Farmacologia Aplicada à Farmácia PDF

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Este livro aborda a farmacologia aplicada à farmácia, com foco no tratamento do diabetes melito. Ele descreve as diferentes classes de fármacos utilizadas, seus mecanismos de ação e os efeitos adversos. É um guia útil para estudantes de farmácia.

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FARMACOLOGIA APLICADA A FARMÁCIA Lucimar Filot da Silva Brum Farmacologia do diabetes Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as classes de fármacos usados no tratamento d...

FARMACOLOGIA APLICADA A FARMÁCIA Lucimar Filot da Silva Brum Farmacologia do diabetes Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as classes de fármacos usados no tratamento do diabetes melito. Explicar o mecanismo de ação de fármacos usados no tratamento do diabetes melito. Descrever efeitos adversos de fármacos usados no tratamento do diabetes melito. Introdução O diabetes melito (DM) contempla um grupo de distúrbios metabólicos que apresentam a hiperglicemia como característica comum. Atualmente, o DM é classificado com base no processo patogênico que resulta na hiperglicemia, onde temos o DM tipo 1 (DM1), que caracteriza-se pela deficiência de insulina e pela tendência ao desenvolvimento de cetose, e o DM tipo 2 (DM2), que representa um grupo heterogêneo de distúrbios, caracterizados por graus variáveis de resistência à insulina, comprometi- mento da secreção de insulina e produção hepática excessiva de glicose. Em geral, o DM1 é resultante da destruição autoimune das células beta pancreáticas e também é conhecido como diabetes de início juvenil, pois o pico de incidência ocorre em crianças e adolescentes (LONGO; FAUCI, 2015; KASPER et al., 2017a). Já o DM2, antes designado como diabetes não insulinodependente ou da maturidade, resulta do ineficiente uso da insulina pelo organismo (resistência à ação da insulina), sendo largamente associado a obesidade e inatividade física. Outros tipos específicos incluem o DM causado por defeitos genéticos (diabetes de início na maturidade do jovem [MODY] e outros distúrbios monogênicos raros), por doenças do pâncreas exócrino (pancreatite crônica, fibrose cística, hemocromatose), endocrinopatias (acromegalia, síndrome de Cushing, feocromocitoma, hipertireoidismo) e induzida por fármacos (ácido nicotínico, glicocorticoides, tiazídicos, inibidores da 2 Farmacologia do diabetes protease) e pela gestação, na denominado diabetes gestacional (KASPER et al., 2017a). As metas da terapia para o DM, tanto para DM1 quanto para DM2, consistem em (a) eliminar os sintomas relacionados com a hiperglicemia, (b) reduzir ou eliminar as complicações microvasculares e macrovasculares de longo prazo do DM; e (c) permitir que o paciente possa levar um estilo de vida o mais normal possível. Pacientes portadores de DM1 precisam receber administrações diárias de insulina, e pode-se utilizar combinações de preparações de insulina com diferentes tempos de início e duração de ação (KASPER et al., 2017b). Por outro lado, os pacientes com DM2 podem ser tratados apenas com dieta e exercício físico, ou em associação a agentes hipoglicemiantes orais, insulina ou uma combinação de agentes orais e insulina (KASPER et al., 2017b). Neste capítulo, vamos abordar o mecanismo de ação e os efeitos adversos das diferentes classes de fármacos usados no tratamento do DM. Fármacos usados no tratamento do diabetes melito Vale ressaltar que a prevalência do diabetes melito (DM) está aumentando rapidamente no Brasil e no mundo; a frequência, em especial do DM2, está aumentando paralelamente à epidemia de obesidade. Além disso, o DM está associado a morbidade grave e mortalidade significativa, e constitui a quinta principal causa de morte no mundo todo (BRASIL, 2018). Os sintomas iniciais do DM consistem em poliúria, polidipsia, perda de peso, fadiga, fraqueza, visão turva, infecções superficiais frequentes e cicatrização deficiente de feridas. Na fase inicial do desenvolvimento do DM2, os sintomas podem ser mais sutis e consistem em fadiga, má cicatrização e parestesias. Essas características integram a principal razão para o diagnóstico tardio do DM2. As principais complicações crônicas incluem retinopatia, nefropatia e neuropatia diabética, entre outras, e, portanto, é imprescindível o tratamento do paciente visando manter o controle glicêmico e evitar as complicações decorrentes do DM (LONGO; FAUCI, 2015; KASPER et al., 2017a). Farmacologia do diabetes 3 Com relação ao tratamento, os pacientes com DM1 necessitam de 0,5 a 1,0 U/kg de insulina por dia, em múltiplas doses fracionadas. Ou seja, paciente com DM1 depende da insulina exógena para controlar a hiperglicemia, evitar a cetoacidose e manter níveis aceitáveis de hemoglobina glicada (HbA1C). Nesse contexto, os pacientes DM1 precisam receber insulina exógena para evitar um quadro de hiperglicemia grave e a cetoacidose, um estado metabó- lico potencialmente grave e ameaçador à sobrevivência. Pode-se administrar insulina via injeção subcutânea, através de um dispositivo de injeção manual ou uma bomba de insulina que infunde continuamente insulina sob a pele (KASPER et al., 2017b; WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). O objetivo no tratamento do DM2 é manter a glicemia dentro dos limites normais e evitar o desenvolvimento das complicações de longo prazo. Redução da massa corpórea, exercícios físicos e modificação da dieta diminuem a resistência à insulina e corrigem a hiperglicemia em alguns pacientes com DM2. Contudo, a maioria dos pacientes precisa de intervenção farmacológica com hipoglicemiantes orais, e, além disso, com a progressão do DM a função das células β diminui gradativamente, e o tratamento com insulina passa a ser necessário para alcançar níveis glicêmicos satisfatórios (KASPER et al., 