Teorias do Jornalismo - TRAQUINA, Nelson - PDF
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2004
Nelson Traquina
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Este documento discute as teorias do jornalismo de Nelson Traquina, enfatizando a importância da teoria. O texto aborda o desenvolvimento do jornalismo ao longo do tempo, desde suas origens até a era moderna, e explica diferentes aspectos de teorias sobre o jornalismo. O autor enfoca o papel do jornalista na sociedade e seu compromisso com a informação.
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;' ".r. ·t' Referência correta: TRAQUINA, Nelson. As teorias do jornalismo. In: TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo - Porque as notícias são como Capítulo 6 são. vol. I. Florianópolis: Insular, 2004, p. 145 - 211. r i I. As teorias do jornalismo t; f JV :llf! d·; -t! -11;[,. Ri: :I~ ,. II!H ,IU li! f ______________________________ Disciplina Teorias do Jornalismo, _______________________________________________ Aulas __ __________________________________________________ TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo. V.1.Florianópolis: __________________________________________ Insular, 2005. Capo 6 - As teorias do jornalismo A pesar da emergência de -novas -tecnologias,- como a internet, em que os cidadãos poderão ter acesso direto a. inúmeros documentos, as previsões mais catastróficas so- bre o futuro do jornalismo parecem prematuras e talvez erradas - a chegada do cibermedia bem pode reforçar o papel dos jornalistas I, 111: nas sociedades contemporâneas. Qual é o papel dos jornalistas na produção das notícias? Por que as notícias são como são? Afinal, qual é o papel do jornalismo na sociedade - um campo aberto que todos os agentes sociais podem mobilizar para as suas estratégias comunicacionais ou um campo fechado a serviço do status-quo] Estas questões foram objeto de diversos estudos sobre o jor- , \1,; nalismo, que teve o mérito de produzir uma vasta literatura consti- tuída por milhares de livros e artigos que ocuparlam inúmeras es- tantes em qualquer biblioteca. O estudo do jornalismo constitui , um campo científico com já longas tradições que predatarn a cria- 'li 'j ção de curso de Mestrado e de Doutorado nos anos 30 do século XX nos Estado Unidos. Por que as notícias são como são? Seria errôneo querer suge- rir que o estudo do jornalismo desenvolvido ao longo do século XX IIIJ 145 i.~,--.''; " até hoje fornece uma resposta cabal. As décadas de investiga- Central à teoria é a noção-chave de que o jornalista é um ção acadêmica testemunham a sabedoria da socióloga norte- comunicado r desinteressado, isto é, um agente que não tem interes- americana Gaye Tuchman quando escreveu que, embora o pro- ses específicos a defender e que o desviam da sua missão de pósito de fornecer relatos dos acontecimentos julgados signifi- informar, procurar a verdade, contar o que aconteceu, doa a quem cativos e interessantes pareça ser claro, esse objetivo é, como doer. outros fenômenos simples, inextricavelmente complexo. Os fragmentos da teoria desenvolveram-se nalguns países Ao longo de várias' décadas, e depois de muitos estudos mais desenvolvidos enquanto os meios de comunicação social, realizados sobre o jornalismo, é possível esboçar a existência de na altura a imprensa, cresceu como uma indústria. Com esse cres- várias teorias que tentam responder à pergunta porque as notí- cimento, houve um duplo processo que decorre todo o século cias são como são, reconhecendo o fato de que a utilização do XIX e prossegue no século XX: a comercialização do jornalismo termo "teoria" é discutível, porque pode também significar aqui e a profissionalização dos seus agentes, os jornalistas. Concomi- somente uma explicação interessante e plausível, e não um con- tantemente, o desenvolvimento das estruturas de um governo junto elaborado e interligado de princípios e proposições. De democrático promoveu todo um discurso social em que o papel notar, também, que estas teorias não se excluem mutuamente, dos media e a responsabilidade dos seus profissionais apontam ou seja, não são puras ou necessariamente independentes umas claramente no sentido de definir um etbos profissional dos novos das outras. comunicadores. Um novo paradigma das notícias como infor- mação iria substituir, com ritmo e intensidade diversa nos di- A teoria do espelho versos espaços nacionais, o velho paradigma que concebe o pa- pel dos meios de comunicação social como arma política e os Toda profissão é sobrecarrregada de imagens, mas talvez jornalistas como militantes partidários. Com o novo paradigma outra não seja tão rodeada de mitos como a do jornalismo. De das notícias como informação, o papel do jornalista é definido fato, o poder do rnitico tem envolvido a profissão de jornalismo como o do observador que relata com honestidade e equilíbrio de tal maneira que muitas vezes os jornalistas são apresentados o que acontece, cauteloso em não emitir opiniões pessoais. O "\ como os Davis da sociedade matando os Golias - uma forma desenvolvimento desta concepção, que é ainda hoje o padrão.. não menos poética de conceber o jornalismo como um contra- :~. ' dominante no campo jornalístico ocidental, tem dois momentos poder, como é explicitamente conceituado pelos teóricos da de- históricos cruciais que seria útil recordar..\; mocracia, e o seu produto é apresentado como sendo uma trans- Primeiro, como já tivemos a oportunidade de ver, surge missão não expurgada da realidade, um espelho. em meados do século XIX com um novo jornalismo - o jor nalis- A primeira "teoria" oferecida para explicar porque as notí- 'I;' :'~~:; mo de informação - a idéia chave da separação entre "fatos" e cias são como são é a teoria oferecida pela própria ideologia "f ~~; "opiniões". Em 1856, o correspondente em Washington da agên- lj. cia noticiosa Associated Press pronunciou o que ia ser a Bíblia profissional dos jornalistas (pelo menos nos países ocidentais). É a teoria mais antiga e responde que as notícias são como são ,tf~ desta nova tradição jornalística: "O meu trabalho é co muni car fa- ~~t: porque a realidade assim as determina. tos: as minhas instruções não permitem qualquer tipo de comentérios i~ i II 146 147 sobre os fatos, sejam eles quais forem" (Read, 1976:108). Aliás, as.procurar no método científico e nos procedimentos profissio- , agências noticiosas foram as defensoras mais ardentes desse novo nais o antídoto para a subjetividade. jornalismo (Siebert, 1956) e o seu desenvolvimento teve lugar A ideologia jornalística defende uma relação epistemológica em França (a agência Havas ), nos Estados Unidos (a agência com a realidade que impede quaisquer transgressões de uma fron- Associated Press), na Inglaterra (a agência' Reuters) e na Alema- teira indubitável entre realidade e ficção, havendo sanções gra- nha (a agência Woife) entre 1830 e 1860. Ainda hoje são o pro- ves impostas pela comunidade profissional a qualquer membro tótipo deste jornalismo no qual "a mensagem dita 'informativa', que viole essa fronteira. O ethos dominante, os valores e as nor- que o nosso sémlo tem tendência a valorizar sem a denominação de mas identificadas com um papel de árbitro, os procedimentos objetividade, é suposta dar a palavra e deixar exprimir a realida- identificados com o profissionalismo, faz com que dificilmente de" (Chatelat, 1979:30). Como escreve Anthony Smith (1980), 'os membros da comunidade jornalística aceitem qualquer ata- é no século XIX, numa época em que o positivismo é reinante, que à teoria do espelho porque a legitimidade e a credibilidade que todo o esforço intelectual, tanto na ciência como na filoso- dos jornalistas estão assentes na crença social de que as notícias fia, como ainda na sociologia e outras disciplinas, ambicionava refletem a realidade, que os jornalistas são imparciais devido ao respeito às normas profissionais e asseguram o trabalho de reco- imitar