Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular PDF
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Este documento apresenta diretrizes de atenção à pessoa com lesão medular, abordando tópicos como classificação, diagnóstico, exames complementares, e consequências. O texto enfatiza a importância de uma abordagem multidisciplinar para o cuidado de indivíduos com lesão medular e a utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).
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Ministério da Saúde 2 INTRODUÇÃO A lesão da medula espinal é um dos mais graves acometimentos que pode afetar o ser humano e com enorme repercussão física, psíquica e social. Chamamos de lesão medular toda injúria às estruturas contidas no canal medular (medula,...
Ministério da Saúde 2 INTRODUÇÃO A lesão da medula espinal é um dos mais graves acometimentos que pode afetar o ser humano e com enorme repercussão física, psíquica e social. Chamamos de lesão medular toda injúria às estruturas contidas no canal medular (medula, cone medular e cauda equina), podendo levar a alterações motoras, sensitivas, autonômicas e psicoafetivas. Estas alterações se manifestarão principalmente como paralisia ou paresia dos membros, alteração de tônus muscular, alteração dos reflexos superficiais e profundos, alteração ou perda das diferentes sensibilidades (tátil, dolorosa, de pressão, vibratória e propriocep- tiva), perda de controle esfincteriano, disfunção sexual e alterações autonômicas como vasoplegia, alteração de sudorese, controle de temperatura corporal entre outras. O cuidado ao paciente com Lesão Medular inclui um conjunto de ações que se inicia no primeiro atendimento e continua até a sua reintegração social. Por isso, toda a equipe de atendimento deve es- tar envolvida desde a fase aguda em ações que permitam, no futuro, a inclusão social e econômica do paciente com sequela de lesão ra- quimedular. Este processo deve ser desenvolvido pelo atendimento simultâneo e integrado de diversos profissionais de saúde. 6 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular 3.2 ASIA A lesão medular é classificada segundo a padronização internacional determinada pela American Spinal Injury Association – ASIA (disponí- vel em ). 3.3 Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saú- de (CIF) é o modelo de estrutura preconizado pela Organização Mun- dial de Saúde (OMS), para a definição, mensuração e formulação de políticas para a saúde e incapacidade. Oferece uma linguagem pa- drão e uma estrutura para a descrição da saúde e dos estados rela- cionados à saúde.9 Enquanto os estados de saúde (doenças, distúrbios, lesões, etc.) são classificados na CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Do- enças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª revisão), a funcionali- dade e a incapacidade, associadas aos estados de saúde, são classi- ficadas na CIF. Estas classificações são complementares e devem ser utilizadas em conjunto.10 A CID, quando utilizada isoladamente, classifica o indivíduo em uma perspectiva imutável, que não considera variáveis pessoais, ambien- 11 Ministério da Saúde tais, socioeconômicas, entre outras, impossibilitando que sejam ava- liados os possíveis ganhos decorrentes das intervenções de reabilita- ção e/ou readaptação. Como exemplo, uma pessoa classificada na CID com o código S14 (Traumatismo de nervos e da medula espinhal ao nível cervical), ou G82.4 (Tetraplegia Espástica) mesmo que já tenha completado o pro- grama de reabilitação fazendo uso da cadeira de rodas e utilizando uma série de adaptações, continuará classificada com o mesmo códi- go pelo resto da vida. Já na CIF este mesmo paciente seria classificado, no curso de seu tratamento, com diversos códigos diferentes, que descreveriam as mudanças no seu nível de independência e participação social, ex- plicitando os benefícios do uso dos equipamentos ortopédicos e de possíveis estratégias de acessibilidade. A CIF, por englobar todos os aspectos da saúde humana e alguns componentes relevantes para a saúde relacionados com o bem-es- tar, pode ser utilizada para classificar todas as pessoas, com ou sem incapacidades11. É organizada em duas partes, cada uma com dois componentes, sendo