2017b; WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Embora os pacientes com DM2 normalmente não desenvolvam cetose, pode ocorrer cetoacidose em situações de estresse, como infecção ou uso de medicações que aumentam a resistência à insulina (corticosteroides). Impor- tante ressaltar que em pacientes portadores de DM2 sem tratamento ou com controle inadequado da glicemia pode ocorrer desidratação, que pode resultar em uma condição clínica potencialmente fatal denominada coma hiperosmolar não cetótico, onde o nível de glicemia alcança de 6 a 20 vezes os valores de referência, e o paciente pode apresentar alteração do estado mental ou perda da consciência, necessitando assistência médica urgente e reidratação (KASPER et al., 2017b; KATZUNG; TREVOR, 2017). Nesse cenário, verifica-se que o tratamento ideal do DM exige mais do que um controle da glicose plasmática, também é preciso detectar e tratar as complicações específicas do DM, bem como modificar os fatores de risco para doenças associadas a ele. Todos os pacientes, DM1 ou DM2, devem ser orientados quanto a alimentação, prática de exercícios físicos e medicações para manter os níveis plasmáticos de glicose na faixa da normalidade. 4 Farmacologia do diabetes Para informações mais detalhadas sobre a fisiopatologia e o tratamento do diabetes melito, sugerimos a leitura da obra Medicina Interna de Harrison do autor Kasper, D. et al. (2017). As classes de fármacos utilizados no tratamento do DM incluem: insulinas: insulinas de ação rápida (insulina lispro, insulina asparte e insulina glulisina); insulinas de ação curta (insulina regular); insulinas de ação longa (insulina com protamina neutra Hagedorn [NPH], insulina glargina e insulina detemir). análogo sintético da amilina; incretinomiméticos; hipoglicemiantes orais: agentes que se ligam ao receptor de sulfonilureias e que estimulam a secreção de insulina (sulfonilureias, meglitinidas, derivados da D-fenilalanina); agentes que reduzem os níveis de glicose devido a sua ação sobre o fígado, o músculo e o tecido adiposo (biguanidas, tiazolidinedionas); agentes que retardam a absorção intestinal da glicose (inibidores da α-glucosidase); agentes que simulam o efeito da incretina ou que prolongam a sua ação (agonistas do receptor de peptídeo semelhante ao glucagon 1 [GLP-1], inibidores da dipeptidil peptidase-4 [DPP-4]); agentes que inibem a reabsorção de glicose no rim (inibidores do cotransportador de sódio-glicose [SGLT]); agentes que atuam por outros mecanismos ou mecanismos pouco definidos (pranlintida, bromocriptina, colesevelam). Vejamos agora o mecanismo de ação e efeitos adversos das diferentes classes de fármacos usados no tratamento do DM: Farmacologia do diabetes 5 Insulinas A insulina constitui a base do tratamento de praticamente todos os pacientes portadores de DM1 e de muitos portadores de DM2 (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). A insulina é um polipeptídeo de 51 aminoácidos que é produzido nas células pancreáticas β e armazenado como um complexo com o Zn 2+. O principal estímulo para a liberação de insulina é a glicose, mas aminoácidos, ácidos graxos e corpos cetônicos também podem estimular sua liberação. O glucagon e a somatostatina também modulam a sua secreção (TOY et al., 2015). A estimulação α-adrenérgica é um mecanismo inibitório predominante, enquanto a estimulação β-adrenérgica aumenta a sua liberação. A insulina atua ligando-se a receptores específicos da membrana e estes têm uma atividade de tirosina cinase. O resíduo de tirosina do receptor torna-se fosforilado e o fosforreceptor, por sua vez, fosforila inúmeros substratos intracelulares que levam a um aumento da captação intracelular de glicose. No tecido muscular e adiposo, o transporte de glicose é mediado pelo recrutamento de moléculas de transporte de hexoses (GLUT-4) para a membrana plasmática. Entre suas ações, a insulina aumenta o transporte de glicose, a síntese e a deposição de glicogênio, a lipogênese e a síntese de proteínas. Ela diminui a lipólise intra- celular e a gliconeogênese hepática. A insulina também estimula o acúmulo de potássio celular (TOY et al., 2015). As preparações de insulina atualmente utilizadas são de insulina humana produzida por técnicas de ácido desoxirribonucleico (DNA) recombinante. A insulina pode ser administrada por via intravenosa (IV), intramuscular (IM) ou subcutânea (SC), porém no tratamento de longo prazo utiliza-se basicamente a injeção SC. A meta da insulinoterapia por via SC consiste em reproduzir a secreção fisiológica normal de insulina e repor a insulina basal (noturna, em jejum e entre as refeições), bem como a insulina em bolo ou prandial (durante as refeições). Porém, não é possível obter uma reprodução exata do perfil normal de glicemia, devido às limitações inerentes na administração SC de insulina (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016). A administração SC de insulina se diferencia da secreção fisiológica do hormônio em dois aspectos importantes: (1) a cinética de absorção não reproduz a rápida elevação e declínio da insulina endógena em resposta à glicose após administração intravenosa ou oral; (2) a insulina injetada é transportada na circulação periférica, ao invés de ser liberada na circulação porta-hepática. Assim, a concentração porta/periférica de insulina não é fisiológica, o que pode 6 Farmacologia do diabetes alterar sua influência sobre os processos metabólicos hepáticos. Mesmo assim, a insulina administrada na circulação periférica pode resultar em glicemia normal ou quase normal (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016). Duas abordagens vêm sendo utilizadas para modificar a absorção e o perfil farmacocinético da insulina. A primeira abordagem, que vem sendo utilizada por mais de 70 anos para alterar o perfil de absorção da insulina humana nativa, baseia-se em formulações que retardam a absorção