esse novo invento - a máquina fotográfica - que parecia lher a informação e de relatar os fatos, sendo simples mediado- ser o espelho, há muito procurado, capaz de reproduzir o mundo real. res que "reproduzem" o acontecimento na notícia. Certamente as notícias são um produto centrado no refe- O segundo momento histórico tem lugar no século XX com rente, onde a invenção e a mentira são violações das mais ele- o surgimento do conceito ,de objetividade nos anos '20 e 30 nos mentares regras jornalísticas. Assim, o referente, ou seja "a rea- Estados Unidos. Embora o conceito de objetividade seja hoje lidade", não pode deixar de ser um fator determinante do con- visto erradamente como a negação da subjetividade e um refor- teúdo noticioso. ço da fé nos fatos, Michael Schudson explica que o ideal da ob- Mas a teoria do espelho, intimamente ligada à própria legiti- jetividade não foi a expressão final de uma convicção nos fatos midade do campo jornalístico, é uma explicação pobre e insufi- mas a afir mação de um método conce bido em função de um ciente, que tem sido posta em causa repetidamente em inúme- mundo no qual mesmo os fatos não eram merecedoras da confi- ros estudos sobre o jornalismo e, na maioria dos casos, sem qual- ança devido ao surgimento de uma nova profissão, Relações Pú- quer intuito de pôr em causa a integridade dos seu~ profissionais. blicas, e a tremenda eficácia da propaganda verificada na Pri- meira Guerra Mundial. "Com a ideologia de objetividade, osjorna- A teoria da ação pessoal ou a teoria do "gatekeeper' listas substituiram uma fé simples nos fatos por uma fidelidade às Na literatura acadêmica sobre o jornalismo, a primeira teoria regras e procedimentos criados para um mundo no qttal até os fatos que surgiu foi a teoria do gatekeeper avançado nos anos 1950 por eram postos em dúvida" (Schudson, 1978:122). Neste período his- David Manning White. White foi o primeiro a aplicar o conceito t6rico, o influente jornalista Walter Lippmann(1922) avogou no ao jornalismo, originando assim urna das tradições mais persis- seu célebre livro Opinião Pública que os jornalistas precisavam tentes e prolíferas na pesquisa sobre as notícias. 148 149 j' o termo gatekeeper refere-se à pessoa que toma uma de- Neste caso particular, os 56 enunciados apresentados podem ser di- cisão numa seqüência de decisões; foi introduzido pelo psicólo- vididos em duas categorias principais: 1) rejeição do incidente devido go social Kurt Lewin num artigo, publicado em 1947, sobre as à sua pouca importância, e 2) seleção a partir de muitos relatos do decisões domésticas relativas à aquisição de alimentos para a mesmo acontecimento". casa. Acrescenta White (p. 147): "É interessante observar que Nesta teoria, o processo de produção da informação é con- quanto mais tarde no dia chegaram as noticias, maior era a propor- cebido como uma série de escolhas onde o fluxo de notícias tem ção da anotação 'sem espaço' ou 'seruiria'", de passar por diversos gates, isto é, "portões" que não são mais A teoria do gatekeeper analisa as notícias apenas a partir do que áreas de decisão em relação às quais o jornalista, isto é o de quem as produz: o jornalista. Assim, é uma teoria que privi- gatekeeper, tem de decidir se vai escolher essa notícia ou não. Se legia apenas uma abordagem micro-sociológica, ao nível do a decisão for positiva, a notícia acaba por passar pelo "portão"; indivíduo, ignorando por completo quaisquer fatores macro- se não for, a sua progressão é impedida, o que na prática signifi- sociológicos, ou mesmo, micro-sociológicos como a organiza- ca a sua "morte" porque significa que a notícia não será publi- ção jornalistica, É, assim, uma teoria que se situa ao nível da pessoa jornalista, individualizando uma função que tem uma cada, pelo menos nesse órgão de infor mação. dimensão burocrática inserida numa organização. No nível indi- Publicado em 1950, o já clássico estudo de David Manning vidual, a teoria avança uma explicação quase exclusivamente White baseia-se numa pesquisa sobre a atividade de um jorna- psicológica. lista de meia-idade num jornal médio norte-americano.Mr. Gates, A teoria do gatekeeper avança igualmente uma concepção que anotou durante uma semana os motivos que o levaram a I N bem limitada do trabalho jornalístico, sendo uma teoria que se rejeitar as noticias que nao usou. baseia no conceito de "seleção", minimizando outras dimensões A conclusão de White é que o processo de seleção é subje- importantes do processo de produção das notícias, uma visão tivo e arbitrário; as decisões do jornalista eram altamente subje- limitada do processo de produção das notícias. tivas e dependentes de juízos de valor baseados no "conjunto Outros estudos põem em causa as conclusões de White. de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper ". Assim,.y~ Os estudos de McCombs e Shaw (1976) e Hirsch (1977) reana- numa teoria que Schudson (1989) designa de "ação pessoal", as lisaram os dados de White e apontaram a semelhança das pro- notícias são explicadas como um produto das pessoas e das suas porções de notícias das diversas categorias utilizadas pelo ser- intenções. viço das agências e as notícias selecionadas por "Mr. Gates". Escreve White (1950/1993: 145): "É somente quando ana- l{ Hirsch concluiu que o jornalista exerceu a sua liberdade dentro lisamos as razões apresentadas por "Mr. Gate" para a rejeição de de uma latitude limitada e que a grande maioria das razões apre- quase nove décimos das noticias (na sua procura do décimo para o sentadas por "Mr. Gates" refletiu o peso de normas profissio- qual tem espaço) que começamos a compreender como a comunicação iig; nais e não razões subjetivas. de 'notícias' é extremamente subjetiva e dependente dejuizos de va- Num estudo sobre dezesseis jornalistas com as mesmas lor baseados na experiência, atitudes e expectativas do 'gate eeeper'. responsabilidades que "Mr. Gates", Gieber (1956) refuta as con- 150 151 clusões de White. Gieber concluiu que o fator predominante Breed sublinha que os pontos de vista da direção da em- sobre o trabalho jornalístico era o peso da estrutura burocrática presa jornalística chegam a controlar o trabalho do jornalista au da organização e não as avaliações pessoais do jornalista que, fils du temps ("ao longo do tempo"), sobretudo por um processo de segundo Gieber, "raramente" entravam no processo de seleção. osmose... Escreve Breed (1955/1993:155): "...(T)odos) com a ex- Noutro artigo, Gieber (1964) escreve que as notícias só podem ceção dos novos) sabem qual é a política editorial. Quando interro- ser compreendidas se houver uma compreensão das "forças so- gados) respondem que a aprendem 'por osmose'. Em termos sociológi- ciais" que influenciam a sua produção. cos) isto significa que se socializam e 'aprendem as regras) como um neófito numa subcultura. Basicamente) a aprendizagem da política A teoria organizacional editorial é um processo através do qual o novato descobre e interioriza os direitos e as obrigações do seu estatuto) bem como as suas normas Foi precisamente numa revista com o nome "Forças Soci- e valores. Aprende a anteuer aquilo que se espera de/e) a fim de ais" que Warren Breed publicou o primeiro estudo que avançou obter recompensas e evitar penalidades". uma nova teoria - a teoria organizacional. Assim, na teoria organizacional, a ênfase está num pro- Esta teoria alarga a perspectiva teórica - do âmbito indi- cesso de socialização organizacional em que é sublinhada a vidual a um nível mais vasto, a organização jornalística. No seu importância duma cultura organizacional, e não uma cultura estudo, igualmente um clássico dos estudos do jornalismo, intitulado Controle social da redação: Uma análise funcional, Breed profissional. insere o jornalista no seu contexto mais imediato, a organização Breed identifica seis fatores que promovem o conformis- para a qual trabalha. mo com a política editorial da organização: Breed