que cada componente subdivide-se ainda em domínios e categorias. A CIF utiliza um sistema alfanumérico no qual as letras b, s, d e e são utilizadas para indicar, respectivamente: Funções do Corpo, Es- truturas do Corpo, Atividades e Participação e Fatores Ambientais. Essas letras são seguidas por um código numérico que começa com 12 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular o número do capítulo (um dígito), seguido pelo segundo nível (dois dígitos) e o terceiro e quarto níveis (um dígito cada). Os constructos da CIF organizam-se de maneira que as categorias mais amplas são definidas de forma a incluir subcategorias mais detalhadas, comple- tando assim a taxonomia da classificação.11 Como foi descrito anteriormente, a Lesão Medular pode ter consequências devastadoras na vida do indivíduo, levando a graves prejuízos funcionais. No entanto, os programas de reabilitação podem auxiliar na conquis- ta de importantes marcos de independência. Este acompanhamento longitudinal da pessoa com lesão medular e o apontamento das cons- tantes mudanças do seu estado funcional pode ser realizado através de contínuas classificações com a CIF. A utilização da CIF na classificação destes indivíduos garante aos mes- mos o direito de transitar por diferentes condições funcionais, explici- tando os benefícios decorrentes da assistência oferecida pelo sistema de saúde, dando destaque às ações de reabilitação. Oferece também uma alternativa factível para que o poder público, conjuntamente com os mecanismos de apoio social, avaliem a qualidade dos serviços prestados às pessoas com deficiência. Pelo exposto, estas diretrizes, em consonância com a resolução da OMS WHA54.21, que preconiza o uso dessa classificação nas pesqui- sas, vigilância e relatórios, prioritariamente na área de saúde pública, recomenda que os profissionais de saúde utilizem a CIF para acompa- nhamento do estado funcional da pessoa amputada. 13 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular 4 DIAGNÓSTICO 4.1 Nível Neurológico da Lesão O exame neurológico deve ser realizado segundo protocolo da ASIA onde examinamos a força motora, sensibilidade e reflexos. Cabe ressaltar que em casos traumáticos, durante a fase de choque medular, pode haver ausência de reflexos, sendo impossível durante este período predizer se a lesão é completa ou incompleta. A volta dos reflexos, testada pelos reflexos bulbo cavernoso e cutâ- neo anal marca o fim do choque medular, momento este em que de- vemos repetir o exame neurológico para determinar o grau (comple- to ou incompleto) e nível (sensitivo e motor) da lesão medular. Em relação ao nível da lesão medular, define-se como tetraplegia o acometimento de tronco, membros superiores e inferiores e paraple- gia como o comprometimento de tronco e membros inferiores. Na propedêutica, conceituamos plegia como a ausência de movimento voluntário e paresia como a presença de contração muscular voluntária com diminuição da força. No entanto, a ASIA recomenda que nos casos de lesão medular SEMPRE se classifique como tetraplegia ou paraple- gia.12 A diferenciação dos casos nos quais há movimentação muscular ativa e/ou preservação sensitiva abaixo do nível de lesão se dá por uma escala específica (Frankel ou Asia Impairment Scale). 15 Ministério da Saúde Determinamos o nível sensitivo da lesão através da avaliação clínica da sensibilidade dos dermátomos ao toque leve e à dor. São avaliados pontos chaves dos dermátomos dando notas de 0 para ausência de sensibilidade, 1 para sensibilidade alterada (diminuição ou aumento) e 2 para sensibilidade normal (figura 1). O nível motor é determinado pela avaliação do grau de força mus- cular (Quadro 1) nos grupos musculares correspondentes aos mi- ótomos (Quadro 2). Esta gradação não é aplicada aos músculos do tronco. Quadro 1 – Avaliação da força muscular Grau 0 Paralisia total Grau 1 Contração visível ou palpável Movimentação ativa sem vencer a força da Grau 2 gravidade Vence a gravidade, mas não vence qualquer Grau 3 resistência Grau 4 Não vence a resistência do examinador Grau 5 Normal Fonte: SAS/MS. 16 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular Quadro 2 – Miótomos e testes musculares correspondentes Nível Motor Ação C5 Flexão do cotovelo C6 Extensão do punho C7 Extensão do cotovelo C8 Flexão das falanges distais T1 Abdução do quinto dedo T2 - L1 Não é possível quantificar L2 Flexão do quadril L3 Extensão do joelho L4 Dorsiflexão do pé L5 Extensão do hálux S1 Plantiflexão Fonte: SAS/MS. O nível sensitivo é definido como o segmento mais distal da medula que tem função sensitiva normal em ambos os lados do corpo12. O nível motor é o último nível em que a força é pelo menos grau 3 e o nível acima tem força muscular normal (grau 5). 