Interpretação e Integração da Lei Penal PDF
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Este documento fornece uma visão geral da interpretação e integração da lei penal, abordando diversos aspectos como interpretação versus integração, tipos de interpretação e aplicação da analogia. O texto destaca a importância da interpretação da lei penal para casos específicos.
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INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PENAL ÍNDICE 1. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO NO DIREITO PENAL..............................................3 Interpretação versus integração......................................................
INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PENAL ÍNDICE 1. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO NO DIREITO PENAL..............................................3 Interpretação versus integração.................................................................................................................................... 3 Interpretação quanto ao Sujeito..................................................................................................................................... 3 Interpretação quanto ao modo ou meio empregado............................................................................................4 Interpretação quanto ao Resultado..............................................................................................................................6 2. AS DIVERSAS MODALIDADES DE INTERPRETAÇÃO EM MATÉRIA PENAL............8 Interpretação Analógica.....................................................................................................................................................8 Analogia....................................................................................................................................................................................8 Costumes................................................................................................................................................................................. 9 Princípios gerais do direito.............................................................................................................................................. 10 3. ANALOGIA E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO PENAL...................................................11 Proibição da analogia “in malan partem”................................................................................................................... 11 Autorização do uso da analogia in bonan partem................................................................................................. 11 4. A LEI PENAL E A NORMA PENAL EM BRANCO............................................................13 Lei Penal.................................................................................................................................................................................. 13 Norma Penal em branco.................................................................................................................................................. 13 1. Interpretação e Integração no Direito Penal Interpretação versus integração A interpretação é um processo de descoberta do conteúdo de um texto, de decodificação de seus significados e intenções. Tratando-se de interpretação legislativa, não se fala em criação de normas, dado que se pressupõe a existência de lei. O ato de interpretar é impreterivelmente feito por alguém, um sujeito, que, empregando certas ferramentas cognitivas, busca o sentido e o alcance do que está contido na lei: trata-se de se buscar a compreensão mais adequada daquilo que está contido na norma. Há diversos modos de interpretação da lei penal. Aqui, elencaremos os principais: Quanto ao Sujeito Quanto ao Modo Quanto ao Resultado Autêntica (Legislativa): Literal (Gramatical) Declaratória (Declarativa) Posterior Histórica Restritiva Contextual Teleológica (Lógica) Extensiva Doutrinária (Científica) Sistemática (Sistêmica) Analógica Jurisprudencial Evolutiva Atenção: esta matéria comporta variações. Autores colocarão alguns tipos a mais ou a menos, ou atribuirão outros nomes aos modos de interpretar. Não tem problema! Diver- sos assuntos em Direito comportarão divergências. São