Direito Constitucional - 1666131143168.pdf
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ÍNDICE 1. Estado e Constituição. Constituição: conceito, conteúdo, objeto e classificação. Poder constituin...
ÍNDICE 1. Estado e Constituição. Constituição: conceito, conteúdo, objeto e classificação. Poder constituinte originário, derivado e decorrente. Supremacia constitucional e hermenêutica constitucional.....................................................01 2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Preâmbulo e princípios fundamentais. Dignidade da pessoa humana e direitos humanos. Dimensões dos direitos humanos no Brasil.......................................................15 3. Direitos e garantias fundamentais. Direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de na- cionalidade, direitos políticos, partidos políticos.......................................................................................................................28 4. Aplicabilidade das normas constitucionais. Normas de eficácia plena, contida e limitada. Normas programáti- cas. Controle de constitucionalidade no Brasil. Controles difuso e concentrado de constitucionalidade: ADI, ADC, ADPF e reclamação constitucional........................................................................................................................................53 5. Remédios constitucionais: habeas data, habeas corpus, mandado de segurança, ação popular e mandado de injunção......................................................................................................................................................................................................59 6. Organização político-administrativa do Estado. Estado federal brasileiro, União, Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios........................................................................................................................................................................64 7. Administração Pública. Disposições Gerais e Servidores Públicos............................................................................. 74 8. Poder Executivo. Atribuições e responsabilidades do presidente da República.......................................................87 9. Poder Legislativo. Estrutura. Funcionamento e atribuições. Processo legislativo.....................................................95 10. Poder Judiciário. Disposições gerais. Órgãos e competências do Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Composição, estrutura e competências. Súmulas Vinculantes e Repercussão Geral. Superior Tribunal de Justiça. Composição, estrutura e competências.........................................................................................................................................112 11. Funções essenciais à Justiça: Advocacia, Ministério Público, Advocacia Pública e Defensoria Pública.........131 12. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Segurança pública. Organização da segurança pública.........................................................................................................................................................................................................139 13. Da Ordem Econômica e Financeira. Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica...........................................148 14. Da Ordem Social. Base e objetivos da ordem social. Seguridade social. Meio ambiente. Família, criança, ad- olescente, idoso e índio........................................................................................................................................................................152 Direito Constitucional 1. ESTADO E CONSTITUIÇÃO. CONSTITUIÇÃO: sentatividade no Senado Federal e nem possuem, hoje, Tribunais de Contas. Somente os Municípios de São Pau- CONCEITO, CONTEÚDO, OBJETO E CLASSIFI- lo e Rio de Janeiro mantiveram a estrutura dos Tribunais CAÇÃO. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO, de Contas. DERIVADO E DECORRENTE. SUPREMACIA O termo constituição deve ser entendido no sentido CONSTITUCIONAL E HERMENÊUTICA de criar, de compor elementos, uni-los para dada finali- CONSTITUCIONAL. dade. Portanto, no sentido de constituir, criar, conceber, fundar, enfim, estabelecer um novo Estado e uma nova ordem jurídica. O Direito Constitucional é o ramo fundamental de Os componentes estruturais de um Estado são: ter- um Estado, de onde brota e deságua toda estrutura ritório, povo, governo e ordenamento jurídico soberano. orgânica e principiológica do ordenamento jurídico de Assim nos expressamos porque a “finalidade” ou objeti- uma sociedade organizada. vo do Estado se inclui no próprio ordenamento jurídico constitucional – não olvidamos que nas leis estão os seus Destaca-se... fins, e o mesmo ocorre com a Constituição, que possui A Constituição posta tem força normativa, possuin- em seu teor os fins estatais. do uma supereficácia, pois tem o poder de afastar qual- Quando se cria uma Constituição e ao mesmo tem- quer outra norma em sua aplicabilidade, devendo ser- po o Estado, determina-se os motivos pelos quais foram vir de guia para a criação e a interpretação das normas instituídos. Esses elementos referidos – povo, território, componentes do sistema jurídico. governo - são unificados pelo resultado da elaboração O que devemos ter em mente é: o que o produto do do Poder Constituinte Originário. Dessa forma, essa jun- Poder Constituinte Originário constitui ou estabelece? ção de elementos por meio da Constituição cria o Estado Em resposta podemos afirmar que além de constituir sob uma concepção jurídica e não material. a norma fundamental do Estado, constitui o próprio Es- O Estado precisa de estrutura orgânica para funcio- tado. Isso significa que o Estado em seu sentido jurídico nar, necessita de pessoas que irão exercer competências é criado pela Constituição que o rege, como norma fun- específicas para o atingimento dos seus fins, são com- damental. Por meio desta se unem os seus componentes petências políticas e administrativas, instrumentais ou substanciais, como o território e o povo, e ao mesmo finalísticas. Além disso, indispensável que sob o manto tempo se cria sua estrutura orgânica e política. territorial do Estado, este possa exercer a sua soberania. Pode-se afirmar, ainda, que, juridicamente, o Esta- do também é obra do denominado Poder Constituinte Objeto da Constituição Originário. Todavia, estamos nos referindo ao aspecto O Direito Constitucional, diferentemente do seu ob- formal e jurídico da Constituição, pois substancialmente e sensitivamente uma Constituição que revoga a outra jeto de estudo, que é a Constituição, é uma ciência do não altera o povo e nem o território. Isso significa que dever ser, estruturada por um conjunto de princípios, o sentido de criação de um novo Estado em virtude de preceitos e institutos próprios que lhe dão autonomia nova Constituição é formal ou jurídico, portanto. científica. Todavia, o objeto da Constituição, que é objeto do Di- A finalidade da Constituição reito Constitucional, é a estruturação do Estado, ou seja, a Estabelecer as principais características, estruturas e junção dos seus elementos fundamentais, caracterizado- objetivos do Estado com base numa vontade contem- res de suas peculiaridades como unidade soberana. porânea ao momento de sua criação, seja por meio da A Constituição, como norma posta, escrita, e rígida, vontade de um povo, seja pela imposição do detentor dispõe sobre a organização e estrutura do Estado, a for- do poder naquele instante. ma de exercício das competências políticas, a determi- Vejamos que os órgãos e entidades públicas são nação dos limites estatais em forma de direitos funda- criados por lei, ou por ela estão autorizados a sua cria- mentais, os meios e instrumentos de tutela de direitos e ção. No caso do Estado, como pessoa jurídica soberana, da própria defesa do Estado ante ações subversivas da o instrumento normativo que o institui é a Constituição. vontade da maioria do povo. O mesmo em relação, nos Estados Federativos, às unida- Em virtude dos movimentos constitucionalistas, as des políticas pertencentes. As unidades político-federa- finalidades do Estado, estabelecidas na Constituição dele tivas também são criadas pela Constituição. fazem parte, como instrumento programático, visionário. Assim, nos Estados caracterizados como federativos Vejamos, como exemplo, a essencialidade da Constitui- – forma de Estado - a Constituição também cria as suas ção Financeira como meio para o atingimento dos fins unidades componentes. Importante frisarmos que no Es- sociais do Estado. tado brasileiro há anomalia, tendo em vista que, apesar Dessa forma, as políticas sociais possuem dados fins, de a Constituição estabelecer nos arts. 1º e 18 que os tendo como exemplo, o intuito de reduzir as desigualda- Municípios são componentes da Federação, essa mesma des e tentar alcançar a isonomia entre os componentes Constituição dispõe que os Municípios são criados por da federação e entre as pessoas. Quanto a essas, o prag- lei do Estado-Membro respectivo. Para nós essa é a matismo de isonomia relaciona-se a promoção dos bens fundamentação mais incisiva em desfavor dos Municí- de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, pios, enfraquecendo-os como entidades político-admi- idade e quaisquer outras formas de discriminação. nistrativa. Está em voga no Direito Constitucional Contempo- Todavia, para todos os fins, os Municípios, no Brasil, râneo a Dignidade da Pessoa Humana. É a valoração do são componentes da Federação. Não podemos olvidar elemento humano como constitutivo do próprio Estado. que os Municípios não possuem Poder Judiciário; repre- Um Estado somente poderá ser assim considerado se 1 