UC - Análise Social - Senso Comum e Conhecimento Científico (PDF)
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ESCS - IPL
2024
Patricia Bandeira de Melo
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Summary
These lecture notes cover the concepts of common sense and scientific knowledge in social analysis. They differentiate common sense, which relies on everyday experience, from scientific knowledge. The notes explore how scientific research involves breaking from common sense ideas and using structured methods and techniques for investigation. The lecture notes are from the 2024/2025 academic year.
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Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social Senso Comum e Conhecimento Científico (A2) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Retomando a aula anterior: senso comum e conhecimento científico Senso comum – o ol...
Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social Senso Comum e Conhecimento Científico (A2) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Retomando a aula anterior: senso comum e conhecimento científico Senso comum – o olhar “leigo”, comum, sobre o mundo social não é científico. Pode ser ideológico, incluindo ideias pré-concebidas, crenças, análises imediatas e acríticas; Conhecimento científico – um tipo de conhecimento resultante de procedimentos efetuados por etapas articuladas entre si, as quais são possíveis a partir da utilização de métodos e técnicas de investigação. Aprofundando o conceito de senso comum O senso comum é a vivência do mundo fenoménico (o mundo da experiência, daquilo que vemos), quando temos contacto apenas com a manifestação, a aparência das coisas, sem manter uma ligação de fato com a essência da coisa em si. Esse senso comum constitui-se numa forma de pensamento vigente, que domina um ou vários estratos sociais (Gramsci, 1978). A caverna de Platão: o que vemos são as sombras, as imagens. Os animais e os soldados estão do lado de fora da caverna. Logo, a sombra é uma aparência, uma manifestação da realidade que está do lado de fora. O que está no exterior da caverna é a essência, mas que não é vista diretamente por quem está dentro da caverna. Aprofundando o conceito de senso comum O senso comum se constitui no pensamento que é partilhado por todos sobre assuntos que circulam na sociedade, formando ideias pré-estabelecidas sobre fatos, acontecimentos, pessoas. Assim, o senso comum é “o conhecimento ‘espontâneo’, ‘ingénuo’ que tanto interessa na atualidade às Ciências Sociais, esse que habitualmente se denomina conhecimento de senso comum, ou pensamento natural, por oposição ao pensamento científico” (Jodelet, 1986, p. 473). Aprofundando o conceito de senso comum O conhecimento do senso comum é o conhecimento partilhado, sendo esta realidade comum uma realidade que não requer verificação. Para contestar a realidade da vida quotidiana é preciso um enorme esforço reflexivo, saindo de uma atitude natural de visão de mundo e apropriando-se de uma atitude filosófica ou científica, por exemplo: “como é dia se a luz já se foi?” é a reflexão que podemos fazer diante de um eclipse solar. É preciso a consciência do sol, da lua e do fato científico do posicionamento dos astros no sistema solar para entender o eclipse. Nesse exemplo, percebemos que o problema surge quando quebra a rotina da vida quotidiana, trazendo circunstâncias novas e que precisam ser objetivadas e então naturalizadas na minha nova realidade. Isso enriquece a minha compreensão, pois me leva a incorporar novo conhecimento. Aprofundando o conceito de senso comum Seguindo ainda o exemplo do eclipse, se estamos diante de alguém que dá um sentido místico ao fato, percebemos que é a ausência de ligação entre algo conhecido e o novo que lhes impede de formular um novo conhecimento de cunho científico, ou seja, comprovado, da realidade nova. É o caso dos que creem que a terra é plana, porque não conseguem se apropriar do conhecimento da física que demonstra como a Terra de fato tem um formato arredondado: baseado na sua experiência de andar sobre a Terra, ele só aceita que o planeta é “reto”. O conhecimento socialmente acumulado é que me dá as chaves de acesso para integrar elementos descontínuos, ou seja, para associar o novo ao antigo e, assim, produzir conhecimento novo. Aprofundando o conceito de senso comum A validade do conhecimento partilhado se rompe quando uma circunstância exige que eu descubra novos sentidos para a situação dada: conforme exemplo de Berger e Luckmann (1999), eu compartilho o conhecimento do senso comum de que os ingleses costumam ser pontuais, e meu amigo inglês Henry é pontual. No entanto, meu novo amigo inglês George é muito atrasado. Isso exige de mim nova consideração: afinal, os ingleses são mesmo pontuais? O meu novo amigo é uma exceção? “Enquanto meu conhecimento funciona satisfatoriamente em geral estou disposto a suspender qualquer dúvida a respeito dele” (Berger; Luckmann, 1999, p. 65). No entanto, quando percebo que há ingleses atrasados, eu começo a questionar este conhecimento que tenho acerca dos britânicos. Esta área obscura exige curiosidade para ser apreendida: “Na realidade da vida quotidiana sempre aparece uma zona clara atrás da qual há um fundo de obscuridade” (Berger; Luckmann, 1999, p. 66). Não posso conhecer tudo da zona obscura, posso estender luz sobre aquilo que aparece à minha frente e que exige esclarecimento. A construção do conhecimento científico: rutura com o senso comum No decurso da investigação científica é necessário considerar duas dimensões são fundamentais: a) Rutura com o senso comum ou com “certezas” socialmente partilhadas. Tende a ser ideológico, uma vez que inclui ideias pré-concebidas, crenças, valores e provocam análises imediatas e acríticas; b) A utilização de métodos e técnicas, isto é, procedimentos efetuados por etapas articuladas entre si. Essas duas dimensões fazem parte do processo de investigação, que possui três fases principais: 1. Romper com as evidências do senso comum que podem ser um obstáculo 2. Construir um objeto de análise e teorias explicativas 3. Verificar a validade das teorias com a informação empírica O processo de investigação científica Rutura Construção Verificação Pergunta de Modelo de Exploração Problemática Observação Análise Conclusões partida Análise - Leituras e - Balanço das - Preparação dos dados, medir - Clara, - Relação entre - Delimitar o entrevistas etapas relações de variáveis, comparar; pesquisável, conceitos, entre campo de exploratórias anteriores, destacar o “novo”, o que se pertinente. hipóteses, observação, - Grelhas de delimitação de acrescenta ao conhecimento dimensões e construir os leitura, uma indicadores instrumentos fichas de problemática - Construção de de observação, leitura recolher uma matriz de operacionalização Adaptado de Quivy e Campenhoudt (2017) Rutura Epistemológica A fase da rutura, constituída pela definição da pergunta de partida, exploração e elaboração do problema ou questão de investigação (problema ou questão sociológica), procura estabelecer limites entre o conhecimento científico sobre o tema ou objeto e o senso comum acerca deste mesmo tema ou objeto. Nas palavras de Quivy e Campenhoudt (1992, p. 25), procura-se “romper com os preconceitos e as falsas evidências, que somente nos dão a ilusão de compreender as coisas”. Dito de outro modo, nesta fase é preciso adotar uma atitude ponderada face às informações de modo a apreender cientificamente o objeto em estudo, pois “o fato é conquistado contra a ilusão do saber imediato” (Bourdieu; Chamboredon; Passeron, 2015, p. 25). Construção Original A rutura epistemológica com o senso comum acerca do objeto faz-se no decurso do enquadramento teórico, em que o objeto empírico ganha estatuto de objeto teórico via a sua problematização e a posterior definição de um modelo analítico; Com esta construção é possível prever os procedimentos a aplicar e os resultados. A verificação de hipóteses, por exemplo, torna-se mais consistente com esta construção teórica de referência. “As proposições [hipóteses] devem ser o produto de um trabalho racional, fundamentado na lógica e numa bagagem conceptual validamente constituída” (Quivy; Campenhoudt, 1992, p. 25). Para que seja possível propor um projeto de investigação, deve-se recorrer a métodos e técnicas próprios das Ciências Sociais. A verificação do conhecimento científico ❑ Terceiro ato do processo de investigação, consiste em testes dos factos, uma vez que compreende a observação, a análise, a interpretação e a conclusão sobre os resultados alcançados; ❑ Designada por fase da verificação ou experimentação, neste momento o/a investigador/a está em condições de ensaiar proposições científicas derivadas da sua investigação; ❑ Contudo, é necessário recordar que o trabalho académico está situado num domínio científico e, por isso, as proposições ensaiadas devem estabelecer diálogo com a produção académica do campo em que está situada a investigação desenvolvida; ❑ Em suma, com a verificação objetiva-se obter proposições científicas, as quais devem estar fundamentadas na evidência empírica (nos nossos dados, qualitativos ou quantitativos) e no diálogo permanente com os nossos pares (referências bibliográficas pertinentes da área científica a partir da qual analisamos os nossos objetos) (Quivy; Campenhoudt, 1992: 25). Sequência ou interação entre etapas? Algumas investigações não se ajustam exatamente ao esquema apresentado, apesar de alguns passos poderem estar presentes; Pode haver sobreposições e diálogos entre as fases, afinal, os esquemas analíticos, embora úteis, são versões simplificadas da prática de investigação aos quais recorremos para a nossa própria orientação. Este esquema tem o objetivo apenas de apresentar como avançamos para sair do conhecimento do senso comum e partimos para a produção do conhecimento científico. A construção do conhecimento científico Teoria 1) Escolher o tema; Hipóteses 2) Elaborar a(s) questão(ões) de partida; 3) Selecionar referência e estudá-las