Discriminação Simples e Generalização - PDF
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Universidade Federal do Espírito Santo
Diego Zilio
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Este documento discute a importância do contexto antecedente na análise do comportamento complexo, incluindo a discriminação simples e generalização. Aborda a influência de filósofos como Alfred Whitehead e linguistas como Noam Chomsky, além das perspectivas behavioristas, para argumentar a favor da abordagem analítica do comportamento para estudos complexos e para explicar tópicos como linguagem, memória, pensamento, consciência e atenção.
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Sobre a importância do contexto antecedente: Discriminação simples1 Diego Zilio Universidade Federal do Espírito Santo Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento...
Sobre a importância do contexto antecedente: Discriminação simples1 Diego Zilio Universidade Federal do Espírito Santo Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento Programa de Pós-Graduação em Psicologia Introdução O ceticismo quanto ao alcance (ou pertinência) da abordagem analítico- comportamental no tratamento do comportamento complexo permeia a literatura crítica. Talvez uma das primeiras críticas, apresentada como desafio, tenha vindo do filósofo Alfred Whitehead, que, em conversa com B. F. Skinner, o desafiou a explicar o seu comportamento de estar naquele momento sentado à mesa e dizendo “Não há escorpiões negros caindo sobre a mesa”. Skinner aceitou o desafio e, em resposta, escreveu o livro Verbal Behavior. Este livro, por sua vez, gerou críticas mais sistemáticas quanto à possibilidade de explicação da linguagem – fenômeno complexo – (ainda que Skinner tenha ressaltado que o objeto do livro era o comportamento verbal do falante) pela óptica behaviorista radical, especialmente do linguista Noam Chomsky. Para o autor, Skinner havia extrapolado indevidamente o uso dos conceitos e teorias desenvolvidas em contexto experimental (visto como simples, artificial e focado em comportamento não-humano) para a linguagem, um fenômeno complexo e propriamente humano. Ainda que avaliada como inapropriada pela comunidade analítico-comportamental, a crítica de Chomsky teve influência marcante na consolidação de proposta alternativa ao estudo do comportamento complexo, movimento que ficou conhecido como “revolução cognitiva”. Assume-se, em linhas gerais, que a compreensão do comportamento através do estudo de contingências de seleção (respondentes e operantes) não seria estratégia apropriada para lidar com fenômenos “complexos”, tais como a linguagem, memória, pensamento, consciência, inteligência – em suma, processos normalmente caracterizados como 1 Texto escrito para fins didáticos para a disciplina Processos Básicos II: Aprendizagem, do curso de Psicologia da UFES, visando fazer parte de um livro introdutório sobre Análise do Comportamento. 1 “cognitivos”, ou seja, como parte de um conjunto de mecanismos especializados responsáveis pela recepção e análise de inputs ambientais e pelo planejamento de comportamento (output) em face das informações analisados. Caracterizado como “cognição”, esse conjunto de mecanismos formaria o elo intermediário entre ambiente-ação, o centro responsável pelo controle do comportamento. A área de controle de estímulos tem mostrado que a Análise do Comportamento (AC) é capaz de lidar com fenômenos complexos a partir de uma perspectiva epistemológica puramente comportamentalista e anti-mentalista. Em suma, tem mostrado que Whitehead e Chomsky estavam equivocados. O objetivo deste texto é apresentar alguns exemplos que subsidiam essa conclusão, focando especialmente os processos de discriminação simples e generalização. Primeiramente definiremos o que é controle de estímulos, discriminação simples e generalização. Em seguida discutiremos como o controle de estímulos pode nos ajudar a compreender processos complexos tais como abstração e formação de conceitos, consciência e atenção e preconceito. Contexto antecedente no operante Em seus estudos iniciais sobre reflexo (definido como correlação observada entre estímulo e resposta) Skinner notou que existiam respostas que não eram eliciadas por estímulos antecedentes (condicionais ou incondicionais). Ao constatar esse fato, Skinner sugeriu que haveria um segundo tipo de relação reflexa: o operante. Obviamente, Skinner não estava sozinho nessa empreitada. O estudo dos efeitos consequentes sobre o comportar- se já havia sido estudado, por exemplo, por Thorndike. Em texto clássico de 1937, Skinner assiná-la que a resposta operante ocorreria de maneira “espontânea”, sem a presença de