Direito Constitucional tutelar o ser humano em sua dignidade. Lembremos o História Constitucional Brasileira preceito da Revolução Francesa que estabelecia que não haveria Constituição se não houvesse a separação dos Constituição de 1824 poderes e se não assegurassem direitos às pessoas. Primeira Constituição brasileira, a Constituição A Constituição brasileira tem a dignidade da pes- Política do Império do Brasil foi outorgada por Dom Pedro soa humana como fundamento da República. Com isso, I, em 25 de março de 1824. Instalava-se um governo todo o ordenamento deve estar adjetivado por esse fun- monárquico, hereditário, constitucional e representativo. damento, bem como a aplicação e a execução das leis Além dos três Poderes, Legislativo, Judiciário e devem também estar regidos por esse princípio prag- Executivo, havia ainda o Poder Moderador. O Poder mático. Legislativo era exercido pela Assembleia Geral, composta A Constituição de 1988, foi publicada em 05 de ou- de duas câmaras: a dos senadores, cujos membros eram tubro, dita democrática, rígida, detalhista, eclética, prag- vitalícios e nomeados pelo Imperador dentre integrantes de uma lista tríplice enviada pela Província, e a dos mática, formal, tecida no período pós Governo Militar, deputados, eletiva e temporária. ou seja, após a denominada “redemocratização”. Nesta Constituição destacaram-se: o fortalecimento A crítica que fazemos à Constituição é que o seu da figura do Imperador com a criação do Poder perfil programático dá a ideia de uma Constituição eter- Moderador acima dos outros Poderes; a indicação na. Explico. Os fundamentos e objetivos fundamentais pelo Imperador dos presidentes que governariam as da Constituição se perfazem por uma procurar eterna e províncias; o sistema eletivo indireto e censitário, com perene da perfeição de um Estado (ex. impossível pro- o voto restrito aos homens livres e proprietários e mover o bem todos sem qualquer distinção). subordinado a seu nível de renda. Pensamos que o Constituinte mandaria melhor se ti- Em 1834 foi promulgado o Ato Adicional, que vessem tecido uma Constituição principiológica, ou seja, criava as Assembleias Legislativas provinciais e suprimia programaticamente atingível e viável dentro de um certo o Poder Moderador, só restaurado em 1840, com a lapso temporal. As pretensões ou finalidades constitu- Emenda Interpretativa do Ato Adicional. cionais, que se confundem com os próprios fins estatais Foi a constituição que vigorou por maior tempo, 65 têm por consequência um excesso de ativismo do Poder anos. Judiciário, que deseja a implementação de determina- dos direitos pragmáticos sem a observância da viabili- Constituição de 1891 dade concreta do Estado em resguardá-los. O Judiciário, Foi promulgada pelo Congresso Constitucional, às vezes, tem preenchido o espaço do legislador, é isso o mesmo que elegeu Deodoro da Fonseca como realmente é perigoso em um Estado que se delineia as Presidente. Tinha caráter liberal e federalista, inspirado funções preponderantes de cada qual. Por mais que não na tradição republicana dos Estados Unidos. vejamos, há definitivamente um certo autoritarismo do Instituiu o presidencialismo, concedeu grande judiciário, principalmente dos Tribunais Superiores, que autonomia aos estados da federação e garantiu a são derivados de uma relação estreita com o detentor liberdade partidária. do Poder Executivo. Estabeleceu eleições diretas para a Câmara, o O que estamos a dizer é que a nossa Constituição Senado e a Presidência da República, com mandato de apesar de respeitável em termos de programas e inten- quatro anos. Estabeleceu o voto universal e não-secreto ções peca no sentido de não estar totalmente adequada para homens acima de 21 anos e vetava o mesmo a à realidade substancial do Estado brasileiro. Além disso, mulheres, analfabetos, soldados e religiosos; determinou a separação oficial entre o Estado e a Igreja Católica; o ativismo judicial tem modificado a essência da Consti- instituiu o casamento civil e o habeas corpus; aboliu a tuição negativamente, pois alguns magistrados confun- pena de morte e extinguiu o Poder Moderador. dem o garantismo com a liberdade total, inclusive via- Também nesta Constituição ficou estabelecida, em bilizando o direito de prejudicar bens e pessoas sem a seu artigo terceiro, uma zona de 14.400 Km² no Planalto devida punição. Isso traz uma ideia de ilegitimidade ou Central, para a futura Capital Federal. mesmo de inadequação da Constituição com a realida- A Constituição de 1891 vigorou por 39 anos. de. Volta-se à ideia de mera folha de papel. O conceito de Constituição, portanto, deve se rela- Constituição de 1934 cionar aos princípios e valores maiores de um Estado, Foi promulgada pela Assembleia Constituinte que servirão para nortear o ordenamento jurídico ou no primeiro governo do Presidente Getúlio Vargas e mesmo uma releitura das normas recepcionadas. preservou a essência do modelo liberal da Constituição O que podemos afirmar com convicção é que o Di- anterior. reito Constitucional é uma ciência e a Constituição seu Garantiu maior poder ao governo federal; instituiu objeto de Estudo. Pela origem etimológica a Constitui- o voto obrigatório e secreto a partir dos 18 anos e o ção é um resultado de um Poder Supremo, Originário, voto feminino, já instituídos pelo Código Eleitoral de Constituidor. A Constituição é o seu produto. Sob o as- 1932; fixou um salário mínimo; introduziu a organização pecto jurídico, sendo a primeira lei do sistema ou a lei sindical mantida pelo Estado. magna, se perfaz num conjunto de princípio, valores e Criou o mandado de segurança. Sob a rubrica “Da normas estruturantes do Estado, dos seus elementos Ordem Econômica e Social”, explicitava que deveria constitutivos, bem como de suas limitações. possibilitar “a todos existência digna” e sob a rubrica “Da família, da Educação e da Cultura” proclamava a educação “direito de todos”. 2 Direito Constitucional Mudou também o enfoque da democracia fechar o Congresso, cassar mandatos e suspender individualista para a democracia social. Estabeleceu os direitos políticos. Permitiu aos governos militares total critérios acerca da criação da Justiça do Trabalho e da liberdade de legislar em matéria política, eleitoral, Justiça Eleitoral. O Poder Legislativo seria exercido pela econômica e tributária. Câmara dos Deputados com colaboração do Senado, Desta forma, o Executivo acabou por substituir, sendo aquela constituída por representantes eleitos pela na prática, o Legislativo e o Judiciário. Sofreu algumas população e por organizações de caráter profissional e reformas como a emenda Constitucional nº 1, de 1969, trabalhista. outorgada pela Junta Militar. Tal emenda se apresenta A Constituição de 1934 vigorou por 3 anos. como um “complemento” às leis e regulamentações da Constituição de 1967. Constituição de 1937 Embora seja denominada por alguns como No início de novembro de 1937, tropas da polícia Constituição, já que promulgou um texto reformulado a militar do Distrito Federal cercaram o Congresso e partir da Constituição de 1967, muitos são os que não a impediram a entrada dos parlamentares. No mesmo dia, veem como tal. A verdade é que, a partir desta emenda, Vargas apresentou uma nova fase política e a entrada ficam mais claras as características políticas da ditadura em vigor de nova Carta Constitucional. Começava militar. Continuava em vigor o Ato Institucional nº 5 e os oficialmente o “Estado Novo”. Deu-se a supressão dos demais atos institucionais anteriormente baixados. partidos políticos e a concentração de poder nas mãos A Constituição de 1967 autorizava a expedição de do chefe supremo. decretos-lei, a nomeação de senadores pelas Assembleias A Carta de 1937 possuía clara inspiração nos Legislativas, a prorrogação do mandato presidencial modelos fascistas europeus, institucionalizando o para seis anos e a alteração da proporcionalidade de regime ditatorial do Estado Novo. Ficaria conhecida deputados no Congresso. como “Polaca”, devido a certas semelhanças com a A Constituição de 1967 vigorou por 21 anos. Constituição Polonesa de 1935. Extinguiu o cargo de vice-presidente, suprimiu a Constituição de 1988 liberdade político partidária e anulou a independência Atualmente em vigor, a Constituição de 1988 foi dos Poderes e a autonomia federativa. promulgada no governo de José Sarney. Foi elaborada Essa Constituição permitiu a cassação da imunidade por uma Assembleia Constituinte, legalmente convocada parlamentar, a prisão e o exílio de opositores. Instituiu e eleita e a primeira a permitir a incorporação de a eleição indireta para presidente da República, com emendas populares. mandato de seis anos; a pena de morte e a censura O Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, prévia nos meios de comunicação. Manteve os direitos Ulysses Guimarães, ao entregá-la à nação, chamou-a de trabalhistas. “Constituição Cidadã”. A Constituição de 1937 vigorou por 8 anos. Seus pontos principais são a República representativa, federativa e presidencialista. Os direitos individuais e Constituição de 1946 as liberdades públicas são ampliados e fortalecidos. É Promulgada durante o governo do presidente garantida a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, Eurico Gaspar Dutra, foi elaborada sob os auspícios da à igualdade, à segurança e à propriedade. derrota dos regimes totalitários na Europa ao término da O Poder Executivo mantém sua forte influência, Segunda Guerra Mundial, refletia a redemocratização do permitindo a edição de medidas provisórias com força Estado brasileiro. de lei (vigorantes por um mês, passíveis de serem Restabeleceu os direitos individuais, extinguindo a reeditadas enquanto não forem aprovadas ou rejeitadas censura e a pena de morte. Devolveu a independência pelo