várias as possíveis interpreta- ções, afinal. Interpretação quanto ao Sujeito INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA OU LEGISLATIVA É aquela que se faz suficientemente clara pela leitura da lei em si. Depreende-se cruamente da própria lei, tendo força obrigatória. Por exemplo, vejamos o art. 327 do Código Penal: 3 Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. Podemos observar que o art. 327 define expressamente quem é considerado funcionário público pela legislação: “quem exerce cargo, emprego ou função pública”. Ora, não restam interpretações externas ao texto legal que precisem ser aplicadas para se ter o entendimento deste conceito. Ele está suficientemente posto na norma. Todavia, este gênero de interpretação se subdivide em: Posterior e Contextual. Posterior: A interpretação posterior é aquele em que a lei é criada inicialmente prevendo um determinado conceito, mas não o explica de forma clara, sendo necessária uma lei posterior para explicar e regulamentar aquele objeto anteriormente previsto. Contextual: Já a interpretação contextual é aquela que é elaborada juntamente com a lei inicial, ou seja, o objeto e sua complementação estão previstos na mesma lei. Este é o caso do exemplo dado com o art. 327 do Código Penal. INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA OU CIENTÍFICA É aquela realizada por profissionais do direito, acadêmicos; contida em livros, doutrinas, revistas e periódicos. Aquela que os comentadores do Direito dão aos dispositivos legais. INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL É a discutida e firmada em juízos e Tribunais. A partir de um caso concreto, os tribunais (sejam superiores ou não) firmam dada interpretação de determinada lei e a aplicam nos casos concretos que analisam. A partir destes entendimentos, outros aplicadores do Direito podem se valer de tais interpretações. Interpretação quanto ao modo ou meio empregado INTERPRETAÇÃO LITERAL OU GRAMATICAL O sujeito considerará o sentido literal, gramatical das palavras contidas na lei, não abrindo margens para interpretações subjetivas (que vão além das palavras e seus significados denotativos). Aqui, não se falaria na intenção do legislador ao dispor tais e tais coisas, pois 4 tudo o que pretendia o legislador, seguindo esta forma interpretativa, está posto única e rigidamente em sua escrita literalmente avaliada. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA Esta forma de interpretar traz a necessidade de se verificar qual a origem da lei. Qual sua época e seu contexto. Veja, é possível identificar claramente a evolução histórica da sociedade, e esta forma de interpretação visa a comportar as suas novas necessidades legislativas. Por exemplo: o Código Penal foi elaborado em 1940 e punia severamente o crime de traição. Todavia, com a evolução da sociedade, traição deixou de ser um ilícito penal. Ao interpretar esta lei atualmente, ter-se- ia que indagar qual a intenção do legislador da época por trás da simples disposição literal da norma. Proteger a família? A dignidade da pessoa humana? Nota-se que tal norma fazia sentido se posta à luz de seus seus precedentes sociológicos e contextuais, e tais constatações do processo evolutivo e momento de elaboração, certamente, dão suporte ao melhor aclaramento da disposição legal. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA Sujeito explora e tenta desvendar a real intenção do legislador ao editar aquela lei. A finalidade à qual ela deveria servir quando foi premeditada e editada. Por exemplo, o art. 319-A do Código Penal: 319 – A. (...) Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Podemos observar que o artigo não fala nada sobre os agentes impedirem a entrada de acessórios telefônicos como, por exemplo, bateria, carregadores, fones de ouvidos. Ora, o Supremo Tribunal Federal (STF), fazendo uma interpretação teleológica do tema, decidiu que a intenção do legislador ao elaborar este artigo era de coibir o acesso do preso a qualquer meio de comunicação externa dentro da penitenciária, inclusive por aparelhos eletrônicos. Isto é, a verdadeira finalidade da lei é a de impedir, apesar de não ter sido assim posto explicitamente, que o preso tenha acesso a qualquer meio de comunicação com o exterior. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA OU SISTÊMICA É aquela realizada entre a legislação em vigor e os princípios gerais do direito, isto é, a lei em vigor é apreciada com base nos princípios gerais do direito, sistematicamente. Por exemplo, o art. 44 do Código Penal: 5 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998) I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;(Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998). II – o réu não for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998). III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998). Como podemos observar, o artigo não permite a aplicação de penas alternativas quando o crime é doloso cometido com violência, contudo, na hipótese de crime doloso com emprego de violência que resulte em menor potencial ofensivo (por exemplo, uma lesão corporal leve), a pena alternativa é possível de ser aplicada, tendo em vista a interpretação sistemática do Código Penal, da Lei 9.099/95 e do princípio do in dubio pro reo (em caso de dúvida, o juiz decidirá sempre em prol do réu). Vê-se que tal forma interpretativa pressupõe que as normas não são isoladas de todo seu contexto, devendo elas ser lidas em conformidade e coerência com todo o ordenamento jurídico. INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA Explora o significado legal de acordo com progresso científico, isto é, busca evoluir junto com as transformações sociais. Exemplo: Lei Maria da Penha. Há uma corrente, bem forte, que defende a aplicação da Lei Maria da Penha em casos de mudança de sexo, ou seja, a Lei ampararia também a pessoas que fizeram a cirurgia de troca de sexo. Esta interpretação, assim sendo, pede que novos significados e concepções sejam atribuídos a antigos conceitos postos na lei. Interpretação quanto ao Resultado INTERPRETAÇÃO DECLARATÓRIA OU DECLARATIVA Seria aquela em que a letra de lei corresponde inteiramente e somente àquilo que o legislador quis dizer, sem supressão e sem adição de nenhum outro trecho e nenhuma outra fonte, ou seja, a Lei expressa de forma clara a vontade do legislador, sem a necessidade de complementação normativa. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA A interpretação é reduzida em face do alcance das palavras contidas na Lei, para corresponder à real vontade do legislador. Isto é, considera-se que a lei possui palavras “em excesso”, que ela disse mais do que gostaria de ter dito, e tal interpretação restringe parte do texto para atender à sua finalidade pretendida. 6 Sobre a interpretação restritiva, veja o HABEAS CORPUS Nº 164.467. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA A interpretação se estende para além do alcance das palavras postas pelo legislador, sem a necessidade de se elaborar uma norma complementar. Aqui, considera-se que a norma disse menos do que deveria ter dito, deixando de abarcar conteúdo pretendido. De novo, tem-se a busca pela real vontade do legislador. Um exemplo de norma a ser interpretada extensivamente é o art. 235 do CP, no qual se incrimina a bigamia. Ora, é possível de se depreender que, já que a bigamia é ilícita, a poligamia também é. 7 2. As diversas modalidades de interpretação em matéria penal Interpretação Analógica É um tanto semelhante à interpretação extensiva, pois se tiram sentidos da lei que seu próprio texto não explicitara mas, na interpretação analógica, o significado que se busca (que deve partir do intérprete) não representa uma “falha” da norma, mas uma intenção dela, ou seja, há necessidade de buscar elementos externos aos do texto em si mas tal necessidade é extraída do próprio dispositivo, porque são postas expressões genéricas e abertas pelo legislador. Por exemplo: qualificadora do homicídio (art. 121, §2º, III, CP): Art. 121, §2º, III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; Podemos observar que o legislador deixou, propositadamente, uma brecha para que o juiz, na análise do caso concreto, interprete o que cabe na expressão “outro meio insidioso ou cruel”. A adoção de interpretações extensiva e analógica é amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA VERSUS ANALOGIA (INTEGRAÇÃO). A hipótese de interpretação analógica exposta não se confunde com a ANALOGIA, que é regra de INTEGRAÇÃO, não de interpretação. A analogia pertencente à integração e é determinada pelo art. 4º da Lei de Introdução das normas do Direito Brasileiro: Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Analogia A analogia pressupõe que o ordenamento jurídico não pode cobrir todas as possibilidades de previsão legal, apresentando lacunas ou lapsos. Tais vazios devem ser preenchidos e recuperados, e isto se faz por meio do método da analogia, a qual traz a possibilidade de se empregarem situações parecidas de outras esferas jurídicas para suprir aquelas hipóteses não previstas pelo legislador ao elaborar a norma, ou seja, a analogia é o uso de uma determinada fonte de solucionar controvérsia de uma esfera jurídica em outra, como, por exemplo o direito civil na esfera penal. 