Técnicas Retrospectivas - Unifatecie PDF
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UniFatecie
2024
Layane Alves Nunes
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This document is a course material on retrospective techniques focused on heritage preservation, specifically on the conservation of buildings. It discusses the concept and importance of heritage, the methodology behind its restoration, and the related legislative regulations and safeguarding mechanisms.
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TÉCNICAS RETROSPECTIVAS Professor(a) Dra. Layane Alves Nunes REITORIA Prof. Me. Gilmar de Oliveira DIREÇÃO ADMINISTRATIVA Prof. Me. Renato Valença DIREÇÃO DE ENSINO PRESENCIAL Prof. Me. Daniel de Lima DIREÇÃO DE...
TÉCNICAS RETROSPECTIVAS Professor(a) Dra. Layane Alves Nunes REITORIA Prof. Me. Gilmar de Oliveira DIREÇÃO ADMINISTRATIVA Prof. Me. Renato Valença DIREÇÃO DE ENSINO PRESENCIAL Prof. Me. Daniel de Lima DIREÇÃO DE ENSINO EAD Profa. Dra. Giani Andrea Linde Colauto DIREÇÃO FINANCEIRA Eduardo Luiz Campano Santini DIREÇÃO FINANCEIRA EAD Guilherme Esquivel COORDENAÇÃO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Profa. Ma. Luciana Moraes COORDENAÇÃO ADJUNTA DE ENSINO Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo COORDENAÇÃO ADJUNTA DE PESQUISA Profa. Ma. Luciana Moraes COORDENAÇÃO ADJUNTA DE EXTENSÃO Prof. Me. Jeferson de Souza Sá COORDENAÇÃO DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal COORDENAÇÃO DE PLANEJAMENTO E PROCESSOS Prof. Me. Arthur Rosinski do Nascimento COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA EAD Profa. Ma. Sônia Maria Crivelli Mataruco COORDENAÇÃO DO DEPTO. DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS Luiz Fernando Freitas REVISÃO ORTOGRÁFICA E NORMATIVA Beatriz Longen Rohling Carolayne Beatriz da Silva Cavalcante Caroline da Silva Marques Eduardo Alves de Oliveira Jéssica Eugênio Azevedo Marcelino Fernando Rodrigues Santos PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Bruna de Lima Ramos Hugo Batalhoti Morangueira Vitor Amaral Poltronieri ESTÚDIO, PRODUÇÃO E EDIÇÃO André Oliveira Vaz DE VÍDEO Carlos Firmino de Oliveira Carlos Henrique Moraes dos Anjos Kauê Berto Pedro Vinícius de Lima Machado Thassiane da Silva Jacinto FICHA CATALOGRÁFICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP N972t Nunes, Layane Alves Técnicas retrospectivas / Layane Alves Nunes. Paranavaí: EduFatecie, 2024. 85 p.: il. Color. 1. Documentos – Conservação e restauração. 2. Patrimônio histórico – Conservação e restauração 3. Edifícios – Conservação e restauração. 4. Patrimônio cultural - Conservação e restauração I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD: 23. ed. 363.690981 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 As imagens utilizadas neste material didático são oriundas do banco de imagens Shutterstock. 2023 by Editora Edufatecie. Copyright do Texto C 2023. Os autores. Copyright C Edição 2023 Editora Edufatecie. O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. AUTORA Professor(a) Dra. Layane Alves Nunes Doutora em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP/São Carlos; Mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Estadual de Maringá (2009); Especialista em Planejamento Ambiental pelo CESUMAR (2007); Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Maringá (2004); Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá; Professora conteudista com experiência no EAD na UniCesumar; Professora conteudista com experiência no EAD na UniFatecie; Professora de Pós-Graduação PEU (Engenharia Urbana) Stricto Sensu (mestrado) na Universidade Estadual de Maringá; Professora de Pós-Graduação Lato senso na UniCesumar; Profissional Liberal com experiência de projetos de arquitetura. Ampla experiência como profissional liberal no desenvolvimento de projetos de arquitetura, arquitetura de interiores e paisagismo; docente desde 2006, com atuação nas atividades descritas acima até no momento. Estudo aprofundado nas linhas de Pesquisa Planejamento Inteligente e a Formação do território norte Paranaense, este último também foi foco de desenvolvimento da minha tese de doutorado. Participante do Núcleo Maringá do BRCidades. CURRÍCULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/2009521020056198 3 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Prezado (a) aluno (a), se você está aqui é porque se importa com a sua profissão e o assunto desta disciplina faz parte dela, pois reúne diversos conhecimentos da nossa formação como: história da arte; história da arquitetura e do urbanismo; urbanismo; planejamento urbano; projeto de arquitetura; paisagismo; meio ambiente; entre outras, e, também outras profissões, aqui todos esses assuntos se reúnem e se solidificam dentro desta disciplina: Técnicas Retrospectivas. Nesta disciplina de Técnicas Retrospectivas você verá logo na primeira unidade que trabalhamos sobre o tema do Patrimônio, seja ele material (algo palpável, como uma construção) ou imaterial (algo não palpável, como uma língua). O Patrimônio é considerado, mundialmente, um bem de extrema importância para a cultura, o conhecimento e o crescimento de um povo, por isso é protegido por instâncias federais, para que as futuras gerações tenham o mesmo direito de conhecer a história. Nós arquitetos trabalhamos nessa área, esse é uma vertente de atuação, podemos desenvolver projetos de restauro ou trabalhar em órgãos que protegem o patrimônio como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Por isso, você irá aprender, também na unidade I, sobre o Patrimônio Edificado, o que é e como podemos agir sobre ele, mas para isso há uma metodologia. Nas Unidades II e III, você aprenderá como essa metodologia foi criada, chegando a formar a disciplina de Técnicas Retrospectivas, que nada mais é que técnicas do restauro. Tais técnicas se fundaram através das evoluções de diferentes teorias e experimentos, estudas e difundidas pelos teóricos do restauro, sobre estes trata essas unidades. E para fechar o seu conhecimento, a Unidade IV traz as regras legislativas que protegem e regem a restauração do Patrimônio, você entenderá como nós cidadãos podemos provocar um processo de identificação de bem patrimônio, chegando ao momento de protegê-lo pelo ato do tombamento. Depois deste breve relato do que você irá aprender com estas quatro unidades, tenho a plena certeza que seu pensamento, conhecimento e olhar sobre a materialidade das cidades, das paisagens e das culturas irá mudar, para melhor! Muito obrigada e bom estudo! 4 SUMÁRIO UNIDADE 1 O conceito de patrimônio: o patrimônio edificado UNIDADE 2 O início das teorias da conservação UNIDADE 3 A evolução das teorias da conservação UNIDADE 4 O processo do restauro: cartas patrimoniais, tombamento e inventário 5 Professor(a) Dra. Layane Alves Nunes Entender o conceito e a importância do patrimônio edificado; Compreender o que pode ser considerado patrimônio; O PATRIMÔNIO O CONCEITO DE Contextualizar exemplos de patrimônio edificado. PATRIMÔNIO: EDIFICADO Objetivos da Aprendizagem UNIDADE O Conceito de Patrimônio; O Patrimônio Edificado; Plano de Estudos 1........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... INTRODUÇÃO Caro(a) Aluno(a), esta unidade irá te trazer e, ao mesmo tempo, te levar para um conhecimento longínquo, pois também irei falar de história com você. Sim! História, cuja importância - para nós neste tema - está ancorada na formação da cultura que remete a educação. Você deve estar pensando: como isso se reflete na arquitetura? Isso se configura no momento em que reconhecemos um elemento, um objeto, ou uma imagem, ou seja, um bem, pode te contar algo de um povo. Assim, ao mantê-lo existindo perpetuamos a história. Esse elemento pode ser um bem móvel ou imóvel, - vou te explicar isso não se preocupe - neste contexto um bem imóvel pode ser uma construção, e aqui entramos para com o nosso trabalho de arquitetura. É sobre esse bem, quando edificado e materializado, que nós arquitetos trabalhamos, podemos preservá-lo e mantê-lo vivo para o sempre, contando a sua história para as próximas gerações. Mas isso, que se traduz em um projeto de intervenção que não pode ser realizado de qualquer forma, existe uma metodologia e uma normativa, que irá te guiar. Aqui, nesta unidade, iniciaremos o entendimento sobre essa especificidade da nossa profissão, aqui te contarei como identificar um bem patrimonial que deve ser preservado. nas próximas unidades você receberá o conhecimento deste processo. Para intervir é importante e muito relevante entender o que é Patrimônio, e suas classificações. Portanto, leia com atenção. Sua leitura te levará a compreender que muitos bens patrimoniais (re)passam conhecimento cultural de um povo para as futuras gerações, uma forma de manter vivo o registro de algo que deu origem a uma parte da sociedade. Por isso, existem diferentes classificações de patrimônio, mas como somos arquitetos vou focar no patrimônio edificado. Vamos lá! UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 7 1 TÓPICO CONCEITO DE PATRIMÔNIO Caro(a) Aluno(a), patrimônio é uma palavra muito conhecida, pode remeter a você ideia de memória, tem origem no latim “pater”, que significa pai, por isso muitos concluem que pode ser o que o pai deixa para o seu filho, e, seu significado passa a ser entendido como herança. Vou pegar como gancho da interpretação de herança, pois a partir dela podemos compreender que patrimônio passa a ser entendido como um conjunto de bens que possui algum determinado valor, de qualquer natureza. Mas, entender o significado de patrimônio apenas como algo que se traduz em valor monetário é muito pequeno, perto do quão poderoso e imenso é o seu significado (MAZZUCCHI FERREIRA, 2006). Vou ampliá-lo um pouco mais para você, incorporando a ideia de Cultura. Já que patrimônio significa algo valioso (no sentido amplo da expressão), ou seja, seu valor pode estar intrínseco em algo - mesmo que imaterial - que precisa ser perpetuado por longas gerações, como: uma língua, uma crença, uma arte, um costume, entre outros. Ao compreender a importância dos itens mencionados