Congresso). dos três poderes, a autonomia dos estados e municípios O voto se torna permitido e facultativo a analfabetos e a eleição direta para presidente da República, com e maiores de 16 anos. A educação fundamental é mandato de cinco anos. apresentada como obrigatória, universal e gratuita. Em 1961 sofreu importante reforma com a adoção Também são abordados temas como o dever do parlamentarismo. Foi posteriormente anulada da defesa do meio ambiente e de preservação de pelo plebiscito de 1963, que restaurava o regime documentos, obras e outros bens de valor histórico, presidencialista. artístico e cultural, bem como os sítios arqueológicos. A Constituição de 1946 vigorou por 21 anos. Reformas constitucionais começaram a ser votadas pelo Congresso Nacional a partir de 1992. Algumas Constituição de 1967 das principais medidas abrem para a iniciativa privada Foi promulgada pelo Congresso Nacional durante o atividades antes restritas à esfera de ação do Estado, governo Castelo Branco. esvaziando, de certa forma, o poder e a influência Oficializava e institucionalizava a ditadura do Regime estatais em determinados setores. Militar de 1964. Foi por muitos denominada de “Super A iniciativa privada, nacional ou internacional, Polaca”. recebe autorização para explorar a pesquisa, a Conservou o bipartidarismo criado pelo Ato lavra e a distribuição dos derivados de petróleo, as Adicional n° 2. Estabeleceu eleições indiretas, por meio telecomunicações e o gás encanado. As empresas do Colégio Eleitoral, para a presidência da República, estrangeiras adquirem o direito de exploração dos com quatro anos de mandato. recursos minerais e hídricos. Foram incorporadas nas suas Disposições Transitórias Na esfera política ocorrem mudanças na organização os dispositivos do Ato Institucional n° 5 (AI-5), de 1968, e regras referentes ao sistema eleitoral; o mandato do dando permissão ao presidente para, dentre outros, presidente da República é reduzido de cinco para quatro 3 Direito Constitucional anos e, em 1997, é aprovada a emenda que permite a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos. Os candidatos processados por crime comum não podem ser eleitos, e os parlamentares submetidos a processo que possa levar à perda de mandato e à inelegibilidade não podem renunciar para impedir a punição. Constituições Brasileiras Outorgadas Promulgadas 1824 – Constituição do Brasil-Império 1891 – 1ª Constituição da República 1934 – Influenciada pela Constituição de Weimar (Alemanha – 1937 – Imposta por Getúlio Vargas 1919). Evidenciou os direitos fundamentais de 2ª geração 1967 – Imposta após o Golpe Militar de 1964 1946 – Redemocratização do Brasil após a era Vargas * EC nº1/1969 – Imposta pela ditadura 1988 – Atual Carta Política Classificações da Constituição Os doutrinadores distinguem Constituição de Carta Constitucional. A primeira seria derivada da democracia, pro- mulgada por uma Assembleia Nacional Constituinte; a segunda, por um grupo detentor do poder ou por uma única autoridade, traduzindo-se em uma outorga. Não podemos esquecer várias são concepções sobre Constituição, derivadas de ângulos diversos, mas que ao fundo, não traz alteração prática em relação à sua finalidade. Constituição Formal e Constituição Material Primeiramente, grafam Constituição Formal e Constituição Material. Tal classificação seria quanto ao seu conteúdo. Alguns doutrinadores ainda fazem referência à Constituição Substancial. Vejamo-las. A concepção de Constituição Formal é de uma Lei Maior que tem forma, ou seja, possui um invólucro, este mais re- sistente e rígido. Neste sentido, deve ela obrigatoriamente ser escrita. A sua forma deriva de um processo constitutivo mais rígido que os processos legislativos comuns. Por isso que para perfurar o invólucro é indispensável, também, um processo mais rígido e dificultoso de mudança ou reforma, o que é feito pelas denominadas emendas constitucionais. As Emendas Constitucionais são estruturas normativas que possuem o condão de emendar a Constituição, ou seja, muda-la, modifica-la, conforme a necessidade do Estado e do interesse público. Alguns assuntos não podem ser objeto de deliberação. São as denominadas cláusulas pétreas. Essa super rigidez de nossa Constituição cria obstáculos às necessárias mudanças. Os guardiões da Constituição, arraigados num culturalismo pessoal ou ideologicamente firmado têm dificultado essas reformas indispensáveis para a retira do grilhão partidário. Assuntos que deveriam ser tratados pela legislação ordinária foram colocados na Constituição, recebendo grau de hierarquia superior. Essa falta de bom senso acaba por burocratizar ou obstar mudanças necessárias. É o que ocorre, por exemplo, com a determinação, pela Constituição da inimputabilidade penal (art. 228). A consequência da formalidade da Constituição é a seguinte: passa-se a identificar no ordenamento jurídico a hierarquia; os princípios e preceitos constitucionais se tornam objeto de análise ou paradigma do controle de cons- titucionalidade; o processo de modificação das leis constitucionais é mais rígido que as leis infraconstitucionais; a Constituição passa a ter força normativa, podendo ser aplicada diretamente aos casos concretos; não existe hierarquia interna na Constituição; todas as leis e demais atos normativos e concreto devem reverência aos princípios e preceitos constitucionais; a estrutura do Estado, suas características devem ser nela determinadas. O sentido material de Constituição que realmente se trata de conteúdo. Explico. Ante a sua função estruturante do Estado e de seus fins, determinados princípios e preceitos são indispensáveis, formam um núcleo essencial, esse núcleo essencial que denominamos de Constituição em sentido material. Nem todas regras essenciais de um Estado constam na Constituição Formal. Por isso que se diz que, materialmente, há normas constitucionais fora da Constitui- ção. Todavia, para efeito de controle de constitucionalidade, tal ideia não pode ser levada em conta em sua integrali- dade – somente se estivermos diante do denominado bloco de constitucionalidade. Mesmo que sejam regras essenciais, mas se tiverem fora da Constituição Formal, não poderão ser paradigma para a análise de constitucionalidade das demais leis. No caso, o termo “material” possui sinonímia com o termo “substan- cial”. Alguns doutrinadores fazem a diferente entre esses termos. Consideram que material seria a Constituição que efetivamente rege o Estado, ou seja, os fatores reais de poder. Substancial, todavia, seria o núcleo essencial, o que uma Constituição deveria ter por conteúdo para assim ser considerada. Sentido Político e Sentido Sociológico Nesta relação de Constituição Formal e Constituição Material, podemos seguir com o sentido político de Cons- tituição. Essa concepção teve por precursor Carl Schmitt, que em seu livro Teoria da Constituição dispôs que o que existe como magnitude política é juridicamente considerada digno de existir. Vejamos que a declaração tem total 4 Direito Constitucional relação com a Constituição em sentido material, já que b) Constituição Nominal ou Nominativa. se refere às decisões políticas fundamentais, ou seja, as Entende-se por Constituição Nominal aquela igno- que determinam a estrutura de um Estado. Por isso que rada pela prática do poder. Lassale a chamava de “folha é possível distinguir em uma Constituição Formal quais de papel”, que é ignorada pelos governantes, embora estão inseridas em seu contexto que podem efetivamen- tente regular o poder, passa longe disso. Enfim, é aquela te ser consideradas “leis constitucionais”, e quais outras que, apesar de jurídica e formalmente existente, não é possuem apenas esse status. respeitada, não é efetiva – ocorre quando os poderes Sob o aspecto ou sentido sociológico, a maior refe- constituídos ignoram sua supremacia, não cumprindo rência foi Ferdinand Lassalle, um teórico socialista, polí- seus preceitos; tico e escritor alemão. Teceu o livro denominado “O que é uma Constituição? ”. Extrai-se de sua obra que a verda- c) Constituição semântica. deira Constituição deriva dos fatores reais de poder: po- É aquela que serve para justificar a dominação da- líticos, econômicos, sociais, religiosos, etc. Dessa forma, queles que exercem o poder político. Ela sequer tenta a Constituição que não tiver relação com esses fatores regular o poder. Numa visão ontológica, constituição se- será uma mera “folha de papel”. mântica seria aquela utilizada pelos dirigentes do Estado Podermos extrair que a denominada “Classificação” para sua permanência no poder, havendo um desvirtua- dada às Constituições é vista conforme o ângulo es- tudado pelos precursores. Não podemos dizer que há mento da finalidade constitucional: em vez de a Consti- classificação equivocada ou mesmo inútil. Para a Teoria tuição limitar a ação dos Governantes em benefício dos da Constituição, a Classificação Constitucional é assunto indivíduos, seu verdadeiro fim, seria utilizada por estes inerente ao seu objeto, por isso indispensável para quem para a manutenção do próprio poder. se debruça nas fontes criadoras e motivos históricos, po- líticos, formais, ideológicos e econômicos de criação de Classificação quanto à forma uma Constituição. Substancialmente as classificações Apenas para robustecer o entendimento, faremos têm nítido teor de desenvolvimento e sedimentação de breve análise da classificação da Constituição quanto à ideias evolutivas. forma. No que se refere à forma, a Constituição se clas- A classificação ontológica de Constituição, por sifica em: exemplo, se extrai da relação entre o poder e os di- tames constitucionais, ou seja, da implicação existente a) Escrita (ou positiva), que é aquela codificada e entre eles. O precursor foi Karl Loewenstein, filósofo e sistematizada num