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CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO À HISTÓRIA MARÍTIMA BRASILEIRA PDF

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This document introduces the important role of the sea in Brazilian history, from the arrival of Cabral to modern times. It examines the strategic importance of maritime communications and the development of naval power. The text also details the challenges and opportunities associated with maritime trade and conflict.

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INTRODUÇÃO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O mar sempre teve uma importância fundamental na história do Brasil. Do mar, de Portugal, veio Pedro Álvares Cabral, em 1500, para encontrar o nosso País. Do...

INTRODUÇÃO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O mar sempre teve uma importância fundamental na história do Brasil. Do mar, de Portugal, veio Pedro Álvares Cabral, em 1500, para encontrar o nosso País. Do mar, vieram as invasões francesas, holandesas e as incursões inglesas nos séculos XVI e XVII. O mar também foi o principal meio em que se transportaram colonos e funcionários administrativos portugueses para o Brasil durante o período colonial. 1 De 7 de abril de 1831, quando D. Pedro I abdi- Durante a Guerra da Independência do Brasil, a então cou do trono, até 23 de junho de 1840, quando a Assembléia votou a maioridade de D. Pedro II, acla- recém-criada Esquadra brasileira teve papel primordial nas mando-o Imperador do Brasil. mãos do Primeiro Almirante Lorde Thomas Cochrane, bloqueando os portos conflagrados e combatendo os lusitanos. As tropas de Dom Pedro I, que lutaram contra as juntas governativas da Bahia, Maranhão, Pará e Banda Oriental – aliadas das Cortes (parlamento) portuguesas – foram transportadas pelo mar. No período regencial1, o mar novamente foi o caminho natural para o transporte de tropas para as províncias insurgentes que ameaçavam se separar do Império. Naquela ocasião, as estradas que ligavam as principais cidades do Brasil eram muito rudimentares, daí a enorme importância estratégica que o mar adquiriu mais uma vez. Com a Proclamação da República e o aumento da tecnologia náutica, a importância do mar ficou ainda mais evidente. Do mar aumentaram as nossas importações e escoaram os nossos produtos para o exterior. Também do mar vieram nossos inimigos: os submarinos alemães que atacaram os navios mercantes que transportavam nossas mercadorias, tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundiais. Naquela oportunidade houve a necessidade premente de se proteger as comunicações marítimas. Aparece aqui o primeiro conceito importante. Procure escrever em um papel à parte essa nova definição. Entende- se por comunicações marítimas os caminhos existentes no mar para o comércio exterior ou interno, isto é, as rotas por onde trafegam os navios, desde seus portos de origem até os de destino. Elas não são vias físicas, somente se materializando quando existirem navios, tanto de transporte ou de guerra, navegando com suas cargas. Cada nação atribui determinada importância às 11 comunicações marítimas segundo o seu grau de ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dependência. Sua importância econômica e militar determinará o esforço a ser realizado para a manutenção dessas rotas abertas e livres de ataque do inimigo. Para o País a proteção dessas comunicações tem sido fundamental. Hoje em dia o mar assume uma importância cada vez maior para o Brasil. Nosso comércio é transportado quase que exclusivamente por ele. Do mar extraímos o petróleo, tão importante para o desenvolvimento do País, e os peixes, que servem de alimento aos brasileiros e proporcionam melhores condições de vida aos nossos pescadores. Enfim, o mar é fundamental para a sobrevivência do País. Devemos cada vez mais desenvolver o nosso Poder Marítimo para nos projetarmos no cenário internacional. Surge o segundo conceito de nossa discussão: o que vem a ser o Poder Marítimo de uma nação? Anote aí mais uma vez. Poder Marítimo é a capacidade que resulta da integração dos recursos que dispõe o Brasil para a utilização do mar e também das águas interiores, quer como instrumento de ação política e militar, quer como fator de desenvolvimento econômico e social, visando a conquistar e a manter os objetivos nacionais. Esse conceito pode parecer teórico demais, mas não é. Vejamos agora quais os elementos constitutivos desse Poder Marítimo. Esses elementos, que constituem o nosso Poder Marítimo, são componentes das expressões do poder da Nação, relacionados com a capacidade de utilização do mar e hidrovias interiores. Há situações em que um certo recurso ou organização é componente do Poder Marítimo quando vinculado ao uso do mar e deixa de sê-lo fora dessa situação. Assim, tudo ou quase tudo que se relaciona com o mar faz parte do Poder Marítimo. Quais os elementos que constituem o nosso Poder Marítimo? – A Marinha Mercante, com suas facilidades, serviços e organizações relacionadas com os transportes marítimo e fluvial. Dessa maneira, o navio mercante, a companhia de navegação e os representantes marítimos fazem parte desse Poder. 