sublinha a importância dos constrangimentos 1. A autoridade institucional e as sanções - Para Breed, organizacionais sobre a atividade profissional do jornalista e é verdadeiro o fato de os jornalistas ainda recearem as punições. considera que o jornalista se conforma mais com as normas edi- Escreve Breed (1955/1993:157) "(O) mito diZ que o brilhante toriais da política editorial da organização do que com quais- repórter errante é retirado dos assassínios e colocado na necrologia 'a quer crenças pessoais que ele ou ela tivesse trazido consigo. câmara de tortura chinesa da redação "'. É um dos tipos de puni- O sociólogo norte-americano escreve que o jornalista aca-.. i ções que Breed menciona, a atribuição das tarefas: a chefia tem ba por ser "socializado" na política editorial da organização atra- o poder de decidir quem irá fazer a cobertura de que aconteci- vés de uma sucessão sutil de recompensa e punição. Escreve mentos e nem todos os acontecimentos são encarados da mes- Breed (1955/1993:154): " O primeiro mecanismo que promove o ma forma, havendo tarefas que a maioria dos jornalistas consi- conformismo é a socialização do redator no que diZ respeito às nor- dera mais interessantes e outras menos agradáveis. Outros tipos mas do seu trabalho. Quando o jornalista inexperiente começa o seu de punições identificados por Breed são: 1) as alterações das trabalho) não lhe é dita qual é a p'olítica editorial. Nem nunca será. peças, por exemplo a reescrita do texto ou a introdução de cor· ~ Isto pode parecer estranho) mas aJ entrevistas) uma após outra, vie- tes no trabalho elaborado pelo Jornalista; 2) a colocação da peça ,f-.' ram-no conjtrmar. " no produto jornalistico, havendo um consenso jornalistico que e 152 153 melhor ter uma peça na primeira página do que nas páginas inte- ciona diversas gratificações não financeiras que os jornalistas riores; 3) a assinatura ou não assinatura da peça, havendo aqui têm, nomeadamente a variedade de experiência; o testemunho também consenso entre os membros da tribo jornalística que a pessoal de acontecimentos significantes e interessantes; ser o publicação do nome do jornalista é sempre desejável. primeiro a saber; obter "informações secretas" negadas a leigos; 2. Os sentimentos de obrigação e de estima para com conhecer e conviver com pessoas notáveis e célebres. os superiores - Breed sublinha que, com o tempo, podem ser Escreve Breed (1955/1993:159): "Os jorna/z'stas estão pró- criados laços de amizade. Assim, o jornalista pode sentir senti- ximos das grandes decisões sem terem de as tomar,' tocam no poder mentos de obrigação para com a empresa. Pode ainda sentir res- sem serem responsáveis pela sua prática". peito, admiração e agradecimentos para com jornalistas mais ex- 6. As notícias como valor - As notícias são um valor má- perientes que o tenham ensinado. Escreve Breed (1955/ ximo; o seu trabalho é um trabalho de 24 horas; as notícias são 1993: 158): "Deve-se respeito aos jornalistas mais velhos que tenham um desafio constante. Assim, o jornalista investe 'na realização. servido de modelo aos calouros ou qtre tenham, de qualquer outro modo, prestado ajuda. Tais obrigações e sentimentos pessoais caloro- desse objetivo: obter mais notÍcias e não contestar a política editorial da empresa. É preciso ir em busca das notícias; é preci- sos para com os superiores têm ttm papel estratégico no seu 'ali- so vencer a hora de fechamento; assim a harmonia entre os jor- ciamento' para o conformismo". nalistas e a direção é cimentada pelos seus interesses comuns pela notícia. 3. As aspirações de mobilidade - Segundo Breed, a gran- Escreve Breed (1955/1993:160): "Qualqttcr potencial con- de maioria dos jornalistas mostra desejos de alcançar uma posi- flito entre os dois grupos, tais como greves de zelo de grttPOSde traba- ção de relevo. No seu estudo, descobre que os jornalistas con- lho na indústria, seria prontamente dissipado, dado que a notícia é cordavam em que lutar contra a orientação da política editorial I tlm valor positivo. A solidariedade dentro da sala de redação é, as- do jornal constituía uma grande ôbstáculo para os avanços na carreira. Escreve Breed (1955/19·93:158): "Na prática, alguns.;;I :: I sim, reforçada". Dessa maneira, Breed defende que os seis fatores promo- mais teimosos salientaram que J.lmaboa tática para avançarem era " I ;{" ~! vem o conformismo com a política editorial da empresa arranjar 'grandes' 'estórias' na primeira página". I jornalística. Acrescenta que cinco destes fatores parecem ser 4. A ausência de grupos de lealdade em conflito - Se, constantes e ocorrem em todos os jornais estudados. O fator gundo Breed, o local de trabalho dos jornalistas é relativamente j variável é o segundo: a obrigação e a estima que os jornalistas pacífico, e as organizações sindicais não têm interferido em as- mantêm pela direção e pelos jornalistas mais antigos. Segundo suntos internos. l, Breed, este segundo fator parece ser a variável ativa deter-., 5. O prazer da atividade -$reed escreve que os jornalis- I minante, não só do conformismo para com a política editorial tas gostam do seu trabalho; as tarefas são interessantes e existe I ) da empresa, mas também da moral e do bom desempenho pro- um ambiente de cooperação na sala de redação. Escreve Breed fissional. (1955/1993:158): "O staffer tem J.lm estatuto menos formal do que II Breed reconhece que um deter minismo, ou melhor dito, I os executivos, mas não é tratado como-I!m 'trabalhador'. Breed men- um "ditatorialismo" organizacional seria de difícil imple- I , 154 155 -.». mentação, devido à natureza do trabalho jornalístico e a um na sua ronda habitual. Nenhum editor interferirá na sua ação, mínimo de autonomia profissional que ela exige. Ainda mais: podendo assim o repórter ganhar a função de "editor". É ele ou qualquer tentativa de obrigar o jornalista a seguir uma dada po- ela que, até certo ponto, pode selecionar quais as 'estórias' a lítica constituiria um tabu ético e uma clara afronta a um dos continuar, quais a ignorar. Vários casos resultam em entrevistas pilares da legitimidade profissional, a independência do jorna- de fontes regulares do beat (ronda) que abafaram 'estórias' que lista. , sabiam que poderiam vir a fornecer combustível para a política Breed aponta cinco fatores dentro da área de influência do editorial. Nestes casos, a cooperação entre supostos repórteres jornalista que o ajudam a iludir o controle da empresa: rivais é essencial; b) a 'estória' iniciada pelo próprio jornalista. S) O "estatuto" do jornalista - Os jornalistas-empregados 1) as normas da política editorial nem sempre são comple- com um "estatuto" de "estrela" podem mais facilmente trans- tamente claras, uma vez que muitas são vagas e não estruturadas; gredir a política editorial. 