando e renunciando as suas individualidades, evoluindo sua dinâmica. As interações instituindo regras de convivência em prol entre as pessoas ficaram cada vez mais da manutenção de um grupo, estabele- complexas e o Estado precisou, e ainda cendo representantes para decisões ao precisa, acompanhar esta evolução, bem comum, é o início da ideia do que através de práticas capazes de fornecer conhecemos atualmente como Estado. a segurança e paz propostas pela teoria de sua implementação. Infelizmente, este equilíbrio teórico de um sistema estatal mundial perfeito está longe de se tornar uma realidade na prática. Primeiro essa organização de Estado não é única. No planeta possuímos vários “tipos” de Estados, estruturados de forma diversa, que ape- sar de possuírem a mesma lógica acima mencionada, apresentam profundas diferenças entre si. Sistemas Estatais. Fonte: David Dibert / Pexels. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 20 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA Neste viés, verifica-se que as caracterís- ticas culturais, o aumento populacional, as fronteiras geográficas, as divergên- cias religiosas e étnicas fazem com que os seres humanos acabem se afastando e não reconheçam nos seus semelhan- tes (na sua própria espécie) as mesmas necessidades básicas e o mesmo desejo de bem estar que também possui. O indivíduo tende a atuar com alteridade quando reconhece um pouco de si no outro, seja por uma afinidade familiar, cul- tural, religiosa, etc.. Porém é muito difícil Pessoa em situação de vulnerabilidade social. Fonte: Peakpx. esta mesma compaixão e entendimento quando não encontramos reconhecimen- E esta lembrança, que deve ser massi- to pessoal no outro. Esta razão humana, ficada no inconsciente coletivo de todo comum e compreensível, de não reco- o cidadão, é a principal importância do nhecer humanidade no outro da mesma estudo dos direitos humanos. espécie, já foi responsável por genocídios, As pessoas titulares de tais direitos originados por simples diferença religio- sa, étnica, política ou territorial. não podem ser analisadas sob qualquer juízo de valor no que tange a garantia de Nesta nossa diversidade, em uma gran- sua aplicação, tratando-se de direitos de população mundial, é de suma impor- irrenunciáveis. tância a lembrança de que convergimos para um aspecto muito importante que Em razão da existência destes direitos, une a todos: somos seres humanos. Pos- diversas normas infraconstitucionais suímos os mesmos desejos básicos, o foram promulgadas, de forma a coibir mesmo instinto de manutenção da vida, situações que, ao longo da história, fo- o mesmo medo da dor e do sofrimento. ram consideradas normais. Cabe anali- Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 21 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA sarmos que, na ausência de tais direitos, É de conhecimento coletivo que a es- o subjugo de um ser humano em face do cravidão no país perdurou até o final do outro, ou mesmo do Estado, ainda seria século XIX e era considerada uma situa- tolerado pois vivemos em um Estado ção normal para muitos. Acreditava-se Democrático de Direito. que o ciclo normal de vida de um escra- Esta percepção pode ser colocada em vo era servir, com o melhor rendimento termos práticos, provocando a reflexão possível, seu senhor. Não havia de uma proposta pela presente disciplina. Logo, forma geral, discussões ou reflexões verificando os fatos históricos, as grandes por grande parte da sociedade, sobre a tragédias da humanidade, percebemos a dura vida, sem condições mínimas, sem importância da solidificação destes direi- perspectivas ou aspirações que viviam tos, bem como sua difusão entre os povos. os escravos no período. Ilustração do tratamento dispensado aos escravos no Brasil Fonte: Debret (1834 -39) Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 22 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA Flagrante de trabalho escravo no Pará. Fonte: Reuters (2016). Pois bem, no século XXI, em função da lho regular. Quando chegaram ao local massificação, estudo e reconhecimento foram surpreendidos com a retenção dos direitos humanos, situações de es- das carteiras de trabalho. Estas pessoas, cravidão chocam a sociedade presente nossos semelhantes, eram forçadas a e são recebidas com grande indignação, jornadas diárias de 12 horas, sob coação pois o inconsciente coletivo considera armada, e sem recebimento de salário. inadmissível na atualidade, a existência, Não tinham acesso à alimentação ou mesmo que de forma isolada, deste tipo assistência médica. As condições sanitá- de ocorrência. rias e de habitação eram precárias. Porém segue na sequência, situação de A denúncia ocorreu após a fuga de dois trabalho escravo flagrada do estado do trabalhadores do local que acionaram Pará, no qual se verifica a violação de a Polícia Militar. O reconhecimento da inúmeros direitos humanos. No caso em existência de direitos mínimos aplicá- tela, os trabalhadores foram enganados veis a qualquer pessoa é a garantia de com a promessa da existência de traba- que uma situação da foto acima seja Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 23 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA inaceitável, independente das caracte- Deve ser ressaltado também, que rísticas individuais e origem de cada um estes direitos atuam de forma a coibir destes trabalhadores. excessos do próprio Estado, garantindo interferência mínima na liberdade do Logo, tratando-se de direitos universal- indivíduo, frustrando ações ilegítimas mente reconhecidos, cuja importância e abusivas, que venham a extrapolar os e necessidade são fundamentais na limites das determinações legais vigen- evolução de uma sociedade mais justa tes, bem como sua omissão e negligên- a todos, o Estado deve atuar de forma a cia em fornecer condições mínimas de protegê-los da ação nociva de terceiros, bem estar social. resguardando os cidadãos contra ações arbitrárias dos detentores de poder Abaixo, foto recente da fome na Ve- (seja poder econômico ou imposto pela nezuela, provocada por má gestão e força, como no exemplo anterior). corrupção do Estado. A fome na Venezuela - População a procura de comida em sacos de lixo na rua. Situa- ção criada pela imple- mentação de regime ditatorial comunista. Fonte: Guido (2018). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 24 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA Pessoas vivas, inclusive crianças, eram cobaias do experimento martelo. Fonte: U.S. Government Printing Office (1939-45) Outro exemplo acerca de fatos que ainda podemos destacar inúmeros expe- influenciaram e legitimam a importância rimentos médicos cruéis e desumanos na defesa dos direitos humanos, foram que culminaram na morte de milhares os prisioneiros civis durante a Segunda de pessoas, com um nível de violência e Guerra Mundial. Este conflito, é um dos sofrimento, sem precedentes. grandes marcos da história humana no Como exemplo da crueldade sem limi- sentido de sedimentar a filosofia dos di- tes, podemos citar o ‘experimento do reitos humanos, como veremos adiante. martelo’, com o objetivo de verificar Durante a Segunda Guerra, prisioneiros quantos golpes um crânio humano era capaz de suportar. Os prisioneiros eram eram classificados em razão de suas amarrados durante o experimento e só diferenças, sejam culturais, étnicas, poderiam aguardar a morte como fim do religiosas, idade, gênero, etc., através de suplício ao qual eram submetidos. símbolos em suas vestimentas. Quanto mais símbolos na vestimenta, ‘pior’ era a Das violações aos direitos humanos mais classificação do preso. Além dos traba- recentes e chocantes pela violência em- lhos forçados e condições de vida de- pregada, encontra-se o massacre de cris- gradantes aos quais foram submetidos, tãos em razão da intolerância religiosa. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 25 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA Entre outros métodos bárbaros, são Nesse sentido, diversos fatos, em inúme- utilizadas as cruéis decapitações coleti- ros países, ao longo do tempo, influen- vas, que são transmitidas via internet ao ciaram no avanço dos direitos humanos mundo, sendo uma ostensiva violação como um todo, fatos que fizeram o cole- dos direitos humanos. tivo repensar seus valores, observar de forma mais antropocêntrica, enaltecen- Considerando a importância de re- do o homem como espécie e protegendo conhecer estes direitos como forma seus interesses e sua dignidade. de combater arbitrariedades contra seres humanos, devemos entender que, Alguns desses acontecimentos foram apesar da necessidade de melhoria pontos de partida importantes para a contínua frente às modificações da mudança de pensamento de forma global. sociedade e das relações, houve um Entre eles, elencamos a seguir, de forma grande avanço acerca da matéria, resumida, fatos históricos que possuem acompanhando os acontecimentos da maior relevância e influenciaram sobre- história da humanidade. maneira o contexto atual acerca do tema. Execução coletiva de cris- tãos egípcios na Líbia. Fonte: Excelsior/Al Hayat (2015) Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 26 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA ILUMINISMO O Iluminismo é uma corrente filosófica que trouxe a lógica do pensamento racional. Enaltece o homem, através de uma visão antropocêntrica e fortalece sua importância. Esta escola iluminista afas- tou os dogmas religiosos, elucidando temas através da racionalidade e valorizando o ser humano. Dessa forma, alavancou a ideia dos direitos inerentes ao ser humano como ser superior às demais espécies, colocando-o em um elevado grau de importância. Este movimento filosófico influenciou a concepção dos Direitos Humanos como conhecemos na atualidade. As ideias defendidas pelo Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Iluminismo foram a princi- Fonte: Le Barbier (1789). pal influência no texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que defende o direito à vida e a qualidade de vida para todas as nações. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 27 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA REVOLUÇÃO FRANCESA A Liberdade Guiando o Povo. Fonte: Delacroix (1830). Também reflexo da doutrina Iluminista, a tinha como ideal a liberdade, a igualdade Revolução Francesa foi um conflito pro- e a fraternidade entre os homens e vocado em função de excessos cometidos influenciou, de forma direta, inúmeras pelo Estado, que tornaram a maior parte constituições que trouxeram insculpidos da população paupérrima, desrespeitan- em seu texto direitos individuais e coleti- do os direitos básicos dos cidadãos fran- vos como forma de proporcionar dignida- ceses como seres humanos. Este conflito de mínima aos seres humanos. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 28 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Revolução Industrial Fonte: Maschinenhalle (1868). A indústria surgiu com uma série de trabalhadores explorados, confinados mudanças na conjuntura da sociedade. em ambientes insalubres e com uma A mudança dos Estados Absolutistas carga horária de trabalho exaustiva para os Estados Modernos, o fortaleci- onde se busca o lucro sem limites. Essa mento da burguesia, a corrente filosó- situação gerou a necessidade de pro- fica antropocentrista, na qual o homem teger a dignidade e determinar regras é o dono de suas vontades, seguidor visando coibir o abuso dos particulares. do próprio arbítrio, a ascensão do pen- Momento histórico, o qual se verifica samento capitalista, do lucro através o surgimento dos direitos humanos do liberalismo econômico, são reflexos chamados de ‘Segunda Geração’ que da ideia de menor intervenção estatal tratam basicamente dos direitos sociais no cotidiano social. A necessidade de e econômicos. suprir as novas demandas de mercado, o desemprego causado pela grande Destaca-se aqui, a efetiva intervenção do oferta de trabalhadores, bem como pela Estado de forma a efetivar a promoção substituição do trabalho humano por dos Direitos Humanos, através de regras máquinas, resultou em uma gama de que vão regular as relações de trabalho. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 29 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A Segunda Guerra Mundial foi um conflito em grande escala no qual ocorreram inúmeras SAIBA MAIS violações dos direitos humanos entre as partes envolvidas. Vítimas civis foram torturadas, ser- A Declaração Universal dos viram como cobaias em experimentos fomenta- Direitos Humanos de 1948 é o principal documento sobre a dos pelo ramo industrial, forçadas ao trabalho temática dos direitos humanos escravo ou a condições degradantes de vida, em no mundo. Para os discentes função deste cenário de guerra. que desejam ter acesso ao documento na íntegra, basta acessar o endereço eletrônico: Com vistas a evitar novas barbáries, foi funda- http://www.onu.org.br/ da a Organização das Nações Unidas (ONU), img/2014/09/DUDH.pdf responsável pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). A ONU tem como escopo a manutenção da paz entre os povos, a proteção da dignidade das pessoas, indepen- dente de sua nacionalidade, sendo um ideal a extensão dos direitos humanos a todos os povos, de forma abrangente. Apesar das críticas constantes a ONU, por sua atuação seletiva frente aos conflitos armados, e por falta de isenção frente a algumas nações, é necessário perceber a importância da exis- tência de um organismo internacional, o qual seja possível exigir providências para atuação além das fronteiras dos Estados, em zonas de conflito ou em nações que violem os direitos humanos de seus cidadãos. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 30 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS EVOLUÇÃO HISTÓRICA Inúmeros outros eventos ao longo da história e outros documentos legais em diversos paí- ses contribuíram para a evolução da definição e proteção dos direitos humanos. Porém, como forma de recapitulação para este curso de formação, entendemos que o conhecimen- to dos fatos supramencionados são os mais importantes pra construir nossa disciplina. SAIBA MAIS Para aprofundar seu conhecimento sugerimos as leituras abaixo: A Magna Carta de 1215 do Rei João da A Carta das Nações Unidas de 1945; Inglaterra; Os Pactos Internacionais de Direitos Lei de Habeas Corpus de 1679 na In- Humanos de 1966; glaterra; A Convenção Americana de Direitos Declaração de Direitos (Bill of Rights) Humanos de 1978 (conhecida como o de 1689 na Inglaterra; Pacto de San José da Costa Rica); A Constituição dos Estados Unidos da O Estatuto do Tribunal Penal Interna- América do Norte em 1989; cional de 1988; A Constituição Francesa de 1848; Constituição da Espanha de 1912; A Convenção de Genebra de 1864; Constituição de Portugal de 1822; A Constituição do México de 1917; Constituição Belga de 1831. Constituição de Weimer (Alemã) de 1919; Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 31 Gerações de Diretos Humanos Quando falamos em “geração”, devemos até a 6ª Geração de Direitos Humanos esclarecer primeiramente que elas estão que seriam os direitos fundamentais conectadas, também deve ficar claro que decorrentes da globalização, entre a geração mais nova ou recente não elimi- eles, o direito à democracia, à informa- na a geração anterior. Dessa forma, não ção correta e ao pluralismo. Para fins podemos ter a idéia de existência autôno- deste Caderno de Estudos, ficaremos ma de uma geração em relação a outra. restritos aos doutrinadores que con- cordam em 5 gerações sucintamente Os estudos mais atuais podem chegar colocados abaixo. 1a Geração 2a Geração 3a Geração 4a Geração 5a Geração Os direitos humanos Os direitos humanos Pensa os direitos Os direitos humanos Trata do direito a paz. congregam os direitos estão relacionados à ligados a fraternidade estão ligados à questão Embora possamos de liberdade. ideia de igualdade. ou solidariedade, do biodireito. Quando encontrar outros focando em suplantar pensamos o futuro da aspectos relacionados a as diferentes categorias espécie humana, as essa geração como de cidadãos, quer liberdades, direitos e cibernética e a relacionados a classes deveres da sociedade e informática, seguimos o sociais, quer tangentes do Estado, na própria pensamento do jurista a religião, quer ligados preservação da Paulo Bonavides, que Fonte: PMSC (2020). a profissão. humanidade e de sua insere tal geração de essência. direitos humanos como contempladora do dito direito à paz. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 32 Características dos Direitos Humanos A especial importância R E L AT I V I D A D E dos direitos humanos frente aos demais Os direitos fundamentais não são absolutos, de- direitos determina vem ser relativizados em relação ao caso concreto. que verifiquemos suas Exemplo: Direito a liberdade em caso de crime características, como suprimido pelo direito a segurança e/ou liberdade forma de auxiliar qual- dos demais. No entanto, cabe destacar que a De- quer análise em caso claração Universal dos Direitos Humanos de 1948 determina como absoluto a vedação à escravidão de conflito aparente de e à tortura (artigo IV e V). direitos. IMPRESCRITIBILIDADE Nesta lógica, podemos citar como caracterís- São imprescritíveis, ou seja, não perdem sua vali- ticas desse grupo de dade pelo decurso de prazo. direitos: INALIENABILIDADE Os direitos humanos não são transferíveis, seja a título gratuito ou oneroso. IRRENUNCIABILIDADE Por sua importância ao ser humano, não podem ser objeto de renúncia em hipótese alguma (dis- cussões: eutanásia, aborto e suicídio). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 33 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS UNIVERSALIDADE EFETIVIDADE São direitos que abrangem toda A atuação do Poder Púbico deve a espécie humana. Independen- ser no sentido de assegurar a te de qualquer juízo de valor efetivação dos direitos e garan- sobre o indivíduo, acerca de tias previstos, com mecanismos sua nacionalidade, gênero, raça, coercitivos (através da adequa- crença religiosa ou convicção ção das leis infraconstitucionais, político-filosófica. como veremos adiante). INVIOLABILIDADE C O M P L E M E N TA R I D A D E São direitos não passíveis de não A análise dos direitos humanos serem cumpridos, mesmo que não pode ser feita de forma iso- haja determinações infraconsti- lada, sua interpretação deve ter tucionais ou ato das autoridades como foco os objetivos previs- públicas. Neste caso, pode haver tos pelo legislador constituinte. responsabilização civil, adminis- trativa e criminal. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 2 34 CAPÍTULO 3 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 Fonte: Gran OAB. Constituição Cidadã Fonte: Lambertucci (2018). DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 Conforme verificamos anteriormente, seu bojo um capítulo acerca dos direitos o reconhecimento e o progresso dos e garantias fundamentais. direitos humanos fundamentais do Desde a Constituição do Império, outras homem não são frutos de uma constru- constituições foram promulgadas sem ção planejada, mas de uma evolução grandes alterações no plano dos direitos histórica e social, culminando em uma humanos. constitucionalização no século XVIII. Em 1988 foi promulgada a chamada A evolução dos direitos humanos no Constituição Cidadã, que trouxe grandes Brasil ocorreu com a influência da legis- avanços no que tange a proteção cons- lação internacional. A primeira Consti- titucional dos direitos humanos, estabe- tuição do Império de 1824 foi constituí- lecendo como um dos fundamentos de da inspirada nas constituições francesa e alicerce do Estado um princípio bastante americana. Nesse contexto, já trazia em conhecido, conforme transcrição a seguir: Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 3 36 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 Art. 1° A República Federativa do Art. 4º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel Brasil rege-se nas suas relações inter- dos Estados e Municípios e do Distrito nacionais pelos seguintes princípios: Federal, constitui-se em um Estado [...] Democrático de Direito e tem como II - prevalência dos direitos humanos fundamentos: [...] (BRASIL, 1988). I – […]; II – […]; III – a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988, grifo nosso). Possuindo como fundamento de Esta- do, a garantia da dignidade da pessoa humana, entende-se que a estrutura da República Federativa do Brasil apenas pode ser assegurada através da garantia e positivação dos direitos humanos. Nota-se, neste sentido, o grau de impor- tância atribuída a tais direitos. A redação original da Constituição Federal faz menção expressa à promo- Fonte: Kristin De Soto / Pexels. ção e proteção dos direitos humanos quando afirma, em seu artigo 4º, que sua prevalência constitui princípio que rege as relações internacionais do Estado brasileiro: Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 3 37 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 Em razão desta previsão constitucional é que o estudo da temática de direitos humanos envolve a citação de inúmeros tratados dos quais o Brasil é signatário. Cabe salientar que, no que tange os tratados e convenções internacionais de direitos humanos, a Emenda Cons- titucional nº. 45, de 2004, acrescentou o parágrafo 3º ao art. 5º, elevando a hierarquia destas cartas, segundo o Logo da Declaração Universal critério abaixo: dos Direitos Humanos. Fonte: Lepinski (2015). Os tratados e convenções internacio- Não podemos esquecer que as normas nais sobre direitos humanos que forem constitucionais, conforme previsão aprovados, em cada Casa do Con- expressa do artigo 5º, parágrafo 1º, são gresso Nacional, em dois turnos, por de aplicabilidade imediata sempre que três quintos dos votos dos respectivos relacionada à proteção dos direitos membros, serão equivalentes às emen- humanos. das constitucionais. (BRASIL, 1988). Ainda, no art. 5º, parágrafo 2º, temos que: Quando os Tratados Internacionais de Direitos Humanos (TIDH) são aprova- Os direitos e garantias expressos nesta dos por três quintos dos votos de seus constituição não excluem outros decor- membros, em cada Casa do Congresso rentes do regime e dos princípios por ela Nacional e em dois turnos de votação, adotados, ou dos tratados internacio- por força do parágrafo 3º, artigo 5ª da CF, nais de que a República Federativa do acrescido pela EC nº. 45/2004, equivalem Brasil seja parte. (BRASIL, 1988). a emendas constitucionais. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 3 38 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 Ainda analisando nossa Constituição Federal vigente, em termos dos principais artigos que tratam da temáti- ca direitos humanos, devemos ter especial atenção ao Título II, que trata dos direitos e garantias fundamen- tais, dividindo-os em cinco capítulos cuja leitura é de suma importância: Capítulo I - Dos Direitos Individuais e rio, povo e soberania) e devem cumprir Coletivos os direitos e exigir os deveres do Estado Direitos ligados diretamente ao con- ao qual pertencem, sendo reconhecidos ceito de pessoa humana, trata da vida, por este Estado. dignidade, liberdade, etc. Capítulo IV – Dos Direitos Políticos Capítulo II – Dos Direitos Sociais Estes direitos determinam as regras de Trata-se da atuação positiva do Es- atuação da soberania popular. Afinal tado, visando proporcionar melhores todo o poder emana do povo, porém condições de vida e igualdade social os meios para que isto ocorra devem (Estado de Bem Estar Social). estar normatizados e protegidos pelo Capítulo III – Dos Direitos de manto constitucional. Nacionalidade Capítulo V – Dos Partidos Políticos São direitos que tratam do vínculo jurí- São direitos que determinam a liberda- dico entre os indivíduos e o Estado. Estes de e autonomia dos partidos políticos, indivíduos precisam estar definidos, pois como forma de proporcionar a con- fazem parte de um dos componentes tinuidade do Estado Democrático de que definem o que é um Estado (territó- Direito. (BRASIL, 1988). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 3 39 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 em termos práticos, apenas podem ser efetivados através da legislação infraconstitucional. Logo, podemos afirmar que estes di- reitos fundamentais são válidos como norteadores da legislação pátria, uma vez que figuram na Lei Maior. Desta forma, inspiradas por estes direitos constitucionais, diversas leis ordinárias são promulgadas e são estas leis que estão vinculadas ao trabalho da Polícia Militar e que trazem a efetivação das aspirações constitucionais. Explicando de forma mais sucinta, a República Federativa do Brasil tem como Dignidade humana Fonte: Wesley Almeida / cancaonova.com. fundamento a dignidade da pessoa hu- mana, porém esta só irá concretizar-se Ainda cabe destacar que, na condição com a modificação de comportamento de também de direitos humanos positi- seu povo, que ocorre através das normas vados (ou seja, direitos fundamentais), infraconstitucionais que determinam ou encontram-se as garantias ao meio vedam posturas específicas para alcance ambiente equilibrado, previsto no artigo daquele fim e preveem punição coercitiva 225, e respectivos incisos e parágrafos, no caso de descumprimento da norma. da Carta Magna de 1988. Nesta linha de raciocínio, ligando o Apesar do elevado grau de importância campo teórico da orientação constitu- da presença destes direitos na Consti- cional e a prática, temos inúmeras leis tuição Federal, devemos lembrar que, infraconstitucionais que participam do o exercício e defesa destes direitos nosso cotidiano profissional, que visam Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 3 40 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 justamente a defesa dos direitos huma- limites para o indivíduo agir da forma nos. Nesta lógica, podemos citar a Lei mais conveniente para si. Neste Caderno n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha); de Estudos, verificamos que, por neces- Lei n° 9.455/97 (Lei de Tortura); Lei n° sidade de segurança, o homem reuniu-se 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), Lei e formou o que reconhecemos como n° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso); Lei sociedade, e desta formatação surge a 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do necessidade de coibir e frear seus impul- Adolescente), etc. sos e vontades em prol do coletivo. Deve-se ter bem claro, que a defesa dos Neste sentido, algumas vezes este grupo direitos humanos visa coibir abusos reais especial de direitos são evocados por do Estado ou na relação entre as pessoas, algumas pessoas e/ou instituições como não se tratam de uma autorização sem absolutos e uma verdadeira ‘carta bran- Fonte: Jill Wellington / Pexels. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 3 41 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CRFB/88 ca’ para justificar um comportamento O conhecimento do tema, entender a inadequado, ou mesmo criminoso. Po- razão do surgimento, suas nuances e rém, não podemos deixar que o uso equi- reais objetivos, operam de forma ímpar vocado e malicioso destes direitos acar- para que possamos questionar o desvio rete na diminuição de sua importância ou de finalidade no uso destes direitos e em descrédito. O doutrinador Alexandre também reconhecer quando há exces- de Moraes traz a seguinte reflexão: sos em nossa atuação e necessidade de repensar comportamentos e atuar Os direitos humanos fundamen- dentro da técnica institucional. tais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo Apesar da doutrina sobre o tema enfati- da prática de atividades ilícitas, zar, e muito, abusos por parte do Estado, nem tampouco como argumento o avanço de interpretação em prol do para afastamento ou diminuição indivíduo de forma ilimitada, também é da responsabilidade civil ou penal um fator preocupante e tem provocado por atos criminosos, sob pena de desequilíbrios nas relações sociais. Se ao total consagração ao desrespeito a Estado não se admite o poder absoluto, um verdadeiro Estado de Direito. devemos ter claro que também não (MORAES, 2011, p. 27). existe liberdade absoluta do indivíduo, sendo este sujeito de direitos, porém também de deveres, devendo estar su- bordinados as regras do Estado. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 3 42 CAPÍTULO 4 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS Fonte: PMSC (2019). PM cuidando da População. Fonte: PMSC (2019). ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS Chegamos na parte de nosso estudo a nortear nossas ações e destacar a onde será abordada a importância da importância do nosso trabalho. Também atividade da Polícia Militar na condição vamos relembrar a legislação mais afeta de promotora dos direitos humanos. A o serviço policial quando falamos de nobreza da missão policial visa à garan- Direitos Humanos. tia dos direitos humanos da sociedade, Por derradeiro, ressaltar a autoridade sendo sua atuação, com respaldo na do 1° Sargento e do Subtenente no técnica e na legalidade, o divisor entre o meio militar, seu grande poder de caos e a ordem. influência como exemplo e orientador Neste sentido, iremos verificar algumas no que tange ao conhecimento, bem orientações de procedimentos que de- como, no cumprimento fiel da técnica vem ser lembrados em nosso cotidiano profissional, como forma de resguardar em nossa atuação profissional, de forma os direitos humanos. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 44 Lei de Abuso de Autoridade O crime de abuso de autoridade pode ser cometido por qualquer pessoa que exerça função públi- ca. O artigo 2º da Lei 13869/19 expressa: REFLITA “É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municí- pios e de Território Considera- -se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração” O bem jurídico principal que essa lei protege são os direitos e garantias fundamentais, o que liga esta legislação diretamente Desembargador rasga multa por não usar máscara em SP. aos direitos humanos. Fonte: SBT Interior.com. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 45 Crime de Tortura Crueldade da Tortura Fonte: Parrini (2007). Sobre o crime de tortura, vamos nos os açoutes, a tortura, a marca de ferro ater mais especificamente a legislação quente, e todas as demais penas cruéis”. pátria, em especial é claro a Lei 9455, de (BRASIL, 1924). 07.04.97, a qual “define o crime de tortura Em que pese à carta maior desde cedo e dá outras providências”. (BRASIL, 1997). trazer o termo tortura, somente nos anos Mas ao olharmos um pouco mais aten- 90 tivemos uma legislação que tipificou tamente para a história do Brasil, desde um crime de tortura quando o Esta- a Constituição Imperial de 1824, vis- tuto da Criança e do Adolescente (Lei lumbramos expresso desagravo contra 8069/90) em seu artigo 233 previu como a tortura e outros tratamentos desu- crime o ato de “submeter criança ou ado- manos, onde o art. 179, § 19 daquela lescente, sob sua autoridade, guarda ou carta consta: “Desde já ficam abolidos vigilância a tortura”. (BRASIL, 1990). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 46 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS CRIME DE TORTURA No ano de 1997 tivemos a promulgação da Lei 9455/97 que tipifica então o crime de tortura. Essa lei revogou expressamente o art. 233 do ECA que foi citado acima em seu art. 4º. Vamos rememorar o que essa lei nos diz: Art. 1º. - Constitui crime de tortura: I- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, a de violência ou grave ameaça, intenso sofrimento físico ou men- causando-lhe sofrimento físico ou tal, como forma de aplicar castigo mental: pessoal ou medida de caráter preventivo. a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima Pena - reclusão, de 2 (dois) a ou de terceira pessoa; 8 (oito) anos. b) para provocar ação ou omissão de § 1º. - Na mesma pena incorre quem natureza criminosa; submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança, a sofrimento c) em razão de discriminação racial ou físico ou mental, por intermédio da religiosa; prática de ato não previsto em lei II - submeter alguém, sob sua guarda, ou não resultante de medida legal. poder ou autoridade, com emprego (BRASIL, 1997). Algo que devemos ressaltar nesta legislação é a previsão de crime específico para as autoridades que se omitirem diante das práticas acima elencadas. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 47 Uso da Força pela Polícia Militar na Perspectiva dos Direitos Humanos Por falta de conhecimento, alguns ainda lógica, trazemos os ensinamentos de possuem a crença na incompatibilidade Balestreri: entre a atividade policial e os direitos humanos. A visão unilateral e antiquada Zelar, pois, diligentemente, pela de que a Polícia Militar é o braço arma- segurança pública, por nossos do do Estado, utilizando da violência direitos de irmos e virmos, de descabida para sua proteção incondicio- não sermos molestados, de não nal, ainda é recorrente entre os neófitos sermos saqueados, de termos e os rebeldes sem causa. respeitadas nossas integridades físicas e morais, é dever da Na concepção democrática de Estado polícia, um compromisso com o hodierna, a Polícia Militar trabalha rol mais básico dos direitos hu- junto com a sociedade e, em prol desta, manos que devem ser garantidos na condição de promotora e protetora a imensa maioria de cidadãos dos direitos humanos, visando uma honestos e trabalhadores. (Ba- sociedade mais justa e igualitária. Nesta lestreri, 2003, p. 26). Confusão e violência em bloco de carnaval. Fonte: Marcelo de Jesus (2019). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 48 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS USO DA FORÇA PELA POLÍCIA MILITAR NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS Atuação da PMSC na Pandemia do Covid-19. Fonte: PMSC (2020). A Polícia Militar encontra-se, neste Infelizmente, no exercício de nossa ati- contexto, como a primeira linha entre vidade, alguns policiais militares acabam Estado e sociedade. Se por um lado, por cometer excessos que extrapolam, e atua de forma a evitar violação dos muito, a técnica policial, a legalidade e a direitos humanos por terceiros, ga- razoabilidade. De outro norte por vezes, rantindo aos cidadãos direitos como há grande sensacionalismo midiático em segurança, preservação do patrimônio, torno de algumas atuações policiais, que vida, incolumidade física, etc., por ou- destoam da verdade dos fatos. Entende- tro, também atua em nome do Estado mos também, que há na população, em e possui o dever legal de limitar suas geral, ausência da cidadania plena, ou ações de forma a preservar direitos, seja, o sentimento de pertencimento a não cometendo excessos no cumpri- uma comunidade e em razão disso o cum- mento de sua atividade. primento de deveres e a cobrança (ordei- Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 49 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS USO DA FORÇA PELA POLÍCIA MILITAR NA PERSPECTIVA DOS DIREITOS HUMANOS ra) de direitos. Porém, não há como negar Devemos sempre relembrar nossa que algumas ações policiais ultrapassam pirâmide do uso da força, presente em a linha da legalidade, não sendo possível todos os nossos manuais técnicos, que defendê-las sob nenhuma justificativa, coaduna com a perspectiva do uso da salvo a perda de controle emocional e força na perspectiva também dos direi- ausência total de técnica policial. tos humanos. Pirâmide do uso da força. Fonte: adaptado de Ministério da Justiça (2006). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 50 Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei Antes de entrarmos especificamente do Código de Conduta vamos estender nossos estudos ao conjunto de documentos que compõe a Declaração Universal de Direitos Humanos, salientando que este material consta de nosso Manual de Técnicas Policiais. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS A Declaração Internacional dos Direitos Humanos é o termo utilizado como uma referência coletiva a três instrumentos principais e um protocolo facultativo sobre direitos humanos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH); Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP); Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PI- DESC); Fonte: Dazzle Jam / Pexel. Primeiro Protocolo Facultativo refe- rente ao PIDCP. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 51 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS CÓDIGO DE CONDUTA PARA FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI Fonte: Cottonbro / Pexels. Ainda devemos ter conhecimento que existem mais sete tratados principais de direitos humanos cada qual com um comitê para supervisionar sua respectiva implemen- tação efetiva pelos Estados: Pacto Internacional sobre os Direitos das as formas de Discriminação contra Civis e Políticos (PIDCP); a Mulher (CEDM); Pacto Internacional sobre os Direitos Convenção contra a Tortura e outros Econômicos, Sociais e Culturais (PI- Tratamentos ou punições cruéis, desu- DESC); manas ou degradantes (CCT); Convenção Internacional sobre a Eli- Convenção sobre os Direitos da Crian- minação de Todas as Formas de Discri- ça (CDC); minação Racial (CIEDR); Protocolo Básico para Uso da Força e Convenção sobre a Eliminação de to- da Arma de Fogo (PBUFAF). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 52 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS CÓDIGO DE CONDUTA PARA FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI Fonte: PMSC (2020). C Ó D I G O D E C O N D U TA PA R A O S F U N C I O N Á R I O S ENCARREGADOS PELA APLICAÇÃO DA LEI O Código de Conduta para os Encarregados da Aplica- ção da Lei (CCEAL), foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em sua resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979. Artigo 1º. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem cumprir, a todo o momento, o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em conformidade com o elevado grau de responsabilidade que a sua pro- fissão requer. Artigo 2º. No cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direi- tos fundamentais de todas as pessoas. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 53 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS CÓDIGO DE CONDUTA PARA FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI Artigo 3º. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever. Artigo 4º. As informações de natureza confidencial em poder dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever ou as necessidades da justiça estritamente exijam outro comportamento. Artigo 5º. Nenhum funcionário responsável pela aplica- ção da lei pode infligir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens superio- res ou circunstanciais excepcionais, tais como o estado de guerra ou uma ameaça à segurança nacional, insta- bilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como justificação para torturas ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Artigo 6º. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem assegurar a proteção da saúde das pessoas à sua guarda e, em especial, devem tomar medidas ime- diatas para assegurar a prestação de cuidados médicos sempre que tal seja necessário. Artigo 7º. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem cometer qualquer ato de corrupção. Devem, igualmente, opor-se rigorosamente e combater Legislação e Justiça. todos os atos desta índole. Fonte: Freepik. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 54 ATIVIDADE POLICIAL MILITAR E DIREITOS HUMANOS CÓDIGO DE CONDUTA PARA FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI Artigo 8º. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar a lei e o presente Código. Devem, também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se vigorosamente a quaisquer violações da lei ou do Código. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que tiverem motivos para acreditar que se produ- ziu ou irá produzir uma violação deste Código, devem comunicar o fato aos seus superiores e, se necessário, a outras autoridades com poderes de controle ou de repa- ração competentes. (CÓDIGO..., 1979). “A resolução da Assembleia Geral que adota o CCEAL estipula que a natureza das funções dos en- carregados da aplicação da lei na defesa da ordem pública, e a ma- neira pela qual essas funções são exercidas, provocam um impacto direto na qualidade de vida dos in- divíduos assim como da sociedade como um todo. Ao mesmo tempo em que ressalta a importância das tarefas desempenhadas pelos encarregados da aplicação da lei, a Assembleia Geral também destaca o potencial para o abuso que o cumprimento desses deveres Direitos igualitários. acarreta.” (PMSC, 2018). Fonte: Matheus Viana / Pexels. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 4 55 CAPÍTULO 5 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Fonte: Pexels. Cassetete de PM quebrou ao atingir rosto de estudante. Fonte: Luz (2017). CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Sobre a perspectiva de que precisamos necessária. Por óbvio, que se entende reconhecer nossas falhas no que tange que situações de acompanhamento de o respeito aos direitos humanos e limite protestos costumam ser exaustivas aos de nossa atuação, vamos refletir sobre o policiais, pois os mesmos são expostos episódio da foto acima. a horas de trabalho contínuas, que há provocação direta dos manifestantes Durante um protesto, Policial Militar de contra a Polícia, que falta a cidadania Goiás atinge manifestante na cabeça. A por parte dos manifestantes, conforme violência aplicada é tamanha que que- colocamos acima, que há depredação bra o cassetete. de patrimônio, perturbação do sossego, A íntegra do ocorrido pode ser veri- sendo impossível a manutenção de ficada neste link, no qual verificamos um diálogo profícuo para um protesto que a ação policial foi arbitrária e des- dentro dos ditames legais e respeitando Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 5 57 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS o coletivo. Porém, é neste momento que o policial deve colocar em prática seus conhecimentos profissionais, resistindo à fadiga e mantendo o equilíbrio diante da situação. Não há técnica de dispersão de multidão ou de imobilização que con- siga legitimar o procedimento aplicado na foto/vídeo anterior. Outro fato que merece análise e refle- xão acerca dos nossos erros na atuação profissional vem do sul do nosso estado, na cidade de Içara. Na foto acima, adolescente de 15 anos, apanha com um pedaço de madeira Imagens mostram policial agredindo adolescente no Sul de SC durante a abordagem. O mesmo não Fonte: RSC Portal dia (2017) oferece qualquer resistência que pudes- se justificar uma agressão tão aviltante punidade crescente. Possuímos missão em via pública. específica, delimitada legalmente. O vídeo que contém a integra da agres- Apesar dos exemplos acima, acreditamos são pode ser visto através da internet. tratar-se de casos isolados que atentam contra a confiabilidade das Instituições Nossa atuação deve ser pautada na lei Policiais. No entanto, vale o reconheci- e respeito aos direitos humanos, não mento dos nossos erros e a tentativa de podemos atuar de forma desequilibrada aprender com essas situações, de forma e maldosa, justificando nossos atos ile- que não haja abalo na credibilidade de gais na condição de paladino da justiça, nossa instituição, tão pouco descrença em função de injustiças provocadas em nossa honrosa missão na proteção por uma legislação branda ou pela im- dos direitos da sociedade. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 5 58 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A fronteira entre a força e a tru- culência é delimitada, no campo formal, pela lei, no campo racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve reger o ‘modus operandi’ de policiais e criminosos. Eviden- temente, isso não significa que devamos esperar que a polícia contenha ações sociopáticas, muitas vezes violentas, sem jamais utilizar mecanismos vigorosos que, a rigor, serão também violentos, Violação de direitos. Fonte: rawpixel.com / Freepik. como o é qualquer ação de con- Com os exemplos trazidos acima, não tenção física ou privação de liber- dades, mesmo quando exercida estamos, de forma alguma, tentando em nome de um bem maior. Seria desestimular a ação policial. Pelo con- uma candura, um lirismo perigoso, trário, a Polícia Militar deve sim atuar, imaginar que uma força policial porém sempre de forma legal e técnica. não deva agir com rigor máximo Lembrando que respeitar os direitos sempre que ações predatórias humanos não autoriza as pessoas a tenham chegado a extremos que fazerem o que bem entenderem com possam comprometer o bem-estar prejuízo ao coletivo. social. Contudo, o contrário, uma Sobre o dever de ação contundente da visão radicalizada de tal per- polícia e seus limites, Balestreri (2003, missão à força, favorecedora de p. 27) ao tratar o tema dos direitos hu- excessos, é igualmente perigosa e manos posiciona-se no seguinte sentido: socialmente destrutiva. Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 5 59 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Logo, agindo a Polícia Militar dentro dos limites legais do uso da força, é demasiadamente equivocado o senso comum que aponta a atuação policial como atos de violência, que culminam na transgressão de direitos hu- manos e liberdades individuais. A Polícia Militar é uma institui- ção que preserva os direitos humanos, quando garante segu- rança aos indivíduos para que estes possam viver livremente, também sob a égide do orde- namento jurídico, sem serem importunados ou tolhidos por terceiros. PMSC respeita os direitos humanos. Fonte: PMSC (2020). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 5 60 Destaques Positivos Polícia Militar de Santa Catarina acompanha manifestantes. Fonte: Machado (2017). Acima, foto da Polícia Militar organi- com os ditames legais e com a preserva- zando e garantindo o direito à livre ção dos direitos fundamentais. manifestação, de forma a minimizar Pelo dever de agir de forma correta, Ba- transtornos no trânsito, protegendo o lestreri (2003) coloca que o arquétipo do direito de ir e vir dos cidadãos que não Policial deve estar alinhado com a figura do aderiram ao protesto. “herói”, do “mocinho” contrapondo a figura Esta proteção coletiva prestada pela do “bandido”, sendo assim admirado, imi- Polícia Militar é isenta de julgamentos e tado e se tornando um exemplo pela socie- preconceitos, pois o bom profissional de dade para retidão na forma de atuação. E segurança pública atua em consonância ainda complementa o referido autor: Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 5 61 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DESTAQUES POSITIVOS Ao policial, portanto, não cabe ser equilíbrio emocional e promoção dos cruel com os cruéis, vingativo con- direitos humanos. tra os antissociais, hediondo com os que praticam atos hediondos. Cabe ressaltar que o Policial Militar Apenas estaria com isso, liberan- também é um sujeito de direito, que deve do, licenciando, a sociedade para ser respeitado em sua integralidade, pois, fazer o mesmo, à partir de seu como estudado, os direitos humanos inevitável patamar de visibilidade são aplicados sem distinção de qualquer moral. (BALESTERI, 2003, p. 9). natureza, inclusive ao profissional do Estado no cumprimento do dever. Abaixo, foto que reflete a dinâmica que estamos arguindo. Policial Militar Sua especial missão de proteção da so- auxiliando atendimento de criminoso ciedade, com o risco da própria vida, não ferido, mesmo após os mesmos efetua- o torna um sujeito à margem dos direitos rem disparos de arma de fogo contra inerentes a todos, pelo contrário, a prote- a guarnição. Exemplo de atuação pro- ção da dignidade dos policiais, o respeito fissional, respeito aos ditames legais, ao trabalho que exercem de forma digna Criminoso sendo atendido por Policial Militar após ocorrência em Florianópolis. Imagens: Informe Floripa (2017). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 5 62 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DESTAQUES POSITIVOS Policial Militar atingido por uma pedrada durante protesto em Florianópolis. Fonte: Neves (2013). faz parte do fortalecimento da O policial militar é um cidadão qualificado cidadania e da sociedade. e, em seu contato diário com a população, emblematiza e representa o Estado. Além Logo, resta claro que a Polícia disso, tem autorização legal para o uso da Militar está em consonância com força e de armas de fogo, o que lhe dá des- os anseios da sociedade e dela faz tacada autoridade para a construção social parte, não sendo mais possível ou para sua devastação, onde o impacto admitir a cultura de que haja dua- sobre a vida das pessoas é sempre extrema- lidade ou incompatibilidade entre do e simbolicamente referencial para o bem ambas. Sobre o exposto, defende ou para o mal-estar da sociedade. (JESUS, José Lauri Bueno de Jesus: 2009, p. 165). Ética e Direitos Humanos na Atividade Policial Capítulo 5 63 CASOS PRÁTICOS DE VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DESTAQUES POSITIVOS Porém temos casos do empenho de algumas O policial, pela natural Organizações Não Governamentais atuando autoridade moral que de forma insistente para a garantia dos direitos porta, traz consigo o humanos da população carcerária, sem o mesmo potencial de ser o mais entusiasmo com outros grupos que também marcante promotor precisariam da mesma dedicação e isto coloca dos Direitos humanos, nos ativistas de direitos humanos o estigma de revertendo o quadro de “defensores de bandidos” e da impunidade. descrédito social que o

Use Quizgecko on...
Browser
Browser