12 – A infra-estrutura hidroviária, incluindo-se os portos, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ os terminais, os meios e as instalações de apoio e controle. Assim, todos os portos brasileiros fazem parte desse Poder. – A indústria naval com seus estaleiros de construção e reparos e setor de navipeças. – A indústria bélica de interesse do aprestamento naval. – A indústria de pesca com suas embarcações, terminais e indústrias de processamento de pescado. – As organizações e os meios de pesquisa e desen- 2 Parte da arte da guerra que trata do planejamento volvimento tecnológico de interesse para o uso do mar e águas e da realização de: a) projeto e desenvolvimento, obtenção, armazenamento, transporte, distribuição, interiores e de seus recursos, aí se incluindo as universidades reparação, manutenção e evacuação de material (para fins operativos ou administrativos); b) recru- e os centros de pesquisa voltados para o mar. tamento, incorporação, instrução e adestramento, – As organizações e os meios de exploração (sondagem, designação, transporte, bem-estar, evacuação, hospitalização e desligamento de pessoal; c) aquisi- pesquisa, estudo) e explotação (retirada de recursos para fins ção ou construção, reparação, manutenção e ope- ração de instalações e acessórios destinados a aju- de utilização) dos recursos do mar, seu leito e subsolo, inclusive dar o desempenho de qualquer função militar; d) contrato ou prestação de serviços. as que operam embarcações de apoio offshore (movimento terra para o mar). – O pessoal que desempenha atividades relacionadas com o mar e hidrovias interiores e os estabelecimentos destinados à formação e ao treinamento. – O Poder Naval. O que seria esse elemento? Anote mais um conceito no seu caderno de estudos. Você deve ter notado que mostramos os elementos constitutivos sem apresentar o nosso elemento militar. Dessa maneira, o Poder Naval é o componente militar do Poder Marítimo, capaz de atuar no mar e nas águas interiores na conquista e manutenção dos objetivos estabelecidos pelo Estado brasileiro. Pronto, parece que conseguimos fechar todos os elementos, correto? Que tal discutirmos um pouco mais o Poder Naval? O Poder Naval compreende os meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais, as bases e posições de apoio, suas estruturas de comando e controle, logística 2 e administração, bem como as forças e os meios de apoio não constitutivos da Marinha do Brasil, quando vinculados ao cumprimento da missão da Marinha e submetidos a algum tipo de orientação, comando ou controle de autoridade naval. Podemos, assim, observar que um Poder Naval, para ser eficaz, necessita ser capaz de atuar em grandes áreas, por um período de tempo ponderável e nelas adotar atitudes tanto defensivas quanto ofensivas, com aproveitamento de suas 13 características de mobilidade, permanência, versatilidade e ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ flexibilidade. Vejamos o que significa cada uma dessas características. A mobilidade representa a capacidade de deslocar-se prontamente e a grandes distâncias, mantendo elevado nível de prontidão em condições de emprego. Assim, quando uma força naval se desloca rapidamente para uma área conflagrada a característica por ela utilizada é a mobilidade. A permanência indica a possibilidade de operar continuamente por longos períodos em áreas distantes e de grandes dimensões com independência. A versatilidade permite regular o poder de destruição e alterar a postura militar, mantendo a aptidão para executar uma grande gama de tarefas. Um exemplo dessa característica é a utilização de uma força naval como instrumento de combate, ao mesmo tempo em que ela pode transformar-se em instrumento da paz por meio de apoio a populações atingidas por sinistros naturais, como furacões e tsunamis. A última característica importante para um Poder Naval com credibilidade é a flexibilidade, que pode ser sintetizada pela capacidade de organizar grupamentos operativos de diferentes valores, em função da missão recebida. Por exemplo, um grupo de navios varredores pode limpar as minas de um campo marítimo, assim como pode, devido ao seu armamento, realizar uma patrulha no mar territorial reprimindo a pesca ilegal. Agora você já sabe o que é Poder Naval. Com esses conceitos bem estabelecidos, a partir desse momento você irá passear pela História Marítima Brasileira. Inicialmente vamos investigar a História da Navegação, abordando a evolução dos navios, dos instrumentos náuticos e das chamadas cartas de marear. Nos capítulos dois e três, discutiremos a expansão marítima européia e o descobrimento do Brasil, abordando a conjuntura político-social ibérica durante o chamado período colonial brasileiro. Nesses capítulos serão descritos o reconhecimento da costa brasileira pelos primeiros navegadores que aqui chegaram, o envio de expedições guarda-costas ao litoral da terra descoberta e a atuação de invasores que atacaram em nossas costas. A reação a essas incursões dependeu do emprego do Poder Naval português, em alguns casos com apoio espanhol. 