para Desenho da pesquisa problematizar o tema e definir Definição do trabalho de campo teoricamente; 4) Definir definitivamente o objeto; Seleção de respondentes Recolha de dados 5) Elaborar o modelo de análise; 6) Definir o desenho da pesquisa Processamento dos dados (métodos e técnicas); Análise dos dados 7) Recolher os dados empíricos; Resultados e Conclusões 8) Analisar os dados; Redação Científica 9) Escrever o relatório científico. Fonte: Bryman (2022) Problemas sociais e questões sociológicas Uma questão sociológica é uma questão de investigação que o pesquisador escolhe para analisar. Pode ser o funcionamento de uma família tradicional e organizada? Pode. Pode ser o funcionamento de uma família desorganizada e desestruturada? Pode. O que isso significa? Que uma questão de investigação sociológica pode ajudar a entender um problema social (famílias disfuncionais), mas que, muitas vezes, uma questão sociológica não remete a um problema social, já que entender uma família que flui de forma estruturada não responde a nenhum problema social, mas ajuda a entender certas circunstâncias sociais. Assim, uma questão sociológica pode ser: Por que os portugueses gostam de futebol? A resposta não atende a nenhum problema social, mas ajuda a compreender como pensa uma grande parcela dos portugueses. Que fatores contribuem para as pessoas se recusarem a se vacinar? O resultado da investigação pode, neste caso, ajudar a resolver um problema social. Logo, O uso que as pessoas fazem do seu tempo difere entre os mais pobres e os mais ricos? Responde a um problema sociológico e atende também a um problema social? Quadro-síntese Quadro-síntese Referências Berger, P.; Luckmann, T. (2004). Os Fundamentos do conhecimento na vida cotidiana. In: A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Rio de Janeiro, Petrópolis:Vozes, p. 35-68. Bourdieu, Pierre et. al. (2015). Ofício de sociólogo. Metodologia da pesquisa em sociologia. Petrópolis: Vozes. Bryman, A. (2022). Social research methods. Oxford University Press. Gramsci, A. (1978). Introdução ao estudo da filosofia e do materialismo histórico. Obras Escolhidas.São Paulo: Martins Fontes, p. 21-66. Jodelet, D. (1986). La representación social: fenómenos, concepto y teoria. In: Moscovici, S. (Ed.). Psicología Social II: Pensamiento y vida social. Barcelona: Paidós Ibérica, p. 469-493. Quivy, Raymond; Campenhoudt, L. V. (2017). Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva. Simões, R. (2021). Material de aula. Lisboa: ESCS. Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social A Apreensão dos Fenómenos Sociais e a Construção Social da Realidade (A3) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Revisando: leitura de texto Recomendo a leitura do capítulo 20 do livro Sociologia, de Anthony Giddens, da página 640 a 645, na versão disponível aqui: https://drive.google.com/drive/folders/1ZgEFfPfVkr5qW35Cu8sae3mPFRibR5Jt?usp=drive_link Caso seja a versão do mesmo livro disponível na biblioteca da ESCS, será o capítulo 21, da página 793 a 798. Esta leitura irá ajudá-lo/a a entender alguns tópicos estudados nas duas primeiras aulas. Bom estudo! Uma explicação prévia Vamos começar hoje com este vídeo do filósofo esloveno Slavoj Žižek, que resume um conceito fundamental na aula de hoje. Prestem atenção a que conceito se refere. https://youtu.be/poKtgGdf9PE?si=hRnU38yhttVJrHKC Representações Sociais O indivíduo que fala, representa o papel do lugar social ao qual pertence ou se insere. Por exemplo, quando um indígena expressa seus pensamentos e ideias, ele o faz como parte de sua comunidade indígena. As representações sociais têm como base a existência da comunicação, uma vez que existem para simbolizar – através do diálogo, do discurso, dos rituais, das imagens, da cultura – uma determinada realidade. O processo de aproximação e reconhecimento que fazemos para entender as situações da vida traduzem a representação social (Melo, 2003). Segundo Sandra Jovchelovitch: As representações sociais são uma estratégia desenvolvida por atores sociais para enfrentar a diversidade e a mobilidade de um mundo que, embora pertença a todos, transcende a cada um individualmente. Neste sentido, elas são um espaço potencial de fabricação comum, onde cada sujeito vai além de sua própria individualidade para entrar em domínio diferente, ainda que fundamentalmente relacionado: o domínio da vida em comum, o espaço público (Jovchelovitch, 2000, p.81). Representações Sociais As representações sociais reúnem as explicações, ideias, crenças, tradições, imagens, instituições, leis e movimentos que são produto das interações sociais, e que são partilhadas e aceites de forma coletiva em uma sociedade e que influenciam a vida social, sendo moldadas por questões culturais, económicas, históricas; Por designar um conhecimento comum a uma coletividade, as representações sociais estão associadas ao conhecimento do senso comum, que funciona como um disciplinador de condutas. Assim, as representações são a base da apreensão dos fenómenos sociais; Fenômeno social se refere a padrões de comportamento, a interações e a organizações entre indivíduos em uma sociedade; Refletem questões de identidade, poder, desigualdade. Representações Sociais O senso comum, a forma partilhada de dar sentido às coisas do mundo, decorre das ideias pré- concebidas que circulam numa sociedade. Assim, estas ideias pré-concebidas determinam a linha de pensamento dos membros da sociedade nesse processo de representação, reforçando a ideologia. Mas, o que vem mesmo a ser a ideologia? Alguém pode me dizer? Representações Sociais e Ideologia Ideologia é o… Conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção (Chauí, 1980, p.114). Assim, Ideologia, na perspetiva marxista, é um pensamento pertinente à classe dominante que, disseminado discursivamente – em especial pelos media (TV, rádio, jornais, programas de entretenimento, Internet) – ganha o sentido de totalidade do pensamento de uma sociedade, e não de parte dela. Neste sentido, esconde-se o fato de que a ideologia percebida como dominante numa sociedade é, na verdade, a ideologia de apenas uma classe - a classe dominante. Representações Sociais e Ideologia Logo, conhecimentos fundados na superioridade de raça, de classe ou de sexo ou no interesse de um grupo quantitativamente minoritário - mas que detém o poder - tendem a se manter hegemónicos, o que favorece a instrumentalização das ideias. Esta instrumentalização leva as pessoas a acreditarem que certas formas de pensar representam a vontade de toda a sociedade, quando na verdade representam apenas um pequeno grupo, e por isso tendem a se transformar em senso comum. A ideologia possui três fases de evolução: Fase científica - criação de uma nova teoria; Fase representacional - envolve a sua difusão através da sociedade e a criação de representações sociais; Fase ideológica - caracterizada pela apropriação da representação por algum grupo ou instituição e pela sua reconstrução como conhecimento criado pela sociedade e legitimado por seu caráter científico (Sawaia, 1993, p. 78). Representações Sociais e Ideologia Porém, ideologia também é Pensamento pertinente a cada classe de uma sociedade, expressões da consciência de classes sociais específicas, não apenas da classe dominante e não apenas de uma classe, mas de segmentos específicos da sociedade. Nesta segunda acepção, podemos pensar numa ideologia orgânica (Gramsci,1978). Orgânica porque pertinente a um grupo, a um organismo que organiza o consentimento sem uso da violência ou da coerção, recorrendo a uma estrutura de pensamento que mantém grupos unidos em torno de um discurso que os representa. Nesta acepção, a ideologia é necessária, porque cria “o terreno em que os homens se movem, adquirem consciência de sua posição, lutam etc.” (Gramsci, 1978, p. 236). Representações Sociais, Ideologia e Discurso Deste modo, o mundo das representações é um campo de manifestação de lutas sociais e de um jogo de poder (Pesavento, 1995). A ideologia, através do discurso, podendo servir como um instrumento de dominação, tem potencial para fabricar formas de ver o mundo de modo conveniente a determinados grupos de poder. Discurso é um fenómeno de comunicação cultural e que somente pode ser entendido nas circunstâncias sociais que lhe originaram. Assim, o discurso “é ideológico no sentido de que surge entre indivíduos socialmente organizados e não pode ser compreendido fora do seu contexto” (Meinhof, 1996, p. 215). O discurso é uma manifestação da ideologia e o indivíduo sempre enuncia de um determinado lugar social que ocupa. Vejamos o exemplo do filme Quem quer ser bilionário? (que no Brasil, foi chamado de Quem quer ser um milionário?). O longa-metragem do britânico Danny Boyle, ganhador do Óscar de Melhor Filme e Melhor Realizador de 2009, foi um fracasso de público na Índia, país em que foi rodado e onde se ambienta a história. Representações Sociais, Ideologia e Discurso 22.jan.2009/AP Moradores de uma favela de Mumbai, na Índia, protestam em frente à casa do ator Anil Kapoor, de "Quem Quer Ser um Milionário?" Representações Sociais, Ideologia e Discurso Segundo a notícia da France Presse: O filme não agradou nem mesmo aos mais pobres da Índia. Também não atraiu o público de classe média urbana de língua inglesa no país. A razão para isso é porque “oferece uma visão superficial e artificial da Índia”, conforme diz a crítica de cinema Kishwar Desai. Segundo ela, “para entender quem padece com uma miséria tão atroz na Índia é preciso um cineasta indiano ao invés de britânico". "Esse filme devia ser considerado um dos maiores mitos gratuitos imaginados sobre a Índia no século 21", afirma o cineasta K. Hariharan, em um artigo intitulado "Orientalismo para um mercado globalizado", publicado no jornal "The Hindu". "Para a maioria dos espectadores ocidentais, arrasados pelo peso da crise econômica mundial, esse conto de fadas sobre o lado mais sórdido da Índia deve servir de catarse orgiástica", protesta. O representante de uma associação de moradores de um subúrbio de Bihar (leste da Índia), Tapeshwar Vishwakarma, apresentou uma queixa contra o astro indiano Anil Kapoor e o compositor da música original, A.R. Rahman, porque o filme é, a seu entender, uma violação dos direitos humanos e da dignidade dos pobres. Representações Sociais, Ideologia e Discurso Isso nos leva a afirmar que o filme produziu uma REPRESENTAÇÃO CUJA CONSTRUÇÃO DISCURSIVA NÃO ESTABELECE CORRELAÇÃO COM AS REAIS PRÁTICAS SOCIAIS E AS QUESTÕES ESTRUTURAIS DA SOCIEDADE INDIANA. Um discurso é uma forma de expressar ideias ou descrever uma realidade. Esta narrativa (em filmes, livros, programas de rádio e TV, relatos, descrições) pode fazer artimanhas com os sonhos coletivos e com as tradições herdadas, trapaceando na criação de mitos e crenças. Não se pode reduzir o imaginário à ideologia, mas é preciso ter em mente que a formação deste imaginário é perpassada por interesses. O imaginário social seria expresso através de símbolos, ritos, crenças, discursos e representações alegóricas figurativas. No caso deste filme, as representações deram conta de um interesse da indústria do cinema, falsificando a realidade da Índia por interesses comerciais. Existe uma indústria do cinema indiano – chamada de Bollywood, que gera muitos dividendos naquele país. Representações Sociais, Ideologia e Discurso O discurso, por um lado, pode ser definido pela organização ou estruturação que faz dele uma “totalidade de sentido”. Por outro lado, ele pode ser definido como “objeto de comunicação” que se estabelece entre destinador e destinatário, ou entre um destinador e muitos destinatários. O que vem à tona quando observamos um discurso – e pensemos nele como as várias expressões narrativas antes citadas, como expressões artísticas no cinema, no teatro, nos media, nas imagens etc. – são os contornos do seu sentido de produção e a sua própria versão. Quando se entrecruzam o lugar social daqueles que se representam numa produção discursiva, a sua prática e a sua escrita é que configuram os sentidos nas narrativas. Representações Sociais, Ideologia e Discurso Logo… Aquilo que se representa, a partir do senso comum, pode não ser fruto de um consenso extraído da interação de ideias acerca do objeto representado, mas, na verdade, ser forjado em condições socialmente desiguais (Melo, 2003). As representações sociais são, desta forma, meios encontrados pelos vários grupos sociais para orientar as ações do quotidiano. Se, porém, um determinado segmento se sobressai, é previsível que também se sobressaia sua linha de pensamento, a sua ideologia. Assim, os conteúdos discursivos que circulam na sociedade – entre os quais, os apresentados nos media - são marcados por este jogo de forças e pressões. Pense em sua futura atividade profissional: em que medida ela oferece espaço para discursos dissonantes, periféricos ou fora das formas dominantes de pensar sobre inúmeros grupos sociais? É atento a isso que você deve refletir sobre a sua atividade durante o seu processo de formação profissional aqui na ESCS. Revisando: filme Recomendo que assistam o filme para reforçar o que estudamos na aula passada: https://www.youtube.com/watch?v=SkTShwHYFYo O filme está disponível no Moodle da nossa UC. They Live (Eles Vivem) é um filme norte-americano de ficção científica de ação, suspense e terror de 1988, realizado por John Carpenter. O protagonista do filme é interpretado pelo ator Roddy Piper junto com os atores americanos Keith David e Meg Foster. Ele conta a história de um homem que é referido como "John Nada“. De uma situação trivial ele acaba por descobrir que a classe dominante é formada por um grupo de alienígenas escondendo sua aparência e manipulando as pessoas para gastar dinheiro, criar e aceitar o status quo com mensagens subliminares nos media. Boa sessão de filme! Alteração da data de trabalho em grupo da turma AMC-TPCAM TURMAS AVALIAÇÃO AM.C AM.B PM.N PM.A PM.B AM.A 2ª, 3ª 2ª, 4ª 2ª, 4ª 3ª, 5ª 3ª, 5ª 4ª, 5ª Trabalho em 29.10 28.10 28.10 29.10 29.10 30.10 Avaliação grupo* 29.10 30.10 30.10 31.10 31.10 31.10 Periódica Teste Individual 16.12 11.12 11.12 12.12 12.12 12.12 Avaliação por Exame Época 13.01 a 24.01 Exame Normal Revisando: com filmes Sugestões de filmes para assistirem pensando no que estudamos até aqui: Matrix (1999, o 1º da sequela) - Dirigido por Lana e Lily Wachowschi Quem quer ser bilionário? (2008) - Dirigido por Danny Boyle Eles vivem (1988) – Dirigido por John Carpenter Referências Chauí, M. (1980). O que é Ideologia. São Paulo, Brasiliense. Gramsci, A. (1978). Introdução ao estudo da filosofia e do materialismo histórico. Obras Escolhidas.São Paulo: Martins Fontes. Jovchelovitch, S. (2000). Vivendo a vida com os outros: intersubjetividade, espaço público e representações sociais. In: Guareschi, P.A.; Jovchelovitch, S. (Eds.). Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes, p. 63-85. Meinhof, U. (1996). Discurso. In: Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Outhwaite, W.; Bottomore, T. (eds.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 214-215. Melo, P.B. (2003). Sujeitos sem voz: Agenda e Discurso sobre o Índio na Mídia em Pernambuco. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/3295. Acesso em: 9 set. 2024. Pesavento, S.J. (1995). Em busca de uma outra história: imaginando o imaginário. In: Revista Brasileira de História, nº29, vol. 15, São Paulo, Contexto, p. 09-27. Sawaia, B. B. (1993). Representação e ideologia – o encontro desfetichizador. In: Spink, M.J.P. (org). O Conhecimento no Cotidiano – As representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense. Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social Observação, análise e interpretação Papel condutor da teoria(A4) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Revisando: leitura de texto ❖ Recomendo a leitura do conto "Eight O'Clock in the Morning“, de Ray Nelson, disponível no Moodle. Esta leitura irá ajudá-lo/a a entender um pouco o que estudamos sobre ideologia. Boa leitura! A construção do conhecimento científico ❑ Uma vez que o senso comum é um tipo de conhecimento assistemático e tendencialmente atravessado por crenças, valores e ideias pré-concebidas, e por vezes é também ideológico, acaba por favorecer análises superficiais e imediatistas da realidade social, sociopolítica e cultural. É, enfim, um conhecimento não científico sobre a vida em sociedade; ❑Logo, para conhecer cientificamente a realidade social e sociopolítica é preciso “romper” com o senso comum e adotar uma postura crítica, reflexiva e racional orientada à aquisição das condições para a rutura epistemológica com o conhecimento não científico: Entretanto, como é possível “romper” com o senso comum? A partir do uso articulado das teorias, dos métodos e das técnicas de investigação em Ciências Sociais Distanciamento, comparativismo, relativismo ❑ A investigação em Ciências Sociais precisa combinar os elementos de distanciamento, comparação e relativismo. De acordo com Regina Tralhão: “A linguagem do observador tende a libertar-se dos imperativos da objectividade, universalidade e verdade, passando o discurso sobre a cultura a ser organizado por uma pluralidade irredutível de conhecimentos e de ‘pontos de vista’ e por entrelaçamentos do conhecimento, da retórica e da política” (Tralhão, 2009, p. 24). Distanciamento, comparativismo, relativismo ❑ Distanciamento ▪ Uma das primeiras atitudes esperadas para se iniciar uma investigação é o distanciamento do observador em relação à realidade observada. ▪ Essa perspetiva de distanciamento, porém, encontra-se em mudança nas Ciências Sociais, que começa a dar destaque a uma visão do conhecimento social que envolve múltiplos pontos de vista, permitindo a conexão entre o analista social e a sociedade. Neste sentido, a proximidade do cineasta indiano para realizar um filme sobre a Índia permitiria um olhar diferente da realidade observada do que aquele que foi produzido pelo cineasta inglês (vide o filme citado na aula anterior, Quem quer ser bilionário?). ▪ No entanto, o estranhamento provocado pelo distanciamento ajuda que se faça um esforço de superação da alienação cultural (que pode ser entendida como uma imersão natural que cada um tem sobre a sua própria cultura e que nos faz acreditar que as coisas são como são). Assim, o investigador que estuda uma realidade distante da sua de origem pode perceber práticas (discursivas ou de comportamento) que quem vive na realidade estudada não se dá conta facilmente. ▪ Por outro lado, a compreensão dessas práticas exige imersão na cultura que permeia essas práticas, o que pede proximidade. O ponto ideal da investigação é ser capaz de se distanciar, comparar e relativizar. Distanciamento, comparativismo, relativismo ❑ Comparativismo ▪ Para fazer investigação social é preciso comparar. Isso pode parecer óbvio, mas boa parte dos estudos feitos até meados do século XX eram afeitos a um país, uma região, recaindo em particularidades. Isso não era um equívoco ou problema em si, mas não permitia a compreensão de outras realidades fora, por exemplo, do contexto da Europa Ocidental ou norte-americano, onde se concentravam estas investigações. ▪ A ideia de comparação é uma crítica, com interesses em estruturas mais complexas, por exemplo, na comparação entre religiões. ▪ O método comparativista não se resume ao levantamento de dados empíricos, mas sim ao uso da comparação, enquanto perspetiva de análise do social, e que se refere a um debate acerca dos fundamentos da construção do conhecimento em ciências sociais. A comparação permite controlar as experiências observadas no contexto de uma investigação (Rebouças; Leite; Marques, 2016). Distanciamento, comparativismo, relativismo ❑ Relativismo ▪ O mundo é permeado por inúmeras crenças morais e, embora não se possa negar a possibilidade de algumas verdades objetivas, é fundamental estar atento ao que se observa numa investigação, como analista social. ▪ As culturas são múltiplas, diversas e específicas, e o mundo real que se observa é descrito sempre com base na linguagem usada pelos indivíduos que a descrevem. Daí