após a injeção SC. Outra abordagem consiste em modificar a sequência de aminoácidos ou a estrutura proteica da insulina humana de modo que ela retenha a sua capacidade de ligar-se ao receptor de insulina; entretanto, seu comportamento em solução ou após injeção é acelerado ou prolongado, em comparação com a insulina humana nativa ou regular (Figura 1). { Gli 1 S S 21 Insulina glargina Cadeia A Asn S S Arg Arg 1 3 S S 28 29 30 31 32 Asp Cadeia B Pro Lis Tre Insulina Lis Pro Insulina lispro Lis Glu Insulina glulisina Asp Insulina asparte Lis Insulina detemir N-miristoil Figura 1. Análogos da insulina. O processo de modificação da insulina humana nativa pode alterar o seu perfil farmacocinético. A inversão dos aminoácidos 28 e 29 na cadeia B (insulina lispro — lisina e prolina) ou a substituição da Pro28B (prolina) por Asp (ácido aspártico) produz análogos com tendência reduzida à autoassociação molecular, que possuem ação mais rápida (insulina asparte). A substituição da Asp3B por Lis e da Lis29B por Glu (ácido glutâmico) produz uma insulina (insulina glulisina) com início mais rápido e duração de ação mais curta. A substituição da Asn21A (asparagina) e o alongamento da cadeia B pela adição Arg31 e Arg32 (arginina) produzem um derivado (insulina glargina) com solubilidade reduzida em pH de 7,4, que, consequentemente, é absorvida de modo mais lento e atua por um período mais longo de tempo. A supressão de Tre30B (treonina) e a adição de um grupo miristoil ao grupo ε-amino à Lis29B (insulina detemir) aumenta a ligação reversível à albumina, lentificando, assim, o transporte através do endotélio vascular para os tecidos e proporcionando uma ação prolongada. Fonte: Adaptada de Brunton, Chabner e Knollmann (2016, p. 1251). Farmacologia do diabetes 7 As preparações de insulina são classificadas, de acordo com sua duração de ação, em preparações de ação curta e ação longa (Quadro 1). Na classe de insulina de ação curta, as insulinas de ação rápida (asparte, glulisina, lispro) podem ser distinguidas da insulina regular. De forma semelhante, alguns autores distinguem as formulações com duração de ação longa (detemir, glargina) da insulina NPH. Quadro 1. Formulações da insulina Tempo de ação Preparação Duração Início, h Pico, h efetiva, h De curta ação Asparte < 0,25 0,5-1,5 3-4 Glulisina < 0,25 0,5-1,5 3-4 Lispro < 0,25 0,5-1,5 3-4 Regular 0,5-1,0 2-3 4-6 De ação longa Detemir 1-4 —a 20-24 Glargina 1-4 —a 20-24 NPH 1-4 6-10 10-16 Combinações de insulina 75/25-75% de lispro < 0,25 1,5 Até 10-16 protamina, 25% de lispro 70/30-70% de asparte < 0,25 1,5 Até 10-16 protamina, 30% de asparte 50/50-50% de lispro < 0,25 1,5 Até 10-16 protamina, 50% de lispro 70/30-70% de NPH, 30% de regular 0,5-1 Duplob 10-16 a A insulina glargina e a insulina detemir apresentam um pico de atividade mínimo. b Duplo: dois picos — o primeiro em 2-3 h; o segundo, várias horas mais tarde. Fonte: Adaptado de Brunton, Chabner, Knollmann (2016, p. 1250). 8 Farmacologia do diabetes As insulinas de ação rápida e de ação curta injetáveis são apresentadas na forma de soluções transparentes em pH neutro e contêm pequenas quantidades de zinco para melhorar a sua estabilidade e o prazo de validade. As insulinas NPH apresentavam ação intermediária e foram modificadas para se obter uma ação prolongada e são agora disponíveis na forma de suspensão turva em pH neutro, com protamina em tampão de fosfato (insulina com NPH). A insulina glargina e a detemir estão na forma de soluções transparentes de ação longa (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016). A terapia convencional consiste em injeções de misturas de insulinas de ação rápida ou curta e de ação longa em doses fracionadas. Insulinas de ação rápida As insulinas de ação rápida (insulina lispro, insulina asparte e insulina glu- lisina) permitem uma reposição prandial mais fisiológica de insulina, em virtude de seu rápido início de ação e uma precoce ação máxima, que simulam melhor a secreção prandial normal de insulina endógena quando compara- das à insulina regular. Além disso, têm o benefício adicional de permitir a administração de insulina imediatamente antes da refeição, sem interferir no controle da glicose, e, devido a um tempo de efeito em torno de 4 horas, há uma diminuição do risco de hipoglicemia pós-prandial. Também apresentam uma menor variabilidade de absorção (cerca de 5%) de todas as insulinas comerciais disponíveis. Elas constituem as insulinas preferidas para uso em dispositivos de infusão contínua de insulina SC (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). A insulina lispro, o primeiro análogo de insulina monomérica comerciali- zado, é produzida por tecnologia recombinante, em que dois aminoácidos situados próximo da extremidade carboxiterminal da cadeia B tiveram a sua posição invertida: a prolina na posição B28 passou para a posição B29, ao passo que a lisina na posição B29 foi deslocada para a posição B28 (Figura 1). A inversão desses dois aminoácidos não interfere na ligação da lispro ao receptor de insulina, na sua meia-vida circulante ou na sua imunogenicidade, que se assemelham às da insulina regular humana. Para aumentar o prazo de validade da insulina em frascos, a lispro é es- tabilizada em hexâmeros, por um conservante de cresol. Quando injetada por via SC, a lispro dissocia-se com rapidez em monômeros e sofre rápida absorção, com início de ação em 5 a 15 minutos e atividade máxima em apenas 1 hora. O tempo levado para exercer a ação máxima é relativamente constante, Farmacologia do diabetes 9 não dependendo da dose (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). A insulina asparte foi criada através da substituição da prolina na posição B28 por um ácido aspártico de carga negativa (Figura 1). Essa modificação re- duz a interação normal entre monômeros de ProB28 e GlyB23, inibindo, assim, a autoagregação