texto único, escrito, elaborado por cientista político alemão, nascido em Munique, em 09 de um órgão constituinte, encerrando todas as normas ti- novembro de 1891, falecendo em 10 de julho de 1973. das como fundamentais sobre a estrutura do Estado, Ressaltemos, Karl Loewenstein foi um dos principais pre- a organização dos poderes constituídos, seu modo de cursores do Constitucionalismo Moderno. A classificação exercício e limites de atuação, e os direitos fundamentais de constituição por ele desenvolvida foi denominada (políticos, individuais, coletivos, econômicos e sociais). ontológica justamente para relacionar a implicação en- tre Constituição e o Poder Político. Como explicado, se b) Não escrita (ou costumeira, ou consuetudinária), fundamentava na verificação do uso que os detentores que é aquela Constituição cujas normas não constam de do poder faziam da Constituição Ontologia é o conhe- um documento único e solene, mas se baseia principal- cimento do ser. Aplicada tal nomenclatura à Teoria da mente nos costumes, na jurisprudência e em convenções Constituição, o intuito é verificar a verdadeira efetividade e em textos constitucionais esparsos. da Constituição, ou seja, o seu ser com regra geral fun- damental e efetiva. Classificação quanto à ideologia Assim, buscou-se por essa classificação, sua substan- Alguns autores adotaram a classificação conforme cialidade enquanto Constituição, a sua força normativa. a ideologia, para identificar constituições que se alinha- Indispensável seria fazer uma análise pormenorizada da distancia, ou curto espaço de implicação entre o Poder e vam a uma ideologia socioeconômica específica, negan- os ditames constitucionais. do outras influências, como as Constituições socialistas e liberais, que podem ser consideradas ortodoxas, e as Tal classificação ao fazer tal distanciamento o fez em Constituições que sofrem influências de mais de uma três tipos: ideologia ou programa político, social e econômico, as a) Constituição Normativa. quais são consideradas ecléticas. Normativo é aquilo que tem força de regra, ou A Constituição eclética representa, portanto, texto seja, do que é efetivamente obedecido. Entende-se por que será fruto das reivindicações e pressões de grupos Constituição Normativa aquela efetiva; ela determina o com interesses diferentes e muitas vezes opostos, dentro exercício do poder, obrigando todos a sua submissão. É do Estado, interesses antagônicos que irão manifestar- aquela que efetivamente cumpre o seu papel, tendo uma -se, com mais intensidade, quanto maior for o grau de implicação de encaixe entre o Poder Político e suas re- participação da sociedade civil, na elaboração constitu- gras. Assim, vincula todo o processo político do Estado, cional. sendo respeitada, efetivamente, por todos os Poderes de Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, além dos fato- Classificação quanto à extensão res reais que em tese comandariam os direcionamentos Outra classificação bastante disseminada é que tem das políticas estatais. Resumindo: é a Constituição que é por objeto a extensão do conteúdo da Constituição. As- efetivamente aceita e aplicada, que normatiza o exercí- sim são: cio do poder e obriga realmente a todos; 5 Direito Constitucional a) Constituição concisa ou sintética: É aquela que maior solenidade em vista da competência para a alte- possui texto enxuto, curto, tratando apenas de regras ração, bem como do procedimento em si, qualificado. básicas de organização do sistema político-jurídico do Valemo-nos das Emendas Constitucionais para as altera- Estado, deixando para a legislação infraconstitucional as ções no texto da Constituição. demais matérias. Nos termos do art. 60 de nossa Constituição, esta poderá ser emendada mediante proposta (iniciativa ou b) Constituição prolixa ou analítica: É aquela com competência) de um terço, no mínimo, dos membros conteúdo extenso, minucioso e que contempla regras da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do programáticas e normas formalmente constitucionais Presidente da República ou de mais da metade das As- (surgiu como forma de combater os regimes ditatoriais). sembleias Legislativas das unidades da Federação, ma- Segundo Conrad Hesse com esses modelos também a nifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de dificuldade de governar por conta da necessidade de re- seus membros. Referimo-nos ao aspecto subjetivo da forma e desprestígio da força normativa. competência para a alteração constitucional. Trata-se de uma limitação o rol taxativo de órgãos ou autoridades de Constituição quanto à origem podem dar início ao processo. Outra limitação é a tem- Percebe-se a distinção entre Constituição e Car- porária, pois nos termos do § 1º do art. 60, a Constitui- ta Constitucional. Referida distinção tem relação com ção não poderá ser emendada na vigência de interven- a classificação das Constituições quanto à origem. ção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Quanto à origem as Constituições se classificam em: Quanto ao procedimento, considerado objetivamente, o § 2º do art. 60 dispõe que a proposta será discutida e a) Constituição popular, democrática ou pro- votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois mulgada: São aquelas que derivam do trabalho de um turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, órgão constituinte composto de representantes eleitos três quintos dos votos dos respectivos membros. Ao final pelo povo para esse fim (ex.: constituições brasileiras de a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas 1891, 1934, 1946 e 1988) e; da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. Com razão parte da doutrina considera a nossa b) Constituição outorgada: São aquelas impostas Constituição super-rígida, pois algumas matérias não pelos governantes, sem a participação do povo e inde- poderão ser objeto de deliberação no sentido de abo- pendente do sistema ou forma de governo (ex.: consti- li-las, tais quais: a forma federativa de Estado; o voto tuições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e 1969); direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Vejamos: a c) Constituição pactuada: origina-se de um com- Constituição fala em “abolição” e não alteração. Portan- promisso entre duas classes políticas. José Afonso da Sil- to, não significa que tais temas não possam ser alterados va também denomina de constituições cesaristas aquelas a sua acessoriedade, mas somente em sua essência. A elaboradas por um Imperador ou Ditador e submetida a forma federativa, por exemplo, não poderá ser alterada, plebiscito popular para sua ratificação. Cita como exem- mas a relações entre as unidades político-federativas po- plos os plebiscitos Napoleônicos e o plebiscito Pinochet derão ser alteradas, desde que não desvirtue a essência no Chile. do Princípio Federativo. O mesmo em relação à separa- ção dos poderes e os direitos e garantias fundamentais. Classificação quanto à mutabilidade Por fim, ainda sobre a classificação quanto a muta- Extremamente importante a classificação referente à bilidade constitucional, existem as denominadas Cons- mutabilidade da Constituição. Além da necessidade da tituições semirrígidas, em que em seu âmago faz dis- formalidade constitucional, para consolidar o grau de tinções entre leis essencialmente constitucionais e leis hierarquia superior é indispensável que as Constituições assim consideradas por conveniências. Essas últimas possuam força normativa. Realmente, é bastante difícil poderão sofrer mudanças por procedimento ordinário falarmos em hierarquia normativa quando as leis são de alteração. A Constituição do Império de 1824 é um costumeiras, pois a definição do que se considera de exemplo de constituição semirrígida ou semifléxivel. hierarquia superior ou mesmo de essência constitucio- Revisando, as denominadas cláusulas pétreas se re- nal ficará ao sabor da discricionariedade, o que levaria ferem ao núcleo ou essência das matérias e não inviabi- uma série de incongruências no sistema e litígios dou- liza a alteração positiva. O núcleo é imutável, não os ad- trinários. Dessa forma, consolidou-se o entendimento de jetivos que o circundam como características acessórias que as Constituições consideradas formais e escritas que ou decorrentes. definitivamente viabilizam o instituto da hierarquia e, por consequência, o controle de constitucionalidade. No O professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sentido exposto, as Constituições podem ser flexíveis, ou sua obra, Curso de Direito Constitucional (Saraiva) ainda seja, as que não exigem para a sua alteração procedi- classifica as Constituições em: mento solene ou dificultoso de aprovação no processo de emenda, se valendo de procedimento ordinário, ou - Constituição-garantia (não é apenas instrumento seja, assemelhado aos de criação de normas infraconsti- do Estado para impor suas vontades, mas também está tucionais. Ainda se diz rígida a Constituição que, em res- limitada por ela, inclusive com a delimitação dos direitos peito à sua hierarquia normativa, exige processo solene, e garantias fundamentais, dentre outras limitações); pormenorizado e dificultoso para a sua alteração. Nesse caso, há uma nítida distinção entre as leis constitucionais - Constituição-balanço (de compromisso socialista, e as demais, decorrendo o procedimento da hierarquia surgindo em balanceamento dos ideais liberais e capita- formal. A nossa Constituição atual é rígida, pois traça listas das primeiras Constituições); 6 Direito Constitucional - Constituição-dirigente (que possui normas pro- O titular desse poder é o Povo, representados gramáticas e instrumentais para atingir os fins ou com- por um órgão colegiado (Assembleia Constituinte). A promissos do Estado). legitimação