8 Para Rogério Sanches Cunha, a analogia seria um conjunto de medidas complexas das quais o interprete da lei penal se utiliza para suprir as lacunas deixas pela lei e integrá-las nas demais matérias do ordenamento jurídico. Para Tourinho Filho, analogia é um princípio jurídico que determina que a lei estabelecida para determinado fato também poderá ser aplicada a outro, embora por ela não regulado, dada a sua semelhança em relação ao primeiro. Neste sentido, é importante esclarecer que o emprego da analogia em âmbito penal in malam partem, ou seja, em prejuízo do réu, é vedado. Seu uso poderia ferir o princípio da reserva legal (só será considerado crime se existir uma lei que expressamente o preveja), e o princípio da interpretação mais benéfica ao réu. Todavia, a doutrina penalista é pacífica no sentido de permitir o uso da analogia desde que preenchidos 2 requisitos: 1) que a aplicação da analogia seja em benefício do réu (in bonam partem) e 2) que exista uma lacuna legal. Podemos observar que a analogia é constantemente empregada nas decisões dos nossos tribunais superiores, exemplo: No crime de dano, a inclusão da Caixa Econômica Federal na qualificadora relativa à conduta cometida contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista é analogia in malam partem, pois o Código Penal não faz menção a dano cometido contra empresa pública: “Ainda que com a previsão da forma qualificada do dano o legislador tenha pretendido proteger o patrimônio público de forma geral, e mesmo que a destruição ou a inutilização de bens de empresas públicas seja tão prejudicial quanto as cometidas em face das demais pessoas jurídicas mencionadas na normal penal incriminadora em exame, o certo é que, como visto, não se admite analogia in malam partem no Direito Penal, de modo que não é possível incluir a Caixa Econômica Federal no rol constante do dispositivo em apreço. Precedente do STJ. (RHC 57.544/SP, j. 06/08/2015). Costumes Para o ilustre doutrinador Guilherme Nucci, o costume é: “uma prática generalizada e constante da sociedade, servindo para expressar uma época ou um modismo. Em vários ambientes, instaura-se o costume, gerando a tradição (costume reiterado e consolidado), com força suficiente para se impor como se lei fosse”. Nesse sentido, o costume não é suficiente para criar leis penais, não sendo considerado fonte do Direito Penal, mas pode ser um importante modo de interpretação da Lei Penal. Assim, como não é suficiente para criar, o costume também não pode revogar leis. Ele se limita a apenas preencher lacunas no âmbito da interpretação. Para ilustrar o uso dos costumes no direito penal, o professor Guilherme Nucci dá um ótimo exemplo: 9 No cenário processual penal, a vestimenta das advogadas era objeto de foco há não muito tempo. Para ingresso e permanência em salas de audiência e julgamento deveriam estar trajadas com vestido ou saia. A irregularidade no vestuário permitiria ao magistrado recusar-se a atendê-las, podendo gerar ausência de despacho, com prejuízo à parte. Além disso, para realizar audiência, a mesma formalidade era exigível. Fruto do costume, até mesmo em concursos públicos, certas candidatas já foram impedidas de participar da prova porque não se trajavam de acordo com a tradição forense. Correto ou incorreto, tal modo de visão era costumeiro e respeitado por operadores do Direito. A modernidade trouxe à tona novos valores e o costume forense alterou-se, relegando a segundo plano esse rígido controle do vestuário, particularmente do feminino. Princípios gerais do direito São valores éticos que se extraem do ordenamento jurídico. Isto é, são princípios de todo ordenamentos jurídicos que embasam o “dever ser” da norma jurídica. Exemplo: aos acusados de algum crime, deverão ser assegurados os princípios do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade do processo. Todavia, o processo de integração no direito penal é questionado em vista do princípio da reserva legal que, como já falamos, é o princípio pelo qual “o que não é proibido é permitido”, “se não há lei que expresse uma determinada conduta, esta conduta não é crime”. 