14 No capítulo quatro, iremos analisar a formação da ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Marinha Imperial e sua importância para o Brasil. Nesse ponto discutiremos a transmigração da Família Real portuguesa para o Brasil, devido à invasão dos exércitos de Napoleão Bonaparte na Península Ibérica, com a conseqüente abertura dos portos e a discussão das questões de fronteira nas áreas das Guianas e da Banda Oriental. Em seguida, será apresentada a Guerra da Independência, sob o ponto de vista naval e suas repercussões para a história do País. O capítulo cinco discutirá a atuação da Marinha nos conflitos internos e externos, abordando a Guerra Cisplatina, as revoltas regenciais e a guerra contra Oribe e Rosas. No capítulo seguinte, será apresentada a Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo do Paraguai, conflito importante na história da Marinha do Brasil. Nessa parte serão discutidas questões logísticas e estratégicas da guerra e suas conseqüências para o Poder Naval brasileiro. No capítulo sete, serão analisados o panorama político que levou à República e a situação da Marinha durante aquele episódio e, em seguida, discutidas questões relativas à Marinha no final do século XIX e meados do XX – incluindo nessa parte a atuação na Primeira Guerra Mundial, a Marinha entre guerras e, por fim, a participação na Segunda Guerra Mundial. No capítulo oito, serão apresentadas considerações sobre o emprego permanente do Poder Naval a partir da Segunda Guerra Mundial e as principais tendências seguidas pela Marinha até o final do século XX. Por fim, serão discutidas as possibilidades de atuação do Poder Naval e os desafios que se apresentam para o desenvolvimento de nosso Poder Marítimo. Comecemos a passear pela História Marítima com os olhos da Marinha. 15 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Sinopse Os rios, lagos, mares e oceanos eram obstáculos que os seres 1 A canoa construída de diversas tábuas é um bom humanos do passado muitas vezes precisavam ultrapassar. Primeiro, exemplo. Ela não depende do tamanho de um úni- co tronco, pode ser construída com a borda mais eles se agarravam a qualquer coisa que flutuasse. Depois, sentiram alta para enfrentar as ondas e até pode ser reforça- a necessidade de transformar materiais, para que estes, flutuando, da internamente com elementos estruturais para ser mais resistente. pudessem sustentar melhor sobre a água. Assim, ao longo do tempo, em cada lugar surgiu uma solução, que dependeu do material disponível: a canoa feita de um só tronco cavado; a canoa feita da casca de uma Canoa feita de um só tronco única árvore; a jangada de Modelo de embarcação da Coleção Alves Câmara vários troncos amarrados; o Acervo do Serviço de Documentação da Marinha bote de feixes de juncos ou de papiro (plantas que nascem Aquarela de Robson Carvajall junto a rios e lagos); o bote de Acervo do Serviço de Documentação da Marinha couro de animais; e outros. Todas essas soluções simples, no entanto, não permitiam transportar muita coisa, ou eram difíceis de manejar, ou mesmo perigosas em águas agitadas. Era necessário desenvolver embarcações construídas de diversas partes, para que elas fossem maiores e melhores.1 Durante o século XV, os portugueses decidiram que Bote de couro de animais deveriam prosperar negociando diretamente com o Oriente Aquarela de Robson Carvajall Acervo do Serviço de Documentação da Marinha através do mar. Até então, as mercadorias do Oriente, inclusive as especiarias (pimenta, cravo, canela e gengibre, que eram necessárias para conservar os alimentos), eram trazidas por caravanas de camelos guiados pelos árabes até portos do Mar Mediterrâneo, onde eram com- pradas pelos italianos, que revendiam na Europa. Para alcançar um bom êxito, nesse Aquarela de pele de animal ambicioso projeto de interesse nacional de Portugal, foi ne- cessário explorar a costa da África no Oceano Atlântico e encontrar a passagem, ao sul do 16 continente africano, para o Oceano Índico; chegar à Índia e lá ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ negociar diretamente as mercadorias; trazê-las para Portugal em navios capazes de transportar quantidades relativamente grandes de carga; e defender esse comércio. Isso exigiu