destes é a representação da democracia de A nossa Constituição, de 05 de outubro de 1988, já um Estado soberano, onde a premissa do ubi societas sofrera 99 (noventa e nove) emendas constitucionais é e ibi ius encontram-se límpidas na forma de criação de escrita, rígida, formal, eclética, promulgada, garantista e um Estado. dirigente. O Poder Constituinte causa um rompimento com a ordem jurídica anterior, fazendo com que o Estado Abaixo, segue a imagem ilustrativa da Pirâmide precedente à que o povo estava sendo submetido seja Normativa: substituído por uma nova legitimação maior, através de sua Carta Magna. Pirâmide Normativa Quanto à Natureza Jurídica do Poder Constituinte, os positivistas acreditam que é um poder político, que tem a sua força extraída não de normas jurídicas, mas de forças sociais consolidadas, sendo um poder de Fato. Já para os jusnaturalistas, o poder Constituinte está acima do direito positivo, sendo um direito inato do homem, partindo do seu direito natural que é eterno, universal e imutável. Fundamentos Tal poder não surge ao acaso. Indaga-se, então, quais seus fundamentos? Adiantamos que se exterioriza de três possíveis for- mas: ou promana da proclamação de independência de alguma região, alçando-a ao status de Estado sobera- no, que para tanto necessita de uma Constituição para organizar-se; ou promana da ruptura revolucionária em dado Estado já estabelecido, desconstituindo e deslegi- Como Normas Infraconstitucionais entendem-se as timando o poder a quo para estabelecer-se como for- Leis Complementares e Ordinárias; ça criadora de uma nova organização social; ou surge Como Normas Infralegais entendem-se os Decretos, como resultante de uma ruptura plena com a sociedade Portarias, Instruções Normativas, Resoluções, etc. anterior, de alguma outra maneira. Com efeito, em qualquer uma das três situações, Constitucionalismo há verdadeiro abalo no sistema político e social vigen- te, do contrário não haveria ruptura alguma. Se há in- Canotilho define o constitucionalismo como uma satisfação no seio social, e se em decorrência desta a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo nação decide no sentido de que uma nova organização limitado indispensável à garantia dos direitos em social deve entrar em cena, rompendo com a vigente, dimensão estruturante da organização político-social de é justamente esse movimento político que fundamenta uma comunidade. a existência do poder aqui estudado. Há toda uma mo- Neste sentido, o constitucionalismo moderno vimentação política em torno do exercício do referido representará uma técnica específica de limitação do poder. É essa movimentação que lhe dá legitimidade. poder com fins garantísticos. O mesmo ocorre quando uma dada sociedade O conceito de constitucionalismo transporta, assim, questiona os fundamentos da obediência perante o so- um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa berano (ou a entidade que lhe faça as vezes). O que da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria se questiona, então, não é a legitimidade do soberano do liberalismo. perante o sistema jurídico, mas o próprio sistema em Partindo, então, da ideia de que o Estado deva possuir que tal legitimidade se assenta. Indaga-se a respeito uma Constituição, avança-se no sentido de que os textos dos valores que sustentam a legitimidade do sistema, constitucionais contêm regras de limitação ao poder reconhecida como tal pelo povo. autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais, Os governantes, comandando e postulando obediên- afastando-se a visão autoritária do antigo regime. cia em nome dessas regras ou desse sistema de organi- zação, podem, contudo, ter sua autoridade questionada, Poder Constituinte Originário, Derivado e numa interrogação de legitimidade acerca da licitude Decorrente - Reforma (Emendas e Revisão) e Mutação ou dos limites da sobredita obediência. Se isso acontece, da Constituição principia então uma reflexão que obrigatoriamente se inclina para o exame dos valores cuja presença justifica O Poder Constituinte é aquele capaz de editar uma tanto o comando como a obediência. O poder constituin- Constituição, estabelecendo uma organização jurídica te deixa de ser visto como um fato, como o poder que é fundamental, dando forma ao Estado, constituindo ou que foi, para ser visto como um fato acrescido de um poderes e criando normas de exercício de governo, tal valor; como o poder que deve ser, conforme o título de le- qual o estabelecimento de seus órgãos fundamentais, gitimidade que lhe sirva de raiz ou respaldo na consciên- os limites da sua ação e as bases do ordenamento cia dos governados. (...) A grande descoberta ou o grande econômico e social. passo a que a Ciencia deu e a que se reportava o abade 7 Direito Constitucional Sieyès é indubitavelmente o que procede da verificação I - a soberania; de que o poder constituinte existe como fato. Mas não II - a cidadania; como fato apenas, senão também como valor, em cujo III - a dignidade da pessoa humana; nome atuam com legitimidade os poderes constituídos, IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; que não devem ser confundidos com o poder constituin- V - o pluralismo político. te, do qual emanam, (...). (BONAVIDES, 2014, p. 162) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o Em uma construção jurídica democrática, onde a exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, participação política do povo na vida social é uma das nos termos desta Constituição. bases do sistema, tais valores de que trata Bonavides encontram-se ancorados na consciência dos indivíduos, Para Emmanuel Joseph Sieyès, cuja obra mais e são justamente os referidos valores que legitimam a importante foi o panfleto Qu’est-ce que le tiers état, o atuação do poder constituinte, tal como legitimam a titular do poder é a Nação. Doravante, quando o Poder continuidade ou não de um documento constitucional. Constituinte não é exercido pelos seus titulares de Tais valores seriam, então, os fundamentos primei- Direito, sendo exercido por entes estranhos, como a ros do poder constituinte. Pode-se dizer que são a alma Igreja, Militares, Grupos econômicos e etc. o poder passa das constituições. Para Quintana: a ser ilegítimo. A alma ou espirito da Constituição está conformado Sob uma perspectiva objetiva, a Assembleia pelo complexo, integral e orgânico, dos valores essenciais Constituinte não tem liberdade de criar normas de filosóficos, morais, histporicos, sociais, jurídicos, econô- maneira esparsa, injustificada, mas somente àquelas micos, etc., assim como dos ideiais, finalidades, propó- que correspondam a realidade jurídica e cultural da sitos e, em geral, condições que inspiram, amimam e sociedade à que estão inseridas, sendo um reflexo do fundamentam a totalidade ou parte qualquer do texto seu Povo e da sua ordem natural. Esse é o pensamento do corpo da Constituição, enquanto lei funcional, funda- de José Joaquim Gomes Canotilho. mental e suprema do pais. (TAVARES, apud QUINTANA, 2013, p. 225) Atributos Sua “alma ou espírito”, no sentido em que foram Sendo originário (ou revolucionário), tem como utilizados, é que legitimam a atividade constituinte em principais caracteres os seguintes: última instância. E onde residem? Justamente na cons- a) É inalienável: a sociedade, verdadeira titular do ciência do povo, como mencionamos. direito de se auto organizar, apenas delega seu exercí- cio. Mesmo depois que o texto constitucional está em Espécies vigor, caso a sociedade entenda que não é interessan- Existem, para tanto, duas formas de manifestação te a prevalência deste, pode optar por elaborar texto do Poder Constituinte: o Poder Originário e o Poder novo. Derivado. b) É anterior, no sentido de originário, inicial. Real- mente, quando originariamente constituinte, se torna a 1. Poder Constituinte Originário verdadeira origem de dada ordem jurídica. O Poder constituinte originário é aquele c) É livre, uma vez que não se submete a nenhuma responsável pela criação integral de uma nova regra jurídico-positiva. Como exposto, não se pode di- Constituição, inaugurando uma nova ordem jurídica. zer que não haja, em absoluto, limites à sua atuação. Este tem várias características, sendo ele: Encontra limites e balizas na orientação popular que lhe a) Inicial, porque inicia uma nova ordem jurídica, legitimou a atividade. posto que também é chamado de Poder Constituinte d) É prevalente, até como decorrência de sua inalie- Genuíno ou de Primeiro Grau; nabilidade. Pode ficar latente até que se faça novamen- b) Ilimitado, porque não sofre qualquer limite te necessário, mas permanece à disposição da socieda- anterior, ao passo que pode desconsiderar de maneira de durante todo o tempo. absoluta o ordenamento vigente anterior; Muitos autores ressaltam outras características, c) Autônomo, da forma que só cabe a ele estruturar mas em geral os traços essenciais foram dispostos aci- os termos da nova Constituição; ma. Cumpre ressaltar que tais características foram lis- d) Incondicionado e Permanente, por conta de não tadas tendo em vista descrever os atributos de poderes se submeter a nenhum processo predeterminado para genuinamente constituintes, sendo ou originários ou sua elaboração, bem como que não se esgota com a revolucionários. Com efeito, o decorrente (dos Estados realização da nova Constituição, podendo o legislador e Municípios) e o reformador (exercitado pelo Legisla- deliberar a qualquer momento pela criação de uma nova. tivo) não ostentam vários dos traços que descrevemos Sob uma perspectiva subjetiva, o Poder Constituinte acima. Eis a razão da relutância de tantos autores em Originário é exercido quando o povo é titular do seu denomina-los “constituintes”. poder, conforme preleciona o Art. 1˚ da Constituição Federal de 1988 (visão de Rosseau): 2. Poder Constituinte Derivado O Poder Constituinte Derivado é o poder já TÍTULO I estabelecido na própria Constituição pelo poder Dos Princípios Fundamentais Originário, que está inserido com o objetivo de legitimar a sua alteração quando necessária. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela Conforme ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho: união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Embora grupo constituinte algum cuide de preparar Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e a substituição da ideia de direito que incita a agir, a tem como fundamentos: experiência faz prever a necessidade futura de alterações 8 Direito Constitucional ou complementações no texto que edita. Por isso é que Poder Constituinte Derivado Revisor Ou Revisional dispõe sobre a revisão da Constituição, atribuindo a um Encontra normatividade no Art. 3˚ da ADCT (Atos poder constituído o direito de emendá-la. Esse poder das Disposições Constitucionais Transitórias), que dispõe instituído goza de um Poder Constituinte Derivado sobre a necessidade do Congresso Nacional realizar do originário. Sua Modalidade principal é o poder de uma “revisão constitucional” após 5 (cinco) anos da modificar formalmente a Constituição. promulgação da Constituição Federal. O Poder Constituinte Derivado tem várias formas, É um poder de revisar a Constituição por um processo podendo ser reformador, revisor ou decorrente. legislativo menos dificultoso à forma das emendas constitucionais. Tem eficácia exaurível, ao passo que Poder Constituinte Derivado Reformador fora realizada em 1993, originando 6 (seis) emendas de É poder responsável pela alteração e ampliação revisão. Logo, este poder não mais poderá ser exercido, do texto constitucional, que se manifesta através das sendo que qualquer mudança na Constituição Federal emendas constitucionais, bem como os tratados de atualmente só poderá ser feito através de emendas, pelo Direitos Humanos com força de emenda constitucional. poder Reformador. A titularidade desse poder emana do povo, que, por sua vez, será representado pelo Congresso Nacional (Art. Poder Constituinte Derivado Decorrente 60, CF/88). Tem por principais características ser: a) Subordinado, porque retira a sua força do poder Trata-se do poder de cada Estado-Membro (unidade originário, previamente estabelecido; federativa) em criar a sua própria Constituição estadual, b) Limitado, porque tem os seus limites definidos sendo, todavia, respeitada a supremacia da Constituição pelo poder originário, que estabeleceu o texto base Federal. constitucional; Cada Assembleia Legislativa, com os poderes c) Condicionado, sendo que o seu exercício constituintes definidos, deveriam elaborar a sua deve seguir as regras previamente estabelecidas na Constituição do Estado dentro do prazo de 1 (um) ano, à Constituição. partir da promulgação da Constituição Federal. Difere o Distrito Federal, que, de acordo com o art. Esta forma de reforma está subordinada a diversas 32 da CF/88, se auto-organiza através de leis orgânicas, limitações materiais quando ao seu procedimento, votadas em 2 (dois) turnos com intervalo mínimo de 10 devendo seguir diversos requisitos para a sua (dez) dias, aprovada por 2/3 da Câmara Legislativa. legitimidade, sendo estes a: a) Iniciativa: são titulares para apresentarem o Retroatividade e recepção projeto de emenda constitucional (Art. 60, I a III, CF/88): Ao ser criada uma nova Constituição, como já o Presidente da República; 1/3 dos membros da Câmara explicitado, existe a quebra da normatividade jurídica dos Deputados ou 1/3 dos membros do Senado Federal; maior dentro de um Estado Soberano, a Constituição mais da metade das Assembleias Legislativas das Federal é o delimitar de todo o ordenamento jurídico, unidades dos Estados, cada uma delas, manifestando-se sendo esta a lei mais importante do país. pela maioria relativa dos seus membros. Posto a importância da Constituição, quando está é b) Deliberação: a proposta deve ser discutida e superada por outra, podem surgir daí diversos problemas votada em cada casa do Congresso Nacional em 2 decorrentes da sua aplicação na forma retroativa a fatos (dois) turnos, sendo aprovada se obtiver, em ambas, 3/5 anteriores. Logo, é de suma importância deleitar-se sobre dos votos dos respectivos membros, ou seja, a maioria a problemática da receptividade da nova Constituição qualificada (Art. 60, §2, CF/88). quanto a fatos e normas anteriores à sua vigência. c) Promulgação: as emendas são promulgadas pelas Na doutrina existem 3 (três) formas de retroatividade: Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a retroatividade máxima, média e mínima. com o respectivo número de ordem. a) Retroatividade máxima, é caracterizada pela O Poder constituinte derivado reformador está sujeito a limites, estes que tratam tanto da matéria do forma em que as partes eram restituídas ao status quo conteúdo da emenda, até os procedimentos formais da ante, porque se manifesta sobre os fatos já consumados, promulgação, são estes os limites: da mesma forma da coisa julgada; a) Material, ao passo que é proibido ser matéria b) Retroatividade média, age sobre os efeitos de emenda constitucional a abolição das chamadas pendentes de atos jurídicos produzidos antes da nova “cláusulas pétreas” (forma federativa do Estado; voto Constituição. Exemplo: um contrato pactuado em 20 direto, secreto, universal e periódico; separação dos prestações alguns meses antes da promulgação da Poderes e direitos e garantias individuais - Art. 60, §4, nova Constituição, tendo por base o salário mínimo CF/88); estabelecido na Constituição anterior, as prestações b) Circunstancial, é defeso que a Constituição vencidas anteriores ao novo texto constitucional Federal seja alterada durante diversas situações em que restariam nulas. o Estado esteja vivendo, como a vigência do estado de c) Retroatividade mínima, preleciona que o novo sítio, estado de defesa ou intervenção federal (Art. 60, texto constitucional alcança apenas os efeitos futuros §1, CF/88); dos atos jurídicos. Esta não retroage para eliminar c) Temporal, ao passo que uma proposta de emenda um contrato feito sob a normatividade constitucional constitucional é rejeitada ou prejudicada, a mesma anterior, mas alcança os efeitos que serão sentidos após matéria não pode ser tratada através de nova proposta a promulgação do novo texto. Este tipo de retroatividade até nova sessão legislativa (Art. 60, §5, CF/88). foi o recepcionado pela Constituição de 1988. 9 Direito Constitucional Recepção O fenômeno da recepção é aquele que trata sobre a adequação das normas infraconstitucionais anteriores ao novo texto constitucional. À partir da edição de uma nova Constituição, a anterior é revogada, todavia, não obrigatoriamente todas as normas perdem a sua validade. Desta forma, as que forem compatíveis com o novo texto devem ser aproveitadas e ratificadas sob nova validade. Esta é a chamada recepção. A legislação anterior que se adeque ao novo texto jurídico constitucional é recepcionada com as devidas alterações que possam ser necessárias. As normas que não se adequem à nova ótica constitucional devem ser revogadas, posto que não passem pelo crivo material e formal do seu conteúdo. Repristinação É o fenômeno em que a lei que foi revogada e perdeu a sua vigência, volte a ganhar vigência, pelo fato da norma que à revogou ter sido revogada. É, de forma literal, a revalidação de uma norma anteriormente revogada, em que apresenta compatibilidade com a Constituição vigente. Esse fenômeno é possível mediante a previsão expressa em que admite a norma Constitucional ser revalidada. Reforma e mutação constitucional Embora já tenhamos visto acima, algumas considerações a respeito da atuação dos poderes no tocante à alterações na Constituição, é importante compreender melhor o processo de reforma e mutação constitucional. As constituições dos Estados, quando elaboradas, possuem uma pretensão de estabilidade, justificada pelo seu objetivo principal que é o de promover a estruturação fundamental do Estado. Embora possuam um determinado grau de permanência na história, não existem textos constitucionais eternos, já que a própria dinâmica das sociedades exige mudanças ao longo do tempo, tanto do ponto de vista interpretativo da substância de suas normas, quanto da sua redação original. Assim, uma constituição pode ser alterada pela expressa modificação do seu texto ou pela mudança interpretativa do conteúdo das suas disposições. Reforma e mutação constitucional: diferenças A diferença entre reforma e mutação constitucional reside no fato de que, enquanto a reforma compreende todos os métodos de mudança que podem ocorrer, a mutação constitucional designa os processos informais de alteração das constituições, ou seja, aqueles que alteram o sentido de uma constituição sem alterar o seu texto, porque mudam o seu espírito. Reforma Mutação Utiliza processos formais pré-estabelecidos. Não possui formalidade expressas. É realizado por órgãos indicados. É realizado pelos órgãos judiciais ou legislativos. Altera o sentido ou conteúdo do texto constitucional, sem Altera a redação original do texto. modificar a sua redação. Obedece às limitações previstas. Obedece à realidade político-social. Estabelecidas estas diferenças entre reforma e mutação constitucional, estudaremos outros aspectos relacionados à reforma constitucional, como suas modalidades, procedimentos e limitações. Emenda Constitucional Revisão Constitucional É a modificação de certos prontos, cuja estabilidade É uma alteração anexável (ao texto constitucional) o legislador constituinte não considerou tão grande exigindo formalidades e processos mais lentos e dificultados como outros mais valiosos, se bem que submetida a que a emenda, a fim de garantir a suprema estabilidade do obstáculos e formalidades mais difíceis que os exigidos texto constitucional. para alteração das leis ordinárias. Nesse sentido, pode-se falar na existência de um poder de reforma, representado pelo poder constituinte derivado, que tem por objetivo propiciar mudanças no texto constitucional, permitindo a sua adaptação a novas necessidades. Limitações ao poder de reforma constitucional O Poder de Reforma é limitado e tem seus procedimentos estabelecidos pela própria Constituição. A inobservância desses limites acarreta a invalidação dos dispositivos constitucionais emendados. Essas limitações ao poder de reforma podem ser temporais, circunstanciais e materiais. 