10 3. Analogia e sua Aplicação no Direito Penal Lembramos que a função da analogia NÃO é interpretativa, tão somente INTEGRATIVA. Ela não é usada num contexto de lei obscura ou incerta que se busca esclarecer, mas sim quando há AUSÊNCIA DE LEI que discipline especificamente uma situação, ou seja, a analogia é um processo que busca cobrir uma lacuna legal a partir de uma lei já existente para casos semelhantes. “In bonan partem”: em benefício do réu. É permitida, excepcionalmente. “In malan partem”: em prejuízo do réu. É proibida, no Direito Penal. Proibição da analogia “in malan partem” Os Estados Democráticos de Direito não podem conviver com diplomas legais que, de alguma forma, violem o princípio da reserva legal. Assim sendo, não se admite a analogia in malam partem, isto é, para prejudicar o réu. Exemplo: proibição da construção do tipo penal de assédio moral, por semelhança à situação do assédio sexual, previsto no art. 216-A. Há uma pequena confusão na compreensão entre o princípio da reserva legal e o princípio da legalidade. Neste sentido, o professor José Afonso da Silva, de forma sintética, leciona a diferença dos dois princípios constitucionais: A despeito do que afirma parcela minoritária da doutrina, a melhor técnica difere o princípio da legalidade do princípio da reserva legal, uma vez que o primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 421.). O princípio da reserva legal, no direito penal, busca dar uma segurança jurídica na aplicação da lei penal, uma vez que ninguém poderá ser julgado por crime se a lei expressamente não o definir como crime, pois isso colocaria em xeque a segurança jurídica dos cidadãos e daria margem a autoritarismos desregrados. Autorização do uso da analogia in bonan partem Diferente da anterior, a analogia in bonan partem não contraria o princípio da reserva legal, o que vai de encontro ao art. 4º da LINDB. Assim, é permitida a sua aplicação em relação às normas penais não incriminadoras, desde que, em hipótese alguma, agravem a situação do infrator. Leis penais incriminadoras (em sentido estrito) versus Leis penais não incriminadoras (em sentido amplo) 11 Lei penal incriminadora (sentido estrito): é a que define os tipos penais e comina nas respectivas sanções. No Código Penal, as leis penais incriminadoras começam a partir do art. 121. Lei penal NÃO incriminadora (sentido amplo): Podem ser subdivididas em: 1) explicativas (também chamadas de “complementares”, buscam esclarecer o conteúdo de outras normas ou fornecem princípios gerais de aplicação das penas. Por exemplo, conceito de reincidência no art. 63 do CP, de casa no art. 150, §4º, entre outros) e 2) permissivas (são as que não consideram como ilícitos ou isentam de pena o autor de fatos que, em tese, são tipos. Exemplo: Estado de necessidade, legitima defesa, estrito cumprimento do dever legal, do art. 23, I, II e III do Código Penal, dentre outros). Retomando a explicação do uso da analogia in bonan partem, aplicada em casos excepcionais. Por exemplo: Pode-se aceitar a aplicação do termo “instigar” para compor o tipo penal do art. 218 do CP, a exclusão da pena nos casos de aborto que se pratica em mulher vítima de atentado violento ao pudor, que engravidou pela prática do ato delituoso, etc. Cumpre destacar que, até mesmo a analogia para favorecer o réu, deve ser reservada para hipóteses excepcionais, uma vez que o princípio da legalidade é regra, e não exceção. O emprego da analogia colocaria em risco a segurança jurídica idealizada pelo direito penal, sendo que o juiz deverá buscar aplicar a lei no caso concreto para buscar eficiência nas instituições. 