4.2 Exames Complementares Para determinar o nível ósseo de lesão, iniciamos a investigação com radiografia ântero-posterior e perfil da coluna. Sempre que possível o paciente deve ser submetido a tomografia computadorizada para melhor avaliar e classificar a lesão óssea. Tal exame é fundamental nas fraturas cervicais altas e nas fraturas da transição cervico-torácica que geralmente não são bem avaliadas pe- las radiografias simples. 17 Ministério da Saúde O exame de Ressonância Magnética (RM) não é realizado de forma rotineira nos pacientes com lesão medular. Este exame demanda tempo, disponibilidade e por isso nem sempre é adequado a muitos desses pacientes que podem estar instáveis do ponto de vista clínico, neurológico e hemodinâmico. A ressonância é indicada nos caso em que constatamos discrepân- cia entre o exame neurológico e os exames de radiografia e tomo- grafia. Podemos estar diante de lesão neurológica sem lesão óssea, como por exemplo, as lesões causada por hérnia de disco traumática, hematomas ou crianças com SCIWORA – Spinal Cord Injury WithOut Radiologic Abnormality, situações clínicas nem sempre visualizadas na tomografia e radiografia. É também indicada a ressonância magnética nos casos em que o pa- ciente apresenta déficit progressivo, ou nos casos de fratura luxação cervical que não podem ser tratados inicialmente com halo craniano, ou que não apresentam redução de luxação cervical com este méto- do e que terão de ser submetidos à redução cirúrgica desta luxação. Neste último caso, a ressonância será importante para a indicação da via de acesso cirúrgico. Se houver a suspeita de instabilidade ligamentar da coluna, deve-se idealmente realizar a RM. Não são indicadas radiografias dinâmicas na urgência, pois existe o risco do agravamento ou da ocorrência de uma eventual lesão medular com esta manobra. 18 Ministério da Saúde 5 CONSEQUÊNCIAS DA LESÃO MEDULAR E OUTROS TÓPICOS DE RELEVÂNCIA Lembrando que nessa seção faremos apenas um breve resumo de cada tópico (definição, incidência, etc.) que depois serão abordados com maiores detalhes dentro da linha de cuidado. 5.1 Dor Neuropática A ocorrência de dor após a lesão medular é muito frequente, 60% dos casos terão dor em alguma fase da vida. Cerca de um terço dos pacientes desenvolve dor crônica de forte intensidade. A Interna- tional Association of Study of Pain (IASP) classifica a dor após a lesão medular em nociceptiva (visceral ou osteomuscular) e neuropática e o correto diagnóstico do fator causal é fundamental para o sucesso do tratamento. A dor neuropática caracteriza-se por sensação desconfortável geral- mente imprecisa em queimação, choque ou formigamento em região na qual há perda ou diminuição da sensibilidade. Devemos diagnos- ticar e tratar a dor o mais precocemente possível para que diminua a chance de cronificação. A dor pode ser um fator incapacitante às vezes mais importante que a própria perda motora e tem implicações funcionais, psicológicas e socioeconômicas. Assim como a espasticidade, a piora do padrão de dor pode relacionar-se a estímulos nociceptivos periféricos. 