10 Direito Constitucional Veja o quadro: Supremacia constitucional e hermenêutica constitucional Supremacia Constitucional “Toda interpretação constitucional se assenta no pressuposto da superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for incompatível com a Lei Fundamental”. A supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento decorre da mesma nascer do poder constituinte origi- nário, uno e incontrastável. A interpretação constitucional tem como referencial esse pressuposto de superioridade jurídica da Constituição sobre leis e atos normativos que compõem o ordenamento jurídico. A Lei Maior, hierarquia máxima de um Direito pátrio, vincula as normas inferiores, além de constituir-se, ela própria, fundamento de validade do próprio ordenamento jurídico. A supremacia é dúplice: formal e material. Supremacia formal: A Constituição advém do poder constituinte originário, anterior e superior aos demais, o que lhe concede supre- macia formal inacessível a qualquer outra norma jurídica. Considere-se, ainda, que o processo para modificações na Lei Maior é bem mais dificultoso que os requeridos para modificações de norma comum. Aliás, os procedimentos vêm definidos no próprio constitucional — art. 60. Supremacia material: Reflete a maior importância das normas constitucionais, que estrutura a organização e os fundamentos do Estado. O princípio da supremacia não se confunde com o principio da rigidez da Constituição. Segundo este, as normas cons- titucionais só podem ser modificadas por um processo mais qualificado e dificultoso de reforma. Refere-se exclusiva- 11 Direito Constitucional mente ao processo formal de mudança constitucional. Princípios de Interpretação Constitucional Já a supremacia, advém do fato de ser a Constituição o ápice do ordenamento e fundante da própria ordem Princípio da Unidade da Constituição jurídica. Aliás, o poder constituinte originário, de onde O papel do princípio da unidade é harmonizar as brotou a Constituição, é que dá legitimidade ao próprio normas na busca do equilíbrio, sem lhes negar comple- ordenamento. tamente a eficácia. A Constituição atribui caráter siste- O Min. Celso Melo bem acentuou o caráter de supre- mático ao ordenamento jurídico. Revestida de alto grau macia da Constituição ao proferir voto na Ação Direta de de abstração, a Lei Maior é fundamento de validade para Inconstitucionalidade ADI 42-0-DF: todas as normas jurídicas. Não há hierarquia normativa, “O princípio da supremacia da ordem constitucional devendo os conflitos (chamados antinomias) entre nor- — de que é consectária a rigidez normativa que osten- mas constitucionais serem solucionados através da pon- tam os preceitos de nossa Constituição — permite reali- deração dos valores, com a prevalência da unidade do sistema jurídico, encabeçado pela Constituição. zar uma das múltiplas funções inerentes à norma cons- Para Vittorio Cassone, “a doutrina em geral, ao exa- titucional, que consiste na fundamentação do ordena- minar a moderna interpretação constitucional, ressalta a mento jurídico instituído e positivado pela comunidade unidade da Constituição, no sentido de que o dispositi- estatal. Dentro dessa concepção, reveste-se de nulidade vo objeto de interpretação deve ser visto dentro de um o ato emanado do poder público que vulnerar, formal ou ordenamento jurídico que forma a unidade da Consti- materialmente, os preceitos e princípios inscritos no do- tuição”. cumento constitucional. Uma lei inconstitucional é uma Na opinião de Luís Roberto Barroso, “o princípio da lei nula, desprovida, consequentemente, no plano jurídi- unidade é uma especificação da interpretação sistemáti- co, de qualquer validade e conteúdo eficacial”. ca, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as ten- O Min. Maurício Corrêa, em voto proferido na ADI sões e contradições entre normas. Deverá fazê-lo guiado 1.102-2-DF (DJU 01-12-1995, p. 41684). como relator, pela grande bússola da interpretação constitucional: os trouxe o testemunho de Alfredo Buzaid: princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou “Sempre entendeu entre nós, de conformidade com a decorrentes da Lei Maior”. lição dos constitucionalistas norte-americanos, que toda Inocêncio Mártires Coelho é conclusivo:“As normas lei adversa à Constituição é absolutamente nula; e não constitucionais devem ser vistas não como normas iso- simplesmente anulável. A eiva de inconstitucionalidade ladas, mas como preceitos integrados num sistema uni- a atinge no berço, fere ab initio. Ela não chegou a viver. tário de regras e princípios, que é instituído na e pela Nasceu morta”. própria Constituição. Em consequência, a Constituição só pode ser compreendida e interpretada corretamente Princípios da Interpretação constitucional se nós a entendermos como unidade, do que resulta, por São regras de interpretação que ampliam a harmo- outro lado, que em nenhuma hipótese devemos separar nia entre as normas e reduzem contradições. “Usual- uma norma do conjunto em que ela se integra, até por- mente denominadas ‘princípios’, mas, rigorosamente as- que — relembre-se o círculo hermenêutico — o sentido sim não podem ser consideradas, porque não veiculam da parte e o sentido do todo são interdependentes. [...] um valor autônomo”, na opinião de Marçal Justen Filho, A rigor, esse princípio compreende e dá suporte, se não para quem as técnicas hermenêuticas são: interpretação a todos, pelo menos à grande maioria dos cânones da conforme à norma superior, principio da razoabilidade e interpretação constitucional, porque ao fim das contas principio da proporcionalidade. ele otimiza as virtualidades do texto da Constituição, de si naturalmente expansivo, permitindo aos seus aplica- Para Luis Roberto Barroso, “o ponto de partida do dores construir as soluções exigidas em cada situação intérprete há de ser sempre os princípios constitucionais, hermenêutica”. que são um conjunto de normas que espelham a ideolo- A unidade do ordenamento jurídico positivado é gia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. afirmada no RE 149.992-3-SP, STF, DJU 07-02-1997, da Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são qual transcrevemos parte da Ementa: as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos “Os postulados informam a teoria do ordenamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. jurídico e que dão o necessário substrato doutrinário as- Funcionam como critérios de interpretação e também de sentam-se na premissa fundamental de que o sistema de integração nas lacunas do texto constitucional, sobretu- direito positivo, além de caracterizar uma unidade cons- do considerando seu caráter abstracionista. A atividade titucional, constitui um complexo de normas que devem de interpretação da Constituição deve começar pela manter entre si um vínculo de essencial coerência”. identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais especí- Princípio da interpretação conforme a Constitui- fico, até chegar à formulação da regra concreta que vai ção. reger a espécie”. Na aplicação do direito devem-se rejeitar alternati- Os princípios da interpretação constitucional decor- vas hermenêuticas incompatíveis com o sistema jurídico, rem das particularidades do conteúdo e objetivos das cujo reconhecimento conduziria à necessidade de inva- normas constitucionais. A maioria dos doutrinadores lidar a disposição interpretada. Utiliza-se para afastar define-os como princípios da: Supremacia da Constitui- interpretações com procedência jurídica, mas, configu- ção; Unidade da Constituição; Interpretação Conforme a ram-se inconstitucionais ou ilegais. “Há casos em que o Constituição; Presunção de Constitucionalidade; Máxima sentido das palavras parece inequívoco, mas cuja adoção efetividade; Razoabilidade. resultaria em conflito com norma superior. A técnica da interpretação conforme afasta a invalidação da disposi- 12 Direito Constitucional ção normativamente inferior por meio de interpretação Princípios decorrentes da evolução político-social harmonizada. Em vez de prestigiar o sentido das pala- Ocorre quando a sociedade, no transcorrer pendular vras, consagra-se a interpretação compatível com o sis- dos tempos, decide por novas formas de organização, tema jurídico” (JUSTEN FILHO, p. 57). exercício do poder e controle político-administrativo. A Na cátedra de Luis Roberto Barroso, quando não se história do Brasil redesenha-se com a emancipação, re- mostra evidente a inconstitucionalidade de uma norma, pública e outros fatos nacionais. Na última metade do entre as várias interpretações possíveis, adota-se aquela século XX (1964) ocorreu ruptura na condução política, compatível e conforme a Constituição. “Uma norma não que prosseguiu até 1985, finalizando com a redemocra- deve ser declarada inconstitucional quando: a) a inva- tização. Em 1988 foi promulgada a chamada Constitui- lidade não seja manifesta e inequívoca; b) entre as in- ção Cidadã, conduzida pelo facho da redemocratização. terpretações plausíveis e alternativas, exista alguma que Os novos valores e referenciais