um estímulo eliciador, ainda que pudesse existir estímulos discriminativos a influenciarem a sua ocorrência. É incrível como o texto de 1937 já apresentava indícios do que viria a ser a agenda de pesquisa da Análise Experimental do Comportamento (AEC), pois menciona não só o segundo tipo de reflexo (termo que logo foi abandonado, hoje não chamamos o operante de “reflexo”), mas também prevê a área de controle de estímulos. À relação reflexa tradicional, isto é, ao reflexo pavloviano, Skinner deu o nome de respondente. Nas relações respondentes o controle das repostas pelos estímulos antecedentes seria mais conspícuo, por essa razão diz-se que tais estímulos “eliciam” respostas. No caso das relações operantes, estímulos que compõem o contexto antecedente podem adquirir função de controle sobre o 2 responder, mas não da maneira como se dá nas relações respondentes. Diz-se que nas relações operantes os estímulos antecedentes “estabelecem a ocasião” para a ocorrência de comportamentos. O estudo das funções de controle do contexto antecedente sobre o comportar-se é o campo denominado de “controle de estímulos”. Ainda que no campo operante usualmente se dê especial ênfase às relações contingentes entre classes de comportamentos e eventos consequentes, há de se considerar que o comportamento não ocorre no vácuo. O comportamento sempre ocorre em contexto e elementos desse contexto de ocorrência do comportamento também adquirem função de controle sobre o comportamento operante. Donahoe e Palmer, no livro Learning and Complex Behavior, denominaram essa característica de “onipresença ambiental”, isto é, o ambiente está sempre presente quando nos comportamos. É por essa razão que os autores argumentam que a unidade seletiva em relações operantes seria sempre uma relação “S-R”. Ou seja, consequências selecionam não uma classe de respostas (R), mas sim uma classe de respostas (R) em relação a uma classes de estímulos (S) que compõem o contexto antecedente. De todo modo, é exatamente por essa mesma razão que Skinner ainda na década de 1930 já afirmava que no estudo do operante devíamos considerar sempre os três termos que formam a contingência operante: (a) os estímulos que compõem o ambiente antecedente; (b) as classes de respostas; e (c) os estímulos consequentes. Os estímulos que compõem o contexto antecedente adquirem controle sobre o comportamento em função de uma história de reforçamento em que respostas pertencentes à mesma classe produziram consequências reforçadoras apenas quando ocorreram na presença de certos estímulos antecedentes. Trata-se, portanto, de uma situação de reforçamento diferencial (i.e., reforçamento de classes específicas de respostas e não de outras) com a adição da condição discriminativa segundo a qual a consequência reforçadora só será apresentada caso a resposta ocorra na presença do estímulo (ou estímulos) em questão. O elemento do ambiente antecedente que altera a probabilidade de ocorrência de respostas por conta de sua relação com a consequência é denominado “estímulo discriminativo”, pois ele “discrimina” ou “sinaliza” a ocasião em que a resposta produzirá o reforço. O “estímulo discriminativo” não precisa necessariamente ser um evento ou objeto discreto (como um barulho, luz, imagem, etc.), mas pode incluir qualquer propriedade do 3 ambiente que adquira função de controle discriminativo. Afinal, na AC definimos como “estímulo” qualquer evento no mundo que afeta o comportamento. Dessa forma, qualquer evento do mundo que possa afetar o organismo também pode adquirir função de “estímulo discriminativo”. Discriminação é o nome que se dá ao controle de estímulos estabelecido dessa forma. O comportamento sensível ao controle de estímulos é chamado de “discriminado”. É comum em textos introdutórios de AC estabelecer uma distinção entre “estímulos discriminativos” e “estímulos delta”, em que os primeiros sinalizam a ocasião em que respostas serão seguidas de consequências reforçadoras e os segundos sinalizam a ocasião em que respostas não serão seguidas de consequências reforçadoras. No entanto, essa distinção não é útil ou precisa, pois sugerem uma separação estanque entre probabilidade máxima (SD) e nula (S-delta) da ocorrência da consequência em caso de respostas. As contingências naturais raramente se encaixam nessa situação. Estímulos no mundo natural usualmente estão associados a diferentes probabilidades de reforçamento. Portanto, seria mais preciso dizer que existem estímulos discriminativos que adquirem diferentes graus de controle sobre o responder em função da probabilidade da ocorrência de reforçadores diante de sua presença. Essa distinção é útil para entender por que, por exemplo, outros