da insulina. Sua absorção e perfil de atividade assemelham-se aos da lispro (KATZUNG; TREVOR, 2017). A glulisina é formulada pela substituição da asparagina por lisina na posição B3 e de lisina pelo ácido glutâmico na posição B29 (Figura 1). Sua absorção, ação e características imunológicas assemelham-se àquelas de outras insulinas de ação rápida injetáveis. Após a interação de altas doses de glulisina com o receptor de insulina, observam-se diferenças distais na ativação da via IRS2 (via intracelular de transdução de sinal, associada à ativação do receptor de insulina) em comparação com a insulina humana. A importância clínica dessas diferenças não está bem esclarecida (KATZUNG; TREVOR, 2017). Insulina de ação curta (insulina regular) A insulina regular é uma insulina zíncica cristalina solúvel, de ação curta, atualmente obtida por técnicas de DNA recombinante para produzir uma molécula idêntica à da insulina humana. Seu efeito inicia dentro de 30 minutos após injeção SC, atinge um pico entre 2 e 3 horas e, em geral, dura em torno de 6 horas. Quando a insulina regular é administrada nas horas das refeições, ocorre uma elevação mais rápida do nível glicêmico do que da insulina endógena, que resulta em hiperglicemia pós-prandial precoce e risco aumentado de glicemia pós-prandial tardia. Portanto, a insulina regular deve ser injetada 30 a 45 minutos ou mais antes das refeições para minimizar esse desequilíbrio. A insulina solúvel regular de ação curta constitui o único tipo de insulina passível de administração por via IV e mostra-se particularmente útil na terapia IV no tratamento da cetoacidose diabética, bem como em casos nos quais a necessidade de insulina modifica-se rapidamente, como após cirurgia ou durante infecções agudas (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Insulinas de ação longa A insulina NPH tem início de ação de cerca de 1 a 4 horas e duração de 6 a 10 horas e, em geral, é misturada com insulina regular, lispro, asparte ou 10 Farmacologia do diabetes glulisina e administrada 2 a 4 vezes ao dia para reposição do hormônio. A dose regula o perfil de ação, ou seja, pequenas doses apresentam picos mais baixos e mais precoces e curta duração, observando-se o inverso com o uso de grandes doses. A ação da insulina NPH é imprevisível, e a variabilidade de absorção é de mais de 50%. Portanto, em virtude do perfil farmacocinético variável e considerando a disponibilidade de análogos de insulina de ação longa que apresentam ação mais previsível e fisiológica, o seu uso clínico estáá declinando. A insulina glargina é um análogo de insulina de ação longa, solúvel e que não desencadeia um pico de ação, mantendo um amplo platô de concentração plasmática. Apresenta início de ação lento e alcança um efeito máximo de- pois de 4 a 6 horas. Essa atividade máxima é mantida por 11 a 24 horas ou mais. Em geral, a glargina é administrada uma vez ao dia; todavia, alguns indivíduos muito sensíveis à insulina ou resistentes a ela beneficiam-se de doses fracionadas (2 vezes ao dia). Para manter a solubilidade, a formulação é extremamente ácida (pH de 4), e a glargina não deve ser misturada com outra insulina. É preciso utilizar seringas separadas para minimizar o risco de contaminação e perda subsequente da eficácia. A insulina detemir é o análogo de insulina de ação longa mais recentemente desenvolvido. A treonina terminal é suprimida da posição B30, e o ácido mirístico é fixado à lisina na posição B29 terminal (Figura 1). A detemir é a insulina que tem o efeito mais reproduzível entre as insulinas de ação longa, e o seu uso está associado ao menor grau de hipoglicemia do que a NPH. A detemir tem um início de ação dependente da dose de 1 a 4 horas, com duração de ação de mais de 12 horas até 24 horas. Deve ser administrada duas vezes ao dia para obtenção de um nível basal uniforme de insulina (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Complicações da insulinoterapia A insulinoterapia pode causar complicações ao paciente, como a hipoglicemia e lipodistrofia nos locais de injeção (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). O risco mais significativo da terapia com insulina é a indução de hipogli- cemia, que pode produzir taquicardia, sudorese e confusão. Em casos graves, a hipoglicemia pode evoluir para coma, convulsões ou até mesmo a morte. Todas as manifestações da hipoglicemia são aliviadas com a administração de glicose. Farmacologia do diabetes 11 Com relação a lipodistrofia, há relatos de que a injeção de preparações de insulina animal algumas vezes resultou em atrofia do tecido adiposo subcutâneo no local da injeção. Porém, desde o desenvolvimento de preparações de in- sulinas humana e análogas com pH neutro, esse tipo de complicação quase nunca é observado. No entanto, a hipertrofia do tecido adiposo subcutâneo continua sendo um problema se a insulina for injetada repetidamente no mesmo local. To- davia, esse problema pode ser corrigido ao se evitar um local específico de injeção, ao que se recomenda a prática de rodízio de local da administração da insulina (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Análogo sintético da amilina A amilina é um hormônio que é cossecretado com a insulina pelas células β após a alimentação. Ela retarda o esvaziamento gástrico, reduz a secreção pós-prandial de glucagon e aumenta a saciedade. Pranlintida é um análogo sintético da amilina utilizado como auxiliar da insulina na hora da refeição em pacientes com DM1 e DM2. A pranlintida é administrada através de injeção SC, imediatamente antes das refeições (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Importante: quando iniciar o uso de pranlintida, a dose de insulina da hora da refeição deve ser reduzida em 50% para evitar o risco de hipoglicemia grave. Outros efeitos adversos incluem náuseas, anorexia e êmese. A pranlintida não pode