acima, entendemos o porquê preservar um bem patrimonial é preciso, uma vez que eles carregam uma carga cultural que embasa o conhecimento, o colocando dentro do processo de geração da educação. Esse bem apenas será valioso se ele guardar algum registro, que se remete a cultura, a história, a educação, etc (SANTOS, 1996). A questão tempo e identidade estão associados ao processo de reconhecimento do valor de um bem patrimonial, no sentido de que há uma importância em manter o passado vivo, mantendo o presente perpetuado, e, buscando preservar a história para o futuro. UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 8 Pois, um bem somente será preservado se ele existir no momento presente (MAZZUCCHI FERREIRA, 2006). Como exemplo, posso citar, o monumento do Arco do Triunfo (Figura 01), em Paris, um elemento físico que está implantado no sítio como um ponto focal, visto da Avenida Champs-Élysées, que guarda a memória das conquistas do império romano de outrora (GARNSEY e SALLER, 2001). O fato de manter este elemento restaurado e com a mesma importância imponente histórica, faz com que ele (o Arco do Triunfo) seja compreendido como um patrimônio que integre a categoria do pensamento, e, manter ele vivo mostra a importância de compreender essa memória e guardar o passado no futuro (Figura 02). Assim, compreenda que para que exista um bem patrimonial é necessário que ele seja reconhecido como tal, que seja a ele conferido seu valor histórico e/ou cultural, e depois que ele seja eleito como tal (GONÇALVES,2003). FIGURA 1: VISTA AÉREA DO ARCO DO TRIUNFO E PARTE DA CIDADE, VÊ-SE AO FUNDO DO MONUMENTO A AVENIDA CHAMPS-ÉLYSÉES, PARIS, FRANÇA Fonte: https://visualhunt.com/f7/photo/14857269806/55ba4868b4/ FIGURA 2: ARCO DO TRIUNFO Fonte: https://visualhunt.com/f7/photo/36429524632/92213331a8/ UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 9 Caro(a) Aluno(a), estou tentando explicar a você que patrimônio é um conceito que transpassa algo estagnado ou imóvel, se pensamos numa crença, fala ou religião, também é algo que está fora de museus. Assim, entenda como Patrimônio Cultural algo, ou um bem, que é dinâmico e transformador. Como um conjunto de elementos que são naturais ou construídos pelo homem, os dois podem estar isolados ou somados (CASTRO, 2003). Conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2012), um bem classificado como patrimônio cultural de um povo é o conjunto de saberes, expressões, práticas, fazeres, entre outros, que remetem à identidade desse povo. Por isso, considera-se como Patrimônio algo que seja tangível ou intangível. No Brasil, a legislação que compreende e classifica o Patrimônio Cultural é o Decreto de 1937 (BRASIL, 1937), que estabelece o patrimônio histórico como um conjunto de bens móveis e imóveis no País, cuja conservação é de interesse público, como memórias que visam salvaguardar da história do Brasil, seja pelo valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Já o Artigo 216 da Constituição Brasileira (BRASIL,1988) conceitua patrimônio cultural como um bem que pode ser de natureza material ou imaterial, individualmente ou em conjunto, de interesse coletivo, que tenha seu valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico, de natureza material e imaterial. Um exemplo de patrimônio material imóvel é a cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil (figuras 03 e 04). Ouro Preto é a primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio Mundial, e, uma das primeiras tombadas pelo IPHAN, ainda em 1938, entrou para a lista da Unesco em 1980. A cidade é um sítio urbano pouco alterado, com características de uma formação espontânea de vilarejo, com expressões artísticas que têm relevância internacional (UNESCO, 2021). FIGURA 3: CIDADE DE OURO PRETO, BRASIL Fonte: https://visualhunt.com/photo5/560430/ UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 10 FIGURA 4: MUSEU DA INCONFIDÊNCIA, OURO PRETO, BRASIL Fonte: https://visualhunt.com/f7/photo/51693377198/31832c392f/ O que é preciso compreender é que o patrimônio cultural, seja de natureza material e/ou imaterial, possui a memória de algo único, que lembra ou remete a algo de um povo, por isso precisa ser contato para a humanidade (COUTINHO, 2004). Mesmo que a limpeza Cultural seja uma prática utilizada por diversos povos ao longo da história, cuja a intenção seja a de ocultar a memória de outro povo - foi um modo de proceder - isso deve ser eliminado da prática contemporânea. Mas, infelizmente, essa prática se perpetua, alguns dos bens inscritos na Lista do Patrimônio Mundial se tornaram alvo das ações do Estado Islâmico (Islamic State of Iraq and Syria), cuja intenção é a mesma de outroda, de destruir a memória, a identidade, que resulta na imposição de uma nova ideologia (FONSECA, 2017). Você deve então estar pensando porque preservar? E como preservar? Preservar é evitar que um bem chegue ao estado de ruína, ou seja, é evitar que algo de importância cultural desapareça. Assim é um meio de como isso pode ser realizado. Portanto, é uma ação preventiva que realiza a conservação do bem (RESTREPO, 1985). Compreenda dentro desta lógica que um dos atos de preservar é conservar. Para conservar há a necessidade de definir cuidados com o ambiente, com o tratamento dos elementos físicos (da matéria) do bem, que objetivam deter e/ou adiar os processos de deterioração que podem levar ao desaparecimento ou ruína. A conservação também pode ser preventiva, uma intervenção indireta, onde a atuação previne a deterioração por elementos e/ou condições externas, como: temperatura, umidade, iluminação, qualidade do ar etc. Assim, a conservação visa manter ou restabelecer a unidade do bem (que pode ser um edifício), necessariamente sem cometer falsificações, sejam artísticas e/ou históricas e também sem alterar os traços característicos da passagem do tempo - a pátina do tempo - sobre a obra. UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 11 A ação curativa também pode estar inclusa no pensamento e nas ações da conservação, porém esta é a Restauração, restituindo valores e elementos imprescindíveis para o entendimento da totalidade de um bem (RESTREPO, 1985). Ou seja, todo esse entendimento faz com que compreendamos a necessidade e a importância de se restaurar e conservar um bem. A restauração é um ato ativo em uma obra que visa intervir o menos possível, com o objetivo de cuidar e zelar pela utilização de materiais que sejam identificados como novos e diferentes dos originais, que possam ser também reversíveis. Isso evita que falsificações artísticas ou históricas sejam efetivadas em uma obra ou bem. O trecho acima nos mostra que essa atividade profissional tem uma técnica e uma base científica, que há um processo de atuação sobre um bem e sua originalidade deve ser preservada (RESTREPO, 1985). A valorização do patrimônio então depende de um olhar apurado e cuidadoso para definir o que é patrimônio, que pode e deve ter a participação da comunidade, que irá dizer a sua relevância. Por isso, você enquanto arquiteto(a) precisa conhecer de história e de cultura, para saber identificar um patrimônio e intervir sobre ele, pois essa é uma das nossas linhas de atuação profissional. UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 12 2 TÓPICO O PATRIMÔNIO EDIFICADO No trilhar do caminho pela construção cultural do que é o patrimônio, as decisões de escolhas e a definição de seu espaço fazem parte do processo da caminhada que pode gerar conflitos, pois para sua definição há um processo de reivindicação (isso será explicado na última unidade). Assim, escolher o bem que será definido como patrimônio é um processo eletivo de algo que irá representar um grupo, ou um momento, uma sociedade ou a própria humanidade (NORA, 1997; MAZZUCHI FERREIRA, 2006). Num primeiro momento deste processo o edifício não era tido como um bem que tivesse seu valor histórico ou cultural intrínseco, mas sempre foi entendido como um bem único que pode representar algo de uma época, uma vez que traz consigo a evolução dos estilos arquitetônicos. E por isso, pela sua definição de estilos, que marcam as épocas de sua construção, este passou a ter sentido e força cultural para perdurar no tempo e ser considerado um bem patrimonial. Hoje a noção de patrimônio do edificado ultrapassa a área do edificado e compreende a importância do local de inserção deste bem edificado, assim, consensualmente, a noção de patrimônio se estendeu para espaços que envolvem os edifícios importantes, um conjunto edificado, edificações em áreas rurais, e o que muito se vê no Brasil centros urbanos históricos de cidades e vilas (LUSO et al, 2004). Todos esses espaços, também denominados como sítios, passaram a compor a lista de patrimônio edificado. Portanto, dentro deste espectro de bens patrimoniais edificados nós arquitetos(as) entramos em cena, com nosso trabalho. UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 13 Segundo Luso (et. al, 2004), a atividade de restauro é exercida por arquitetos desde os séculos XVIII e XIX, antes disso alguns bens edificados, como monumentos, foram alvos de ações de conservação, até de alterações de uso e renovações que os descaracterizaram, por isso, não são ações, hoje, consideradas como restauro. Junto da evolução técnica da construção e de suas renovações de estilos, também houve a evolução do conceito, técnicas e aplicações da atividade do restauro em bens patrimoniais (este é o assunto das próximas duas unidades). Neste sentido as atividades de conservação e restauração são consideradas modernas, devido ao momento em que bens edificados passaram a serem tidos como patrimônio e também pela maturidade histórico-artísticas do ato de conservá-lo. A destruição, realizada oriundas de diversas naturezas, é um ato inimigo dos bens patrimoniais, pois desde os tempos antigos as disputas de território destroem áreas, povos e suas heranças (GOODY, 2005; FONSECA, 2017). A civilização Asteca é um exemplo disto, é uma das civilizações que desapareceram em decorrência da conquista espanhola (do surgimento da pólvora), associado ao surgimento de doenças (como a Varíola) no seu território (Figura 