elementos do contexto podem adquirir função de controle sobre o responder mesmo sem terem sido “programados” para atuarem como SD ou S-delta. Novamente, a hipótese do ambiente onipresente: mesmo numa situação controlada de laboratório, o “SD” escolhido pelo experimentador não é o único estímulo a compor o contexto antecedente. Outros estímulos (e.g., a presença do experimentador, a caixa, a barra, o ruído de fundo, etc.) podem adquirir função de controle sobre o comportamento. De fato, talvez não seja o mesmo grau de controle exercido pelo SD, pois não compartilha a mesma relação condicional (i.e., contingente) e com o meu grau de probabilidade com a consequência, mas ainda assim pode ter alguma função de controle. Segundo Donahoe e Palmer (1994) isso pode nos ajudar a entender por que após sessões de extinção, observamos recuperação espontânea do responder. A sessão de extinção pode ter enfraquecido o controle de alguns elementos do contexto sobre o comportar-se, mas não de todos. Outro ponto importante a considerar sobre o processo de discriminação é a generalização. O processo de generalização ocorre quando eventos consequentes afetam não só a probabilidade de ocorrência de respostas pertencentes a uma classe na presença de um 4 dado estímulo específico, mas também a probabilidade de ocorrência de respostas pertencentes à mesma classe na presença de outros estímulos que diferem daquele que estabeleceu a ocasião em que o evento consequente foi apresentado. Estímulos que compartilham propriedades com o estímulo que adquiriu função discriminativa a partir do procedimento de discriminação podem passar também a exercer controle sobre o comportamento. O controle dependerá das propriedades compartilhadas entre estímulos e de como ocorreu o treino discriminativo. Essa difusão do controle discriminativo para estímulos que não passaram pelo treino direto, mas que compartilham propriedades com o estímulo que passou, é chamada de “generalização”. Acessa-se a generalização por meio do “gradiente”, uma medida contínua do responder durante a apresentação de estímulos que compartilham propriedades. Uma situação em que a apresentação de estímulos diversos como parte do ambiente antecedente não produz efeito sobre a frequência de respostas resulta em um gradiente de generalização “achatado”, o que significa que a frequência de resposta não varia em função da mudança de estímulos. É outra maneira de dizer que não há controle discriminativo. Por outro lado, em uma situação em que houve treino discriminativo com um SD específico, o gradiente forma um pico, estando em seu cume a frequência do responder diante do SD. Nesse caso, quanto mais parecido for com o SD, maior será a frequência de resposta na presença de um estímulo novo. A frequência do responder diminui gradativamente conforme os estímulos se tornam cada vez mais diferentes do SD. É por essa razão que se fala na AC de “gradientes de generalização”. O treino discriminativo via reforçamento diferencial produz gradiente de generalização mais limitado, ou seja, aumenta a discriminação. Discriminando sons: um exemplo Nada melhor do que um exemplo experimental para compreender o fenômeno. Em um estudo clássico sobre discriminação simples e generalização, Jenkins e Harrison (1960, JEP), programaram uma contingência de reforçamento diferencial com discriminação. Os sujeitos eram pombos, a classe operante era bicar discos e pelotas de comida eram consequências reforçadoras. Após período de modelagem da classe de bicar o disco, os pombos foram divididos em dois grupos. O primeiro grupo passou por contingência de reforçamento diferencial sem discriminação em que respostas de bicar o disco eram 5 reforçadas segundo um esquema de intervalo variável (produz responder constante e em baixa frequência). Ao longo das sessões, um estímulo sonoro (tom de 1000 ciclos por seg.) era apresentado 25 vezes por 33 seg. Entre as apresentações do estímulo sonoro um intervalo de 7 seg. de blackout (luzes da caixa e som eram desligados) em que respostas não eram emitidas. Nessa condição não havia relação contingencial entre estímulo sonoro e apresentação do reforçador caso respostas de bicar ocorressem. O segundo grupo, por sua vez, passou pelo mesmo protocolo com a diferença de que ao invés do blackout, os períodos com a presença do som eram intercalados com períodos de 33 seg. sem som em que respostas de bicar o disco não produziam consequências reforçadoras. Ou seja, o grupo 2 passou por uma contingência de reforçamento diferencial com discriminação. Na fase de teste ambos os grupos passaram por extinção em que bicar os discos não produziam mais a consequência reforçadora. Para ambos os grupos foram