20 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular A abordagem terapêutica deve se embasar em quatro recursos: me- dicamentoso-cirúrgico, reabilitação física, posicionamento e aconse- lhamento comportamental-afetivo. Medicamentoso-cirúrgico: de acordo com o tipo de dor, a queixa do paciente e suas comorbidades, são utilizados medicamentos de dife- rentes classe, sendo que os que oferecem melhores resultados são os antidepressivos (tricíclicos e inibidores duais de recaptação da sero- tonina), os anticonvulsivantes e em alguns casos os opióides de libe- ração rápida. Também podem fazer parte da grade medicamentosa os neurolépticos, anti-inflamatórios e miorelaxantes. Em casos de insucesso, abordagens neurocirúrgicas de neuromodu- lação ou neuroablação podem ser utilizadas, sempre levando-se em consideração seus efeitos positivos comparados com as consequên- cias das mesmas. Todo e qualquer procedimento deve ser instituído com a ciência e concordância do paciente e/ou responsável. Reabilitação física: uma rotina de exercícios e atividades funcionais, além de trazer benefícios fisiológicos inerentes à atividade (por exemplo, liberação de endorfinas), pode favorecer não somente a analgesia, mas também o desvio do foco por parte do paciente do seu quadro álgico, melhorando as possibilidades de sucesso das tera- pias instituídas. O engajamento em atividades do cotidiano favorece também a experimentação do potencial produtivo, com reflexos no humor e na motivação do indivíduo. 21 Ministério da Saúde Aconselhamento comportamental-afetivo: explicar ao paciente as possíveis causas da dor, valorizar os seu potencial residual e incenti- var a busca de recursos comportamental-afetivos para superar o qua- dro da incapacidade são fundamentais para o sucesso dos recursos terapêuticos relatados acima. 5.2 Alterações Músculo-Esqueléticas 5.2.1 Ossificação Heterotópica (OH) É a formação de osso em tecidos moles em locais onde normalmente este não existe. Ocorre sempre abaixo do nível de lesão, mais comu- mente nos quadris, mas pode ocorrer em outras grandes articulações como joelho, ombro e cotovelo. Pode levar à formação de grandes massas ósseas peri-articulares e diminuir a amplitude articular ou até mesmo bloquear completamente a articulação, o que pode prejudi- car a realização das atividades de vida diária. O diagnóstico da OH ocorre, geralmente, entre o primeiro e o sexto mês após a injúria medular, sendo a maior frequência de detecção nos primeiros dois meses após a lesão. Os achados clínicos mais co- muns são a redução da amplitude de movimento articular associada ou não à crepitação ao movimento ativo ou passivo. Os sinais infla- matórios, como edema periarticular, eritema, aumento de tempe- ratura local e dor (quando há sensibilidade preservada) usualmente estão presentes.13, 14 22 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular Por ser o diagnóstico inicial predominantemente clínico, os membros da equipe multiprofissional devem permanecer atentos aos sinais de instalação da OH durante os exames de rotina, consultas e procedi- mentos. A detecção precoce na fase aguda, antes do amadurecimen- to e calcificação, e o tratamento adequado, são fundamentais nesse tipo de acometimento e podem evitar a sua progressão. Cuidados simples levam à prevenção das microlesões vasculares as- sociadas à ossificação heterotópica. A cuidadosa mobilização articu- lar nos extremos do arco de movimento, em especial no quadril. Tais cuidados, que incluem também evitar realizar punções venosas abai- xo do nível de lesão devem ser tomados por todos os membros da equipe de saúde. 5.2.2 Osteoporose A osteoporose pode reconhecidamente ser uma consequência da lesão medular. Um acentuado declínio na densidade mineral óssea já pode ser detectado radiologicamente nos membros inferiores dos pacientes desde a sexta semana após a lesão medular, sendo descrita uma progressão deste até um a dois anos após a lesão, com subse- quente estabilização do quadro. Tal fato torna-se relevante na medi- da em que resulta numa fragilidade óssea e portanto com maior risco de fraturas nessa população. Diante do diagnóstico de fratura, em geral, o tratamento deve ser efetuado seguindo a conduta habitual instituída ao paciente com ida- de equivalente; no entanto deve-se evitar trações e ter muito cuida- 23 Ministério da Saúde do ao se utilizar o tratamento conservador usando gesso, devendo acolchoá-lo bem devido ao risco de úlceras por pressão. Os resultados de osteopenia ou osteoporose encontrados na avaliação pela densito- metria óssea parecem ter uma boa correlação com o risco de fraturas. Recentemente, tem sido proposto o uso de bifosfonados e cálcio para o tratamento da osteoporose no paciente com lesão medular, apesar deste tema ainda ser controverso.15 Portanto, deve-se orientar o paciente quanto aos riscos de fratura, ensinar técnicas corretas de transferências e demais atividades de vida diária e frente a suspeita de lesão óssea (hiperemia, encurta- mento de membros, dor), que procure serviço de pronto atendimen- to para diagnóstico e tratamento corretos. 