05). O império asteca foi conquistado em 1521 pelo espanhol Hernando Cortez, seu território estava onde hoje é a cidade do México, Tenochtitlan (SILVA, s/d). Mais recentemente, houve o caso da destruição dos Budas de Bamiyan pelo Talibã (Figura 06), que estavam no Templo de Baal-Shamin em Palmira, apesar dos avanços em instrumentos jurídicos internacionais para salvaguardar bens culturais (BEHZAD, QARIZADAH, 2015). FIGURA 05: RÉPLICA DA PEDRA DO SOL ASTECA, OBRA MAIS FAMOSA DESTE POVO, LOCALIZADA NO JARDIM DE UM CENTRO CULTURAL NA CIDADE DO MÉXICO Fonte: Shutterstock UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 14 FIGURA 06: A ESTÁTUA DO BUDA BAMIYAN, ANTES E DEPOIS DO ATAQUE QUE O DESTRUIU, REALIZADO EM 2001, PELO TALEBÃ Fonte: Behzad, Qarizadah (2015, p. 150) A técnica, ou a aplicação, do restauro tem registro de seu início, ainda não moderno ou aprimorado, na Grécia Clássica, onde era exercido para manter a funcionalidade do monumento, que tinha seu espírito de crença “impresso” em si. Nesse momento, o restauro era exercido como uma atividade que objetivava restabelecer a ligação do monumento com a divindade, ou seja, era uma reutilização e recuperação dos bens, para que a espiritualidade fosse mantida (ARAÚJO, 2003). Assim, podemos compreender que os gregos não eram críticos na questão de como executar a restauração, pois não reconheciam a matéria como um elemento autêntico e artístico, tanto que realizavam cópias dos elementos originais e as posicionavam em locais específicos. Como exemplo, temos o caso das Cariátides, hoje no local (o templo dedicado a Atena e a Poseidon, na Acrópole de Atenas) estão expostas suas réplicas, não as estátuas originais, estas estão no Museu de Atenas. Este fato é alvo de inúmeras críticas pela remoção da obra de seu local original (ARAÚJO, 2003; RIBEIRO, 2019; Figura 07). UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 15 FIGURA 07: AS CARIÁTIDES NO TEMPLO DE ATENAS E POSEIDON, UMA VISTA DE PARTE DO TEMPLO COM ELAS E OUTRA VISTA COM DETALHE, NA SEQUÊNCIA, AS ORIGINAIS EXPOSTAS NO MUSEU Fonte: Shutterstock. Em muitos dos monumentos preservados oriundos da cultura clássica, tanto na Grécia como pelo mundo, estes estavam em condição de ruína, seu valor como patrimônio único é reconhecido sem dúvidas. Para a recuperação algumas formas de restauro foram aplicadas, entre elas a Reintegração de peças, a forma mais comum de resolver o problema dos espaços vazios, denominados de lacunas, o preenchimento delas foi realizado pelo processo de anastylosis (uma remontagem de peças que estavam em estado de desagregação), para a execução das novas peças novos materiais, diferentes dos originais foram utilizados, permitindo assim o reconhecimento do antigo e do novo, além do essencial: a integração em harmoniosa do conjunto. Este tipo de ação não é muito bem quista, é permitida em situações que exista a indiscutível necessidade para manter a unidade da obra (ARAUJO, 2003). O ato de restaurar deve atender a ideologia política e cultural, no qual há a preocupação essencial de salvaguardar o monumento escolhido para contar a história pelo qual foi tombado. Na antiguidade, restaurar significava reinterpretar o antigo, mantendo-o vivo sob quaisquer características. Mais tarde, com o reconhecimento da importância artística de um bem, a ideia de renovação caiu em desuso e o conceito de restauro passou a pesar pela autenticidade de uma obra tombada. Assim, não mais foram admitidos atos de intervenções que pudessem promover a falsificação, do todo ou parte, de obra original (ARAUJO, 2003). UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 16 Um exemplo desse esforço vem em decorrência da manutenção do estilo Barroco, que surgiu como um contraponto ao estilo Classicismo renascentista. O Barroco foi o estilo artístico adotado pela Igreja Católica, que financiou inúmeros artistas para ornamentar suas edificações, velhas ou novas. O estilo se encaixou perfeitamente pelas sensações repassadas de uma arte que explora o contraste entre o claro e o escuro, que mostra movimento e dinamismo, onde a assimetria entre a curva e a reta lembrava a grandiosidade de Deus sobre o homem. Um exemplo, com o mesmo peso do Templo do Panteão (um dos monumentos romanos mais famosos) é a Praça da Rotunda, situada à frente do templo, onde no seu centro está a fonte de Giacomo della Porta, esculpida por Leonardo Soriani, em 1575 (GLANCEY, 2001; Figura 08). Ao mesmo tempo em que a Europa estudava e preservava seu patrimônio, no Brasil estávamos no período colonial, quando o Barroco tomou força, continuidade e destaque, principalmente o Mineiro, que teve como destaque o artista Antônio Francisco Lisboa, famoso Aleijadinho. Você já ouviu falar dele, Aleijadinho, foi um artista que teve dentro do espectro de sua obra projetos arquitetônicos, relevos e entalhes em madeira, estátuas feitas com diferentes materiais - entre eles pedra sabão - suas obras estão concentradas em Minas Gerais. Os principais locais/monumentos que abrigam suas obras são a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos (Figura 09). O artista é considerado o maior artista colonial do Brasil, para alguns estudiosos foi o maior nome do Barroco americano, merecendo seu lugar na história (PORTES, 2014). FIGURA 08: A PRAÇA DA ROTONDA, ESTÁTUA E PANTEÃO AO FUNDO Fonte: Shutterstock UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 17 FIGURA 09: OBRAS DE ALEIJADINHO NO SANTUÁRIO BOM JESUS DE MATOSINHO EM CONGONHAS Fonte: Shutterstock No Brasil, o movimento barroco predominou no período da Colônia, o neoclassicismo no momento do Império e o ecletismo durante a Primeira República, todos tiveram origem na ideia de os governantes demonstrarem inovação e riquezas, com a arquitetura, urbanismo e paisagismo. O Ecletismo expressou-se pela junção de todos os outros estilos do passado e das mais diversas manifestações culturais mundiais, no nosso país serviu a burguesia, advinda da exploração do plantio do café, o estilo deu forma a diversas mansões construídas na Avenida Paulista, entre ela a das Rosas (FABRIS, 1993). Como contraponto, aqui no Brasil e no Mundo nasceu o movimento moderno, onde muitas novas técnicas construtivas, a exemplo do concreto protendido, foram aplicadas, isso mudou a forma da arquitetura, seu uso e seus ornamentos, estes últimos banidos das edificações. A arquitetura moderna chegou ao Brasil e fez história com a criação de muitos arquitetos nacionais, cujo ícone é um exemplar brasileiro tombado pelo patrimônio histórico mundial, foi Brasília, nossa capital, situada no Distrito Federal (BITTAR, 2016; Figura 10). FIGURA 10: VISTA AÉREA DO PLANALTO CENTRAL DA CIDADE DE BRASÍLIA, ÍCONE DO MOVIMENTO MODERNO, CAPITAL DO BRASIL Fonte: Shutterstock UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 18 Caro(a) aluno(a), te deixo aqui a indicação para pesquisar pela internet, como no google maps e no street view, as cidades mineiras brasileiras consideradas patrimônios históricos pela Unesco. Você pode buscar ver as imagens destas cidades como Ouro Preto, Mariana, São João del Rei, cidades mineiras que contém um acervo vivo de patrimônio tanto material quanto imaterial sobre a história da formação do nosso Brasil. Durante a busca, você verá construções feitas em taipa, as diferentes fases do barroco aplicadas nas construções e nos interiores das igrejas e edifícios públicos, entenderá a formação das cidades, iniciada pela praça central, e como ela se adequa ao terreno íngreme (muitas vezes!). Tenho certeza que será um passeio cheio de informações que te fará compreender a importância das edificações históricas para o futuro de uma sociedade. Fonte: A autora (2023). Caro(a) aluno(a), você deve estar pensando, para que eu preciso saber sobre patrimônio, o que isso traz pro meu dia-a-dia? Eu te respondo, isso é o que irá te diferir de todos(as), pois é a partir da cultura que uma sociedade se forma e se torna coesa, portanto, esse bem cultural - que é o patrimônio - mostra a raiz de uma parte da história, por isso, aquele bem é relevante para ser preservado! Fonte: A autora (2023). UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 19 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), tenho a certeza de que esta unidade te fez refletir sobre o que de fato é o significado de Patrimônio e também sobre o que podemos considerar como sendo um bem patrimonial, dentro do seu olhar de usuário da cidade e do planeta. Sendo arquitetos(as), refletimos ainda mais sobre isso, pois é alvo de uma das nossas áreas de atuação. E ainda, é certo de que você possui a consciência do porque é importante salvaguardar um bem patrimonial, isso pode ser realizado por meio dos atos da restauração e da conservação, desde que mantenha íntegra unidade do bem patrimonial. Entenda que tanto de modo teórico como prático o arquiteto(a) é responsável por uma obra de restauro, para isso precisamos ter conhecimentos base visando contribuir para não realizar equívocos deformadores, que possam prejudicar a identidade de uma obra. Para agir sobre uma obra preservada - seja ela nacional ou não, vimos que há muitos exemplares extraordinários no nosso país - é preciso obter uma vasta formação cultural. Iniciamos ela aqui, espero que tenham compreendido isso! Até a próxima unidade! UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 20 LEITURA COMPLEMENTAR Caro(a) aluno(a), te indico a leitura de uma cartilha elaborada, por ninguém menos, que o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico), a leitura dela irá te auxiliar a compreender com mais profundidade o que é Patrimônio, nela está abordado o tema, a legislação que o envolve, e, exemplos de bens patrimoniais brasileiros. Tenha uma ótima leitura, você irá gostar, e, ainda, o material é ricamente muito ilustrativo. Bibliografia (site para baixar o material): IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Patrimônio mundial: fundamentos para seu reconhecimento – A convenção sobre proteção do patrimônio mundial, cultural e natural, de 1972: para saber o essencial. Brasília, DF: Iphan, 2008. 80p. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Cartilha_do_patrimonio_mundial.pd Acesso em 27 fev. 2023. UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 21 MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: A alegoria do patrimônio Autor: Françoise Choay Editora: Estação Liberdade Sinopse: esse é um livro ícone do assunto desta unidade, não obstante foi um dos livros base utilizado. O livro trata de o por que o patrimônio histórico, arquitetônico e urbano conquistou um público universal. Fala também de como seu conhecimento, sua conservação e restauração se transformaram numa questão crucial para todos os países. Esta investigação abrange cinco séculos, defende uma mudança de paradigma que possa reverter a indiscriminada e acelerada especulação com os bens culturais e mostra como nossa herança arquitetônica e urbana revela-se alegoricamente como um espelho cuja contemplação narcisista aplaca nossas angústias. FILME/VÍDEO Título: A invenção do sertão. Ano: 2007 Sinopse: Este filme é um documentário produzido com o apoio do Edital de Apoio à Produção de Documentários Etnográficos sobre o Patrimônio Cultural Imaterial. O filme vasculha o imaginário dos artesãos populares Françuir e Maurício, residentes na região do Cariri cearense, que através de suas criações em flandres e suas vidas expressam a relação do homem com a cultura do lugar, o cotidiano, a religiosidade, o trabalho, o lazer, os pensamentos e a filosofias dos dois artistas (IPHAN, 2007). Link do vídeo: http://portal.iphan.gov.br/videos/detalhes/151/a- invencao-do-sertao ou https://youtu.be/iM7sITCwltk UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 22 WEBSITE: UNESCO Apresentação do link: A Unesco é parte integrante da ONU (Organização das Nações Unidas). Ela é responsável pelas ações voltadas para a educação, a ciência e a cultura. Foi criada em 1946, com a função de promover o desenvolvimentismo social dos países-membros mediante diversas ações. Uma delas é a de definir o que é considerado patrimônio mundial, visite o site para saber mais, apontei também o link da Unesco no Brasil, onde estão definidos nossos patrimônios mundiais. Link 01: https://www.unesco.org/ Link 02: https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/expertise/world- heritage-brazil UNIDADE 1 O CONCEITO DE PATRIMÔNIO: O PATRIMÔNIO EDIFICADO 23 Professor(a) Dra. Layane Alves Nunes Conceituar como se iniciou o processo de reflexão acerca do tema Conhecer os primeiros teóricos e profissionais da restauração; Aprofundar um pouco mais sobre a importância das teorias da CONSERVAÇÃO O INÍCIO DAS TEORIAS DA da conservação do patrimônio edificado; Objetivos da Aprendizagem O início da teoria da conservação; UNIDADE Os primeiros teóricos. Plano de Estudos 2 restauração............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ INTRODUÇÃO Caro(a) Aluno(a), nesta apostila vamos juntos conhecer e refletir sobre quais foram os elementos que marcaram o início e formularam a base desta disciplina, conforme registros as discussões iniciais sobre o tema da preservação se deram na França, por volta de 1887, com a aprovação da primeira lei que discutia monumentos históricos, o que tornou o ato de preservar fundamental e obrigatório. Diante disso, sabemos por que a França ser considerada o berço da preservação, ao longo do tempo o ideário inicial tomou corpo e se modificou, reuniu novas ideias e pensamentos mais atuais, e mais tarde o país que mais se destacou nesse tema foi na Itália, hoje conhecida como uma nação exemplo em restauração. A partir da leitura desta unidade você compreenderá como o processo de restauração se iniciou e foi alterado conforme nossos teóricos o praticavam, descreviam e reinventavam o pensamento da preservação e conservação, tanto dos bem materiais como dos imateriais. E com o passar do tempo e as discussões foram mais embasadas hoje o ato de restaurar um bem deve seguir um método de ação, com isso o trabalho dos arquitetos restauradores se tornaram fundamental, somados a outros profissionais, pois este é um campo de trabalho multidisciplinar. Para o ato de restaurar ter a formatação que é hoje – isso você verá na próxima unidade - este foi repensado e estudado por inúmeros estudiosos, que chamamos de teóricos do restauro, junto disso o conceito de patrimônio também teve sua evolução, ou seja, todo o conjunto de ideias a cerca destes temas que culminam no campo de trabalho que é a teoria da restauração, cuja evolução foi gradativa e cheia de percalços, e para aprendermos um pouco mais sobre a produção cientifica os grandes teóricos, que a iniciaram, não podem ser desconhecidos deste processo, nesta apostila você irá conhecer três dos primeiros pensadores: Viollet-Le-Duc; John Ruskin e Camillo Boito. UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 25 1 TÓPICO O INÍCIO DA TEORIA DA CONSERVAÇÃO A Europa passou por inúmeras transformações sociais e de estilos durante o século VIII, entre elas o iluminismo, a Revolução Industrial – mais forte na Grã-Bretanha – e Revolução Francesa que causou inúmeras destruições. Durante ou posteriormente a estes eventos (não há datas assertivas) a necessidade de recuperação, ou seja, restauração dos bens do passado, de importância histórica, se tornou necessário e discussões sobre o tema foram iniciadas e culminaram nos conceitos que hoje denominamos de restauro, isso fundamentou a importância da cultura, com base no conhecimento histórico, mais tarde passou a ser aplicado com maior rigor em seus métodos e procedimentos (KÜHL, 2006). O marco deste processo de nascimento do restauro pode ser considerado o momento da Revolução Francesa, pois o resultado deste “vandalismo” revolucionário foi a quase exclusão dos remanescentes da arte medieval, e a recuperação desde exemplares resultou nas primeiras, mas ainda pequenas, providências oficiais que mantivessem salvos os monumentos históricos, mais tarde houve a promulgação de uma lei específica obrigando e regulamentando as restaurações, além de criar um órgão público específico para estas ações (KÜHL, 2006). Então, na primeira viagem do inspetor de tombamento Mérimée, ele determinou a proteção da Igreja de Saint-Savin (que tinha muitos problemas estruturais e por isso estava prestes a ruir; ver figura 01), mandando tombá-la e preservá-la, porém como ele não era arquiteto, mas historiador e estudioso de artes, sua missão o fez se chocar também com seu primeiro problema, que iria restaurar a igreja (CHOAY, 2006). UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 26 FIGURA 01: IGREJA DE SAINT-SAVIN Fonte: Shutterstock Em geral, a falta de conhecimento específico era global, então o assunto foi incorporado nas escolas de arquitetura e a partir era clássica, um conhecimento mais específico foi adquirido. Nesse intermédio de tempo, muitas restaurações sem sucesso foram realizadas, muitas artes foram perdidas, ao invés de restauradas. Decorrente disto, no Século XX, estudos resultaram em conhecimento técnico e científico sobre conservação e restauração, o que levou o conhecimento histórico a ser uma pauta na formação dos arquitetos (CHOAY, 2006). UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 27 2 TÓPICO OS PRIMEIROS TEÓRICOS Esse primeiro momento do contexto de debates e estudos sobre a restauração derivou em visões divergentes que se destacaram: uma defendida o intervencionismo, que se difundiu no maior número de países; a outra defendia o antiintervencionismo, mais aplicado na Inglaterra. Esse antagonismo foi defendido principalmente por dois teóricos: Viollet-Le-Duc (figura 02) e John Ruskin (figura 03). Já Camilo Boito (figura 04), o terceiro teórico a ser tratado nesta unidade, tinha uma proposta de entendimento de restauro que intermediava as duas anteriores, esta fundamentou muito do que é a teoria do restauro aplicada na atualidade (CHOAY, 2006). FIGURA 02: SELO COMO ROSTO DE VIOLLET-LE-DUC Fonte: Shutterstock UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 28 FIGURA 03: BUSTO DE JOHN RUSKIN Fonte: shutterstock FIGURA 04: FOTOGRAFIA DE CAMILLO BOITO Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Arch._Camillo_Boito_(1836-1914).jpg UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 29 2.1 Viollet-le-Du Viollet-le-Duc foi o primeiro pensador a introduzir discussões de posturas profissionais e decisões projetuais a cerca do restauro, foi arquiteto, francês, era admirador do estilo Gótico, o que justifica seus trabalhos envolvendo a restauração de construções góticas. Ele desempenhou inúmeros cargos públicos, entre 1834 e 1850, foi professor da Escola de Desenho, foi auditor do Conselho de Construções Civis, e trabalhou como adjunto no restauro da Sainte Chapelle, obra considerada seu laboratório experimental. Também fez parte do conselho de especialista, que em 1937, foi criado para orientar os órgãos públicos responsáveis por este tema (CESCHI, 1970; COSTA, 2005). Em 1840, Viollet-le-Duc foi escolhido para realizar a restauração da Igreja de Vézelay (figura 05), onde obteve um excelente resultado, o que o levou a em 1842 ser convidado para participar do concurso de restauração da Notre-Dame de Paris, neste seu projeto escolhido e executado. Um pouco depois, em 1846, ele foi o responsável pela restauração de Saint-Sernin, de Toulouse. Reunidas todas estas experiências, sua bagagem aumento e ele tornou um grande especialista na área, com diversas nomeações para executar obras restauro em edificações (COSTA, 2005) Para Le-Duc, restaurar significava manter vivo o valor histórico de um bem, como justificava defendia que para isso era necessário repor a forma anterior, ou antiga, em sua totalidade. Esse pensamento depois foi nominado de Restauro Estilístico, que deixou de ser praticado com o tempo, mais a frente no texto você compreenderá o porque (CESCHI, 1970). FIGURA 05: IGREJA DE VÉZELAY, ANTES E DEPOIS DO RESTAURO, RESPECTIVAMENTE Fonte: Saracco (2020, p.17); Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/vezelay-france-august-31-2020- facade-1808923954 UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 30 Além da prática profissional de arquiteto restaurador, Le-Duc também escreveu diversos documentos, em diferentes