apresentados estímulos sonoros com alturas diferentes ao longo da extinção. A frequência média das respostas dos pombos do grupo 1, que não passaram por treino discriminativo, foi equivalente diante dos estímulos sonoros de alturas diferentes, indicando um gradiente “achatado” de generalização ou simplesmente ausência de discriminação. No entanto, a frequência média de respostas do grupo 2, que havia passado pelo treino discriminativo, variou em função da semelhança dos estímulos novos em relação ao estímulo discriminativo de 1000 ciclos. Na presença de estímulos com alturas mais próximas de 1000 ciclos (e.g., 650, 1500 ciclos) as respostas eram mais frequentes no que na presença de estímulos com alturas mais distantes de 1.000 ciclos (e.g., 2.250, 3.500, 300, 450). Essa distribuição produziu um gradiente de generalização em formato de “pico” em que a frequência de respostas variou em função da proximidade dos estímulos novos em relação ao SD. Apresentadas essas noções básicas sobre discriminação simples e generalização, passemos agora para alguns desdobramentos que podem nos ajudar a compreender comportamentos complexos. Alguns desdobramentos para comportamento complexo Discriminação de bombas e doenças 6 O primeiro exemplo utiliza procedimento relativamente simples de treino discriminativo. No entanto, o faz diante de uma demanda socialmente relevante. Poling e colaboradores (JABA, 2011), treinaram ratos pouched a detectarem minas terrestres em Moçambique. Nesse país há um número grande de minas terrestres enterradas e pouco (ou nenhum) controle sobre os locais exatos em que foram alocadas, o que gera perigo eminente para a população. De fato, há diversos casos de acidentes fatais e não fatais devido à ativação acidental de minas terrestres. Para resolver o problema, a estratégia mais comum é utilizar detectores eletrônicos de minas para fazer varredura das áreas com risco potencial. No entanto, o equipamento é caro e, ainda assim, depende de seres humanos para manuseá-lo, o que coloca as pessoas que realizam o trabalho em risco. Esse é o contexto que dá importância social ao trabalho de Poling e colaboradores. Eles utilizaram o rato pouchet por ser uma espécie bastante comum em Moçambique. Esses ratos também possuem um sistema olfativo bem desenvolvido, o que ajuda na discriminação de odores. Por fim, os ratos não têm peso suficiente para ativarem as minas terrestres. O primeiro estágio consistiu em “treino de click”, prática comum em treino de animais, em que há o pareamento de estímulo reforçador (nesse caso, pelotas de comida) com um estímulo neutro (o som do “click”) para o “click” se tornar reforçador condicionado. Trata-se, nesse estágio, de um procedimento respondente de pareamento de estímulos. Em seguida, iniciou-se procedimento de modelagem em que respostas de colocar o focinho por 5 segundos em uma abertura do chão da caixa experimental eram seguidas de click (reforçador condicional) e comida (reforçador incondicional). Nessa abertura do chão foi colocada uma porção de terra misturada com uma solução química presente no TNT (explosivo mais comum encontrado em minas). O passo seguinte consistiu em treino discriminativo. Havia três aberturas na caixa, sendo que em uma delas estava a mistura de terra + TNT (SD) nas outras duas uma mistura de terra com água (S-delta). A cada teste mudava-se a abertura em que estaria o SD e os S- delta. O reforço (click + comida) só se seguiria caso colocasse o focinho na abertura com a solução terra + TNT. Pode-se dizer, então, que “terra + TNT” se tornou um SD que sinalizava a ocorrência da consequência reforçadora caso o focinho fosse colocado na abertura. Num segundo treino discriminativo, os SD e S-deltas eram agora colocados dentro de cápsulas de 7 metal e estas eram cobertas por terra dentro da caixa experimental. O reforço era apresentado caso o rato retirasse a terra ou mordesse a cápsula com o SD. Em seguida as cápsulas foram enterradas a profundidades progressivamente maiores (e.g., a 1cm do solo, a 3cm do solo, etc.). Respostas de cavar e colocar o focinho no buraco cavado sobre a cápsula SD enterrada eram reforçadas com click + comida. Depois desse estágio, os ratos passaram por treinos de campo, onde as cápsulas eram enterradas em espaços maiores (ainda assim, controlados) em que os ratos deveriam localizar as cápsulas SD (TNT). Se os ratos emitissem padrões de comportamento de cavar, forragear, colocar o focinho no buraco feito sobre as cápsulas por 5 segundos então eles recebiam a consequência reforçadora. Em campo, os ratos eram amarrados a uma espécie de arreio que limitava a circulação deles pelo terreno. Esse arreio era preso a cordas de nylon controladas pelos