5.3 Alterações Vasculares São três principais complicações no sistema circulatório, que podem ocorrer após a lesão medular/hipotensão postural, disreflexia auto- nômica, trombose venosa profunda. 5.3.1 TVP A trombose venosa profunda é decorrente da hipercoagulabilidade sanguínea, das alterações endoteliais e da estase venosa (tríade de Virchow). A paralisia associada à vasoplegia faz com que os pacien- tes com lesão medular tenham alto risco de desenvolver fenôme- nos tromboembólicos venosos principalmente nas quatro primeiras 24 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular semanas após a lesão. Cerca de 50% dos pacientes na fase aguda de- senvolvem TVP assintomática, 15% apresentam manifestações clíni- cas e 4% evoluem para embolia pulmonar, muitas vezes fatal. O qua- dro clínico se caracteriza pelo edema e empastamento da extremida- de, aumento da temperatura local, cianose ou hiperemia. Pode haver queixa dolorosa quando o paciente tem a sensibilidade preservada. A prevenção deve ser feita com uso precoce de anticoagulantes, movimentação passiva dos membros inferiores e uso de meias elásticas compressivas. 5.3.2 Hipotensão Postural A hipotensão postural é consequência da vasodilatação abaixo do nível de lesão medular e consequente represamento de sangue nos membros inferiores, além da ausência ou diminuição dos reflexos va- somotores posturais. A elevação brusca do decúbito, ao assumir a posição sentada ou em pé, provoca queda da pressão arterial sistólica e diastólica, manifestando-se clinicamente como tontura, escureci- mento da visão, zumbido e até síncope. A prevenção é feita com treinamento progressivo de elevação de decúbito, ingesta hídrica adequada, uso de meias elásticas compres- sivas e faixas elásticas abdominais. 25 Ministério da Saúde 5.3.3 Disreflexia Autonômica A disreflexia autonômica é uma crise hipertensiva, definida como au- mento de 20 mmHg na pressão arterial sistólica e diastólica basal. Vale lembrar que a PA destes pacientes, em especial os tetraplégi- cos, tende a ser baixa (pela vasoplegia). Portanto, níveis pressóricos considerados normais para a população geral como 120 x 80 mmHg ou 130 x 90 mmHg podem ser elevadas para estes pacientes. A mani- festação clínica mais comum é caracterizada por intenso desconforto geralmente associado à cefaleia, sudorese, piloereção, dilatação das pupilas e rubor facial. Ocorre em pacientes com lesão medular acima de T6. Após um estímulo nociceptivo abaixo do nível da lesão é de- sencadeada uma reação adrenérgica (simpática). Esta reação leva a uma vasoconstrição importante de todo leito vascular e consequente elevação da PA. Os centros baroceptores (seios carotídeos), acima do nível da lesão, serão ativados, desencadeando resposta parassimpá- tica visando vasodilatação e diminuição da frequência cardíaca. No entanto, devido à lesão medular, este estímulo não poderá ser trans- mitido aos vasos abaixo do nível da lesão. O principal leito vascular do corpo humano é o leito esplâncnico (das vísceras abdominais) e, por isso, a vaso dilatação do leito vascular de lesões acima de T6 não será suficiente para compensar a vasoconstrição no território abaixo do nível da lesão, levando a hipertensão arterial e todos os sintomas re- latados previamente. A causa mais comum é a distensão das vísceras ocas, principalmente pelo não esvaziamento da bexiga ou obstipação intestinal, mas vale ressaltar que qualquer estímulo nociceptivo abai- xo do nível de lesão (úlceras por pressão, infecção urinária ou mesmo uma roupa ou sapato apertados) pode levar a uma crise de disre- 26 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular flexia. Uma rápida inspeção visual do corpo do indivíduo, buscando possíveis lesões causadas pelo atrito, cisalhamento ou pressão nos segmentos corporais sem sensibilidade protetora deve ser realizada. Especial atenção deve ser dada à fricção/abrasão de membros contra o solo, a roda ou outros componentes da cadeira de rodas. O tratamento é a resolução ou retirada do estímulo nociceptivo, sen- do desnecessário, na maioria dos casos, o uso de anti-hipertensivos. Como medida imediata, sempre se recomenda o esvaziamento vesi- cal com sonda de alívio e colocação do paciente na posição sentada. 