2) os diretores podem ignorar certos fatos específicos e os Estes cinco fatores, segundo Breed, indicam que, sob jornalistas empregados, que têm o trabalho de andar a pé e de certas condições, os controles que levam ao conformismo telefonar, para obter notÍcias, podem utilizar os seus melhores com a política editorial da empresa jornalística podem ser ultra- conhecimentos na subversão da política editorial. Tendo por base passados. tanto as crenças pessoais como os códigos profissionais, o jor- A conclusão de Breed é que a linha editorial da empresa nalista-empregado' tem a opção de seleção em muitos momen- jornalística é geralmente seguida, e que a descrição da dinâmica tos. Pode decidir quem entrevistar e quem ignorar, que pergun- situação sócio-cultural da redação sugerirá explicações para este tas fazer, que citações anotar e, ao escrever o artigo, que itens conformismo. A fonte de recompensas do jornalista não se loca- realçar, quais a enterrar e, de um modo geral, que tom dar aos liza entre os leitores, que são manifestamente os seus clientes, vários elementos possíveis da notícia. mas entre os seus colegas e superiores. Em vez de aderir a ideais 3) Além da tática da "pressão", explorando a ignorância sociais e profissionais, o jornalista redefine os seus valores até dos executivos de certos fatos minúsculos, os jornalistas-em- ao nível mais pragmático do grupo redatorial. pregados podem utilizar a táctica da "prova forjada". Embora a Outros estudos do jornalismo demonstram também a im- política editorial de um jornal possa entender não dar destaque ~1~ l;~' portância da organização jornalística (Rosten, 1937; Gieber, a um determinado assunto, um jornalista-empregado que obte- '~~:r 1956; Bogart, 1968; Sigelman, 1973; Nimrno, 1964). Na opi- nha uma boa 'estória' sobre esse assunto pode "publicá-Ia" num /b'. nião do acadêmico britânico James Curran (1990), a autonomia outro jornal através de um jornalista amigo e apresentá-Ia ao seu :.,~ do jornalista é uma "autonomia consentida", isto e, a autono- ;01I' próprio editor, alegando que a 'matéria se tornou demasiado im- mia do jornalista é permitida enquanto for exercida em confor- :1.i midade com os requisitos da empresa jornalística. portante para a Ignorar., ~}~. Assim, segundo a teoria organizacionai, as notícias são o 4) Em relação a certo tipf): de 'estórias', o jornalista tem Llj maior autonomia, nomeadamente: a) no beat story - quer dizer, resultado de processos de interação social que têm lugar dentro '.~. ~::'~ ';., ;1' iS6 ::tf 157.~III't fi! fi , da empresa jornalística. O jornalista sabe que o seu trabalho vai o maior número de público. Temos aqui o problema do sensacio- passar por uma cadeia organizacional em que os seus superiores nalismo no jornalismo, acentuado ainda mais pela lógica da con- hierárquicos e os seus assistentes têm certos poderes e meios de corrência. A procura do lucro poderá levar a empresa jornalística controle. O jornalista tem que se antecipar às expectativas dos à crescente utilização de critérios econômicos, nomeadamente seus superiores para evitar os retoques dos seus textos (trabalho o recurso às técnicas de markcting. Aqui a lógica é vender brin- suplementar para a organização) e as reprimendas - dois meios quedos, vídeos, enciclopédias, etc., e não informação. que fazem parte do sistema de controle, e que podem ter efeitos O jornalismo tem custos, a começar pela contratação de sobre a manutenção ou não do seu lugar, a escolha das suas ta- jornalistas e pelos vencimentos oferecidos a eles. A análise da refas, e a sua promoção - quer dizer, nada menos do que a sua imprensa regional portuguesa - em geral, empresas com fracos carreira profissional. recursos econômicos - aponta para a importância da dimensão Segundo a teoria organizacional, o trabalho jornalístico é econômica. Com poucos recursos econômicos, muitas empresas influenciado pelos meios de que a organização dispõe. Assim, jornalísticas regionais têm sérias dificuldades em contratar pro- esta teoria aponta para a importância do fator econômico na fissionais de tempo integral e oferecer vencimentos que sejam atividade jornalística. Aliás, como iremos ter a oportunidade de atrativos. sublinhar na apresentação de uma das vertentes da teoria de ação Devido aos custos e à lógica do lucro, são impostos cons- política, O fator econômico é deterrninante na resposta dada à trangimentos ao trabalho jornalístico pelo orçamento da empre- I' N 1'\1 pergunta porque as noticias sao como sao. sa. Num programa de Artur Albarran, o então jornalista subli-. O jornalismo é também 'um negócio. Todas as empresas nha esse mesmo ponto: pode não haver recursos suficientes que jornalísticas, com a exceção das empresas públicas, enfrentam permitam à empresa cobrir todos os acontecimentos com valor- mais tarde ou mais cedo a tirania do balanço econômico final, notícia e, ainda mais, para desenvolver outras iniciativas, como ou seja, a comparação entre os custos e as receitas. As receitas reportagens de fundo. Acrescentam-se outras vertentes impor- provêm essencialmente das vendas e da publicidade. O espaço tantes: a) os correspondentes no estrangeiro; b) o envio de cor- ocupado pela publicidade intervém diretamente na produção do respondentes para a cobertura de acontecimentos no estrangei- produto jornalístico. Por exemplo, na imprensa, os jornalistas ro; c) a assinatura de serviços especiais. enchem o espaço deixado em aberto pela publicidade. Assim, o }:.:' Assim, a extensão da rede que a empresa coloca para "cap- espaço disponível para a informação, ou seja, as notícias, é an- tar" os acontecimentos e as problemíticasnãc'pode deixar de ;)!~: tes de mais nada determinado pela publicidade. Na televisão, a ··;~f· estar relacionada com os recursos econômicos da empresa '.0:::,': publicidade impõe sobretudo a lógica das audiências, seguindo.,~~. jornalística. A produção de notícias é influenciada pela reparti- a lógica "mais audiências, mais receitas publicitárias". Assim ··~~1· :'.3~ ção dos recursos da empresa jornalística. Não é possível "ir a todas". É necessário tomar decisões em relação aos aconteci- il sendo, o conteúdo noticioso do jornal televisivo pode ser influen- ciado pela dimensão econômica: são incluídos no noticiário os mentos que serão cobertos, isto é, que serão agarrados pela em- acontecimentos noticiosos que julgam ser do maior interesse para '~~~~J presa jornalística e transformados em notícia. ~~t m 158 ,I 159. I :~1JI'9....~. ::.1::"'"""'.:':"--" A dimensão econômica enfatiza a percepção da notícia to nas grandes empresas as estruturas de controle sao mais como um produto que deve ser inserido na relação existente entre formais e mais centralizadas. o produtor e o cliente e satisfazer as exigências do cliente. Assim, a notícia, que é um produto perecível, deve chegar As teorias de ação política ao cliente o mais rapidamente possível para ser utilizada. Uma As teorias do gatekeeper e a organizacional surgiram na idéia muito propagada nas sedes da agências de notícias é que a década dos anos 50. Nos anos 60, em diversos países, a onda notícia que chega primeiro será a primeira a ser utilizada duran- de protesto invadiu o espaço sacrossanto das universidades e te todo o ciclo de notÍcias sobre esse acontecimento. colocou os seus membros perante as dúvidas emergentes e a A dimensão econômica poderá igualmente enfatizar a di- necessidade de novas perguntas. Assim, a nova fase de inves- nâmica da concorrência entre as empresas jornalísticas, nomea- tigação é marcada pelo crescente interesse na ideologia (HaU, damente na luta pelo furo jornaHstico. 1977; Glasgow University Media Group, 1976), estimulado A um nível mais vasto, a dimensão econômica na era da pela influência de certos autores marxistas, como o italiano globalização reforça a procura de "sinergias". Este aspecto le- Antônio Grarnsci, bem como pela redescoberta da natureza vanta questões corno: a) as estratégias "rnultimídia"; e b) a pro- problemática da linguagem, como exemplificada pela escola blemática da concentração dos meios de comunicação social. serniótica francesa (Barthes, 1967) e a escola culturalista bri- Diversos autores lançam o alerta contra as conseqüências nega- tânica (Hall et. al., 1978). tivas desta tendência, nomeadamente a homogeneização dos Assim, a riqueza da explosão dos estudos sobre jornalismo conteúdos mediáticos e a limitação ao pluralismo de opiniões a partir da década dos 70 não se mede só através da quantidade nos media. de trabalhos publicados, mas também pelas novas preocupações Dentro da teoria orgal1izacional, alguns acadêmicos inves- e perspectivas. Certamente, como escreve Gaye Tuchman (1991), tigam as variáveis que podem intervir no funcionamento da em- a nova fase dos estudos noticiosos alargou o âmbito das suas presa. Nesta linha de pesquisa, foram identificados como im- preocupações do nível do indivíduo, ao nível da organização, ao portantes os seguintes fatores: 1) O papel do diretor no funcio- nível da comunidade profissional. Na nova fase de investigação, ~I: namento da empresa, distinguindo a diferença entre diretores a relação entre o jornalismo e a sociedade conquista urna di- ativos e passivos; 2) Outro fator é o tamanho da empresa. O mensão central: o estudo do jornalismo debruça-se sobre as im- tamanho da empresa influencia: a) o grau de especialização dos plicações políticas e sociais da atividade jornalística, o papel jornalistas - havendo mais especialização nas grandes empre- social das notícias, e a capacidade do Quarto Poder em cor- sas; b) a dinâmica comunicacional dentro da empresa - havendo responder às enormes expectativas em si depositadas pela pró- ,lIi menos comunicação interativa nas grandes empresas; c) o grau. i! pria teoria democrática. "li de autonomia do jornalista - havendo mais autonomia nas pe- Assim, emerge nos anos 70 um novo filão de investigação.. J! quenas empresas, porque há diferentes estruturas de autorida-. :~ conhecido como os estudos da parcialidade (news bias studies) ,/ :ffi de. Nas pequenas empresas, a estrutura é mais flexível, enquan- (Cirino, 1970; Efron, 1971; Lowry, 1971; Russo, 1971-72; Pride /~; :} 160 ;~ ':,jf 161 !1~.