pesquisadores. O objetivo era fazer com o que os ratos explorassem as áreas de maneira sistemática, de modo controlado pelos experimentadores. Nessa condição, os ratos que passaram pelo treino discriminativo foram capazes de localizar minas terrestres com acuraria equivalente à alternativa, isto é, ao uso de pessoas com detectores eletrônicos de minas. Ratos pouchet também foram treinados pelo mesmo grupo de pesquisadores para discriminar cheiros relacionados a tuberculose. Eles forneciam, assim, um “pré-diagnóstico” de baixo custo, e com grau de acurácia relevante aproximando-se dos testes biológicos mais custosos e demorados. Atenção e ambiente complexo Para Skinner, a discriminação não é algo que ocorre na “mente”, não se trata de um processo “cognitivo”. É um processo comportamental, isto é, que ocorre na relação entre as ações de um organismo e o ambiente. Pode-se dizer, assim, que são as contingências que compõem relações comportamentais que discriminam e não uma “mente” ou “cognição” enquanto processo interno mediador do comportamento. O processo de discriminação se confunde com o que costumeiramente chamamos de atenção. Para Skinner (1953/1965), uma relação discriminativa não é normalmente interpretada como um caso de controle exercido por um estímulo discriminativo, mas sim como um caso em que o sujeito “atenta” para esse estímulo discriminativo, exercendo, assim, 8 a contraparte “controladora” da relação – justamente por ser o suposto agente que controla o seu próprio ato de atentar. Para Skinner (1953/1965, p. 123), a atenção é uma relação de controle – a relação entre a resposta e um estímulo discriminativo. Quando alguém está “prestando atenção”, está sob controle especial de um estímulo. Em síntese, ao invés de uma atividade mental, a atenção é uma relação discriminativa. Contudo, considerando o pressuposto do “ambiente onipresente”, há de se ressaltar que o contexto antecedente ao comportamento é por demais complexo. Não há apenas uma propriedade singular a compô-lo. Até mesmo quando pensamos em estímulos discriminativos aparentemente simples como uma “luz”, é possível sem esforço decompô- lo em propriedades ainda mais básicas de intensidade, forma, cor, etc. Sendo assim, quando “nos atentamos” para algum estímulo composto, qual a propriedade que adquire função de controle? Foi justamente a atenção como controle de estímulos o objeto de um dos estudos clássicos de Reynolds (JEAB, 1961). A pesquisa foi realizada com pombos. Respostas de bicar um disco foram reforçadas com comida em um esquema de intervalo variável (assegura responder constante e em baixa frequência). Após modelagem as contingências de discriminação foram instaladas: respostas de bicar seriam reforçadas caso ocorressem na presença de uma imagem de um triângulo branco diante de um fundo vermelho (SD) dispostas sobre o disco de bicar e não seriam reforçadas na presença de uma imagem de um círculo branco diante de um fundo verde (S-delta). Logo o controle discriminativo se instaurou, com a frequência de resposta alta diante do triângulo com fundo vermelho e próxima de zero diante do círculo com fundo verde. Após o treino discriminativo, os pesquisadores decompuseram os estímulos e passaram a apresentar aos pombos 4 estímulos: triângulos brancos em fundo branco, fundo vermelho, círculo branco em fundo branco e fundo verde. Nessa nova situação, um dos pombos respondeu apenas diante da forma “triângulo”, não emitindo comportamento diante do fundo vermelho, círculo branco e fundo verde. Isso significa que para esse pombo foi a forma triângulo (e não o fundo vermelho) que adquiriu controle discriminativo, mesmo ambos os estímulos tendo sido apresentados como um “único” SD na fase de treino discriminativo. Em termos leigos, poderíamos dizer que esse pombo “se atentou” para forma e não para a cor. Contudo, outro pombo na fase de teste respondeu apenas diante do fundo “vermelho”, não emitindo respostas diante da forma triângulo, fundo verde e forma círculo. Ao contrário de seu colega de experimento, foi a cor 9 do fundo (vermelho) que adquiriu controle discriminativo e não a forma (triângulo). Pode- se dizer que esse pombo se “atentou” para a cor e não para a forma. Ademais, para ambos os pombos todo o resto que compôs o ambiente antecedente adquiriu função de S-delta, ou melhor, não adquiriu controle discriminativo. O pombo não “se atentou” para essas propriedades. Talvez seja uma vantagem evolutiva para as espécies (incluindo os seres humanos) ficar mais sob controle daquilo que sinaliza consequências reforçadoras e deixar de fora qualquer “informação” do ambiente que não seja adaptativa. Obviamente, como vimos, isso não é uma questão de tomada de