desenvolvimentos científicos e tecnológicos para os navios e para a navegação. Os portugueses desenvolveram e utilizaram caravelas para explorações; naus como navios mercantes para o comércio; e galeões como navios de guerra. Mas isso só não bastava para chegar com sucesso ao porto de destino. A navegação, quando se mantém terra à vista, é feita observando pontos geográficos de terra para saber a posição do navio em relação à costa. Quando não se avista mais a terra, o mar e o céu se encontram no horizonte a toda volta, é necessário saber em que direção o navio segue e a posição em que se está em relação à superfície do globo terrestre. Foi necessário, portanto, desenvolver instrumentos capazes de indicar a direção (bússola) do navio, a latitude (astrolábio) e a longitude (cronômetro). Veremos neste capítulo o desenvolvimento dos navios na época das Grandes Navegações e os instrumentos utilizados para as singraduras realizadas. Sigamos, portanto, nessa derrota... 17 Os navios de madeira: construindo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ embarcações e navios O primeiro método de construção de embarcações, utilizado desde a canoa de tábuas, é chamado de “costado rígido”. Construía- se primeiro o costado da embarcação, juntando as tábuas pelas bordas e, depois, acrescentavam-se, os reforços estruturais internos e externos. O costado podia ser liso ou trincado, conforme se juntavam as tábuas, topo a topo ou sobrepondo suas bordas. O 2 A tecnologia da utilização da madeira é complica- resultado deste método é um casco resistente, com ênfase da. É preciso conhecer que qualidade de madeira estrutural no costado, bom para resistir a colisões e para encalhar, usar, obedecer à época e à hora certa para cortar as árvores; armazenar as toras corretamente, se- se necessário, nas praias. Ainda hoje se constroem pequenas cas ou submersas, e trabalhá-las conforme suas ca- embarcações assim e, na Antigüidade, era como se construíam racterísticas físicas. O construtor naval passeava pelas florestas escolhendo as árvores que tinham as galés. as curvas adequadas para fazer os elementos es- As galés eram truturais e eram necessárias centenas delas para construir embarcações movidas um navio. principalmente por Além disto, c a d a p a r- remos, algumas com t e da em- muitos remadores, barcação precisava de embora pudessem uma espécie também ter velas. vegetal dife- rente e es- Foram muito utilizadas tas espécies Adequação da madeira Fonte: O Arsenal de Marinha do Rio por povos navegadores não eram as de Janeiro na História (1783-1822) mesmas em de Juvenal Greenhalg do passado, como os cada região. cretenses, os gregos, os Modelo de galé trirreme grega A que servia para mastros não podia ser utilizada em costado, a que era boa para a parte submersa romanos, os bizantinos Acervo do Serviço de Documentação da Marinha do casco nem sempre servia para conveses, por e os nórdicos. exemplo. As galés, que eram construídas pelo método de Chama-se de navio uma embarcação grande. Há mais de “costado rígido”, tinham as formas do casco muito dois mil anos, já se construíam navios. Empregava-se a madeira, semelhantes. Isto resultava do método emprega- do, de construir o costado primeiro, que até nem pois ela foi o primeiro material que se mostrou mais adequado precisava de um projeto. O problema do método de “costado rígido” é que ele não permite cons- para a construção naval.2 Somente após o desenvolvimento industrial truir um navio exatamente com a forma do casco alcançado no século XIX, há cerca de 150 anos, é que o ferro e, desejada por um projetista, para que ele possa ter maior capacidade de carga e suportar melhor a na- depois, o aço, passaram a ser matérias-primas importantes para a vegação no oceano. construção naval. 3 Foi preciso desenvolver um método que permi- Chegou-se ao método de “esqueleto rígido”3 após uma longa tisse controlar a forma do casco durante a cons- evolução que durou mais trução, para que ele pudesse enfrentar melhor as grandes ondas do oceano. Isso se resolveu cons- de mil anos, passando por truindo primeiro a estrutura. A quilha e as caver- métodos chamados de hí- nas do navio são montadas em primeiro lugar, for- mando o que parece ser o “esqueleto” do navio. bridos, em que algumas Depois é que se montam as tábuas do costado, fi- cavernas eram montadas xando-as aos elementos estruturais. Este método é chamado de “esqueleto rígido”. antes do costado, para possibilitar algum controle Nau São Sebastião em construção no Arsenal da forma final do casco. de Marinha da Corte em 1764 Embora o método de Desenho de Armando Pacheco Fonte: O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro esqueleto rígido tivesse se na História (1783-1822) de Juvenal Greenhalg desenvolvido no litoral do 18 Mar Mediterrâneo (fora de Portugal), ele foi empregado