~i1.t '. e Wamsley, 1972; Meadow, 1973; Palmer e Abrahamson, 1973; "distorcem" as notícias para a propagação das suas opiniões Hofstetter, 1976). Não é de estranhar o fato de que os acadêmi- anti-capitalistas. No sentido político oposto, Chomsky e cos tenham adotado a parcialidade' (e o seu oposto, a objetivida- Herman (1979) argumentam que a cobertura noticiosa nor- de) como um conceito organizativo em muitos estudos do jor- te-americana da repressão no chamado "Terceiro Mundo" e nalismo. Como escreve Hackett (1984/1993:102): "Numerosas o papel do governo norte-americano em tal repressão são análises de contéudo têm procurado avaliar a objetividade da cober- distorcidos pela subordinação dos media aos interesses e pers- tura noticiosa de campanhas eleitorais, assuntos controversos, políti- pectivas das elites políticas e econômicas dos Estados Unidos cas, instituições, movimen tos, ou políticos". da América. Para Herman e Chomsky, as notÍcias são "pro- A própria teoria democrática influencia fortemente a defi- paganda" que sustenta o sistema capitalista. nição social da postura profissional dos profissionais do Quarto Assim, nas teorias de ação politica, os media noticiosos Poder. A objetividade, ou o que se aceita como seu oposto, a são vistos de uma forma instrumentalista, isto é, 'servem objeti- parcialidade, são conceitos que a maioria dos cidadãos associa vamente certos interesses políticos: na versão de esquerda, os ao papel do jornalismo e que são consagrados nas leis que esta- media noticiosos são vistos como instrumentos que ajudam a belecem as balizas do comportamento dos órgãos de comunica- manter o sistema capitalista; na versão de direita, servem como ção social, em particular do setor público. Estão presentes, pelo instrumentos que põem em causa o capitalismo. Seja de esquer- menos de uma forma implícita, se não explicitamente, nos códi- da ou de direita, estas teorias defendem a posição de que as notí- gos deontológicos dos jornalistas e estão no centro de toda uma cias são distorções sistemáticas que servem os interesses políti- mitologia que coloca os jornalistas no papel de "servidor do cos de certos agentes sociais bem específicos que utilizam as no- público" que procura a verdade, no papel de "cão de guarda" tícias na projeção da sua visão do mundo, da sociedade, etc. que protege os cidadãos contra os abusos do poder, no 'papel de Na versão de direita, defendida nos estudos de Kristol contrapoder que atua doa a quem doer, no papel de "herói" do :~:.. ' (1975) e Efron (1971), o argumento é que os media norte-ameri- sistema democrático eu ngaro, 1992). canos, particularmente as grandes cadeias de televisão, fazem O filão de investigação em torno dos chamados estudos parte de uma "nova classe" de burocratas e intelectuais que tem da parcialidade parte do princípio de que as notícias devem re- interesse em expandir a atividade reguladora do Estado à custa fletir a realidade sem distorção. Neste filão, a questão de pes- das empresas privadas. Esta "nova classe" utiliza os media na quisa é precisamente se houve ou não distorção, aceitando o propagação das suas opiniões anti-capitalistas. princípio de que é possível reproduzir a realidade. Diversos es- Noutra expressão desta versão da teoria, os autores tudos foram realizados com conclusões diferentes e mesmo opos- Rotham e Lichter (1986) analisaram "composição social" e os tas. Os estudos de Efron (1971), Kristol (1975) e, em particu- valores dos jornalistas norte-americanos e chegaram à conclu- lar, de Lichter, Rothman e Lichter (1986); com o seu título su- são de que os jornalistas têm valores mais à esquerda que a po- gestivo A elite mediática, argumentam que os jornalistas consti- pulação norte-americana e constituem uma "nova classe" que tuem uma "nova classe" com claras parcialidades políticas que é anti-capitalista. 162 163 1 Nesta versão, a teoria atribui aos jornalistas um papel ati- dos donos dos grandes meios de comunicação social e dos , j l l vo, sendo aqui o bode expiatório dos males do produto jor- anunciantes. j.~ ;i.... ~i nalístico. Numa análise destes autores, Robert Hackett sublinha Os autores sublinham os seguintes pontos: a) o papel que alguns dos pressupostos desta versão da teoria são: a) os determinante dos proprietários dos media e a ligação estreita jornalistas detêm o controle pessoal sobre o produto jornalístico, entre a classe capitalista, as elites dirigentes e os produtores b) os jornalistas estão dispostos a injetar as suas preferências mediáticos; b) a existência de um acordo entre personalida- políticas no conteúdo noticioso; c) os jornalistas enquanto indi- des da classe dominante e produtores mediáticos; c) a total VI'duos tem v alores po l'IUCOS 1\. coerentes e, a Iongo prazo, esta-' concordância entre o produto jornalístico e os interesses dos veis. Nesta versão da teoria, os valores coletivos dos jornalistas proprietários e das elites. são considerados substancialmente diferentes dos da população Herman e Chomsky contestam categoricamente o grau de em geral. diversidade das notícias. Escreve Herman (1985/1993:214): N a versão de esquerda da teoria de ação política das notí- "(A)penas um conjunto de assuntos ou fatos é posto à disposição cias, o papel dos jornalistas é pouco relevante, mesmo quase da população em geral, quer por censura tácita ou oficial, a condição invisível, reduzidos à função de executantes a serviço do capi- de diversidade significativa não é satisfeita. Ou se os temas, fatos talismo, quando não coniventes com as elites. Inserida clara- eperspectivas que se desviam da perspectiva geral estão confinados mente numa tradição marxista ortodoxa onde o fator econômico aos limites dos media enão chegam ao grosso da população, o resul- é deterrnÍnante, esta versão é macro-sociológica ou, melhor dito, tado é ° que pode ser chamado de diversidade sem sentido ou 'margi- 1\ macroeconomica. nal izada'". Numa das formulações mais completas da perspectiva de A tese deste autores é que acontecimentos similares tive- esquerda, Herman e Chomsky (1989) argumentam no seu livro ram uma cobertura diversa na imprensa norte-americana de"ido que o conteúdo das notÍcias não é determinado ao nível-interior à natureza propagandística das noticias no seu papel ideológico (isto é, ao nível dos valores e preconceitos dos jornalistas), nem em defesa dos interesses do capitalismo norte-americano. No ao nível interno (isto é, ao nível da organização jornalística) mas seu modelo "propagandístico", os autores consideram que o con- ao nível externo, ao nível macroeconômico. Nesta versão da teo- teúdo noticioso é determinado por certas propriedades estrutu- ria, uma relação direta é estabelecida entre o resultado do pro- rais dos media, em particular por sua ligação com os negócios e cesso noticioso e a estrutura econômica da empresa jornalística. com o governo. Assim, as notícias servêm os interesses do po- Assim, segundo esta versão da teoria, existe um diretório diri- gente da classe capitalista que dita aos diretores e jornalistas o... I , der estabelecido. Para Herman e Chomsky, cinco fatores explicam a sub- que sal nos jornais, i missão do jornalismo aos interesses do sistema capitalista. Os.:; No seu estudo sobre os media norte-americanos, Herman e cinco fatores são: 1) a estrutura de propriedade dos media; 2) a Chomsky defendem a posição de que os media reforçam os pon- sua natureza capitalista, isto é, a procura do lucro e a imp ortân- tos de vista do establishment (o poder instituído) devido ao poder ,.,} cia da publicidade; 3) a dependência dos jornalistas nas fontes l 164 165 ,',i ) 1I ,~ ~l ,!