decisão de uma mente, mas sim de um processo sutil de reforçamento diferencial com controle de estímulos. Esse dado também é interessante porque mostra como passar pelo mesmo procedimento experimental não implica produzir o mesmo efeito sobre organismos distintos. Os pombos passaram pelo mesmo protocolo experimental. Compartilhavam, em certa medida, uma história ontogenética bastante similar em contexto de criação controlada em biotério, mas ainda assim ficaram sob controle de propriedades distintas do ambiente. Abstração, faces e obras de arte Outro processo complexo normalmente caracterizado como “atividade mental” é a abstração. No comportamento verbal, a abstração ocorre quando uma classe operante verbal fica sob controle de uma propriedade específica dos objetos ou eventos aos quais as respostas verbais pertencentes à classe se referem. As respostas verbais de um sujeito perante diversos estímulos visuais vermelhos podem ficar sob controle da propriedade compartilhada por esses estímulos, a saber, a cor “vermelha”. Existem bolas, casas, mesas, toalhas, quadros, enfim, uma infinidade de coisas que podem ser vermelhas. O sujeito passa, então, a partir das contingências estabelecidas pela comunidade verbal, a responder discriminativamente perante apenas a essa propriedade. Comumente, diz-se que esse sujeito construiu o “conceito” ou “abstraiu” a ideia de vermelho. Mas, de acordo com Skinner, não precisamos supor que uma entidade ou um conceito abstrato estão contidos na mente; uma sutil e complexa história de reforçamento produziu um tipo especial de controle por estímulo. Para Keller e Shoenfeld (1950) a abstração ou 10 formação de conceito, assim, envolveria generalização dentro de uma classe de estímulos e discriminação entre classes de estímulos. Será que uma sutil e complexa história de reforçamento produzira algo parecido com “abstração” em organismos que não se comportam verbalmente? Uma pesquisa clássica de Herrnstein e Loveland (Science, 1964) investigou essa questão com pombos. Após período de modelagem da classe operante alvo (bicar disco), as respostas de bicar um disco localizado na caixa experimental eram seguidas de consequências reforçadoras (pelotas de comida) segundo um esquema de intervalo variável. Em seguida ocorreu o primeiro treino discriminativo: as respostas de bicar o disco só seriam reforçadas em VI caso uma placa translucida localizada ao lado do disco de resposta estivesse iluminada (SD). Assim, a placa iluminada era o SD que estabelecia a ocasião em que bicar o disco produziria a consequência reforçadora. Na etapa final, uma nova contingência de controle de estímulos foi instaurada. Imagens em preto-e-branco de 35mmX35mm foram projetadas na placa translúcida que ficava ao lado do disco. A placa atuava como um projetor das imagens. O conteúdo das imagens variava (paisagens, fotos de família, pessoas, árvores, objetos, etc.). Em média 80 imagens eram apresentadas por sessão aos pombos, das quais 40 continham pessoas e 40 não continham pessoas. Bicar o disco só produziria consequências reforçadoras quando imagens com pessoas eram projetadas. Ou seja, imagens com pessoas eram SDs para o bicar. O diferencial dessa pesquisa é que não eram as mesmas imagens e as propriedades físicas das pessoas nas imagens não eram idênticas (havia pessoas de perfil, corpo inteiro, atrás de objetos e árvores, rostos, etc.). Ainda assim, o comportamento dos pombos de bicar foi sensível à contingência imposta. A frequência de bicadas era maior diante de imagens com pessoas se comparadas às imagens sem pessoas. Ao observador incauto, poderia parecer que os pombos abstraíram o que é uma “pessoa” fisicamente. Pombos também são capazes de discriminar obras de arte, constataram Watanabe e colaboradores (JEAB, 1995). Os pesquisadores trabalharam com dois grupos de pombos. Com o primeiro grupo, respostas de bicar o disco iluminado eram reforçadas (comida) apenas quando imagens de pinturas de Picasso eram projetadas no disco. Com o segundo grupo, respostas de bicar eram reforçadas somente quando quadros de Monet eram projetadas no disco. Portanto, para o grupo 1 quadros de Picasso adquiriram função de SD e quadros de Monet função de S-delta e para o grupo 2 o contrário: quadros de Picasso eram S-delta e quadros de Monet eram Sds. Os pesquisadores utilizaram uma amostra de 10 11 quadros de cada pintor para compor os estímulos. Os quadros eram apresentados aleatoriamente. Após algumas sessões de treino, os pombos do grupo 1 somente bicavam o disco quando eram projetados quadros de Picasso enquanto os pombos do grupo 2 só bicavam quando eram os quadros de Monet a serem projetados. Para evitar o efeito do controle pelas cores