que relativizar o conhecimento produzido pela investigação social é reconhecer que as verdades trazidas por este conhecimento são válidas para determinados contextos do estudo. “O que é verdade de um lado dos Pirineus é erro do outro lado” Ou “Verdade aquém dos Pirineus, erro além.” (Pascal, 2005, p. 110; n. 294). ▪ Porém, é preciso não recair na relativização de tudo, o que torna impossível qualquer produção de conhecimento: “A variedade nunca é, em si mesma, uma prova de que todos os pontos de vista são igualmente válidos e, se o fossem, um relativismo global não seria mais válido do que a sua negação” (Hollis, 1998, p. 659). Método ❑ O método é um conjunto de procedimentos que orienta a pesquisa, tornando-a coerente do ponto de vista teórico e metodológico; ❑ Estes procedimentos têm impacto nas técnicas de recolha, organização e análise da informação empírica, bem como sobre a produção de resultados; ❑ Por isso, a seleção do método deve ter em conta os objetivos da investigação e os objetos empíricos que se pretende estudar. Técnicas ❑ Aos métodos estão associadas técnicas: instrumentos ou ferramentas que se mobilizam na prática da investigação para a recolha e tratamento de informação empírica; ❑ As técnicas são, em larga medida, definidas em função dos objetivos geral e específicos da investigação, pois consistem em ferramentas que se constroem para responder a esses objetivos: Revisão sistemática da literatura Inquérito por questionário Entrevista Análise documental etc. Desenhos de Pesquisa Para Bryman (2012), o desenho de pesquisa fornece o enquadramento para a recolha e a análise dos dados e é estabelecido a partir das decisões tomadas após responder às seguintes questões: ❑ Queremos explicar a relação entre variáveis? ❑ Queremos generalizar os resultados da investigação para além dos indivíduos que fazem parte da amostra analisada, ou seja, pretende-se extrapolar os resultados da amostra para uma população? ❑ Queremos compreender um dado comportamento e o seu significado num contexto socioeconómico específico? ❑ Queremos fazer considerações sobre a dinâmica (no tempo) do fenómeno que estudamos? Investigação na perspetiva dos seus objetivos Quanto aos objetivos da investigação, pode-se classificá-la em: Investigação exploratória – é a fase do estudo na qual iniciamos o planeamento da investigação, com a finalidade de buscar mais informações sobre o tema que será investigado, de facilitar a delimitação deste tema e de orientar a definição dos objetivos e a elaboração das hipóteses ou mesmo de definir uma nova abordagem para o tema. É nessa fase que se escolhe os métodos e técnicas a serem aplicados. Investigação descritiva – nesta etapa, inicia-se o registo dos fatos observados, analisados, classificados e interpretados, de modo meramente descritivo, ou seja, sem qualquer intervenção do investigador. A maior parte das pesquisas em Ciências Humanas e Sociais são assim classificadas, entre as quais as pesquisas de opinião, mercadológicas, os levantamentos socioeconómicos e psicossociais. Investigação explicativa – é o tipo de investigação mais complexo, porque avança em relação ao formato descritivo, ou seja, além de registar, analisar, classificar e interpretar os fenómenos, busca determinar os fatores determinantes. A investigação explicativa visa aprofundar o conhecimento da realidade, na procura dos fundamentos e causas do que é objeto da pesquisa. As investigações explicativas são as que produzem o conhecimento científico. (Andrade, 2004). Estratégias de investigação: abordagens intensivas e extensivas ABORDAGEM INTENSIVA ABORDAGEM EXTENSIVA Métodos qualitativos; Métodos quantitativos; Populações de pequena dimensão; Populações de grande dimensão; Recolha de informação ao longo da pesquisa; Técnicas de amostragem definidas a priori tendo em vista os limites da análise Novas questões podem ser incorporadas quantitativa dos dados que se pretende durante a investigação; efetuar; Instrumentos de recolha mais flexíveis (guião Instrumentos de recolha padronizados e de entrevista semiestruturado) poucos flexíveis (questionário); Compreensão da multidimensionalidade dos Identificação e explicação de distribuições, objetos; associações, correlações, relações de Procura captar singularidades do(s) caso(s) ou dependência e causalidade entre variáveis; do(s) entrevistado(s). Análise da variação dos dados e de resultados. Chama-se estratégia multi-método ou mista as abordagens que combinam os dois eixos numa mesma investigação Quadro-síntese Extensivos (quantitativo) Intensivos (qualitativo) (Rui Simões, 2021, ESCS) Abordagens interferentes e não-interferentes Não se envolve com Não constrói as práticas do instrumentos grupo observado de recolha da informação Se envolve com as práticas do grupo observado Constrói instrumentos que moldam a discussão do grupo investigado (Rui Simões, 2021, ESCS) Estratégias de observação da realidade, análise e interpretação Desenho de pesquisa Quantitativa Qualitativa Utilização de métodos quantitativos em Experimental desenvolvimento para a inovação de respostas a problemas complexos Etnografia durante um longo período; Inquérito por questionário realizado em mais do entrevistas qualitativas em mais que uma Longitudinal que um momento, mantendo as mesmas variáveis ocasião; análise de conteúdo qualitativas de e os mesmos casos/ estudos de painel documentos relacionando diferentes períodos de tempo Inquérito por questionário a um caso Estudo intensivo de um caso: em etnografia ou Estudo de específico (escola, organização, país, uma através de entrevistas qualitativas (uma família; empresa, um banco…) com o objetivo de revelar uma escola; um bairro; uma comunidade; uma Caso características relativas à sua natureza instituição financeira; uma instituição do Estado etc.) Inquérito por questionário para fazer uma Etnografia ou entrevista qualitativa para Comparativo comparação entre dois ou mais casos (dois ou comparar dois ou mais casos mais países; duas ou mais empresas ou bancos (ex. PISA e ESS) Bryman, Alan (2012), Social Research Methods, Nova York, Oxford, Oxford University Press. Teoria ❑ A teoria possibilita o aprimoramento do olhar sobre a realidade social, revelando as suas múltiplas dimensões, dinâmicas, relações e processos de reprodução ou mudança sociais. ❑ A teoria é expressa através de conceitos e a sua linguagem contribui para a definição e designação do objeto investigado, visualizando-o em sua complexidade, colocando em evidência diferentes dimensões de análise. ❑ As teorias condicionam a forma por meio da qual é conduzida a pesquisa, bem como influencia o conhecimento produzido cientificamente sobre o objeto ou fenómeno investigado. O papel condutor da teoria ❑ A teoria está no centro da investigação científica e orienta todas as etapas do estudo. ❑ A teoria contribui para definir o problema de investigação, as hipóteses, o desenho de pesquisa, os instrumentos de recolha da informação, a análise dos dados e os resultados (generalização). ❑ É preciso conhecer as teorias para poder selecionar aquela que é mais adequada ao objeto que se quer conhecer. O papel condutor da teoria ❑ A teoria deve estar relacionada com o objeto e os objetivos definidos como pertinentes a uma investigação. A teoria “deve ser congruente com eles [objeto e objetivos] e deve estar aparelhada para promover a pesquisa empírica” (Berger; Luckmann, 1999). ❑ A teoria é uma reflexão sistemática sobre a natureza e os objetivos de um campo, uma área ou um objeto, desenvolvendo a compreensão acerca deste campo, área ou objeto. “Uma teoria científica é uma explicação de algum fenómeno, ou conjunto de fenómenos, com base na observação, direta ou indireta, dos fatos que a confirmam” (Vila Nova, p. 44). O papel condutor da teoria ❑ As ideias sociológicas são, em geral, descritas na forma de teorias, fazendo conjeturas sobre um ou vários aspetos da vida social e demonstrando as relações entre os fatos sociais (Brym et al., 2006). ❑ Um exemplo é o estudo sobre o suicídio realizado por Durkheim. Ele demonstrou a relação entre taxas de suicídio e a solidariedade social. Isso lhe permitiu explicar o suicídio com base na solidariedade, indicando que em sociedades em que há mais solidariedade entre os indivíduos os níveis de suicídio são mais baixos. “A essência da ciência não é nada mais do que um refinamento do pensamento quotidiano” (Einstein, 1954, p. 270) As quatro tradições teóricas na Sociologia ❑ A Sociologia tem quatro tradições teóricas principais. São elas: ❑ Funcionalismo – analisa como a ordem social é mantida por estruturas macrossociais. ❑ Teoria do Conflito – analisa como a desigualdade social é mantida, enfatizando os conflitos sociais. ❑ Interacionismo – analisa como o significado é criado quando as pessoas se comunicam em ambientes microssociais. ❑ Disposicionalismo - enfatiza o processo de construção social dos indivíduos, com foco no modo como o passado é incorporado e se converte em práticas sociais. (Brym et al., 2006) As quatro tradições teóricas na Sociologia Quatro tradições teóricas na Sociologia Principal Foco Tradição teórica nível de principal Questão principal Análise Como as instituições sociais e cultura contribuem para a Funcionalismo Macro Valores estabilidade e para a instabilidade social? Como os grupos privilegiados tentam manter suas Teoria do Conflito Macro Desigualdade vantagens, e os subordinados, aumentar as suas, muitas vezes causando mudança social durante o processo? Como os indivíduos se comunicam tornando-o os seus Interacionismo Micro Significado ambientes sociais significativos? De que maneira os indivíduos são socialmente Disposicionalismo Meso e micro Práticas produzidos e como as suas práticas contribuem para a reprodução da vida social? Fonte: Adaptado de Brym et al., 2006, p. 22. Referências Andrade, M.M. (2004). Como Preparar Trabalhos para Cursos de Pós-Graduação. São Paulo: Atlas. Berger, P.; Luckmann, T. (1999). A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Rio de Janeiro, Petrópolis:Vozes. Brym, R.J. et al. (2006). Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Thomson Learning. Bryman, A. (2012). Social Research Methods. New York: 4th Edition-Oxford University Press. Einstein, A. (1954). Ideas and Opinions. Seelig, C. (ed.). Nova Iorque: Crown. Hollis, M. Relativismo. In: Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Outhwaite, W.; Bottomore, T. (eds.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 657-659. Pascal, B. Pensamentos. Consultoria de Marilena de Souza Chauí. Tradução de Olívia Bauduh. São Paulo: Nova Cultural, 2005. (Os Pensadores). Quivy, R.; Campenhoudt, L.V. (1992). Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva. Rebouças, G.M.; Leite, M.F.; Marques, V.T. Aprendendo com outros territórios: pesquisa comparativa em Ciências Sociais e Humanas. In: IX Congresso Português de Sociologia. Disponível em: https://associacaoportuguesasociologia.pt/ix_congresso/docs/final/COM0295.pdf. Acesso em: 12 set. 2024. Simões, R. (2021). Material de aula. Lisboa: ESCS. Tralhão, R. (2009). O Sujeito no Pensamento Social: A Hermenêutica e as Ciências Sociais e Humanas. Revista Interacções, n. 16. p. 7-51. Disponível em: file:///C:/Users/patri/Downloads/iamaral,+Journal+manager,+artigo1.pdf. Acesso em: 12 set. 2024. Vila Nova, S. (2004). Introdução à Sociologia. São Paulo: Atlas. Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social Escrita Ativa: como ler e escrever com fundamentação científica (A5) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ❖ Leitura ativa ❑ Antes de podermos escrever de forma científica ou académica, é preciso aprender a ler de forma crítica. Esta leitura exige um envolvimento com o que o autor pretende nos fazer entender com o seu texto. ❑ Para descobrirmos a sua intenção, é preciso identificar o seu principal argumento. ❑ Ser crítico na leitura é um atributo fundamental para a nossa progressão académica. ❑ O que é ler de forma crítica? Verificar os argumentos apresentados Identificar as limitações do desenho ou do tema do estudo Analisar as interpretações feitas Decidir em que medida está preparado para aceitar ou refutar os argumentos Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ❖ Como ler ▪ Ler em casa ▪ Ler em aulas de discussão ▪ Exercitar a identificação dos argumentos, dos objetivos e das conclusões do texto ▪ Anotar com as suas próprias palavras cada um destes itens presentes no texto (argumentos, objetivos e conclusões) ▪ Relacionar a leitura com fatos da atualidade (por exemplo, notícias, filmes, publicidade) Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ❖ Tipos de leitura ▪ Leitura transversal ▪ Leitura aprofundada Como assim, leitura transversal? Os textos científicos têm uma ordem própria, mas as suas leituras podem ter ordens diferentes, relacionadas com os seus interesses de estudo. ▪ Ordem típica de escrita: introdução / estado da arte, metodologia, resultados / conclusões ▪ Ordem possível para leitura transversal: conclusões / introdução / partes específicas (inversão da leitura: ler de “cabeça para baixo”) Permite foco no ponto-chave do texto e ajuda a: o Realçar os conceitos relevantes presentes no texto o Descobrir se aquele texto é do interesse do nosso estudo Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ❖ Apreendendo o conteúdo ▪ Nem sempre a ordem da escrita científica é igual à melhor ordem para a sua compreensão. Assim, ler de “trás para frente” nos ajuda a ir direto ao ponto, ou seja, ao que o autor quer nos dizer com o texto. Por isso, a recomendação de inverter a leitura e iniciar pelas conclusões. Após a leitura transversal e a confirmação de que o texto atende aos nossos objetivos, partimos para a leitura aprofundada. Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ▪ E o que fazer enquanto lemos? o Marcar o texto – faça marcas (se o livro ou o texto impresso for seu!) em linhas, parágrafos ou tópicos que considere importantes. Use o recurso de bloco de notas ou de comentários se o texto for online. Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ▪ E o que fazer enquanto lemos? o Desenhar esquemas – prepare desenhos (representações visuais) que indiquem uma correlação entre as informações. Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ▪ E o que fazer enquanto lemos? o Reescrever o argumento – com as nossas próprias palavras reescrever o que é mais importante do texto, conversar com colegas, explicar a outros (raciocínio dialógico). Texto 1: “Como as gerações ao longo dos anos disseram ‘você colhe o que planta?, o jardineiro tentou arruinar as terras de seu colega agricultor e acabou pagando ele mesmo o preço. Isso ocorreu porque as chamas engoliram sua própria terra tanto quanto a de seu suposto inimigo.” Seu texto: “O jardineiro queria devastar as terras do seu companheiro agricultor. No entanto, ele mal sabia que as chamas que ele incendiou iriam dominar suas terras – pagando o preço que ele mesmo havia estabelecido.” FONTE: https://www.reescrevertexto.net/blogue/exemplos-de-reescrever Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ▪ E o que fazer enquanto lemos? o Fazer resumos – Preparar um texto de sua autoria, reproduzindo as ideias gerais do texto. Quando citar literalmente o que o autor tiver escrito, usar aspas e informar corretamente em que parte do texto o autor fez aquela afirmação. Fonte:https://bc.ufpa.br/guia-de-trabalhos-academicos/formatacao-grafica/citacoes.html Aprendendo a ler de forma científica: leitura ativa ❑ Vantagens da troca pela conversa e explicação ▪ Identificar partes do argumento que não estão claras ▪ Identificar novos caminhos de entendimento, acedendo mais rápido uma posição crítica acerca do texto ❑ Vantagens da leitura aprofundada ▪ Permitir novas ligações, raciocínios ▪ Sentir-se seguro de que compreendeu o texto de modo a poder propor seus próprios exemplos e comparar com outros textos sobre o mesmo tema ▪ Ser capaz de analisar o texto na sua totalidade e atribuir-lhe significado como um todo Escrita Ativa ❑ Da leitura ativa à escrita ativa Quando aprendemos a ler de forma ativa, passamos a ter mais habilidade na escrita, em particular a escrita em nível académico. A escrita ativa pressupõe que sejamos capazes de: Relacionar conceitos entre autores; Explicar transições entre teorias ou conceitos (por exemplo, saber informar o que caracteriza o conceito de ideologia marxista); Aplicar uma proposta teórica particular a um problema da actualidade, a uma questão que nos é colocada em uma avaliação e a refletir sobre as vantagens ou limites (por exemplo, os limites do conhecimento do senso comum); Expor os argumentos de um debate teórico (por exemplo, dizer o que fundamenta o conhecimento científico). Escrita Ativa ❑ Escrevendo ❖ No processo de escrita ativa ou crítica, é necessário observar os argumentos e as evidências apresentadas por autores que estamos a ler. Esta compreensão é que permitirá que cada um seja capaz de aplicar argumentos próprios em sua escrita, ou seja, escrever com as suas próprias palavras. Para isso, é necessário raciocinar e realizar escolhas a partir das leituras que foram feitas. ❖ Na hora de escrever… ✓ Pense na mensagem que quer transmitir, no que quer provar; ✓ Recorra a um conjunto de frases claras e simples, organizadas em parágrafos, que apresentem as razões da sua posição (premissas); ✓ A partir das premissas, construa conclusões (pode utilizar expressões como: logo, assim sendo, deste modo, consequentemente,...); ✓ Explique ao seu leitor a relevância dos argumentos apresentados, descrevendo as evidências nas quais se fundamenta. FONTE: https://bibliosubject.iscte-iul.pt/sp4/subjects/guide.php?subject=escritacientifica#tab-5 Aprendendo a fazer citações e paráfrases ❑ A César o que é de César: informando de onde tiramos as nossas ideias ❖ Citações e paráfrases Quando lemos e fazemos apontamentos da leitura, conforme já foi explicado, é necessário aprender a referenciar os autores que vamos citar no nosso texto. Isso é fundamental para respeitar a origem da nossa informação. ❖ Ao longo do nosso texto, podemos: ✓ Citar diretamente o autor estudado (citar) ✓ Citar indiretamente o autor estudado (citar) ✓ Usar as informações que obtivemos através da leitura do autor estudado (parafrasear) Aprendendo a fazer citações e paráfrases ✓ Citar diretamente o autor estudado Como dizem Ferrell et al (2008), cultura não é um substantivo, mas um verbo e, como tal, assume tempos passivos e ativos: Cultura sugere uma espécie de performance pública compartilhada, um processo de negociação pública – em que o desempenho pode ser aquiescência ou rebelião, uma negociação de conflitos violentos ou capitulação (Ferrel et al., 2008, p. 4) [tradução nossa]. O TRECHO EM SEPARADO É EXATAMENTE O QUE DISSE O AUTOR INFORMADO ACIMA (FERREL ET AL.) Fonte: Melo, P.B.; Assis, R.V., Mídia, consumo e crime na juventude: a construção de um traçado teórico. Caderno CRH, v. 27, n. 70, p. 151-164, jan/abr. 2014. Aprendendo a fazer citações e paráfrases ✓ Citar indiretamente o autor estudado McCracken (1990) aponta uma mudança no padrão de consumo. Ao padrão tradicional de consumo da corte ele chama de consumo de pátina, advindo do período medieval, no qual se destacava a família como singularidade do consumo. Seria o meio de legitimação do nome da família pelas heranças e riquezas acumuladas através de gerações. A mudança no padrão de consumo identificada por McCracken ocorre quando os indivíduos passam a consumir para si mesmos, e não para o acúmulo de riqueza e prestígio familiar. O TRECHO CITA INDIRETAMENTE O AUTOR INFORMADO, DIZENDO O QUE ELE QUIS DIZER EM SEU TEXTO (MCCRAKEN) Fonte: Melo, P.B.; Assis, R.V., Mídia, consumo e crime na juventude: a construção de um traçado teórico. Caderno CRH, v. 27, n. 70, p. 151-164, jan/abr. 2014. Aprendendo a fazer citações e paráfrases ✓ Usar as informações que obtivemos através da leitura do autor estudado (parafrasear) NESTE TRECHO, O QUE ESTÁ ESCRITO É UMA ESCRITA CRÍTICA COM BASE EM DOIS AUTORES LIDOS: CANCLINI E ROCHA, INFORMADOS ENTRE PARÊNTESES […]Nesse sentido, a concepção de cidadão se confunde com a concepção de consumidor: quem não possui recursos para efetivar os atos de consumo sente-se excluído da estrutura social, alheio ao mundo dos direitos sociais e individuais, o que desemboca em uma redução da ideia de cidadania e também em uma vinculação de que a existência social depende da constante renovação dos bens (Canclini, 1999; Rocha, 2011). Fonte: Melo, P.B.; Assis, R.V., Mídia, consumo e crime na juventude: a construção de um traçado teórico. Caderno CRH, v. 27, n. 70, p. 151-164, jan/abr. 2014. Normas de referências ❑ As formas de incluir as citações diretas e indicar as referências bibliográficas seguem inúmeros tipos de normas de apresentação. Há, porém, informações mínimas que devem estar dispostas ao final do nosso texto, como podem observar em todos os slides de nossas aulas, ao final de cada uma delas (no slide “Referências”). Em regra geral, é necessário que cada autor citado – de forma direta, indireta ou parafraseada – esteja indicado com os seguintes dados: Nome de autor | Data de publicação | Título | Número de edição | Editora | Local de publicação | Volume | Páginas da obra ou páginas relativas à publicação referenciada ❑ Alguns exemplos: Berger, P.; Luckmann, T. (1999). A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Rio de Janeiro, Petrópolis:Vozes. Brym, R.J. et al. (2006). Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Thomson Learning. Bryman, A. (2012). Social Research Methods. New York: 4th Edition-Oxford University Press. Tralhão, R. (2009). O Sujeito no Pensamento Social: A Hermenêutica e as Ciências Sociais e Humanas. Revista Interacções, n. 16. p. 7-51. Disponível em: https://www.interacoes-ismt.com/index.php/revista/article/view/2/2. Acesso em: 12 set. 2024. Normas de referências Aqui você tem um guia do estilo APA, um dos mais usados: https://feup.libguides.com/apa/estruturabasica Exercício em grupo na próxima aula* ❑ A escolha do tema: 1. Cada equipa deverá definir um tema que possa ser objeto de uma análise sociológica a partir das abordagens metodológicas apresentadas. O tema deve ter pertinência sociológica e despertar interesse nos elementos do grupo. ❑ Pesquisa exploratória: 2. Cada equipa deverá realizar uma pesquisa exploratória, recolhendo informação académica e não académica sobre o tema definido. ▪ Iniciar por fontes não académicas: ▪ Produções jornalísticas; ▪ Relatórios de instituições públicas ou privadas; ▪ Outras publicações informativas disponíveis online. ▪ Em seguida, explorar fontes académicas: ▪ Artigos de revistas científicas; ▪ Teses de doutoramento ou de mestrado. ❑ Formulação da(s) pergunta(s) de partida: 3. A partir de uma breve exploração do material recolhido no ponto acima, cada equipa deverá redigir uma ou mais questões de partida sobre o tema definido para o trabalho. ❑ Apresentação escrita: 4. Sintetização dos dados recolhidos. Numa página, elaborar um texto sobre o tema definido. Devem apresentar o tema, colocando em evidência a sua relevância científica ou social. * Trazer computador ou tablet para aceder a Internet em sala de aula. Recomendo três pessoas por equipa. Lista de temas 1. O impacto das redes sociais na formação da opinião pública 16. A utilização de drones na produção audiovisual: inovação 2. Influenciadores digitais e a construção de identidade ou moda? 3. A ascensão dos podcasts como meio de comunicação de 17. A realidade virtual (VR) e aumentada (AR) como novas massa fronteiras do audiovisual 4. A representatividade de minorias nos meios de 18. A pirataria digital e o seu impacto nas produções comunicação audiovisuais 5. Publicidade digital: o uso de dados pessoais para 19. O papel do som na criação de atmosferas em filmes e séries segmentação de audiência 20. Publicidade subliminar: mito ou realidade? 6. Cultura do cancelamento e suas implicações sociais 21. A utilização de inteligência artificial na criação de 7. O papel dos memes na comunicação contemporânea campanhas publicitárias 8. O fenómeno da globalização cultural através dos media 22. Publicidade ética: até que ponto as campanhas são 9. Comunicação visual e o impacto das plataformas de vídeo responsáveis socialmente? curtos (TikTok, Reels) 23. Branding emocional: como as marcas criam conexão com 10. Evolução das plataformas de streaming e o seu impacto na os consumidores indústria cinematográfica e televisiva 24. Publicidade nativa: o equilíbrio entre informação e 11. Narrativas transmedia: como os universos ficcionais se persuasão expandem através de diferentes meios 25. A evolução da publicidade de outdoors para o digital 12. Documentários como forma de ativismo social 26. A influência do neuromarketing nas campanhas 13. A influência da edição e pós-produção na construção de publicitárias narrativas audiovisuais 27. Publicidade e sustentabilidade: a emergência de marcas 14. A estética do vídeo vertical e a popularização de verdes plataformas como TikTok 28. O impacto das celebridades e influenciadores na 15. Representações de género e raça no cinema e na televisão credibilidade das campanhas 29. Publicidade dirigida e a questão da privacidade dos dados A exposição de si na internet (exemplo de uma problemática sociológica) “As problemáticas de investigação evoluem a par das fotografia ou o telefone no século XIX, o cinema, a televisão, transformações da sociedade, sobretudo as transformações os telemóveis ou os videojogos no século XX. Entre estes, se tecnológicas e as suas consequências nas interacções sociais. Estas nos focarmos na questão da exposição de si, o caso da problemáticas novas têm consequências sobre os métodos de fotografia é, sem dúvida, o que mais se aproxima do das recolha de dados. É o que este terceiro exemplo pretende mostrar. páginas de redes sociais na internet (Social Network Sites – Desde o seu aparecimento, a internet suscitou opiniões e críticas, SNS). De facto, é motivo de preocupação relativamente à muitas vezes até alarmistas, relativamente ao risco de exposição publicação de fotografias de cada um na imprensa e ao uso de si na rede. Os perigos que ameaçam os utilizadores na Web são que lhes pode ser dado a seguir. Claramente, coloca-se já o infindáveis: perda da intimidade, aumento do controlo social tanto problema da protecção da vida pessoal perante a visibilidade institucional como privado, perseguição, roubo, falsificação e e a publicidade crescentes daquela. No entanto, um usurpação da identidade, utilização maliciosa de informações investigador minimamente sério não pode limitar-se a uma pessoais e ataques à reputação, perenidade das informações, postura moral de condenação baseada numa divisão dos impossibilidade de eliminação e, portanto, de esquecimento… utilizadores entre vítimas e culpados e bem a uma leitura que Estas reacções lembram os movimentos de «pânico moral» que impute às próprias tecnologias a responsabilidade pelos erros parecem ter acompanhado o crescimento dos novos meios de denunciados. comunicação, como aconteceu com os folhetins, a Pelo contrário, alguns inquéritos sobre as modalidades de encenação de si nas páginas de Web 2.0 mostram toda a diversidade das estratégias A exposição de si na internet (exemplo de uma problemática sociológica) desenvolvidas pelos utilizadores. O inquérito Sociogeek, o nome do identitários que escolhem revelar ou dissimular. Esta colectivo (…) que o conduziu, inscreve-se nesta perspectiva investigação mostra ainda que as várias modalidades de (Aguiton et al., 2009). O inquérito incidiu principalmente sobre as exposição de si remetem para características formas de se exibir aceites pelos utilizadores, sobre as utilizações sociodemográficas específicas. Assim, a título de exemplo, as da internet e dos SNS, sobre as práticas de sociabilidade e as suas mulheres e os altamente diplomados estão fortemente estratégias de selecção de amigos na Web. representados entre os que privilegiam fotos relacionados Esta investigação salienta uma pluralidade de modos de encenação com temas ritualizados há muito em fotografia. As diferentes e de construção da identidade digital em páginas de socialização: formas de apresentação de si também estão distribuídas de selecçção de fotografias que remetem para situações tradicionais acordo com o número de amigos que se tem nas redes sociais, (refeições, férias….) ou nas quais o rosto não se reconhece bem; a preferência por uma socialização virada para pessoas que se divulgação de fotos de família ou de casamento; publicação de conhecem da vida real ou para desconhecidos, ou o tipo de fotografias de nudes, eróticas ou de caráter sexual; escolha de plataforma usada pelos utilizadores. (…) imagens que apresentam uma visão encenada de si ou situações Esta investigação mostra utilizadores muito estratégicos, que fora do comum; exibição de fotos trash cujo principal objectivo é revelam grande ponderação nas suas práticas, seleccionando provocar. cuidadosamente as informações que divulgam sobre si Nem todos os utilizadores expõem na Net a mesma faceta de si próprios, em função do modo como se projectam os espaços próprios; claramente, seleccionam os traços onde se A exposição de si na internet (exemplo de uma problemática sociológica) joga uma parte da sua identidade, em função dos objetictivos relacionais que são os seus. Podemos ver que esta perspectiva dá aos utilizadores um estatuto de actores que permite, desde logo, apreender os desafios sociais e culturais destas novas práticas… A pergunta de partida poderá então ser formulada da seguinte maneira: «Quais são as estratégias de exposição de si usadas pelos utilizadores nas redes sociais na internet?» Podem ser mobilizados conceitos como sociabilidade, apresentação de si, rede social (no sentido sociológico do termo), actor-rede, actante, partilha social e sistema sociotécnico”. (Quivy et al., 2017, p. 132-136) Referências Citações e bibliografia. Disponível em: https://bibliosubject.iscte- iul.pt/sp4/subjects/guide.php?subject=escritacientifica#tab-6. Acesso em 29 set. 2024. Escrever argumentos. Disponível em: https://bibliosubject.iscte- iul.pt/sp4/subjects/guide.php?subject=escritacientifica#tab-5. Acesso em: 29 set. 2024. Guia de Trabalhos Académicos. Disponível em: https://bc.ufpa.br/guia-de-trabalhos- academicos/formatacao-grafica/citacoes.html. Acesso em: 27 set. 2024. Ler criticamente. Disponível em: https://bibliosubject.iscte- iul.pt/sp4/subjects/guide.php?subject=escritacientifica#tab-4. Acesso em: 27 set. 2024. Melo, P.B.; Assis, R.V., Mídia, consumo e crime na juventude: a construção de um traçado teórico. Caderno CRH, v. 27, n. 70, p. 151-164, jan/abr. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103- 49792014000100011. Acesso em: 29 set. 2024. Reescrita. Disponível em: https://www.reescrevertexto.net/blogue/exemplos-de-reescrever. Acesso em: 27 set. 2024. Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social Metodologias de investigação: Exercício prático(A6) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Aprofundando o processo de investigação científica Rutura Construção Verificação Pergunta de Modelo de Exploração Problemática Observação Análise Conclusões partida Análise - Leituras e - Balanço das - Preparação dos dados, medir - Clara, - Relação entre - Delimitar o entrevistas etapas relações de variáveis, comparar; pesquisável, conceitos, entre campo de exploratórias anteriores, destacar o “novo”, o que se pertinente. hipóteses, observação, - Grelhas de delimitação de acrescenta ao conhecimento dimensões e construir os leitura, uma indicadores instrumentos fichas de problemática - Construção de de observação, leitura recolher uma matriz de operacionalização Adaptado de Quivy e Campenhoudt (2017) Exercício em grupo ❑ A escolha do tema: 1. Cada equipa deverá definir um tema que possa ser objeto de uma análise sociológica a partir das abordagens metodológicas apresentadas. O tema deve ter pertinência sociológica e despertar interesse nos elementos do grupo. ❑ Pesquisa exploratória: 2. Cada equipa deverá realizar uma pesquisa exploratória, recolhendo informação académica e não académica sobre o tema definido. ▪ Iniciar por fontes não académicas: ▪ Produções jornalísticas; ▪ Relatórios de instituições públicas ou privadas; ▪ Outras publicações informativas disponíveis online. ▪ Em seguida, explorar fontes académicas: ▪ Artigos de revistas científicas; ▪ Teses de doutoramento ou de mestrado. ❑ Formulação da(s) pergunta(s) de partida: 3. A partir de uma breve exploração do material recolhido no ponto acima, cada equipa deverá redigir uma ou mais questões de partida sobre o tema definido para o trabalho. ❑ Apresentação escrita: 4. Sintetização dos dados recolhidos. Numa página, elaborar um texto sobre o tema definido. Devem apresentar o tema, colocando em evidência a sua relevância científica ou social. Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social Metodologias de investigação: Exercício prático Comentários da Atividade (A7) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social A sociedade como ordem social: padrões, previsibilidade, subjetividade (A8) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Ordem Social ❑ A vida Social – as normas que regem a sociedade ▪ A vida em sociedade é definida por regras, e precisamos delas para que seja possível a convivência coletiva. A ordem é o oposto do caos, da aleatoriedade, do acaso; é a padronização (Pires, 2012). ▪ Nossos comportamentos são classificados como adequados e inadequados segundo normas que regem a vida social. Assim, quando falamos de comportamento segundo normas estamos falando de padrões. A ordem social é o padrão das relações em sociedade. ▪ Esta ordem social é que garante que possamos andar na rua e sabermos onde é permitido atravessar, como conduzir nas vias urbanas, como agir em lugares públicos e privados em termos de altura de voz, roupas etc. O ordenamento do mundo social é objeto da análise social, em especial porque, quando se descumprem normas, a vida coletiva pode correr riscos (Giddens, 2008). Ordem Social ❑ Expectativas de papeis e normas ▪ Segundo Vila Nova (2004, p. 136): Não é de modo abstrato que os indivíduos obedecem às normas de sociedade, mas, necessariamente, através da ocupação de posições e do consequente desempenho de papeis. Ocupando posições é que o homem usufrui de direitos e contrai deveres, os quais se manifestam através de expectativas de comportamento padronizado. ▪ A ordenação da vida humana nos permite reconhecer que vivemos em sociedade. Ordem Social ▪ Ainda que as pessoas possam agir individualmente, o que nos permite entender a existência da sociedade é o regramento coletivo e partilhado. ▪ Saber que há ordem não significa que todos os resultados da ação humana estão determinados à partida. ▪ Por quê? Porque há espaço na sociedade para o descumprimento das regras. ▪ Segundo Giddens (2008), o estudo do comportamento desviante é um campo complexo porque as regras mudam em contextos culturais diversos, inclusive em subculturas dentro de uma mesma sociedade. Ordem Social ❑ Sanções e conformidade ▪ Todas as regras sociais podem ter como resposta sanções nos casos de incumprimento. As sanções podem ser: Sanções positivas – oferta de recompensas pelo cumprimento ou conformidade; Sanções negativas – punição ou pena em virtude de comportamento desviante ou inconforme. ▪ As sanções podem ser ainda: Sanções formais – são aquelas em que há agentes responsáveis pelo seu cumprimento, como quando se multa um condutor por descumprir as leis de trânsito; Sanções informais – são aquelas em que membros da sociedade rejeitam de forma espontânea o comportamento de um indivíduo que agiu em inconformidade com o que se espera no espaço coletivo, como a atitude que adotamos quando alguém fala alto numa sessão de cinema. Ordem Social ❑ Sanções e conformidade ▪ Os principais tipos de sanções formais são os regramentos jurídicos nas sociedades modernas. A polícia representa o agente mais comumente responsável por fazer valer o cumprimento das leis e de conduzir aos tribunais as pessoas em inconformidade com as normas. Multas e prisão são tipos de sanções formais negativas. ▪ Não há muitas sanções formais positivas para recompensar indivíduos cumpridores das leis, mas há casos em que se reduz o pagamento de impostos para premiar aqueles que são considerados, por exemplo, bons condutores no trânsito. Isso funciona, dentro da ordem social, como um estímulo à obediência. ▪ Há, porém, alguns exemplos de sanções formais positivas: condecorações por bravura em guerra, diplomas para marcar o êxito académico, prémios em competições esportivas (Giddens, 2008). Ordem Social ❑ Sanções e conformidade ▪ As sanções informais, positivas ou negativas, são muito comuns na vida social. ▪ As positivas são aquelas que recebemos desde a infância: um sorriso de aprovação por nosso comportamento, uma palmadinha nas costas, uma palavra de reconhecimento no ambiente de trabalho. ▪ As negativas são repreensões em público, afastamento de alguém por sua conduta. Embora não tenham o peso de uma sanção formal negativa, as sanções informais negativas são fundamentais para que as pessoas busquem estar em conformidade com as regras. De modo geral, desejamos a aprovação e o respeito de amigos e familiares, e isso nos leva a seguir as normas que compartilhamos em sociedade. Ordem Social ❑ Anomia ▪ A anomia é o estado social em que falta orientações normativas consistentes para os indivíduos, o senso de identidade de grupo diminui e o controlo social fica pouco eficiente. Neste cenário, temos uma situação anómica, na qual as regras são dissociadas de valores. ▪ Isso acontece quando se tornam obsoletos os valores que davam sentido às formas tradicionais de organização social. É em contextos de descompasso entre as normas e as novas condições culturais de uma sociedade que estas situações se verificam. Segundo Vila Nova: Isso ocorre quando o universo de crenças, normas, valores e sentimentos partilhados intersubjetivamente pelos indivíduos estão dissociados dos modos padronizados de agir […]. A anomia, em consequência, tanto é uma condição social objetiva quanto uma condição subjetiva, mas é antes um reflexo da primeira sobre os indivíduos. Em outras palavras, a desorganização social característica das situações anómicas se reproduz na personalidade de quem está exposto às contradições próprias dessas circunstâncias” (Vila Nova, 2004, p. 120). Previsibilidade ❑ O agir previsível ▪ Uma vez que há normas, há certa previsibilidade das ações humanas. ▪ Isso confere às relações sociais certo grau de previsibilidade. Esta possibilidade de prevermos as ações uns dos outros dá estabilidade ao convívio em sociedade, o que é valorizado coletivamente. ▪ No entanto, como há subjetividade nas escolhas – ou seja, vontades individuais – a previsibilidade e a imprevisibilidade são qualidade das interações. ▪ Quando as pessoas agem mais rotineiramente de forma imprevisível, elas perdem espaço na interação. ▪ Quando a ação humana imprevisível é uma ação que fere a norma, o resultado previsível é a sanção. Previsibilidade ❑ As organizações na estrutura social ▪ Em nível organizacional, as ações são altamente previsíveis, uma vez que as organizações estão dentro da estrutura social como sistemas ordenados. ▪ As organizações possuem normas, sistemas de controlo, padrões ordenados e hierárquicos. ▪ A hierarquia pressupõe controlo de cima para baixo na estrutura organizacional, com maior imprevisibilidade no topo da organização, uma vez que quem ocupa os cargos de comando são muitas vezes os definidores das regras. Isso vale para empresas e outros tipos de organização social. Aqueles que estão na base, por outro lado, tem menor grau de imprevisibilidade de suas ações. Subjetividade ❑ Subjetividade e reflexividade ▪ Peter Berger e Thomas Luckmann (2004) observam que as formas de conhecimento no nível objetivo (institucional) e subjetivo (individual) permitem a conjunção de ações objetivas e subjetivas, ou seja, das estruturas sociais e das vontades individuais. É no nível individual que se confere a ordem subjetiva, em que se analisa a ação a partir da expressão das vontades. ▪ Ao pensarmos na conjunção entre estruturas sociais a definir de forma objetiva