ser misturada na mesma seringa com insulina e deve ser evitada em pacientes com gastroparesia diabética (esvaziamento gástrico retardado), hipersensibilidade ao cresol ou inconsciência hipoglicêmica (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Incretinomiméticos Glicose quando administrada por via oral resulta em maior secreção de insulina do que quando uma mesma quantidade é administrada por via IV. Esse efeito é referido como efeito incretina e está fortemente reduzido no DM2. O efeito incretina ocorre porque o intestino libera hormônios incretina, notavelmente o peptídeo tipo glucagon-1 (GLP-1) e o polipeptídeo insulinotrópico glicose- -dependente, em resposta à refeição. Os hormônios incretina são responsáveis por 60 a 70% da secreção pós-prandial de insulina. A exenatida e a liraglutida são incretinomiméticos injetáveis usados no tratamento de pacientes com DM2 (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). 12 Farmacologia do diabetes Quando o GLP-1 é infundido em pacientes com DM2, ele estimula a liberação de insulina e diminui os níveis de glicose. O efeito do GLP-1 depende da glicose, visto que a liberação de insulina é mais pronunciada quando os níveis de glicose estão elevados, porém menos acentuada quando os níveis de glicose estão normais. Por esse motivo, o GLP-1 apresenta um menor risco de causar hipoglicemia do que as sulfonilureias (KATZUNG; TREVOR, 2017). Com relação ao mecanismo de ação, os incretinomiméticos são análogos do GLP-1 e exercem sua atividade atuando como agonistas de receptores de GLP-1. Esses fármacos melhoram a secreção de insulina dependente de glicose, retardam o esvaziamento gástrico, diminuem a ingestão de alimento aumentando a saciedade (sensação de plenitude), diminuem a secreção pós- prandial de glucagon e promovem a proliferação de células β. Consequente- mente, diminuem o ganho de massa corporal, a hiperglicemia pós-prandial e os níveis de HbA1C (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Os principais efeitos adversos dos incretinomiméticos são náuseas, êmese, diarreia e constipação. Exenatida e liraglutida foram associadas com pan- creatite. Os pacientes devem ser orientados a suspender o uso e contatar seus médicos imediatamente se sentirem dor abdominal intensa (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Hipoglicemiantes orais Existem inúmeras classes de agentes antidiabéticos orais (hipoglicemiantes orais) para o tratamento de pacientes com DM2 (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017): agentes que se ligam ao receptor de sulfonilureias e que estimulam a secreção de insulina (sulfonilureias, meglitinidas, derivados da D-fenilalanina); agentes que reduzem os níveis de glicose devido às suas ações sobre o fígado, o músculo e o tecido adiposo (biguanidas, tiazolidinedionas); agentes que retardam a absorção intestinal da glicose (inibidores da α-glucosidase); agentes que simulam o efeito da incretina ou que prolongam a sua ação (agonistas do receptor de peptídeo semelhante ao glucagon 1 [GLP-1], inibidores da dipeptidil peptidase-4 [DPP-4]); agentes que inibem a reabsorção de glicose no rim (inibidores do co- transportador de sódio-glicose [SGLT]); Farmacologia do diabetes 13 agentes que atuam por outros mecanismos ou mecanismos pouco de- finidos (pranlintida, bromocriptina, colesevelam). Vejamos agora o mecanismo de ação e efeitos adversos das diferentes classes de fármacos hipoglicemiantes orais. Agentes que se ligam ao receptor de sulfonilureias e que estimulam a secreção de insulina Sulfonilureias As sulfonilureias promovem o aumento da liberação de insulina do pâncreas, através da ligação a um receptor de sulfonilureia de alta afinidade de 140-kDa que está associado a um canal de potássio sensível ao ATP retificador interno da célula beta. A ligação de uma sulfonilureia inibe o efluxo de íons de potássio através do canal, com consequente despolarização. A despolarização abre um canal de cálcio regulado por voltagem, resultando em influxo de cálcio e liberação de insulina pré-formada. Entre as sulfonilureias temos as sulfonilureias de primeira geração (tol- butamida, clorpropamida e tolazamida) e sulfonilureias de segunda geração (glibenclamida, a glipizida, a gliclazida e a glimepirida). Os efeitos adversos das sulfonilureias incluem hipoglicemia, náuseas e vômitos, anemia e reações dermatológicas (TOY et al., 2015). Com relação às sulfonilureias de primeira geração, a tolbutamida é bem absorvida, porém devido à rápida metabolização hepática, recomenda-se que seja administrada em doses fracionadas (500 mg antes de cada refeição). Alguns pacientes necessitam apenas de um ou dois comprimidos ao dia. A dose máxima é de 3.000 mg ao dia. Em virtude de sua meia-vida e inativação pelo fígado, a tolbutamida é relativamente segura para uso no idoso e em pacientes com comprometimento renal. Raramente causa hipoglicemia prolongada, exceto em casos onde o paciente está fazendo o uso de sulfisoxazol, fenilbutazona ou antifúngicos azois orais para o tratamento da candidíase. A clorpropamida, cuja meia-vida é de 32 horas, é metabolizada de forma lenta no fígado. A dose de manutenção média é de 250 mg ao dia, administra- dos em dose única pela manhã. Efeitos hipoglicêmicos prolongados são mais comuns em pacientes idosos, e, portanto, o fármaco está contraindicado para esse grupo etário. Outros efeitos colaterais incluem rubor hiperêmico após o consumo de álcool, em pacientes geneticamente predispostos, e hiponatre- mia, em virtude de seu efeito sobre a secreção e a ação da vasopressina. A 14 Farmacologia do diabetes tolazamida é comparável à clorpropamida na sua potência, porém apresenta ação mais curta. É absorvida mais lentamente do que as outras sulfonilureias, e seu efeito sobre a glicemia só aparece depois de várias horas. As sulfonilureias de segunda geração, a glibenclamida (gliburida), a glipizida, a gliclazida e a glimepirida são 100 a 200 vezes mais potentes do que a tolbutamida. Devem ser usadas com cautela em pacientes com doença cardiovascular ou idosos, nos quais a hipoglicemia seria particularmente perigosa. A glibenclamida tem poucos efeitos colaterais, além de seu potencial em causar hipoglicemia. Raramente, foi relatada a ocorrência de rubor após a ingestão de etanol, e o composto aumenta um pouco a depuração de água livre. A glibenclamida está contraindicada na presença de comprometimento hepático, bem como em pacientes com insuficiência renal. A glipizida é a que possui meia-vida mais curta (2 a 4 horas) entre os agen- tes mais potentes. Para obter um efeito máximo na redução da hiperglicemia pós-prandial, esse fármaco deve ser ingerido 30 minutos antes do desjejum, visto que sua absorção é retardada quando ingerido com alimentos. O uso da terapia com glipizida está contraindicada para pacientes com comprometimento hepático. Em virtude de sua menor potência e duração de ação mais curta, no idoso é preferível a glibenclamida (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Meglitinidas A repaglinida é o primeiro membro do grupo de meglitinidas de secretagogos da insulina. Tais fármacos modulam a regulação da insulina pelas células beta, controlando o efluxo de potássio através dos canais correspondentes. A repa- glinida apresenta um início de ação muito rápido, com concentração máxima e efeito máximo de aproximadamente 1 hora após a sua ingestão. Todavia, a duração de ação é de 4 a 7 horas. O fármaco deve ser tomado imediatamente antes de cada refeição, em doses de 0,25 a 4 mg (dose máxima de 16 mg/dia). Existe o risco de hipoglicemia se a refeição for adiada ou omitida, ou se o seu conteúdo de carboidratos for inadequado. A repaglinida pode ser usada em pacientes com comprometimento renal e no idoso (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Derivados da D-fenilalanina A nateglinida, um derivado da D-fenilalanina, estimula a liberação rápida e transitória de insulina das células beta por meio do fechamento dos ca- Farmacologia do diabetes 15 nais de K+ sensíveis ao ATP. É absorvida dentro de 20 minutos após a sua administração oral, alcançando uma concentração máxima em menos de 1 hora e a duração de sua ação é de cerca de 4 horas. Deve ser ingerida antes das refeições, pois diminui a elevação pós-prandial dos níveis glicêmicos. É disponível em comprimidos de 60 e 120 mg. A nateglinida mostra-se eficaz quando administrada de forma isolada ou em associação com fármacos orais não secretagogos (como a metformina). A hipoglicemia constitui o principal efeito colateral. A nateglinida pode ser usada em pacientes com comprome- timento renal e no idoso (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Agentes que reduzem os níveis de glicose devido às suas ações sobre o fígado, o músculo e o tecido adiposo Biguanidas Ainda não se conhece totalmente o mecanismo de ação das biguanidas (met- formina); porém, o seu principal efeito consiste em ativar a enzima proteína-ci- nase ativada pelo AMP (AMPK-5’-monofosfato-adenosina proteína quinase ativada) e reduzir a produção hepática de glicose. O principal mecanismo de ação da metformina é a redução da gliconeogênese hepática. A metformina também retarda a absorção intestinal de açúcar e me- lhora a sua captação e uso periférico. Pode ocorrer redução de massa corporal, pois a metformina diminui o apetite (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). As biguanidas são recomendadas como terapia de primeira linha para DM2, onde após a administração das metformina, os pacientes com DM2 apresentam uma menor hiperglicemia em jejum, bem como menor hiper- glicemia pós-prandial. É raro o desenvolvimento de hipoglicemia durante a terapia com esses fármacos. A terapia com metformina diminui o risco de doença macrovascular, bem como microvascular; isso contrasta com as outras terapias, que apenas modificam a morbidade microvascular. A metformina pode ser usada isoladamente ou em associação com outros fármacos de uso oral (sulfonilureias) ou insulina. A metformina é bem absor- vida por via oral, não se liga a proteínas séricas e não é biotransformada; a excreção é pela urina (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). O tratamento é iniciado com 500 mg e aumentado gradualmente em doses fracionadas. Os esquemas comuns consistem em 500 mg, uma ou duas vezes ao dia, com aumento para 1.000 mg, duas vezes ao dia. A dose máxima é de 850 mg, três 16 Farmacologia do diabetes vezes ao dia. Pode ocorrer hipoglicemia quando a metformina é usada em combinação com insulina ou secretagogos de insulina, de modo que é preciso ajustar a dosagem (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Os efeitos adversos mais comuns da metformina são gastrintestinais (anore- xia, náuseas, vômito, desconforto abdominal e diarreia) e ocorrem em até 20% dos pacientes. Esses efeitos estão relacionados com a dose, tendem a ocorrer no início da terapia e, com frequência, são transitórios. A metformina interfere na absorção do complexo vitamina B12-fator intrínseco no íleo terminal, e pode ocorrer deficiência de vitamina B12 depois de muitos anos de uso do fármaco. Algumas vezes, pode ocorrer acidose láctica durante a terapia com metfor- mina. É mais provável que ocorra em condições de hipóxia tecidual, quando há produção aumentada de ácido láctico, e na insuficiência renal, quando ocorre depuração diminuída da metformina. Quase todos os casos relatados envolveram pacientes com fatores de risco associados que deveriam ter con- traindicado o seu uso (insuficiência renal, hepática ou cardiorrespiratória; alcoolismo). A administração de meios de contraste radiológicos pode causar insuficiência renal aguda em pacientes com diabetes e nefropatia incipiente. Portanto, a terapia com metformina