5.4 Bexiga Neurogênica As repercussões urológicas causadas pela lesão na medula espinhal constituem umas das maiores preocupações para a equipe de rea- bilitação, pois o mau funcionamento vesical pode, quando assistido inadequadamente, acarretar complicações que vão desde a infecção urinária, cálculos vesicais até fístulas penoescrotais, refluxo vésico- -ureteral, hidronefrose e em casos extremos, perda da função renal.16 A micção normal envolve complexos mecanismos de integração do sistema nervoso autônomo (involuntário) e piramidal (voluntário). O ciclo normal de micção deve permitir armazenamento de urina, per- cepção de bexiga cheia e eliminação voluntária com baixa pressão ve- sical. Para o esvaziamento vesical adequado, deve haver relaxamento voluntário do esfíncter em sincronia com a contração do detrusor (involuntária). Se o relaxamento do esfíncter externo não é possível e ocorre contração involuntária do detrusor, há aumento da pressão 27 Ministério da Saúde intravesical com risco de refluxo vésico ureteral e falência renal a lon- go prazo por obstrução pós-renal. A estase urinária leva infecções uri- nárias de repetição e risco de cálculos urinários. O manejo da bexiga neurogênica deve garantir esvaziamento vesical a baixa pressão, evi- tar estase urinária e perdas involuntárias. Na maior parte dos casos, este esvaziamento deverá ser feito por cateterismo vesical intermi- tente, instituído de forma mandatória, independente da realização precoce do exame de urodinâmica, desde a alta hospitalar. Além dos riscos clínicos (infecção e insuficiência renal), a incontinência urinária causa isolamento social e tem grande impacto na autonomia funcio- nal do paciente. Infecções do trato urinário são extremamente frequentes nos lesados medulares sendo a principal doença infecciosa que os acomete tanto na fase aguda quanto na fase crônica da lesão medular. A principal causa relaciona-se com a retenção e esvaziamento incompleto da be- xiga. Os pacientes que realizam cateterismo vesical intermitente são todos virtualmente colonizados em seu trato urinário, devendo-se to- mar cuidado para o diagnóstico correto de infecção nestes pacientes. Serão valorizadas apenas uroculturas positivas de pacientes que tive- rem sintomas consistentes como febre, aumento ou aparecimento de perdas urinárias entre os cateterismos, aumento de espasticidade e automatismos e piora da dor neuropática, entre outros. Naqueles pacientes com alta pressão de esvaziamento, rígido cate- terismo intermitente deve ser instituído desde o início, com controle medicamentoso e controle periódico da função renal. 28 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular Assim, levando-se em consideração os aspectos colocados acima, tor- na-se mandatória a avaliação periódica do trato urinário do paciente lesado medular durante toda a sua vida (semestral ou anualmente, de acordo com a necessidade) através de exames laboratoriais e de imagem, bem como o acompanhamento com médico urologista que dará as diretrizes para a melhor forma de esvaziamento vesical e rea- lizará procedimentos cirúrgicos quando necessário.17 5.5 Intestino neurogênico A função intestinal também estará afetada nos pacientes com LM. A motilidade do cólon é basicamente autônoma recebendo pouca influência do sistema nervoso central. Após uma fase inicial de íleo neurogênico que pode ocorrer na fase aguda da LM, o tubo digesti- vo retorna a apresentar movimentos peristálticos, ficando somente comprometido o funcionamento esfincteriano. O esfíncter anal com- põe-se de uma porção interna de controle involuntário e uma porção externa de controle voluntário. O esfíncter anal interno permanece contraído a maior parte do tempo. Seu relaxamento é determinado por arco reflexo desencadeado pela chegada das fezes à ampola retal. Nas lesões acima do cone medular, este reflexo está preservado e às vezes hiperativo, sendo a perda do controle do esfíncter