Í j ,r'l governamentais e das fontes do mundo empresarial; 4) as ações A "propagandaframework" sugere a seguinte hipótese: quan- i Ii punitivas dos poderosos; e 5) a ideologia anti-comunista domi- do surgem situações em que podem ser 'marcados pontos contra nante entre a comunidade jornalística norte-americana. JI li Segundo Herman e Chomsky, as ligações entre os media e países inimigos' ou idéias ameaçadoras, os media serão freqüen- temente ativos em 'campanhas publicitárias' de grande intensi- , o mundo dos negócios e o governo têm influências ideológicas dade e paixão, Pelo contrário, quando acontecimentos muito subtis. Segundo os autores, os media norte-americanos estão al- semelhantes ocorrem em países amigos, os media mostrarão in- tamente concentrados, com cerca de uma dúzia de entidades teresse pelas circunstâncias especiais envolvidas e prossegui- dominando o fluxo das notícias para o público e capazes de es- rão uma política de negligência benigna. tabelecer o valor destas por decisão própria. A conclusão de Herman e Chomsky é que o campo jorna- Segundo Herman e Chomsky, as empresas são fortemente lístico é uma arena fechada. Sublinham a tendência para o encer- dependentes da publicidade no que diz respeito a rendimentos e ramento virtual do sistema mediático norte-americano, em que ligadas a outras grandes firmas por laços comerciais e pessoais. o campo jornalístico é apresentado como um campo fechado, Todos são membros diretos ou sucursais de membros importan- Elaborada antes da queda do muro de Berlim e baseado tes da comunidade corporativa. em estudos de caso limitados exclusivamente a questões de po- A teoria de Herman e Chomsky avança uma chamada pro- lítica internacional, levantam-se questões quanto a sua capaci- paganda framewore ("modelo de propaganda"), Para os autores, dade explicativa no que diz respeito a assuntos domésticos onde toda a vastidão da cobertura dum acontecimento particular nos a "elite econômica" pode estar mais suscetível a divisões, Igual- vários meios de comunicação social é tratada como uma campa- mente há questões metodológicas quanto à capacidade da nha de publicidade maciça. metodologia utilizada - a análise de conteúdo - para explicar as Segundo os autores, em primeiro lugar, o interesse é crucial. intenções dos produtores ou avaliar os processos de produção, Freqüentemente um tema ou acontecimento é capaz de servir Mas o problema central com o modelo proposto por Herman e às relações públicas ou exigências ideológicas de um grupo de Chomsky é a sua visão altamente determinista do funcionamen- poder. Estes temas ou acontecimentos são então vistos como to do campo jornalístico em que os jornalistas ou colaboram na 'grandes estórias' e podem ajudar a mobilizar a opinião pública utilização instrumentalista dos media noticiosos ou são totalmen- numa direção específica, Em todos estes casos a cobertura dos te submissos aos desígnios dos interesses dos proprietários. As- media ou a 'publicidade' salienta e mobiliza o apoio público para ,I sim a versão de esquerda da teoria de ação política ignora: 1) que ações da política internacional ou nacional; os donos se encontram raramente com os diretores em muitas empresas jornalísticas; 2) que a maioria dos jornalistas não faz.;/ ! Em segundo lugar, considerar a cobertura dos aconteci- :x. mentos como uma campanha publicitária para políticas especí- I idéia de quem se senta no conselho de administração das insti- ficas ajuda a explicar a dinâmica de uma 'estória'. Nestes casos, tuições para que trabalha; e 3) que os jornalistas têm um grau de os media movem-se rapidamente para além das "notícias duras" autonomia e afirmam freqüentemente a sua própria iniciativa na definição do que é notícia, nomeadamente nos trabalhos de em artigos de opinião, especulação e trivialidade. J l~~ , 166 ·;;8~:, i 167 ;~; ::\1: reportagem e jornalismo de investigação, e, às vezes, incomo- de que a própria linguagem não pode funcionar como transmis- dam a elite e põem em causa os interesses do poder instituído e sora direta dó significado inerente aos acontecimentos, porque , ',i;u' ~,I do poder econômico. Nas palavras do acadêmico Daniel Hallin a linguagem neutral é impossível. Em terceiro lugar, é da opi- v -1; (1994), o modelo de propaganda de Herman e Chomsky é está- nião de que os media noticiosos estruturam inevitavelmente a tico e unidimensional, reduzindo por completo o papel da ideo- sua representação dos acontecimentos, devido a diversos fato- logia profissional dos membros da comunidade jornalística a uma res, incluindo os aspectos organizativos do trabalho jornalístico mera questão de false consciousness. (Altheide, 1976), as limitações orçamentais (Epstein, 1973), a própria maneira como a rede noticiosa é colocada para respon- As teorias construcionistas der à imprevisibilidade dos acontecimentos (Tuchman, 1978). ''''1·' Assim, não é de estranhar que o paradigma das noticias Na riqueza da investigação acadêmica sobre o jornalismo como construção não só considere o conceito de distorção como , ir' que surge nos anos 70, emerge um novo paradigma: as notícias :lli inadequado e pouco frutífero, como sobretudo discorde radical- ; 11' ~.: I" como construção (Halloran et. al., 1970; Berger e Luckrnan, [Li mente da perspectiva das teorias que defendem que as atitudes I ,: ~.! 1971; Cohen e Young, 1973; Hall et. al., 1973; Molotch e Lester, políticas dos jornalistas são um fator determinante no processo 1974/1993, 1975; Roscho, 1975; Schlesinger, 1978; Hall et. al., de produção das notícias. '-:::1~i': 1978; Tuchman, 1978). ',ir O paradigma das notícias como construção não implica i: Assim, a pesquisa dos anos 70 constitui um momento de que as notícias sejam ficção. Schudson (1982/1993:280) escre- ,!I:'~' virada, com a emergência da um paradigma que é totalmente 111'i ve que as notícias não são ficcionais, mas sim convencionais. oposto à perspectiva das notícias como "distorção" e que tam- I' 'I'· Bird e Dardenne defendem que" considerar as notícias como narra- 'li bém põe em causa diretamente a própria ideologia jornalística e :~;f 'r :' tivas não nega o valor de as considerar como correspondentes da reali- "'1 ~ a sua teoria das notícias como espelho da realidade. O ponto '}:, L!! essencial de discordância entre estas duas perspectivas reside dade exterior" e acrescentam que" as notícias enquanto abordage»: ~~.~: n precisamente na posição tomada por parte de cada perspectiva narrativa não negam que as notícias informam/ claro qtte os leitores perante a ideologia jornalística. Nos estudos da parcialidade das aprendem com as notícias" (1988/1993: 265). Gaye Tuchman notícias, a teoria das notícias como espelho não é posta em cau- (1976/1993: 262) sublinha o mesmo ponto quando escreve que: sa; nos estudos que utilizam a perspectiva das notícias como "dizer que uma notícia é uma estória não é de modo alg14m rebaixar construção, a teoria do espelho é claramente rejeitada. a noticia) nem acusá-Ia de ser fictícia. Melbor, alerta-nos para o fato O filão de investigação que concebe as notícias como cons- de a notícia) como todos os documentos públicos) ser uma realidade trução rejeita as notícias como espelho por diversas razões. Em construida possuidora da sua própria validade interna". t primeiro lugar, argumenta que é impossível estabelecer uma No entanto. os profissionais do campo jornalístico resis- distinção radical entre a realidade e os media noticiosos que de- tem ao paradigma das notícias como construção, apesar do fato, iI vem "refletir" essa realidade, porque as notícias ajudam a cons- já sublinhado, de fazerem freqüentemente referência às notícias, truir a própria realidade. Em segundo lugar, defende a posição na sua gíria profissional, como estórias. 