da Carta de 1988 já vêm permita compatibilizá-la com a Constituição”. descritos no preâmbulo quando define ao Estado Demo- crático recém-instituído a responsabilidade constitucio- Princípio da Presunção de Constitucionalidade nal de garantir e “assegurar o exercício dos direitos so- Os poderes que constituem o Estado situam-se no ciais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, mesmo plano de igualdade. Os atos oriundos de cada o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores um situam-se no mesmo plano, de forma recíproca, a supremos”. Por conta dos novos rumos redesenhou- priori com presunção de validade. Tal presunção pode -se nova matriz de direitos, assegurados, sobretudo, por ser elidida quando a afronta à Constituição mostra-se novos princípios constitucionais implícitos ou explícitos, evidente, como declarado pelo Min. Marco Aurélio, no entre os quais o princípio da Justiça. RE 150.764, j. 16-12-1992: O termo Justiça possui no ordenamento jurídico- “É certo que somente devemos declarar a inconstitu- -democrático multidimensão, estendendo-se ao direito cionalidade quando o conflito se mostra realmente fron- material e processual. Prima pela proteção e zelo aos di- tal, evidente (...) ou convertida em presunção absoluta de reitos fundamentais individuais e coletivos, tendo como validade, em decorrência da declaração de inconstitucio- referencial a dignidade da pessoa humana. É um princí- nalidade ou de constitucionalidade”. pio que se esparrama sobre a prática e, principalmente, Inocêncio Mártires Coelho complementa: sobre os resultados finais dos processos jurídicos e ad- (...) O princípio da presunção de constitucionalidade ministrativos. É o referencial das instituições no Estado das leis, a significar que toda lei, à partida, é compatí- democrático de direito. É nessa concepção que o prin- vel com a Constituição e assim deve ser considerada, até cipio da Justiça é apresentado no preâmbulo da Consti- judiciosa conclusão em contrário; ou, mais precisamente, tuição Federal como um dos valores supremos “de uma que a inconstitucionalidade não deve ser presumida, antes sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, funda- deve ser provada, de modo cabal, irrecusável e incontro- verso (STF Rp 1.417-DF, RTJ 126, p. 48/72,66). da na harmonia social…”. Na opinião de Vittorio Cassone, “a presunção de Por outro lado, após a Constituição de 1998, obser- constitucionalidade das leis consiste num elemento sub- va-se certa relativização do princípio do interesse públi- jetivo ofertado pela Constituição, a que se deve dar a co e sua indisponibilidade. Por não ser objeto de per- devida valoração no sentido de prevalecer sobre o ele- tencimento é indisponível; entretanto, experimenta nova mento subjetivo de interpretação das leis, este ao sabor roupagem em decorrência da prevalência da novel com- das tendências doutrinárias, por mais respeitáveis que preensão de que os interesses públicos não existem de sejam”. forma autônoma, como um fim em si mesmo. Mas, ne- cessariamente, tendo como perspectiva maior a dignida- Princípio da máxima efetividade de da pessoa humana. Compensa conhecer a concepção Diz o princípio que a qualquer norma ou disposi- negativa do interesse público na visão de Marçal Justen tivo da Constituição submetido à hermenêutica deve Filho: Interesse público não se confunde com interes- ser atribuído o sentido que lhe conceda maior eficácia, se de Estado. “É público porque atribuído ao Estado, é vedando a interpretação que lhe suprima ou diminua a atribuído ao Estado por ser público. Como decorrência, finalidade. A eficácia é ínclita a todas as normas constitu- todo interesse público seria estatal, e todo interesse es- cionais. Entretanto, no processo da busca dessa máxima tatal seria público. Essa concepção é incompatível com efetividade deve-se considerar os princípios da razoabi- a Constituição; a maior evidência reside na existência de lidade e da proporcionalidade, além daqueles princípios interesse público não estatal (as organizações não go- gerais emanados da própria Constituição. vernamentais)”. Segundo o autor, não é possível definir Para conclusão, a doutrina alemã de Konrad Hesse, interesse público a partir da identidade do seu titular, traduzida por Gilmar Mendes: “[...] O Direito Constitucio- concluindo que: “É público não por ser titularidade do nal deve explicitar as condições sob as quais as normas Estado, mas é atribuído ao Estado por ser público”. constitucionais podem adquirir a maior eficácia possível, As atividades estatais no Estado Democrático de propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e Direito subordina-se a um critério fundamental que é da interpretação constitucional. Portanto, compete ao anterior à supremacia do interesse público. Trata-se da Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a indisponibilidade dos direitos fundamentais. Assim, uma vontade da Constituição que, indubitavelmente, consti- decisão produzida por meio de procedimentos satisfató- tui a maior garantia de sua força normativa. Essa orienta- rios e com respeito aos direito fundamentais e aos inte- ção torna imperiosa a assunção de uma visão crítica pelo resses legítimos poderá ser reputada como traduzindo o direito Constitucional, pois nada seria mais perigoso do “interesse público”. Mas, não legitimará mediante a invo- que permitir o surgimento de ilusões sobre questões cação a esse interesse publico, e sim porque compatível fundamentais para a vida do Estado”. com os direitos fundamentais (JUSTEN FILHO, p. 45). 13 Direito Constitucional Já a segurança jurídica “cuida de evitar alterações (A) a interpretação conforme a Constituição, surpreendentes que instabilizem a situação dos adminis- instrumento previsto no artigo 28, parágrafo único, da trados e de minorar os efeitos traumáticos que resultem Lei n° 9.868/1999, permite a interpretação contrária de novas disposições jurídicas que alcançariam situações à literalidade da norma (contra legem), desde que em curso. O Direito propõe-se a ensejar uma certa es- necessária à preservação do princípio da supremacia da tabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida Constituição. social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, (B) segundo o princípio da concordância prática indisputavelmente um dos mais importantes entre eles. ou da harmonização, eventual conflito entre bens Os institutos da prescrição, da decadência, da preclusão juridicamente protegidos deve ser solucionado pela (na esfera processual), do usucapião, da irretroativida- coordenação e combinação entre eles, de modo que o de da lei, do direito adquirido, são expressões concretas estabelecimento de limites recíprocos evite o sacrifício que bem revelam esta profunda aspiração à estabilida- de uns em relação aos outros. de, à segurança. [...] A ordem jurídica corresponde a um (C) por representar ampliação dos poderes do juiz em quadro normativo proposto precisamente para que as prejuízo da esfera de opção política do legislador, sem pessoas possam se orientar (MELLO, p. 74, 77 e 113). que tenha sido adotado como norma geral pelo texto Concluindo, ao adotar os princípios como referen- constitucional, o princípio da proporcionalidade só pode ciais maiores a interpretação constitucional assumiu ser aplicado pelos tribunais nas hipóteses específicas novas tendências. O novo referencial é a realização dos previstas em preceitos esparsos da Constituição. direitos fundamentais, definidos a partir da dignidade (D) segundo o princípio da unidade da Constituição, da pessoa humana. A propósito, “fundamental eliminar as normas constitucionais devem ser interpretadas como o preconceito de que as organizações estatais possuem integrantes de um todo, de modo que, se qualquer justificativas de existência em si mesmas. O Estado não delas implica ruptura da unidade, deve ser declarada existe para satisfazer suas estruturas burocráticas inter- inconstitucional, conforme já decidiu o Supremo Tribunal nas nem para realizar interesses exclusivos de algumas na ADIN 815. classes dominantes. [...] Tem um compromisso com a realização dos interesses coletivos e com a produção ati- 03. (TJ/CE – Juiz – CESPE/2018) A interpretação va dos valores humanos”. conforme a Constituição Os princípios espelham a ideologia da Constituição, (A) é um tipo de situação constitucional imperfeita, seus postulados básicos e finalidades. Dito de forma su- pois somente atenua a declaração de nulidade em caso de mária, são as normas eleitas pelo constituinte como fun- inconstitucionalidade. damentos ou qualificação essenciais da ordem jurídica.1 (B) é admitida para ajustar o sentido do texto legal com a Constituição, ainda que o procedimento resulte em regra nova e distinta do objetivo do legislador. QUESTÕES (C) é um método cabível mesmo em se tratando de texto normativo inconstitucional que apresenta sentido 01. (PC/ES – Auxiliar de Perícia Médico-Legal – unívoco. INSTITUTO AOCP/2019) O Poder Constituinte classifica- (D) é incompatível com a manutenção de atos jurídicos se em Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte produzidos com base em lei inconstitucional. Derivado. Assinale a alternativa que apresenta as (E) é fixada por decisão do STF, mas não se reveste características do Poder Constituinte Originário. do efeito vinculante próprio das decisões declaratórias de (A) Inicial, ilimitado, subordinado e condicionado. inconstitucionalidade. (B) Inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. (C) Inicial, limitado, subordinado e incondicionado. 04. (CORECON/PE – Assessor Jurídico – (D) Decorrente, limitado, subordinado e reformador. QUADRIX/2019) Acerca da classificação das constituições, (E) Limitado, permanente, autônomo e condicionado. é correto afirmar que a