formatos que difundiram suas ideias. No texto Dictionnaire ele apresentou claramente sua teoria e experiência prática, que defendia intervenções incisivas, com reconstituições de problemas, justificando isso defeitos que não deixavam a obra ser observada globalmente. Essa visão da reconstrução tornou-o um restaurador polêmico, pois as reconstruções de sua autoria eram embasadas em suposições hipotéticas, uma vez que não havia registros de como eram essas construções quando projetadas ou construídas (COSTA, 2005). E defendia que “restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em dado momento” (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p.29). Como escrito acima, o estilo de restauro de Viollet-le-Duc era o estilístico, cujo ato de restaurar era o devolver a obra ao seu estado completo, dentro desta visão suas principais recomendações, segundo Costa (2005, p. 42) eram: estudo aprofundado de todas as partes da edificação, através de documentação segura; levantamentos gráficos; os arquitetos encarregados devem ser construtores hábeis e experientes com conhecimento de construção de diferentes épocas; o arquiteto encarregado deve conhecer a estrutura da edificação, sua autonomia, seu temperamento para após intervir, se cercar de todas as informações importantes; os operários da construção deverão ser instruídos e formados para este fim, conscientes e responsáveis; as partes faltantes devem ser substituídas por materiais melhores e por meios mais eficazes e resistentes; os materiais devem ser pesquisados onde foram retirados; as novas inserções não devem ser dissimuladas; usar a fotografia para auxiliar nos levantamentos gráficos Mesmo tendo sido muito criticado, Viollet-le-Duc deixou seu legado, ele tinha seu conceito formulado na unidade global e formal resultante da obra, algumas vezes isso reproduziu distorções da realidade de cada bem que ele possa ter restaurado ou a restauração tenha sido baseada em seus fundamentos. Mesmo diante dessas críticas seus ensinamentos foram muito importantes, um dos pontos mais relevante é a busca por documentações de um bem antes de ele ser restaurado e essa documentação deve UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 31 ser produzida após o restauro (KÜHL, 1998). Sua obra mais emblemática e mais famosa é sem dúvidas a catedral de Notre-Damme de Paris, onde foram realizadas propostas de consolidação, ornamentação e melhoria no sistema de escoamento das águas, a reconstrução da flecha e a restauração das fachadas laterais, também houve a execução de acréscimos escultóricos. A obra durou 20 anos, neste tempo Viollet-le-Duc teve várias funções como mestre-de-obras e coordenador de diversos projetos (KÜHL, 2006). FIGURA 06: IGREJA NOTRE-DAME DE PARIS AO FUNDO, A FRENTE UM CENÁRIO TÍPICO PARISIENSE DO RIO SENA Fonte: Shutterstock 2.2 John Ruskin Com pensamento e doutrina oposta ao que Viollet-le-Duc defendia, John Ruskin, Inglês, estudioso crítico de artes, com paixão pela arquitetura gótica, introduziu uma discussão que mais tarde seria conhecida como Restauro Romântico, pois tinha como objetivo de preservar a forma original de um bem. Defendendo seu pensamento, Ruskin era enfático em dizer que não havia sentido restaurar, pois no processo da restauração a autenticidade de uma obra era tirada, para ele o que foi colocado pelo executor não poderia ser substituído sem criar falsas imitações, isso demonstra o quão seu pensamento era oposto ao de Viollet-le-Dec (COSTA, 2005). Tanto que em sua principal obra escrita, The Seven Lamps of Architecture (1849), ele destinou um capítulo específico para explicar como a arquitetura era o elementos central e o mais importante dentro do tema da conservação e restauração (RUSKIN, 1996; KÜHL, 1998). Para Ruskin, cuidar dos monumentos era preciso e necessário, porém, para isso, não é necessário restaurá-lo, uma vez que ele defendia o estado de ruína. De forma mais clara: para Ruskin a morte da obra era inevitável no dia em que ela chegar, esse é o romantismo da visão dele, que enxerga a ruína do bem como algo a se preservar. Pois, a ruína faz parte da história contada daquele bem, e o belo é a defesa da essência sem imitações. Dentro desta linha de pensamento, Ruskin deixou recomendações para tratar monumentos históricos, segundo Costa (2005), são elas: UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 32 As restaurações são tidas como imitações absurdas, que geram falsidades se inserções forem executadas; A preservação não obrigada a necessidade de restauração; O estado de ruína deve ser o cerne da discussão e das ações sobre uma obra; A ruína é a maior beleza daquele bem. Para Ruskin (2008), a arquitetura é elo de ligação entre o passado e o presente, sendo a fonte histórica indiscutível. Ele demonstra que mesmo sua defesa fatalista pode ser equilibrada com a admissão de intervenção invisível, isso reconhece a necessidade de impedimento de degradação, mas demonstra que o monumento é parte integrante na natureza de um conjunto. Sua obra mais emblemática foi a manutenção da Catedral de Sens, a mais antiga da França (figura 07; COSTA, 2005), vendo ela podemos compreender o que ele dizia sobre a importância das marcas do tempo em uma edificaçãoela conta a sua história e isso dá dignidade para a obra, e seu testemunho duradouro é a maior dignidade de um bem patrimonial. Ruskin escreveu: “É naquela mancha dourada do tempo que devemos procurar a verdadeira luz, a cor e o valor da arquitetura.” (RUSKIN, 2008, p. 68). FIGURA 07: IMAGEM DA ENTRADA PRINCIPAL DA CATEDRAL DE SENS, EM YONNE, FRANÇA Fonte: shutterstock 2.3 Camillo Boito Camillo Boito (figura 04) era engenheiro e arquiteto, italiano, suas teorias se fundamentam na escola francesa, porém não é totalmente adepto as teorias de Le-Duc, e assim ele mescla suas ideias no antagonismo entre este e Ruskin. Isso demonstra que tem ele tem uma base no pensamento de Viollet-le-Duc, e depois de participar de três congressos do final do século XVII, ele construiu suas diretrizes para práticas de preservação, segundo Costa (2005, p.46), são elas: UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 33 “ dar valor a documentação do monumento; dar preferência a consolidações que a reparos; evitar o uso de acréscimos e renovações, o objetivo é manter o caráter original e harmônico do conjunto da obra; obras de consolidação devem estar limitadas apenas ao que for necessário estruturalmente; todas as etapas das obras devem ser documentadas; a data da intervenção deve ser informada nas obras”. Estas diretrizes mais tarde deram corpo à lei italiana de 1909, que regulamentaram as práticas de preservação no país. Além disso, em 1931, apresentou na Conferência de Atenas um balanço das ações italianas de restauro. Seus manuscritos foram base para as formulações das teoria de Giovannoni (você o conhecerá na próxima unidade), tendo seu pensamento nominado como Restauro Moderno (CHOAY, 2006). Boito defendia a necessidade de manter o monumento vivo e presente, e para isso a intervenção é uma prática importante e relevante neste processo, e foi a partir da definição dos seus princípios que as suas teorias de restauração passaram a ser aplicadas e se tornaram indispensáveis dentro deste processo (BOITO, 2002). Boito, definiu oito princípios que iriam direcionar as ações de intervenção, segundo Costa (2005, p. 47), são eles: 01) diferenciar os elementos novos dos velhos; 02) diferenciar os materiais de construção; 03) suprimir linhas e ornamentos; 04) expor as partes removidas; 05) identificar as partes renovadas com a data de que foram restauradas; 06) inserir uma descrição do monumento; 07) gerar uma documentação (descrição e fotografias) do período de execução da obra; 08) notoriedade. De acordo com Kühl (1998, p.23), Boito concebeu a restauração como um processo distinto, por vezes, oposto à conservação, porém necessário. Para ele, desenvolver essa atividade era fundamental, uma análise profunda do bem deveria embasar e substanciar o caminho da restauração, essa ideia central foi atribuída por ele tanto para bens materiais como para os imateriais, onde as obras a marca do tempo deveria estar em evidencia, e não o estilo do restaurador (COSTA, 2005). UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 34 A sua obra mais difundida foi a Porta Ticinese (figura 08), em Milão, nela ele atribuiu a unidade formal dentro de um estilo original (OLIVEIRA, 2009). FIGURA 08: PORTA TICINESE AO FUNDO E UMA COLUNATA A FRENTE Fonte: Shutterstock Boito criou uma base doutrinária que mescla os pensamentos antagônicos dos teóricos anteriores, e esta ancorada em informações, e, processo de arqueologia e de arte. Sua teoria foi colocada em prática e mais tarde foi imprescindível para formular a obra mais inovadora, porém hoje é pouco estudada (CHOAY, 2006). A evolução das formas de trabalho dentro do campo da restauração foi repensada e retrabalhada ao longo do tempo, quando seus limites e críticas apareciam, outros pensadores inovaram e evoluíram o pensamento. E vemos a partir destes três teóricos uma evolução que media as práticas das ações do homem sobre as obras e se preocupa em deixar em evidência a identidade do bem, seja ele qual for. Para isso, é preciso ter competência e imparcialidade e pensar que restaurar é um método que deve ser efetivo. Fonte: Choay (2006, p. 53). “Boito contribuiu [...] para a formulação dos princípios modernos de restauração, [...] defendia o respeito à matéria original da pré-existência, a reversibilidade e distinção das intervenções, o interesse por aspectos conservativos e de mínima intervenção, [...] buscou harmonizar as arquiteturas do passado e do presente a partir da distinção de sua materialidade.” Fonte: Oliveira (2009, s/p.). UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) Aluno(a), busquemos compreender que a discussão entre os teóricos apresentada acima. Viollet-Le-Duc defendia que restaurar um edifício era restituí-lo a um estado completo, mesmo que hipoteticamente, pois poderia estar embasado na repetição formal de outras obras ou autores similares, por defender essa posição foi acusado de praticar um Falso-Restauro. Já