12 4. A Lei Penal e a Norma Penal em Branco Conforme já mencionamos, o princípio da legalidade diz que a única fonte direta do direito penal é a lei. A Lei penal deve ser precisa e clara! Lei Penal Ela é composta de 2 partes: o comando principal (chamado também de preceito primário) e a sanção (também chamada de preceito secundário). Tomando como exemplo o art. 121 do Código Penal: Art. 121. Matar alguém: à Preceito primário. Pena - reclusão, de seis a vinte anos. à Preceito secundário. Da conjugação dessas duas partes, surge a proibição. Proibição = norma “é proibido matar”. Nestes dispositivos, podemos observar que surgem as normas penais incriminadoras, o que consagra o princípio da legalidade. Norma Penal em branco São normas com preceitos indeterminados ou genéricos, que devem ser preenchidos ou completados. Exigem a complementação por outra norma jurídica para que possam ser aplicadas ao fato concreto. Este complemento pode já existir quando da vigência da lei penal em branco, ou pode ser posterior a ela. Via de regra, as normas penais deveriam ser “auto completadas”, porém há as seguintes variações: Diferenciam-se a Norma Penal em Branco em Sentido Estrito (stricto sensu) e a Norma Penal em Branco em Sentido Amplo (lato sensu). NORMAS PENAIS EM BRANCO LATO SENSU (AMPLO) São aquelas em que o complemento é oriundo da mesma fonte normativa (da lei incriminadora), ou seja, o mesmo legislador que criou a norma principal deverá elaborar a norma complementar. Há, nesse caso, uma homogeneidade da fonte legislativa que elaborou a norma. Podemos observar, ainda, que há 2 espécies de norma penal em branco em sentido amplo: Quando os dispositivos legais têm seu complemento na própria lei. Por exemplo: 13 Art. 304. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. Neste caso, a norma penal em branco em sentido amplo diz que a sua complementação está no mesmo diploma legal, qual sejam, os artigos 297 a 302 do Código Penal. Quando os dispositivos possuem complemento em outros diplomas legais. Exemplo: Art. 237, CP. Contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta: Pena - detenção, de três meses a um ano. Este dispositivo se complementa com o art. 1.521, inciso VI, do Código Civil que fala que não podem se casar pessoas que já são casadas. NORMA PENAL EM BRANCO STRICTO SENSU (RESTRITO) Já as normas penais em sentido estrito, são aquelas cuja complementação é oriunda de outra instância legislativa, isto é, quem elaborou o complemento foi outra fonte legislativa. Neste caso, podemos dizer que houve uma heterogeneidade de fontes, porque foram 2 fontes diferentes a elaborar cada norma. O complemento está contido em outra regra jurídica procedente de uma instância legislativa diversa seja de categoria superior ou inferior àquela. Exemplo: Art. 330, CP. Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa. O complemento desse dispositivo está em um decreto ou regulamento. Outro exemplo: Art. 269. Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. O rol de doenças que devem ser notificadas está em um regulamento editado pelo órgão competente. 14 Importante salientar que as leis penais em branco em sentido estrito não afetam o princípio da reserva legal. A distinção entre as Normas Penais em Branco em sentido estrito e em sentido amplo se prende ao fato de que, quanto a estas, o legislador não tem necessidade de obter autorização para legislar, podendo complementá-la a qualquer tempo, pois as normas penais em branco não necessitam de previsão legal expressa para ser criadas ou qualquer tipo de autorização do poder legislativo para que sejam elaboradas. Seu tipo, em si, necessita de uma complementação, sob pena de ineficácia. NORMA PENAL EM BRANCO VERSUS TIPOS PENAIS ABERTOS Na norma penal em branco, a complementação do tipo é efetuada mediante regra jurídica. Isto é, há necessidade de LEI EXPRESSA. Já nos tipos abertos, esta complementação é realizada pela JURISPRUDÊNCIA e pela DOUTRINA por não conterem a determinação dos elementos do dever jurídico cuja violação significa realização do tipo. Ou seja, demanda uma pesquisa mais aprofundada do julgador e da academia jurídica para lidar com casos concretos. Por exemplo: crimes culposos (analise da subjetividade do dolo de matar, por exemplo), crimes omissivos impróprios (dependem do descumprimento do dever jurídico de agir), delitos cuja descrição apresenta elementos normativos (neste último caso, diferenciam-se normas penais em branco e elementos normativos do tipo). Obs: elementos normativos do tipo são diferentes de normas penais em branco porque precisam saber se a conduta foi lícita (de acordo com a lei) ou ilícita (desobedecendo à lei) e se era dever de agir do agente, podendo ser aplicada OU NÃO, excludente de ilicitude (fatos e atos que excluem a tipicidade do fato). 15 Interpretação e Integração da Lei Penal