deve ser temporariamente interrompida no dia de administração do meio de contraste radiológico e retomada somente um ou dois dias após confirmação de ausência de deterioração da função renal (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Tiazolidinedionas As tiazolidinedionas, pioglitazona e a rosiglitazona, atuam através da di- minuição da resistência à insulina, aumentando a sensibilidade dos tecidos à insulina, em particular parecem aumentar a captação de glicose no tecido adiposo e nos tecidos musculares (TOY et al., 2015). As tiazolidinedionas são ligantes do receptor gama ativado por proliferador peroxissômico (PPAR-γ), que pertence à superfamília de receptores nucleares de esteroides e hormônios tireoidianos. Esses receptores PPAR são encontrados no músculo, no tecido adiposo e no fígado. Os receptores PPAR-γ modulam a expressão dos genes envolvidos no metabolismo dos lipídeos e da glicose, na transdução de sinais de insulina e na diferenciação dos adipócitos e de outros tecidos. Os efeitos observados das tiazolidinedionas consistem em aumento da expressão do transportador de glicose (GLUT1 e GLUT4), diminuição dos níveis de ácidos graxos livres, diminuição do débito hepático de glicose, aumento da adiponectina, liberação diminuída de resistina dos adipócitos Farmacologia do diabetes 17 e diferenciação aumentada dos pré-adipócitos em adipócitos (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). A pioglitazona é absorvida 2 horas após a sua ingestão, e, embora o ali- mento possa retardar a sua absorção, a biodisponibilidade total não é afetada. A pioglitazona é metabolizada pela CYP2C8 e CYP3A4 e pode interferir na biodisponibilidade de numerosos outros fármacos, que são também degradados por essas enzimas, incluindo contraceptivos orais com estrogênio; portanto, nesses casos, são aconselhados o uso de outros métodos adicionais de con- tracepção. A pioglitazona pode ser ingerida uma vez ao dia; a dose inicial habitual é de 15 a 30 mg/dia com dose máxima de 45 mg/dia. A pioglitazona é aprovada como monoterapia e em associação com metformina, sulfonilureias e insulina para o tratamento de DM2. A rosiglitazona é rapidamente absorvida e liga-se de forma significativa às proteínas. É administrada uma ou duas vezes ao dia; a dose total habitual é de 2 a 8 mg. A rosiglitazona foi aprovada para uso no DM2 como monoterapia, na terapia de dupla associação com uma biguanida ou sulfonilureia ou em associação quádrupla com biguanida, sulfonilureia e insulina. A combinação de tiazolidinediona com metformina tem a vantagem de não causar hipoglice- mia. Esses fármacos também têm alguns efeitos adicionais, além de reduzir a glicose. A pioglitazona diminui os níveis de triglicerídeos e aumenta o HDL colesterol, sem afetar o colesterol total e o colesterol das lipoproteínas de baixa densidade (LDL). Por outro lado, a rosiglitazona aumenta os níveis de colesterol total, HDL colesterol e LDL colesterol, porém não apresenta efeito significativo sobre os triglicerídeos. As preocupações quanto à segurança e aos efeitos adversos reduziram significativamente o uso dessa classe de fármacos. Ensaios clínicos rando- mizados com rosiglitazona sugeriram que esse fármaco aumenta o risco de angina de peito ou infarto do miocárdio. Em consequência, o seu uso foi suspenso na Europa e seriamente restrito nos Estados Unidos (KATZUNG; TREVOR, 2017). O edema macular constitui um raro efeito colateral que melhora quando o fármaco é interrompido. Também foi descrita com ambos os compostos a ocorrência de perda da densidade mineral óssea, além de aumento de fra- turas ósseas atípicas em mulheres; acredita-se que esse problema se deva à diminuição na formação de osteoblastos. Outros efeitos colaterais incluem anemia e ganho de peso, particularmente quando esses fármacos são usados em associação com uma sulfonilureia ou com insulina; parte do ganho pon- deral é devido à retenção hídrica, porém há também um aumento da massa de gordura total. 18 Farmacologia do diabetes Troglitazona, o primeiro medicamento dessa classe, foi retirado do mercado, em razão da ocorrência de casos fatais de insuficiência hepática. Embora não se tenha relatado que a rosiglitazona e a pioglitazona causem insuficiência hepática, não se recomenda o uso desses fármacos em pacientes com doença hepática ativa ou que presentem elevação da alanina aminotransferase (ALT) de 2,5 vezes acima do normal antes do tratamento. Devem-se efetuar provas de função hepática antes de iniciar o tratamento e, em seguida, periodicamente (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Agentes que retardam a absorção intestinal da glicose Os inibidores da α-glicosidase inibem competitivamente as enzimas α-glicosi- dases intestinais e reduzem as excursões pós-prandiais de glicose ao retardar a digestão e a absorção do amido e dos dissacarídeos. A acarbose e o miglitol são potentes inibidores da glicoamilase, α-amilase e sacarase, porém têm menos efeito sobre a isomaltase e dificilmente exercem qualquer efeito sobre a trehalase e a lactase. A acarbose tem a massa molecular e as características estruturais de um tetrassacarídeo e é muito pouco absorvida. Em contrapartida, o miglitol exibe semelhança estrutural com a glicose e é absorvido. O tratamento com acarbose é iniciado em uma dose de 50 mg, duas vezes ao dia, com aumento gradual até 100 mg, três vezes ao dia. Esse fármaco diminui em 30 a 50% os níveis pós-prandiais de glicose. A terapia com miglitol é iniciada em uma dose de 25 mg, três vezes ao dia. A dose de manutenção habitual é de 50 mg, três vezes ao dia, porém alguns pacientes podem necessitar de 100 mg, três vezes ao dia. O miglitol não deve ser usado na presença de insuficiência renal. Os efei- tos adversos proeminentes dos inibidores da α-glicosidase consistem em flatulência, diarreia e dor abdominal, e resultam do aparecimento