Ruskin, defendia o “intervencionismo radical”, uma vez que não se sabia como e o que fazer, sendo contrário à imitação ou ao falso restauro, defendeu a poética das marcas do tempo como uma característica única (CHOAY, 2006, p. 154). Esse antagonismo dos dois gerou muitas discussões e de certo modo embasam o que é o restauro hoje, que defende que os dois tinham uma parcela de certezas em suas teorias, em suma: a obra não deve chegar a ruína, mas deve ser preservada, portanto, se necessário restaurá-la, isto deveria ser feito com base em documentos e sem cometer o falso restauro, isso é que Boito passou a defender, mediando os pensamentos anteriores, ele teve sua parcela de inovação. Dentro desse pensamento, também foram formulados os pilares do restauro aplicados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que defende a manutenção das marcas do tempo como essenciais, já as ideias de Viollet-le-Duc foram apagadas por serem consideradas imitação, consequentemente falsificação, e os pensamentos poéticos de Ruskin, sobre o estado de ruína, são estudados a cada caso, e aplicados como manutenção preventiva. UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 36 LEITURA COMPLEMENTAR Caro(a) aluno(a), deixo aqui uma sugestão de leitura de um texto super interessante, ele trata da noção de patrimônio e com isso está na atualidade. Fala da evolução dos pensamentos, das teorias e práticas de preservação e restauração modificadas. A autora escreve sobre os grandes teóricos da história do restauro como Viollet-le-Duc, Ruskin, Riegl e Brandi, e como os seus discursos técnicos se tornaram teorias a partir de Boito, Giovannoni, Roberto Pane e outros. Este é um texto sucinto e muito interessante de uma revisão bibliográfica acerca do tema desta unidade. Tenha uma ótima leitura! Fonte: ALOISE, J. M. O RESTAURO NA ATUALIDADE E A ATUALIDADE DOS RESTAURADORES. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/Artigos_do_patrimonio_O_restauro_na_ atualidade_e_a_atualidade_dos_restauradores_JuliaMiranda.pdf acessado em 06 jan. 2023. UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 37 MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: A Lâmpada da Memória Autor: John Ruskin Editora: Ateliê Editorial, 2008 Sinopse: Ruskin foi o principal teórico inglês da preservação no século XIX. Expoente da crítica socialista às mazelas do capitalismo industrial, ele contribuiu para importantes reformas sociais, urbanísticas e de proteção ambiental. Suas ideias fundamentaram o Movimento Antirrestauração, que defende o cuidado e a manutenção constantes dos monumentos. Apesar da aversão de muitos ao seu romantismo oitocentista, o pensamento de Ruskin continua pertinente ao debate arquitetônico atual. FILME/VÍDEO Título: Quem foi CAMILLO BOITO? Aprenda mais sobre este RESTAURADOR! Ano: 2017 Sinopse: esse vídeo traz informações sobre o pensamento e as defesas de Camillo Boito, e como ele pensava que deveria ser conduzida a restauração. O vídeo também traz comparação de seu pensamento com outros teóricos. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=iJLYXWe7N7c UNIDADE 2 O INÍCIO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 38 Professor(a) Dra. Layane Alves Nunes Compreender a importância da teoria de Cesare Brandi, que é a Contextualizar como as teorias evoluíram e se definiram como inspiração das regras de restauração hoje no mundo todo. DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO A EVOLUÇÃO A evolução do pensamento do restauro. Conceituar as teorias do restauro. Objetivos da Aprendizagem UNIDADE Plano de Estudos Cesare Brandi. 3 são hoje............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ INTRODUÇÃO Caro(a) Aluno(a), nas unidades anteriores abordei com você o conceito de patrimônio e porque os bens patrimoniais merecem atenção e cuidado, e, como a partir disso nasceu a teoria da restauração, escrevi também sobre alguns importantes restauradores que iniciaram as discussões acerca do tema em questão. Agora, nesta unidade, irei contextualizar como as teorias pensadas e elaboradas por personagens específicos deram origem ao restauro como ele é hoje e como ele se tornou uma ciência. Vou te conduzir neste entendimento pelo conhecimento de mais quatro teóricos: Luca Beltrami, Alois Riegl, Gustavo Giovannoni e o destacado Cesare Brandi. As mudanças de pensamento começaram depois de mais de cinquenta anos de aplicação e domínio do restauro estilístico, quando as posturas dos personagens – linkados acima – evoluíram diante da grande herança arquitetônica que o mundo possui e deve ser conservado, o berço dessa discussão é Roma. Conforme escrito na unidade anterior, pode-se compreender que Boito, de modo direto, foi o teórico inspirador dos princípios modernos e atuais da restauração, pela sua visão de defesa da matéria original com relação a preexistência a ser preservada como tal, defendendo assim a mínima intervenção funcional na obra, identificando os tempos e mantendo a originalidade. É sobre a evolução deste pensamento que a narrativa desta unidade está construída, quando as conquistas da metodologia de intervenção passaram a ser fundamentadas em documentos, se chama restauro filológico, o que gera o estudo individual para da obra e cada caso em específico. A herança clara do restauro filológico, também denominado de restauro moderno, é a exigência pela necessidade latente de identificar as partes originais das restauradas de um bem, diante da aplicação da mínima intervenção. Isso passou a ser discutido a partir das ideias de Boito, e de outros restauradores como Luca Beltrami (seu aluno); Alois Riegl; Gustavo Giovannoni e Cesare Brandi, este último foi pai do restauro crítico, aplicado no Brasil. UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 40 1 TÓPICO A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO DO RESTAURO Entre as décadas de 1880 e 1890, os novos ideários do restauro passaram a se fundamentar na filologia, que significa um rigoroso estudo de documentos – como escritos antigos - para estabelecer um ponto de partida e interpretar os dados de um bem, a partir deste estudo obra de arte passou a ser interpretada como um caso em específico, distinto e complexo. Por isso, ao restaurador não cabia mais ser apenas um artista, recriando monumentos e assim intervindo na história, o uso da documentação ativa alterou esse processo de trabalho e trouxe um aprofundamento de conhecimento sobre cada obra em específico. O arquiteto italiano Camillo Boito (1836-1914), foi o primeiro representante do restauro filológico (também chamado de moderno), a partir do pensamento dele princípios são utilizados até hoje na restauração científica, gerando a necessidade e a regra de que as intervenções devem se diferenciar das partes originais. Boito elaborou uma teoria favorável à implantação de acréscimos à obra arquitetônica, desde de que regras fossem seguidas para observação real da obra original. Pode-se dizer que Boito se baseou na questão de que cada bem se constitui de um objeto único, ou seja original, estabeleceu oito princípios ou recomendações para o restauro, que se constituíram como a base das teorias mais modernas reformuladas. Um dos alunos de Boito (eminentemente teórico) foi Luca Beltrami foi o precursor do chamado restauro histórico (GRANATO; CAMPOS, 2013). Depois deles, outros restauradores e teóricos vieram e evoluíram seu pensamento, como Alois Riegl; Gustavo Giovannoni e Cesare Brandi (KÜHL, 2010 apud SANTOS et al, 2018). UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 41 Vamos recordar da unidade anterior, os princípios de Boito, eram: 01) Diferenciar os elementos novos dos velhos; 02) Diferenciar os materiais de construção; 03) Suprimir linhas e ornamentos; 04) Expor as partes removidas; 05) Identificar as partes renovadas com a data de que foram restauradas; 06) Inserir uma descrição do monumento; 07) Gerar uma documentação (descrição e fotografias) do período de execução da obra. 1.1 Luca Beltrami (1854 – 1933) Luca Beltrami (figura 01) foi professor de Arquitetura, desde 1880, na Academia de Belas Artes de Milão e Diretor da Oficina Regional para Conservação de Monumentos Lombardos, também foi o arquiteto do Vaticano (KÜHL, 1998, apud COSTA, 2005). Colocou em prática as suas teorias de Boito com alguns ajustes, acrescentou que se houver reconstrução esta deve estar embasada em documentos: desenhos, plantas e historiografia; para que o restauro seja o mais verdadeiro possível, sem as analogias do restauro estilístico (LUSO, et al, 2004). Pois, condenava as falsas reconstruções, considerava a unidade estilística com riqueza histórica do bem arquitetônico. Por isso, sua forma de pensar deu origem ao restauro histórico que, como o filológico (também chamado de moderno) de Camilo Boito, era baseado em documentação, registros, dados de arquivos, livros, gravura, fotografias, reportagens, desenhos; e assim as ações de intervenções precisam estar fundamentadas em provas oriundas dessas pesquisas sobre o objetivo a ser restaurado, na prática isso acontece de modo diferente: as ações de restauro foram embasadas em interpretações ou documentos ainda pouco esclarecedores (KÜHL, 1998, apud COSTA, 2005; DA SILVA, 2002). Dentro do restauro histórico o restaurador se tornava uma espécie de “historiador arquivista”, pois os critérios precisavam estar certos e serem irrefutáveis, uma vez que a metodologia ímpar deveria ser aplicada, por isso defendia a profissão de restaurador, buscava legitimá-la. Isso nos deu a herança dos trabalhos de diagnóstico, prognóstico e patologias que ocorrem na obra (DA SILVA, 2020). UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 42 FIGURA 01: BUSTO DE LUCA BELTRAMI, EM 1886 Fonte: Wikimedia Commons, 2017 https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Luca_Beltrami_1886.jpg Em um dos seus trabalhos, em 1893, Luca Beltrami foi responsável pelas restaurações da Fortaleza, conhecida como Castelo Sforzesco (figura 2) de propriedade da família Mangili (ELIAS, 2007; figura 02). Beltrami deixou muitos escritos, mesmo não sendo teórico, entre eles a incorporação do conceito de arquiteto