168 169 :1. "":~:.;: ,.:;..:: Contudo, esta resistência ao conceito de construção é mais num sistema cultural) tlm depósito de significados culturais armaze- bem compreendida sob o brilho dos princípios fundamentais da nados e de padrões de discursos" (1995:14). Schudson acrescenta: ideologia profissional dos jornalistas. Sobre este ponto, Stuart "As notícias como uma forma de cultura incorporam suposições acer- 1 ,:~! Hall (1984:4) escreve: "Os jornalistas dizem: 'Há um aconteci- ca do que importa, do que faz sentido) em que tempo e em que lugar mento," quer dizer alguma coisa. Quem quer que lá esteja perceberá o vivemos, qual a extensão de considerações que devemos tomar seria- que é que ele significa. Tiramos-lhe fotografias. Escrevemos um rela- mente em consideração" (ibidem: 14). ,~M" to sobre ele. Transmitimo-Io tão autenticamente quanto possível atra- A importância da dimensão cultural das notícias tem sido vés dos media, e a audiência vê-Io-á e perceberá o que aconteceu'. E ~II previamente sublinhada por outros autores. Colby (1975) utiliza quando se afirma que as pessoas têm interesse em versões diferentes o termo gramática cultural para referir as regras da construção desse acontecimento) que qualquer acontecimento pode ser construido narrativa. Fazendo referência à produção social das notícias, Hall das mais diversas maneiras e que se pode fazê-Io significar as coisas et. al, (1978/1993:226) sublinham a importância dos mapas de de um modo diferente, esta afirmação de algum modo ataca ou mina significado: "As coisas são noticiáueis porque elas representam a o sentido de legitimidade profissional dos jornalistas, e estes resis- volubilidade) a imprevisibilidade e a natureza conflituosa do mun- tem bastante à noção de que a notícia não é um relato mas uma construção" (sublinhado no original). do. Mas não se deve permitir que tais acontecimentos permaneçam no A aversão dos jornalistas ao conceito da notícia como cons- limbo do (aleatório' - devem ser trazidos aos horizontes do 'signifi- trução é resumida de forma eloqüente por Itzhak Roeh. Roeh cativo '. Este trazer de acontecimentos ao campo dos significados quer (1989:162) escreve: "O fenômeno mais impressionante no jornalis- dizer, na essência) reportar acontecimentos invtlfgares e inesperados mo ocidental, tanto na práxis como na teoria) é a fé metafisica obsti- para os 'mapas de significado' qHe já constituem a base do nosso , nada e conservadora de que a linguagem é transparente. 011, de ou- conhecimento cultura" no qual o mundo social já está (traçado '. A. :~ I tra forma: o erro assenta na recusa dos jornalistas) mas também dos identificação social) classificação e contextualização de acon tecimen- u.' estudantes de jornalismo, em situar a profissão onde esta pertence) tos noticiosos em termos destes quadros de referência defundo consti- isto é, no contexto de expressão humana da atividade expressiva. É tui o processo fundamental através do qual os media tornam o mult- a recusa em NdarJom a escrita das notícias por aquilo que é na sua do a que fazem referência inteligível a leitores e espectadores" (subli- essência - contar estôrias" (sublinhado no original). nhado no original). IlIlrl~ :. Continua Roeh: "Apesar de desaminador, este é um dogma de O avanço notável do estudo do jornalismo na década de fé universal, profundamente enraizado na comunidade profissional. 70 está relacionado diretamente com as inovações metodológicas Perguntem a um jornalista e ele dir-vos-â resolutamente: esta profis- que contribuíram de forma decisiva para a riqueza da investiga: :';' são não é contar estórias" (sublinhado no original). ção. Os acadêmicos, seguindo o exemplo dos antropólo gos em u A conceitualização das notícias como. estórias dá relevo à J "::; terras distantes com uma abordagem etnometodológica, foram 11\ "~i importância de compreender a dimensão cultural das notícias..{. aos locais de produção, permaneceram durante longos períodos.::. !l' Para o sociólogo norte-americano Michael Schudson, as notí- de tempo, observaram os membros da comunidade jornalística cias são produzidas por "pessoas que operam) inconscientemente) ~...r;. ~~! com o intuito de "entrar na pele" das pessoas observadas e com- 170 171 :,í preender a atitude do "nativo" (Schlesinger, 1978; Tuchman, nhar a importância das rotinas profissionais que os jornalistas 1978; Fishman, 1980; Gurevitch e Blumler, 1982/1993). criaram com o objetivo de apenas levar a cabo o seu trabalho Segundo Schlesinger, a abordagem etnometodológica, ao quotidiano a tempo e horas, as teorias construcionistas do jor- contrário de outras abordagens que focam o produto jornalístico, nalismo questionam as teorias de ação política e todas as análi- 1'" permite uma observação teoricamente mais informada sobre as ses que apontam para uma distorção intencional das notícias. ideologias e as práticas profissionais dos produtores das notí- A partir dos anos 60 e 70, marcados por novas interroga- cias, porque pode tornar possível a observação de momentos de ções e por inovações metodológicas, emergem duas teorias que crise, os hot moments na terminologia do antropólogo Claude Lévi- partilham o novo paradigma das notícias como construçãa social Strauss (1968), que podem corrigir qualquer visão mecânica do - as teorias estruturalista e interacio nista. São sobretudo comple- processo de produção. mentares, mas divergem nalguns pontos importantes. A contribuição dos estudos etnográficos à compreensão Ambas as teorias rejeitam a teoria do espelho e criticam o do jornalismo é tripla. "empiricismo ingênuo" dos jornalistas. Para ambas as teorias, as Em primeiro lugar, devido à abordagem etnometodológica, notícias são o resultado de processos complexos de interação o estudo de jornalismo permitiu ver a importância da dimensão social entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de infor- trans-organizacional no processo de produção das notícias, ou mação; os jornalistas e a sociedade; os membros da comunidade ,··1 seja, todo o netz1Jorkinginformal entre os jornalistas e a conexão profissional, dentro e fora da sua organização. cultural que provém de ser membro de uma comunidade profis- Ambas as teorias são micro-sociológicas e macro-socioló- sional. gicas. Ambas situam o jornalistas no seu local de trabalho, reco- Em segundo lugar, permitiu reconhecer que as rotinas nhecendo a importância dos constrangimentos organizacionais,.