e não das obras em si, os autores também projetaram os quadros como imagens preto- e-branco e ainda assim o controle discriminativo se manteve. O mais interessante, porém, ocorreu na fase de teste. Em um dos testes, os autores apresentaram outros quadros de Picasso e Monet que não estavam entre os que participaram do treino discriminativo. Ou seja, os pombos nunca tinham entrado em contato com tais quadros. Ainda assim, o responder discriminado se manteve: pombos do grupo 1 respondia apenas diante dos quadros novos do Picasso e os pombos do grupo 2 somente diante dos quadros novos do Monet. O último teste, porém, foi talvez o mais surpreendente. Foram apresentados aos pombos imagens de quadros de outros pintores que se enquadravam nos mesmos movimentos artísticos de Picasso e Monet, a saber, outros pintores cubistas (Matisse e Braque) e impressionistas (Cezanne e Renoir). Diante desses novos estímulos, os pombos responderam de acordo com o treino estabelecido anteriormente. Os pombos do grupo 1 bicavam o disco em maior frequência quando quadros cubistas eram apresentados enquanto o grupo 2 fazia o mesmo diante de quadros impressionistas. Em suma, houve generalização diante de uma mesma classe de estímulos (grupo 1 cubistas, grupo 2 impressionistas) e discriminação entre classes de estímulos. Novamente, ao observador incauto, poderia parecer que os pombos eram conhecedores de obras de arte, pois conseguiam identificar obras de pintores e movimentos artísticos específicos. No entanto, como bem disse Skinner, uma sutil história de reforçamento com discriminação explica comportamentos complexos sem a necessidade de atribuir causas mentais. Consciência de si e eventos privados Discriminação e generalização são processos comportamentais que também estão no centro da concepção comportamentalista de consciência e eventos privados. Para Skinner, 12 consciência não é uma entidade mental ou cognitiva, seja ela imaterial ou material (usualmente “cerebral”). Para o autor, consciência significa conhecimento de si com os outros. “Conhecer”, nesse contexto, consiste em responder discriminativamente ao próprio comportamento. Dizemos que uma pessoa “conhece” algo se responde de maneira apropriada diante desse algo. Dizemos que uma pessoa conhece a si mesma se ela é capaz de responder discriminativamente a aspectos de seu próprio comporta-se. A partir do momento em que o próprio comportamento do sujeito passa a atuar como estímulo discriminativo para suas respostas autodescritivas, dizemos que esse sujeito é consciente, ou melhor, que possui autoconhecimento. Ela pode estar “consciente” no sentido de ser capaz de descrever a topografia de seu comportamento quando questionada “O que você está fazendo?”. Ela pode estar “consciente” no sentido de ser capaz de descrever a função de seu comportamento quando questionada “Por que você está fazendo isso?”. Ela pode estar “consciente” no sentido de ser capaz de descrever comportamentos que fazem parte de seu repertório, ainda que elas não os estejam emitindo no momento, quando questionada “Quem é você?”. Ela pode estar “consciente” de seus sentimentos, emoções e pensamentos (i.e., eventos privados e comportamentos encobertos) quando questionada “O que você está sentindo? O que você está pensando?” Muitas vezes não estamos “conscientes” de nós mesmos nesses três sentidos possíveis. Como qualquer outro comportamento, é preciso uma história de seleção responsável por instaurar e manter classes de comportamentos “conscientes”. E aqui encontramos outro elemento central da consciência: a etimologia do termo nos revela que “consciência” é “ciência com outros”. Para Skinner, isso indica o elemento central do contexto social (comunidade verbal) na instauração e manutenção do repertório “consciente”. É a comunidade verbal a responsável por fazer as perguntas que nos colocam sob controle discriminativo diante de nosso próprio comportamento. Em suma, nós só nos conhecemos (nos tornamos conscientes) porque isso é importante para a nossa comunidade verbal. A consciência não é uma propriedade mental ou cognitiva dada a priori. Pelo contrário, para a análise do comportamento, nós não “somos” conscientes, mas nos tornamos conscientes a partir de uma sutil história de reforçamento diferencial em que aspectos do nosso próprio comportamento se tornam estímulos discriminativos para comportamentos verbais subsequentes reforçados pela nossa comunidade verbal. 