anal externo que, neste casos, normalmente mantém-se hipertônico e contraído, determina o impedimento da eliminação normal das fezes, predomi- nando neste pacientes a obstipação. Nos pacientes com lesão no nível do cone ou da cauda equina, este reflexo está abolido ou diminuído, predominando a contração do esfíncter interno e consequente obs- 29 Ministério da Saúde tipação. Como o esfíncter externo está flácido ou atônico e muscula- tura do esfíncter interno não é muito forte, com o acúmulo de fezes na ampola retal pode haver perda involuntária de fezes aos esforços. Compete à equipe multiprofissional orientar o paciente com lesão me- dular a ingerir dieta não obstipante (rica em fibras), realizar manobras como massagens abdominais , seguir as medidas laxativas prescritas, orientar, prescrever ou realizar, se for o caso, o “toque retal” conjunta- mente, com o objetivo de atingir uma rotina de esvaziamento que não prejudique seu cotidiano ou acarrete na formação de fecaloma. 5.6 Úlceras por Pressão A úlcera por pressão é uma complicação facilmente evitável que leva a uma série de comprometimentos sociais, econômicos e que atrasa o processo de reabilitação. Um estudo americano com 1,4 mil pacientes com lesão medular a pelo menos um ano aponta que destes, 39% re- portaram ter tido pelo menos uma úlcera por pressão no último ano e 20,4% relataram apresentar uma na ocasião da pesquisa. Os pesquisa- dores encontraram ainda uma relação entre uma menor renda familiar e a maior ocorrência de úlceras por pressão no ano anterior e a rela- ção entre uma menor escolaridade, menor renda familiar e idade mais avançada com a presença atual de uma úlcera por pressão.18 Os indivíduos com lesão medular devem ser orientados quanto ao cuidado adequado com a pele, desde a fase aguda. 30 Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular A perda de mobilidade associada à perda de sensibilidade faz com que áreas sob proeminências ósseas fiquem mais suscetíveis a fenômenos isquêmicos da pele, propiciando o desenvolvimento de úlceras por pressão, uma das complicações mais comuns após a lesão medular. A principal medida para evitar essa complicação é o alívio da pressão nas áreas de maior descarga de peso em média a cada 2 horas. Isso deve ser realizado em qualquer posição, como, por exemplo, através da realização de push up e mobilizações ativas ou passivas. O suporte nutricional adequado e a manutenção da massa muscular também são importantes fatores preventivos e terapêuticos. Curativos e outras medidas podem ter efeitos adjuvantes sobre o fe- chamento das lesões, mas não têm nenhum efeito se a mudança de decúbito não for realizada adequadamente. 5.7 Espasticidade / Automatismos A espasticidade é uma expressão clínica da lesão do sistema pirami- dal na qual ocorre aumento do tônus muscular (hipertonia) caracte- rizado por aumento da resistência ao estiramento muscular passivo e dependente da velocidade angular. Geralmente está associada a automatismos (movimentos involuntários em flexão ou extensão). Classifica-se pela Escala Ashworth modificada (Quadro 3). 31 Ministério da Saúde Quadro 3 – Escala de Ashworth Grau 1 Tônus muscular normal Grau 2 Discreto aumento do tônus, com pequena resistência ao movimento passivo Grau 3 Tônus aumentado com facilidade para realizar o movimento passivo Grau 4 Tônus bastante aumentado com dificuldade para realizar o movimento passivo Grau 5 Tônus muito aumentado com articulação fixa em extensão ou flexão Fonte: SAS/MS. A intensidade da espasticidade assim como a frequência dos auto- matismos podem gerar incapacidade, impedindo ou dificultando a realização das atividades de vida diária como as transferências (da cadeira de rodas para o leito, carro, cadeira de banho, etc.), a troca do vestuário e o posicionamento. O grau de espasticidade pode au- mentar com estímulos nociceptivos abaixo do nível da lesão como distensão vesical, infecção urinária, cálculos urinários, obstipação in- testinal, úlceras por pressão, paroníquia, fraturas, roupas apertadas, má postura e inadequação de assento ou cadeira de rodas. A espasticidade também pode ser causadora de deformidades articu- lares. Estas, se não corrigidas, podem afetar o prognóstico funcional. 32