(:~, constituem um elemento crucial nos processos de produção das integrando assim as perspectivas fornecidas por Warren Breed e notícias. A importância das rotinas e das práticas na produção outros autores identificados com a teoria organizacional. Mas ao jornalística é um elemento chave do novo paradigma cons- contrário dos teóricos da teoria organizacional, ambas as teorias trutivista que emerge 'nos anos 70. Escreve Schlesinger (1980: defendem a perspectiva de que o "neófito" se integra por um 3673): "As rotinas de produção englobam e são constitutiuas da ideo- processo de osmose não só numa organização, mas numa comu- Iogza.". nidade profissional, sendo assim teorias transorganizacionais. Em terceiro lugar, serve como corretivo às teorias instru- Ambas as teorias sublinham a importância da cultura mentalistas que surgem com uma nova força nas décadas dos jornalística, nomeadamente a estrutura dos valores-no ticia dos anos 70 e 80 e que contribuíram de forma significativa para a jornalistas, a ideologia dos membros da comunidade, e as ro- crescente onda de crítica dos media e do jornalismo que conti- tinas e procedimentos que os profissionais utilizam para levar nua hoje de vento em popa. Nas teorias instrumentalistas há a cabo o seu trabalho. Assim, ambas rejeitam categoricamente duas suposições: 1) o processo de produção das notícia envolve uma visão instrumentalista das notícias, classificada como uma uma conspiração entre agentes sociais e 2) a intenção conscien- teoria conspiratória (Hall et. aI. 1978) porque reconhecem que te de distorção é crucial na elaboração das notícias. Ao subli- os membros da comunidade jornalística exercem um grau de 172 173.:;.:~ ~';!;L '1:~ autonomia. Assim, ambas contestam a visão de que os jornalis- teorias não só sublinham a importância da identidade das fontes tas são observadores passivos e defendem a posição de que, ao de informação, mas refletem sobre as conseqüências sociais que contrário, são de fato participantes ativos na construção da rea- resultam dos processos e procedimentos utilizados pelos jorna- lidade. listas. Para as suas teorias, a conexão entre jornalistas e fontes Sendo uma construção, ambas as teorias reconhecem que faz das notícias uma ferramenta importante do governo e das as notícias são narrativas, 'estórias', marcadas pela cultura dos autoridades estabelecidas (Schudson, 1989) e as notícias ten- membros da tribo e pela cultura da sociedade onde estão inseri- dem a apoiar as interpretações oficiosas dos acontecimentos. So- dos, sendo necessário mobilizar todo um saber de narração bre este ponto crucial, no entanto, há uma divergência fu1cral (Ericson et. aI. 1987) que pressupõe a aprendizagem da, lingua- que será apresentada mais adiante. gem jornalística ou, na expressão de E. Barabar Philips, o jornalês.. (Philips, 1976a/1993) e o domínio de todo um inventário de dis- A teoria estruturalista curso (Hall, 1984). A teoria estruturalista é outra teoria macrossociológica - Na perspectiva do paradigma construtivista, embora sen- tal como a teoria de ação política, versão de esquerda apresen- do índice do "real", as notícias registram as formas literárias e tada por Herman e Chomsky - que sublinha enfaticamente, as narrativas utilizadas para enquadrar o acontecimento. A pirâ- em grande parte devido à herança marxista que as duas teorias mide invertida, a ênfase dada à resposta às perguntas aparente- partilham, o papel dos media na reprodução da "ideologia do- mente simples: quem? o que? onde? quando?, a necessidade de selecionar, excluir, acentuar diferentes aspectos do acontecimen- minante". to - process.o orientado pelo enquadramento escolhido - são Mas ao contrário da teoria de ação política, a teoria estru- alguns exemplos de como a notícia, dando vida ao acontecimen- ,,~. turalista reconhece a "autonomia relativa" dos jornalistas em to, constrói o acontecimento e constrói a realidade (Carey, 1986). relação a um controle econômico direto. No entanto, Stuart Hall Como escreve Robert Karl Manoff (1986), a escolha da e os seus co-autores são bem claros. Escrevem Hallet. al. (1973/ narrativa feita pelo jornalista não é inteiramente livre. Essa es- 1993): "Neste momento, os media - embora involu nrariarnents, e colha é orientada pela aparência que a "realidade" assume para através dos seus próprios 'caminhos autônomos' - têm-se transfor- o jornalista, pelas convenções que moldam a sua percepção e mado efetivamente num aparelho do próprio processo de controle - fornecem o repertório formal para a apresentação dos aconteci- um (aparelho ideológico de Estado' (aqui citando Althusser) (1971)". mentos, pelas instituições e rotinas. Segundo Wolfsfeld (1991: Estes autores também defendem que as notícias são um 18), os acontecimentos propriamente ditos oferecem freqüen- produto social resultante de vários fatores, nomeadamente: temente um ponto de partida para a construção de enquadra- A) a organização burocrática dos media; mentos mediáticos, apesar das discordâncias acerca do que "real- B) a estrutura dos valores-notícia (a idéia do 'fora do nor- mente" aconteceu. mal', do negativo, das pessoas de elite) que constituem o "ele- Enquanto a teoria organizacional ignora os processos de mento fundamental da socialização" e a prática e a ideolo gia interação social que ocorrem para além da empresa, ambas as profissional dos jornalistas; 174 I. 175 f.,f. " "-i C) o próprio momento de "construção" da notícia que en- envolve a apresentação do item ao seu público, em termos que tanto quanto os apresentadores do item possam avaliar o I volve um processo de "identificação e contextualização" em que "mapas" culturais do mundo social são utilizados na organiza- tornem compreensível a esse público. ! ção. Esta ênfase no papel da cultura sublinha o fato de que a Escrevem Hall et. al. (1973/1993:226): "Este processo - a 11: teoria estruturalista valoriza uma perspectiva culturalista. Ali- identificação e a contextualização é um dos mais importantes, 11: ás, não é por acaso que os seus principais proponentes, acadê- através do qual os acontecimentos são 'tornados significativos' jJ! micos como Stuart HaU, são conhecidos pelo nome - a escola pelos media. Um acontecimento só 'faz sentido' sepuder colocar 'RI; culturalista britânica. num âmbito de conhecidas identificações sociais e culturais". O primeiro fator é a organização burocrática dos media. Acrescentam os autores: "Este processo de 'tornar um Escrevem os autores (p. 224): "Um aspecto da estrutura de seleção acontecimento inteligível' é um processo social - constituído pode ser visto na organização de rotina de jornais respeitantes a por um número de práticas jornalísticas específicas, que co m- tipos regulares de áreas noticiosas. Visto os jornais estarem empe- preendem (freqüentemente de modo implícito) suposições nhados na produção regular de notícias, estes fatores de organização cruciais sobre o que é a sociedade e como ela funciona". afetarão, por seu turno, o que for selecionado. Por exemplo, os jor- Assim, para os defensores desta teoria, o processo de p 1'0- nalistas fi'cam pré-direaonados para outros tipos de acontecimento e dução das notícias não só pressupõe a natureza consensual da tópicos em termos da organização da sua própria força de trabalho e ~ ";\ sociedade como sublinha o papel das notícias no reforço da ~ da estrutura dos próprios jornais". construção da sociedade como consensual. Os "mapas de sig- O segundo é a estrutura de valores-notícia e a ideologia pro- nificado" incorporam e refletem os valores comuns, formam a fissional dos jornalistas que apontam claramente para o que cons- base dos conhecimentos culturais e são mobilizados no pro- titui 'boas notícias'. Segundo estes autores, o sentido de 'valor-no- cesso de tornar um acontecimento inteligível. Assim, para Hall tícia' do jornalista começa a estruturar o processo. Em nível mais et. al., o papel dos media é crucial. Escrevem os autores (p.228): 111 I"t geral, isto envolve uma orientação para itens que são 'fora do co- "Os media definem para a maioria da população quais os acon- "; mum', o que de certo modo vai contra as nossas expectativas 'nor- tecimentos significativos que ocorrem mas, também, oferecem mais' acerca da vida social. Escrevem os autores: "Basta dizer que poderosas interpretações de como compreender esses aconteci- li os valores-noticia fornecem critérios nas práticas de rotina do jornalismo mentos". Na terminologia da escola culturalista britânica, re- li'; ,01 que permitem aosjornalistas, diretores e agentes noticiosos decidir rotineira- correndo a Gramsci, as noticias, como parte da produção da mente e regularmente sobre quais as 'estórias' que são 'noticiáveis' e quais indústria cultural, contribuem para a "hegemonia ideológica". não são, quais as 'estórias'que merecem destaque e