a ordem social e a subjetividade das ações individuais, percebemos que agimos sabendo que há regras; a ordem implica controlo, e controlo implica hierarquia. ▪ A capacidade do indivíduo de analisar o contexto em que ele atua chama-se reflexividade. Pela reflexividade, ele percebe o resultado da sua ação em determinado contexto, e pode ajustar a sua ação em função do resultado; ao mesmo tempo, ele interfere com o contexto ao decidir como agir. Subjetividade ❑ Níveis de conhecimento e ação ▪ Os níveis de conhecimento podem, assim, ser divididos em três níveis: 1. Prático, ou senso comum; 2. Analítico, com vista a objetivos estratégicos, a partir da reflexividade; 3. Científico, para conhecer e permitir o analítico, conduzindo à estratégia para a mudança. ▪ A estratégia permite alterar as condições de vida, p.e., a alteração nas políticas públicas em decorrência do conhecimento acumulado. ▪ O conhecimento possibilita o reforço da ordem, ainda que em novas bases (mudança). Isso quer dizer que a ação humana, que conduz à busca pelo conhecimento, logo, também marcada pela subjetividade de nossas escolhas, produz como resultado novos conhecimentos científicos que levam a estratégias de mudança social, que, por sua vez, conduzem a uma nova ordem social. Ou seja, nem toda alteração na ação é meramente um descumprimento de regras, mas pode ser a condução da mudança social. SENSO COMUM ANÁLISE PELA REFLEXIVIDADE CONHECIMENTO CIENTÍFICO NOVA ORDEM SOCIAL Subjetividade ❑ Reflexividade e perceção do indivíduo como sujeito ▪ Com a transição para uma sociedade globalizada, aumentaram os níveis de reflexividade e de individualização, e com isso a perceção do risco aumentou sobre as ações individuais, bem como nas políticas dos governos e das organizações (Abrantes; Katúmua, 2014). ▪ Neste novo momento da história da humanidade, “os indivíduos tendem a ser vistos como sujeitos (não objetos de estudo), reflexivos e produtores da sociedade (não apenas produtos da sociedade)” (Abrantes; Katúmua, 2014, p. 66). ▪ A ideia de reflexividade ganhou, contemporaneamente, a compreensão de que os indivíduos desenvolvem “conversar internas”, i.e., conversam consigo mesmos com o intuito de encontrar possíveis cenários para as suas ações, antes de agir efetivamente. Esta dimensão da reflexividade é socialmente produzida, e depende do processo de socialização, resultando particularmente da escolarização e do acesso aos meios de comunicação, que ampliam a sua visão de si e do mundo. As “conversas interiores” são um produto das nossas relações em conjunção com o acesso efetivo à informação. Previsibilidade ❑ Previsibilidade e relativismo cultural ▪ O grau de previsibilidade de um ato depende do seu contexto relacional e cultural. ▪ A previsibilidade é inerente à ordem social, sendo esta ordem fundamental para que tanto a ação como a interação sejam eficazes. ▪ A carga afetiva das relações, porém, podem reduzir a previsibilidade, e isso é afetado pelo contexto cultural. Certas ações possuem um peso emocional mais elevado em determinados contextos do que em outros. Previsibilidade ❑ Como exemplo da dimensão da imprevisibilidade, consideremos como diferentes culturas reagem ao ato de abraçar: 1. Previsibilidade e contexto cultural: Em países como Portugal, abraçar é um gesto comum de afeto entre amigos e familiares. É esperado, previsível e aceito nesses contextos. No entanto, em culturas mais reservadas, como o Japão, um abraço pode ser visto como algo invasivo ou inadequado, pois o contato físico casual é menos comum. A previsibilidade de um ato, como o abraço, depende do contexto relacional e cultural. 2. Previsibilidade e ordem social: No dia a dia, a ordem social determina que há contextos adequados para abraçar, como momentos de celebração ou conforto, o que facilita a interação social. Quando uma ação segue essas normas, as pessoas sabem como reagir, tornando a interação eficaz. 3. Carga afetiva e imprevisibilidade: A carga emocional ligada a um abraço pode variar. Numa situação de perda, um abraço pode ser uma expressão de profundo apoio, e o contexto emocional pode tornar essa ação menos previsível. O mesmo ato pode ter mais ou menos significado emocional dependendo da cultura e da relação entre as pessoas. ▪ Este exemplo ajuda a perceber como a cultura e a afetividade influenciam a previsibilidade das ações e a ordem social. Relações, papeis e reproduções Relações entre pessoas Relação entre Interação Relações entre Delegação para pessoas grupos representantes Subjetividade Objetividade Hierarquia Organizações Regras formais Papeis sociais Instituições Incorporação de Mecanismos de sociais disposições Controlo Reprodução das práticas Fonte: Pires, R.P., 2012 Relações, papeis e reproduções ❑ Reprodução das práticas ▪ Nas relações pessoais, ocorrem os processos de interação. Na interação, os indivíduos exercem papeis sociais: pai, mãe, filho, marido, esposa são papeis que exercemos nas relações pessoais e em grupo. ▪ São nestes espaços que acontecem rituais que perpetuam certas práticas sociais – batismos, casamentos, cerimónias de formatura, festas de Natal. Estes acontecimentos ritualísticos são o espaço para que as sociedades criem meios de recordação e de transmissão da cultura, num processo de reprodução entre as gerações (Abrantes; Katúmua, 2014). ▪ Os papeis sociais “são expectativas partilhadas acerca do comportamento associado a certas posições sociais […]. Existe na sociedade um conjunto de prescrições sobre o modo como os indivíduos que ocupam tais posições [jogador de futebol, bailarina, soldado, professor] devem trabalhar, mas também vestir-se, pentear-se, caminhar, falar, comer, isto é, como devem comportar-se em situações, não apenas profissionais, mas inclusive em toda a sua vida social” Abrantes; Katúmua, 2014, p. 161). Três questões para pensar ❑ Identifique um ritual importante na sua cultura e tente explicar o seu significado, em particular para a reprodução de práticas sociais. ❑ Será possível a existência de uma sociedade sem normas? Por quê? ❑ Como a reflexividade pode se tornar um contributo para a mudança social? Referências Abrantes, P.; Katúmua, M. (2014). Curso de Sociologia. Lobito: Escolar Editora. Berger, P.; Luckmann, T. (2004). A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Rio de Janeiro, Petrópolis: Vozes. Giddens, A. (2008). Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Glbert, M. (1996). Norma. In: In: Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Outhwaite, W.; Bottomore, T. (eds.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 524-526. Pires, R. P. (2012). O problema da ordem. Sociologia, Problemas e Práticas, 69, p. 31-45. Vila Nova, S. (2004). Introdução à Sociologia. São Paulo: Atlas. Ano Letivo 2024/2025 UC – Análise Social A perceção e a abordagem da vida social: o processo de socialização (A9) Patricia Bandeira de Melo Professora Adjunta pbmelo@escs.ipl.pt Retomando: Três questões para pensar ❑ Identifique um ritual importante na sua cultura e tente explicar o seu significado, em particular para a reprodução de práticas sociais. ❑ Será possível a existência de uma sociedade sem normas? Por quê? ❑ Como a reflexividade pode se tornar um contributo para a mudança social? ❑ Quem quer ler as suas respostas? O processo de socialização ❑ “A socialização refere-se ao nosso treinamento sistemático nas normas de nossa cultura. A socialização é o processo de aprendizagem dos significados e práticas que nos permitem ter nexo e se comportar adequadamente numa cultura. [...] sabemos quando alguém é amigável, age de forma estranha ou tem pouca higiene. Sabemos, porque fomos socializados de acordo com as normas da nossa cultura, normas que regulam esses aspetos da vida social e, se os nossos amigos também foram socializados dessa maneira, damo-nos bem com isso. A socialização começa no nascimento e continua ao longo da vida. De facto, as forças da socialização ganham forma antes mesmo do nosso nascimento, quando as famílias começam a projetar as suas esperanças, sonhos e expectativas nas nossas vidas.” [trad livre de Sensoy & DiAngelo (2017). Is Everyone Really Equal? NY: Teachers College Press, p. 60.] [Rui Simões 2020, Escs] ❑ Percebem como a questão do ritual que falámos se insere no processo de socialização? O processo de socialização ❑ A sociedade é um processo contínuo de interações que ocorrem, principalmente, no plano simbólico (tipos de significado que os indivíduos atribuem ao seu ambiente); ❑ O foco está nas questões de identidade e de socialização, ou na maneira como as pessoas apreendem a sua cultura, a reproduzem e como se constrói, coletivamente, o “eu” social; ❑ O processo de socialização é um processo contínuo de formação do indivíduo; ❑ A brincadeira na infância, a imaginação, a imitação – cumprem um propósito essencial: aprendermos os nossos papeis sociais e os dos outros, num diálogo interno: as crianças brincam a desempenhar papeis e a representar porque imitam os adultos, estão a praticar para desenvolver a sua personalidade; ❑ As sociedades humanas são uma forma de comunidades comunicacionais e, como tal, a ação é consequente da interpretação das ações (nossas e dos outros); a interpretação, para ser possível, necessita que sejamos capazes de nos colocarmos no papel do outro (papel da ‘representação’ nas brincadeiras) – daí a importância da socialização. O processo de socialização ❑ Neste anúncio, meninas pequenas são mostradas desempenhando papéis tradicionalmente associados a adultos, como professoras, veterinárias e treinadoras. Ele explora como a socialização de género começa desde cedo e como brinquedos podem influenciar as aspirações e comportamentos futuros das crianças. https://www.youtube.com/watch?v=obwDTtZeABM Os dois momentos da socialização ❑ Socialização primária e secundária 1. Primária: acontece durante a infância, no quadro do agregado famíliar, articulando-se com as relações de amizade e vizinhança. 2. Secundária: inicia-se na infância, mas tem maior peso na adolescência e na idade adulta, num contacto diversificado com grupos de refer?