restaurador, que até então era tido como um artista ou escultor, depois dele passou a ser um investigador do monumento. FIGURA 2: CASTELO SFORZESCO, MILÃO – ITÁLIA Fonte: Shutterstock UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 43 1.2 Alois Riegl O teórico Alois Riegl (figura 03) era historiador da arte vienense, e desenvolveu o culto ao monumento, considerava que um monumento histórico é fundamental para a sociedade moderna, pois conta parte da história de um período e de um local, isso dá a importância ao valor de rememoração, que dá ao bem o valor histórico-artístico (CUNHA, 2006). Para Choay (2004), sua teoria liga passado e presente, pois reúne a rememoração à contemporaneidade do presente, uma obra dele que pode ser considerado um exemplar das suas teorias é a intervenção no Palácio Diocleciano, quando ele ordenou que fosse preservado o sitio e as ruinas no entorno e reconstruiu a da Torre Sineira na cidade de Split – Croácia, o que demonstrou sua defesa da manutenção das unidades formais da época (TAVARES, 2011; figura 04). Para Riegl a práxis de conservação deve acontecer a partir de um diagnóstico sobre a humanidade diante do legado do passado, preservando heranças e a problemáticas de sua transmissão ao futuro, onde o fundamental da ação de proteção dos bens deve conduzir a reflexão relacionada a valores (RIEGL, 1984). O valor de antiguidade determina a ação de conservação como a não-intervenção, como enuncia Riegl, em seu livro O Culto Moderno ao Monumentos, mas sua posição não interventora não significa a aceitação do estado de ruína. Ele interpreta uma ideia de evolução, caracterizando suas ações em diversas artes de diferentes períodos, e afirma isso em: “A noção de desenvolvimento é precisamente o centro de toda concepção moderna de história” Assim, para Riegl não há um valor artístico absoluto, mas um valor relativo, pois cada bem tem seu valor seja ele artístico ou histórico, ou ainda qualquer outro, por isso o valor não é um valor para a arte e sim para a história da arte (CUNHA, 2006, s/p.). FIGURA 3: ALOIS RIEGL – FOTO TIRADA EM 1890. Fonte: Wikimedia Commons, 2006. Disponível em :https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alois_Riegl.jpg UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 44 FIGURA 4: VISTA DO CAIS GAT SVETA PETRA NO PORTO DE SPLIT Fonte: Wikimedia Commons, 2006 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:J32_360_Diokletianspalast.jpg 1.3 Gustavo Giovannoni (1874-1947) Gustavo Giovannoni (1874-1947, figura 5), italiano, que trabalhou tanto no campo teórico como no prático da Arquitetura e do Urbanismo, foi cátedra de Arquitetura da Escola de Engenharia de Roma e foi um dos fundadores da nova Escola Superior de Arquitetura de Roma em 1920, a primeira da Itália. Se dedicou a lapidar a teoria de Boito e de Beltrami, promovendo uma base científica para tal. Embora fosse contrário à restauração estilística, aceitava intervenções em edifícios antigos desde que segue para a linha da mínima intervenção e adição para a manter a sua conservação, pois sua visão envolvia a função social do bem (COSTA, 2005). FIGURA 5: GUSTAVO GIOVANNONI – FOTO TIRADA EM 1930 EM ROMA Fonte: Wikimedia Commons, 2019 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gustavo_Giovannoni.jpg UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 45 A restauração científica defendida por Giovannoni tem sua base em documentos, isso caracteriza um método de conhecimentos próprio tanto das ciências humanas quanto da científica, unido as teorias do restauro de arqueológica e filológica (Muñoz Viñas 2005, apud GRANATO & CAMPOS 2013). Conscientes de que os dados encontrados e documentos possam ser diferentes conforme cada obra, por sua peculiaridade, considera qualquer modo de falsificação como uma arbitrariedade. Por isso, é necessário um estudo documental e arquivístico para se obter o conhecimento histórico inclusive das possíveis modificações às quais o monumento pode ter sido submetido ao longo do tempo, para abrir a possibilidade de a intervenção promover o equilíbrio entre a história e suas patologias (ELIAS, 2007). Pensando desta forma, Giovannoni classificou os monumentos em mortos e vivos, para poder criar uma metodologia de tratamento para cada um. Os monumentos mortos são os de caráter arqueológico, com ruínas e fortificações da Idade Média, que precisam de conservação. O monumento vivo é denominado os bens que ainda são passíveis de usos, neste recomenda-se um mínimo de intervenção, admite-se adições desde que bem documentadas e identificadas, com materiais diferentes dos originais, que se comportem de modo harmônicos (COSTA, 2005). Ele também abordou questões como a consolidação que busca a manutenção, uso de técnicas avançadas para garantir solidez e a retirada das partes sem valor, que não pertencem à construção original. Admitia a recomposição e a complementação, quanto as áreas faltantes danificam o entendimento do todo defendendo a integridade e autenticidade de todo e qualquer bem (KHÜHL, 1998, apud TAVARES, 2011). Segundo Costa (2005), para Giovannoni: Consolidação é o primeiro procedimento de intervenção técnico, cujo objetivo é o de garantir a estabilidade do monumento. Recomposição é o fato de recolocar tudo em seu lugar, por exemplo: os fragmentos espalhados de uma construção por anastilose (por recomposição), aqui são admitidos a incorporação de outros elementos para suprir os faltantes, desde que distintos dos originais. Complementação recupera a unidade formal, sem modificar o aspecto e/ou volumetria original. Liberação (autenticidade) elimina elementos agregados sem valor artístico. Renovação (criatividade) é a inserção ao monumento de partes essenciais de nova concepção. Estas questões foram implementadas na Carta Italiana do Restauro, redigida por Giovannoni, onde ele evidencia a importância dos usos dos princípios mencionados acima. Em 1939 foi institucionalizada a profissão do restaurador, até 1944 o restauro científico passou a mostrar sua inadequação diante das consequências das guerras, que provocaram inúmeras destruições provocadas pela guerra; e foi substituído pelo restauro crítico (ARAÚJO, 2003). UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 46 2 TÓPICO CESARE BRANDI Depois de encerrada a Segunda Grande Guerra Mundial, muitos monumentos e coleções inteiras foram danificados ou desapareceram, o que gerou um movimento de questionamento do “Restauro Científico”, pois não havia mais documentos de base. Assim, uma nova teoria nasceu e prevaleceu: o Restauro Crítico de Cesare Brandi (figura 06), que tinha uma indicação de ações mais flexível pelos profissionais, em especial europeus, diante da pressão política que havia pela recomposição de monumentos e objetos danificados (GRANATO & CAMPOS, 2013). O novo caminho começou a ser delineado com base no crítico e historiador da arte italiano, também advogado, Cesare Brandi, que atuou como conservacionista na Superintendência de Monumentos e Galerias de Arte Italianas em 1930 (SAMPAIO, 2010 apud TAVARES, 2011). FIGURA 06: CESARE BRANDI Fonte: ROCHA, C. A. L. O Livro Como Obra-De-Arte: Critérios Teóricos Para Conservação De Obras Raras. Rio de Janeiro / Brasil 2008. Disponível em: http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/ChristianaRocha.pdf Acesso em: 10 maio. 2023. UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 47 Brandi elaborou o primeiro pensamento completo e orgânico na área de restauração, inspirado pelo filósofo Benedetto Croce. Diante das intervenções sem rigor feitas na Itália, em 1938, foi criado o Instituto Central de Restauro, e Brandi foi o diretor. Ele afirmou que o restauro é um procedimento metodológico de reconhecimento da obra de arte devido a seu valor impregnado tanto no seu aspecto físico, como na estética e histórica, ou na técnica empregada, deve ser preservado para o futuro, neste contexto ele incluiu as edificações (TAVARES, 2011). Ao reconhecer o seu valor, é este quem irá direcionar e condicionar a restauração (BRANDI, 2004). Por isso, define a restauração como uma atividade genérica: “qualquer intervenção dirigida a devolver a eficiência a um produto da atividade humana”, para autores isso mostra que a primeira finalidade da intervenção é desenvolver e dar a funcionalidade para o bem (ELIAS, 2007, p.04). Onde, o valor estético se sobrepõe à condição artística do objeto e o valor histórico é o produto da atividade humana, conforme o tempo e lugar em que está; a dialética desses valores constitui a restauração (ELIAS, 2007). Segundo Brandi (2004), a historicidade questiona quando a obra de arte desaparece e surge a ruína, forma onde a matéria pode ter desaparecido ou tudo o que restou dá um testemunho da história do homem, com aspecto diferente e até irreconhecível do original. Por isso, nos casos de ruínas podem haver intervenções diretas (consolidação) e indiretas (conservação), desde que estudado o valor histórico. Já dentro do valor estético um acréscimo representa algo novo, então para recuperar tal valor os acrescimentos precisam ser retirados. Mas a pátina do tempo ali deve estar contando a temporalidade da obra. Permite-se Reconstrução desde que diferencie o velho do novo. A Cópia é considerada uma falsidade estética e histórica (BRANDI, 2004). Os princípios de Brandi (2004) são: 01) o tempo que legitimar a intervenção, o reconhecimento dos momentos; 02) o reconhecimento da reintegração das obras; 03) deve-se facilitar as intervenções futuras; 04) quando uso de tecido figurativo (lacuna) deve-se neutralizá-la. Outras características de sua teoria incluem: O tempo não é um fato reversível; Delimitação é um evento histórico; Diferenciação de zonas reintegradas, áreas; Cópia é uma falsidade estética e histórica; Respeito à pátina (sedimentação do tempo sobre a obra); UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 48 Deve-se Conservar os testemunhos precedentes à restauração e de partes coetâneas que representem o transcorrer da obra no tempo, dando prioridade a estética; A Restauração preventiva determina as condições necessárias ao desfrute da obra: imagem e feito histórico; deve-se