de carboi- dratos não digeridos no cólon, que são então fermentados em ácidos graxos de cadeia curta, com liberação de gases. Esses efeitos colaterais tendem a diminuir com o uso contínuo, visto que a exposição crônica a carboidratos induz a expressão da α-glicosidase no jejuno e no íleo, aumentando a absorção distal de glicose no intestino delgado e minimizando a passagem de carboi- dratos para o cólon. Atenção, embora não seja um problema no caso da monoterapia ou na terapia de associação à biguanida, pode ocorrer hipoglicemia com tratamento concomitante com sulfonilureias. A hipoglicemia deve ser tratada com glicose (dextrose), e não com sacarose, cuja degradação é bloqueada. Foi observada uma Farmacologia do diabetes 19 elevação das aminotransferases hepáticas nos ensaios clínicos com acarbose, particularmente com doses acima de 300 mg/dia. As anormalidades regridem com a interrupção do fármaco (BRUNTON; CHABNER; KNOLLMANN, 2016; KATZUNG; TREVOR, 2017). Agentes que simulam o efeito da incretina ou que prolongam a sua ação A alogliptina, linagliptina, saxagliptina e sitagliptina são inibidores da di- -peptidilpeptidase-4 (DPP-4) ativos por via oral usados para o tratamento do DM2. Com relação ao mecanismo de ação, esses fármacos inibem a enzima DPP-4, que é responsável pela inativação do hormônio incretina. O prolongamento da atividade dos hormônios incretina aumenta a liberação de insulina em resposta às refeições e a redução na secreção imprópria de glucagon. Os inibidores da DPP-4 podem ser usados como monoterapia ou em associação com sulfonilureias, metformina, tiazolidinedionas ou insulina. Em geral os efeitos adversos dos inibidores da DPP-4 são bem tolerados e os efeitos adversos mais comuns são nasofaringite e cefaleia. Embora rara, a pancreatite pode ocorrer com todos os inibidores da DPP-4 (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). A sitagliptina deve ser interrompida de ime- diato se for constatada a ocorrência de pancreatite ou de reações alérgicas e de hipersensibilidade (KATZUNG; TREVOR, 2017). Agentes que inibem a reabsorção de glicose no rim Inibidores do cotransportador 2 sódio-glicose, canagliflozina e dapagliflozina, são fármacos dessa categoria utilizados no tratamento do DM2. Como mecanismo de ação, o cotransportador 2 sódio-glicose (SGLT2) é responsável por reabsorver a glicose filtrada no lúmen tubular dos rins. Ao inibir o SGLT2, esses fármacos diminuem a reabsorção de glicose, aumentam a sua excreção urinária e diminuem a glicemia. A inibição do SGLT2 também diminui a reabsorção do sódio e causa diurese osmótica. Por isso, os inibidores do SGLT2 podem reduzir a pressão arterial. Contudo, não são indicados no tratamento da hipertensão. Os efeitos adversos mais comuns dos inibidores do SGLT2 são infecções genitais de mulheres por fungos (candidíase vulvo vaginal) e infecções do trato urinário. Também podem causar hipotensão, principalmente em pacientes idosos ou sob tratamento com diuréticos. Portanto, o estado hídrico deve ser 20 Farmacologia do diabetes avaliado antes de iniciar estes fármacos (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). Agentes que atuam por outros mecanismos ou mecanismos pouco definidos Tanto o agonista dopaminérgico, bromocriptina, como o colesevelam (seques- trador de ácidos biliares) produzem reduções modestas na HbA1C. O meca- nismo de ação da redução da glicemia é desconhecido para os dois fármacos. Embora bromocriptina e colesevelam sejam indicados para o tratamento do DM2, suas eficácias modestas, seus efeitos adversos e o número de dosagens/ dia limitam seu uso na clínica (WHALEN; FINKEL; PANAVELLI, 2016). A incidência de diabetes aumenta rapidamente no Brasil e no mundo. Dados da Federação Internacional de Diabetes mostram que, em 2017, 12,5 milhões de pessoas já eram diabéticas no Brasil. Segundo a mesma estimativa da Federação, no mundo já existem 400 milhões de diabéticos. Considerando que essa é uma doença crônica e progressiva, a estima-se que, nesse mesmo período, mais de 16,8 milhões de brasileiros tenham desenvolvido o estágio inicial desta doença, mas apenas 1/3 destes pacientes foram diagnosticados. Para mais informações, acesse o link abaixo: https://goo.gl/RMCdfg Farmacologia do diabetes 21 BRASIL. Número de brasileiros com diabetes cresceu 61,8% em 10 anos. 2018. Disponível em:. Acesso em: 08 out. 2018. BRUNTON, L. L.; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. KASPER, D. L. et al. Manual de medicina de Harrison. 19. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017a. KASPER, D. L. et al. Medicina Interna de Harrison. 19. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017b. v. 2. KATZUNG, B. G.; TREVOR, A. J. Farmacologia básica e clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. (Lange). LONGO, D. L.; FAUCI, A. S. Gastrenterologia e hepatologia de Harrison. 18. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. TOY, E. C. et al. Casos clínicos em farmacologia. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. (Lange). WHALEN, K.; FINKEL, R.; PANAVELLI, T. A. Farmacologia ilustrada. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. Leituras recomendadas FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia clínica: fundamentos da terapêutica racional. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. LÜLLMANN, H.; MOHR, K.; HEIN, L. Farmacologia: texto e atlas. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. PANUS, P. C. et al. Farmacologia para fisioterapeutas. Porto Alegre: AMGH, 2011. SILVA, P. Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. WELLS, B. G. et al. Manual de farmacoterapia. 9. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. WILLIAMSON, E.; DRIVER, S.; BAXTER, K. Interações medicamentosas de Stockley. Porto Alegre: Artmed, 2012. Conteúdo:

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