13 Dentre as contingências sociais responsáveis por instaurar repertório de autoconhecimento, talvez as mais significativas sejam as relativas aos eventos privados. Por definição, eventos privados não são acessíveis à comunidade verbal (pelo menos esse é o posicionamento de Skinner; mas há discordâncias na área, vide a proposta molar de Rachlin). A comunidade verbal é capaz de estabelecer contingências precisas de discriminação diante de estímulos públicos, tais como cores. É mais fácil para a comunidade reforçar diferencialmente a resposta verbal “vermelho” quando o falante está diante de algo vermelho do que reforçar diferencialmente a resposta “dor”, pois a dor é privada. Portanto, segundo Skinner, as contingências de ensino de discriminação de eventos privados são sempre defectivas. A comunidade verbal precisa de pistas indiretas para reforçar diferencialmente o relato de eventos privados. A quem se diz estar sentido “dor” estas pistas podem incluir outros estímulos discriminativos manifestos (como um joelho ralado) e respostas públicas (como uma expressão facial de dor) que usualmente acompanham o relato “dor”. Diante dessas “pistas”, há maior probabilidade de reforçar diferencialmente o relato de dor. Às crianças que estão começando a se comportar verbalmente, por sua vez, usualmente a comunidade verbal diz “você deve estar sentido dor” ao ver os estímulos e respostas públicas que usualmente acompanham o evento privado. E, em casos futuros, diante de estimulações privadas que compartilham propriedades físicas (generalização), ela pode dizer “Dor”. Há de se considerar, contudo, a importância do contexto de ocorrência do evento privado. Estados privados semelhantes podem ter sentidos diferentes a depender do contexto público de sua ocorrência. O mesmo estado de “ebulição” pode indicar um quadro de ansiedade caso o contexto público sinalize contingências aversivas, mas também pode indicar excitação diante de algo muito prazeroso que ocorrerá logo mais. Aqui começamos a entrar no campo da discriminação condicional, tema de outro texto. O repertório verbal de relato de eventos privados usualmente é ampliado por extensões metafóricas e generalizações. Usamos formas de descrever eventos públicos para se referir a eventos privados. Dizemos estar “em estado de nervos” para indicar a tensão muscular usualmente associada a ansiedade. Dizemos estar “ebulientes” quando excitados assim como as bolhas de vapor a subir em uma chaleira com água fervente. O relato metafórico de eventos privados é o campo da descrição poética dos sentimentos – o amor é fogo que arde sem se ver. 14 De todo modo, haja vista que não é possível estabelecer contingências precisas para o ensino de discriminação de eventos privados, justamente por serem privados, e considerando que “conhecer” é se comportar (especificamente, comportamento discriminado), então é possível dizer que conhecemos mais o mundo público do que o mundo privado. Ou seja, somos capazes de discriminar com mais precisão se estamos vendo uma bola vermelha do que se estamos sentindo remorso por algo que fizemos. Uma pessoa não vai passar tempo na terapia para saber se o que ela vê é uma bola vermelha, mas pode dedicar muitas sessões para descobrir exatamente o que ela está sentindo. A teoria dos eventos privados da AC, portanto, inverte a lógica cartesiana até hoje em voga na psicologia moderna que sustenta que temos conhecimento privilegiado do mundo “mental”, justamente por ser “mental”, estar “dentro da gente”. Pelo contrário, por ser inacessível à comunidade que nos ensina a conhecer, acabamos conhecendo mais o mundo público do que o privado. Talvez seja por essa razão que fenômenos ditos psicológicos até hoje são vistos como misteriosos, inefáveis e inexplicáveis, por religiosos, filósofos e até alguns cientistas. Considerações finais Exploramos neste texto os processos de discriminação simples e generalização. Após definirmos os processos, vimos como o controle de estímulos pode nos ajudar a compreender processos psicológicos complexos a partir de uma perspectiva comportamentalista. Vimos como procedimentos de discriminação simples e generalização podem ser ferramentas poderosas para resolução de problemas humanos. Vimos como tais processos nos ajudam a compreender o que costumeiramente se chama de atenção, abstração, formação de conceitos, e consciência. Em suma, é possível dizer que a AC do comportamento é plenamente capaz de fornecer explicações alternativas de processos “psicológicos” complexos. Explicações que possuem a vantagem de serem ancoradas em conceitos forjados em contexto de pesquisa básica (nesse caso, discriminação e generalização) ao invés de serem herança de uma psicologia “popular”. Explicações que são parcimoniosas por conseguirem abranger uma 15 ampla gama de fenômenos a partir de conceitos básicos fundamentais. Aqui só exploramos de maneira introdutória a amplitude dessa área essencial da Análise do Comportamento. 16