investigar o estado de consistência dos materiais; determinar as condições ambientais que permitam a sua conservação, ou seja, diagnosticar a obra. Para a arquitetura, Brandi (2004, p.57) afirmou, que a espacialidade é algo próprio do monumento faz parte do seu ambiente o meio em que está construído, por isso deve-se compreender as articulações urbanas e averiguar se estas também devem ser preservadas, para manter a qualidade estética. Esse pensamento é contemporâneo de que a unidade da obra de arte precisa ser observada e trabalhada em conjunto com a obra. Esse avanço foi registrado na Carta do Restauro (1972), onde o conceito de obra de arte: vai dos monumentos arquitetônicos aos de pintura e escultura, mesmo se em fragmentos, e do remanescente paleolítico às expressões figurativas das culturas populares e da arte contemporânea. Desta forma, possibilita a aplicação da teoria geral do restauro e da conservação da obra de arte para o jardim histórico. Somando esses pontos ao entendimento de que o próprio restauro terá, pois, o seu conceito articulado, não com base nos procedimentos práticos que caracterizam o restauro de fato, mas com base no conceito da obra de arte de que recebe a qualificação [...] pelo fato de a obra de arte condicionar o restauro e não o contrário. “... O problema do restauro em arquitetura é sempre uma questão delicada. Vários são os fatores implica- dos nesse processo que envolve não apenas a permanência da obra no tempo, mas a sua permanência em uso, na medida em que a arquitetura é uma arte utilitária” Fonte: Castriota (2012, p. 227). Você compreende que o restauro era praticado de diversas formas em diferentes bens, cada metodologia variava devido ao momento, a tipologia e a essência da obra e do interventor. Porém, o objetivo era o mesmo: garantir a preservação e conservação física, histórica, técnica, etc Fonte: Autora, 2023 UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com esta unidade você pode compreender com mais aprofundamento o quanto as teorias do restauro evoluíram, o tornado uma profissão, uma ciência e incorporando novos bens patrimoniais como objetos que deve ser restaurado para continuar a contar uma história para a sociedade futura. E para você é importante saber disso, pois algum dia irá intervir em uma construção antiga, que possui um valor histórico, ou irá identificar um bem patrimonial que deve ser preservado, saberá o porquê aquele bem é importante e como ele deve ser preservado. Como foi exposto, o restauro contemporâneo visa manter unidade funcional e figurativas do bem, deixando com que ele seja observado como um todo. Para isso, técnicas como: reintegração, reversibilidade, tratamento de lacunas, ou seja, a recomposição das partes originais do monumento pode ser utilizada, desde que sejam identificáveis. Desses preceitos, conceitos, identificações, etc, surgiram inúmeras escolas de restauro espalhadas pelo mundo, e originaram as ações que direcionam o restauro até hoje, no mundo e no Brasil, pelo IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 50 LEITURA COMPLEMENTAR Caro(a) aluno(a), te indico abaixo a leitura de um curto texto que trata das diversas teorias do restauro, que citei a você na unidade anterior e nesta, o artigo mostra que as intervenções devem defender e considerar as funções compatíveis com a edificação, e que estas não devem corromper a originalidade da construção, para elucidar todas as informações o texto insere imagens ilustrativas e demonstrativa de suas ideias e considerações. Por esse viés, você também terá contato com diversas obras (construções) restauradas, e irá se vislumbrar com o belo trabalho que arquitetos(as) restauradores(as) realizam. Link para acessar o artigo recomentado: FERNANDES, A. V. C; BAETA, R. E. A questão do uso e do reuso em alguns juízos teórico-críticos sobre o restauro. Arquitextos, São Paulo, ano 21, n. 246.07, Vitruvius, nov. 2020. Disponível em: https://vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/21.246/7958 Acesso em: 10 maio. 2023. UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 51 MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Teoria do Restauro Autor: Cesare Brandi Editora: Ateliê Editorial Sinopse: Teoria da Restauração é um escrito rigoroso e coeso, fundamental para quem se interessa pela preservação de bens culturais e pela restauração do patrimônio. Resulta da vasta experiência de Cesare Brandi como diretor do Instituto Central do Restauro de Roma. Publicado originalmente em 1963, foi traduzido para o português. FILME/VÍDEO Título: Patrimônio Cultural: Cesare Brandi - panorama geral I Ano: 2021 Sinopse: o vídeo é uma aula sobre Cesare Brandi, contando um panorama geral de seus feitos, é considerado um material que complementa seus estudos sobre as teorias brandianas utilizadas até hoje. É um vídeo ideal para estudantes e professores de arte, arquitetura e história da arte. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=arQgfFL2AGc WEB Este é o site do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional), nele você irá encontrar tudo o que precisa saber sobre as teorias do restauro, o que patrimônio e ainda as regras de procedimentos de tombamento e restauração, além de acervos, publicações e eventos. Link do site: http://portal.iphan.gov.br/ UNIDADE 3 A EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA CONSERVAÇÃO 52 4........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... UNIDADE O PROCESSO DO RESTAURO: CARTAS PATRIMONIAIS, TOMBAMENTO E INVENTÁRIO Professor(a) Dra. Layane Alves Nunes Plano de Estudos A legislação a cerca do processo de restauração. Objetivos da Aprendizagem Contextualizar que a restauração é um trabalho que possui legislação; Compreender a legislação a cerca do restauro; Compreender o que é o documento do inventário; Saber como produzir um inventário; Compreender a importância e as possibilidades de um projeto de restauro Apresentar e conhecer alguns projetos de restauro executados; INTRODUÇÃO Caro(a) Aluno(a), você sabia o que a Constituição Federal Brasileira, de 1988, também legislou e fomentou a criação de todo o processo de preservação, identificação e manutenção dos bens patrimoniais do nosso país. Essa história é longa, vou contar um pouco para você nesta unidade, se inicia ainda na década de 1930 no mundo todo, através de acordos e consensos internacionais, registrados em diversos eventos espalhados pelo mundo, o Brasil sediou alguns deles. Destes surgiram as Cartas Patrimoniais, documentos e registros bases para as ações de restauro espalhadas pelo mundo. Dentre elas, está registrado que o Estado é o responsável por proteger o patrimônio cultural, mas nós cidades também temos o nosso papel, enquanto meros viventes do planeta, mas principalmente enquanto arquitetos(as). Você saberá um pouco mais como trabalhamos nesta área nesta unidade, e conhecerá a legislação que rege o processo de proteção patrimonial. UNIDADE 4 O PROCESSO DO RESTAURO: CARTAS PATRIMONIAIS, TOMBAMENTO E INVENTÁRIO 54 1 TÓPICO A LEGISLAÇÃO A CERCA DO PROCESSO DE RESTAURAÇÃO Caro(a) Aluno(a), o tema Patrimônio também pode ser aplicada como uma atividade prática da arquitetura e outras áreas legislativas. Iniciei a discussão com você a partir das teorias e como estas originaram as metodologia para as ações de restauração, que tornou o tema em uma disciplina de técnicas retrospectivas, mas o contraponto dessas discussões entram na questão de torná-las leis, para que sejam efetivamente aplicadas. Essas discussões se ampliam e passar a ser discutidas em eventos e congressos, como furto dessas decisões e consensos propostos especialistas nascem as Cartas Patrimoniais, que são documentos (escritos) que contém formas de agir para cada tipo de obra ou caso a ser restaurado, ou seja, as Cartas orientam, atualizam as discussões e também normatizam os atos sobre o tema do Patrimônio, no âmbito mundial. 1.1 As Cartas Patrimoniais A Carta mais conhecida entre os Arquitetos(as) é a Carta de Atenas, pois foi o primeiro documento que trouxe à tona a questão da preservação, e de muitas posturas da profissão, sendo por muito tempo o símbolo dos acordo da Arquitetura Moderna. Muitas outras foram escritas e mais de 40 foram publicadas (IPHAN, 2015). Nesta unidade, vou abordar as mais importantes que auxiliam no traçado de uma nova postura para a conservação do Patrimônio Mundial (ARAÚJO, 2003). A primeira e a segunda Carta de Atena, de 1931 e 1933, juntas abordam as principais preocupações sobre a legislação, as técnicas, e, os princípios de conservação dos bens históricos e artísticos. UNIDADE 4 O PROCESSO DO RESTAURO: CARTAS PATRIMONIAIS, TOMBAMENTO E INVENTÁRIO 55 Mostra também a necessidade de se criar novas organizações para atuar sobre as questões da preservação e ao restauro dos patrimônios (IPHAN, 2022). Para somar força a estas decisões e consensos a Carta Italiana do Restauro - 1932, foi elaborada ditando a necessidade de estudos sobre as normas a fim de reger o restauro dos monumentos, trazendo a importância do estudo de complexo de documentos históricos e artísticos que embasariam as decisões de restauro na história da arte e da construção (ARAÚJO, 2003). A Recomendação de Nova Delhi, de 1956, despertou para a necessidade de apoio internacional à pesquisa, e foca no tema da preservação arqueológicas, sugerindo a criação de programas que podem alavancar a proteção ao patrimônio arqueológico (IPHAN, 2022). A Recomendação Paris - 1962, também foi elaborada em uma Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Este foi o primeiro documento cujo tema principal era tratar da proteção da beleza e do caráter subjetivo das paisagens, bem como seus respectivos territórios. A partir disso, o conceito de patrimônio cultural se ampliou, estendendo-se à beleza imaterial naturais, rurais ou urbanas. para que isso pudesse ser implantada, o encontro deixou clara a necessidade de estimular a educação para a promover a proteção de tais bens, para que assim a população compreenda a real necessidade de se preservar espaço e não apenas obras, desta forma também ressaltou a necessidade de complementar as medidas de proteção à n