pelos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ portugueses para construir os navios que iniciaram, no século XV, a aventura das Grandes Navegações, que não somente levou ao Descobrimento do Brasil, mas também transformou o mundo. Os oceanos, que antes eram obstáculos entre os povos da Terra, tornaram-se vias de comunicação entre eles. 4 Península Ibérica representa hoje Portugal e Espanha. Desenho da quilha e Figuras do casco, cobertas Modelo de galeão de de outras partes de uma e lemes de uma caravela 300 toneladas Modelo de caravela de 12 rumos de 12 rumos Caravela de três mastros. Fonte: Livro das Traças de Carpintaria de Manuel Fernandez Acervo do Acervo do Serviço de Documentação da Marinha Serviço de Documentação da Marinha O desenvolvimento dos 5 A vela latina é a que tem a verga longitudinal à navios portugueses linha de centro do navio, como as dos pequenos barcos a vela que atualmente competem nas regatas. As caravelas provavelmente tiveram sua origem em 6 Suas velas principais têm as vergas transversais à embarcações de pesca, que já existiam na Península Ibérica4 desde linha de centro do navio e têm a forma de um trapézio, mas são chamadas de redondas. O nome o século XIII. Tinham, em geral, velas latinas5. As velas latinas são não tem a ver com seu formato, mas com o fato de próprias para navegar com qualquer vento e, por isso, adequadas serem semelhantes às velas dos navios mercantes da Antigüidade, chamados de navios redondos (que às explorações da costa da África. Principalmente foi com as eram muito largos, ou, em linguagem marinheira, caravelas que os portugueses exploraram o litoral africano durante tinham uma boca grande em relação a seu compri- mento). A vela redonda era boa com vento de popa, o século XV. Devido ao desenvolvimento dos navios e de técnicas mas exigia ângulos bem mais abertos do que a vela e instrumentos náuticos foi possível chegar ao extremo sul do latina quando navegando contra o vento. continente africano, ao Cabo da Boa Esperança, permitindo contornar a África, passando do Oceano Atlântico para o Oceano Índico, e chegar ao Oriente. A partir de então apareceu a nau, navio maior destinado à navegação e ao transporte de mercadorias. Tem-se notícias que naus de três mastros, com o velame completamente desenvolvido, eram utilizadas pelos portugueses desde o século XV6. Por se enfatizar a prática mercantil, as naus eram mal armadas militarmente, levando poucos canhões para sua defesa e das rotas Modelo de Nau marítimas que comandavam, abrindo espaço para a concorrência Acervo do Serviço de Documentação estrangeira. Até então Portugal vinha utilizando caravelas bem da Marinha armadas como navio de guerra, mas, desde o início do século XVI, 7 Navio Corsário – Navio, com manutenção, arma- mento e operação a cargo de particular, que rece- sentira a necessidade de desenvolver o galeão, navio de guerra bia autorização de um país em conflito, através do maior e com mais canhões, para combater os turcos no Oriente documento chamado Patente de Corso, para ope- e os corsários 7 e piratas europeus ou muçulmanos no Atlântico. rar sob sua bandeira exclusivamente contra os ini- migos do concedente, atacando o comércio maríti- O galeão foi a verdadeira origem do navio de guerra para mo do adversário e, eventualmente, depredando emprego no oceano. Foi construído para fazer longas viagens estabelecimentos terrestres. Sustentava-se com o que fosse conseguido nos apresamentos, o que e combater longe da Europa. tornava a operação um “negócio”. 19 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Modelo de Galeão do século XVI Acervo do Serviço de Documentação da Marinha O desenvolvimento da navegação oceânica: os instrumentos e as cartas de marear Para que Portugal pudesse realizar a expansão marítima efetiva nos séculos XV e XVI foi preciso que se aperfeiçoasse a navegação, de modo a que se tornasse transoceânica e não apenas costeira, como se praticava. Quando começaram as Grandes Navegações, já eram conhecidos a bússola, inventada pelos chineses, também chamada de agulha de marear ou agulha magnética, e, dentre os instrumentos de observação, o astrolábio. A bússola é composta por uma agulha imantada que se alinha em função do campo magnético natural da terra, podendo-se saber a direção em que está o pólo norte magnético, propiciando ao navio traçar seu rumo, sua direção. Para saber exatamente a posição em que se está em relação ao globo terrestre, é necessário calcular a latitude e a longitude do local. O cálculo prático da longitude, a bordo de navios, depende de se conhecer, com precisão, a hora. Porém, a inexistência de relógios (cronômetros) que não fossem afetados pelos movimentos do navio causados pelas ondas fez com que a hora não pudesse ser calculada no mar até o século XVIII, quando foram desenvolvidos Bússola ou agulha de marear cronômetros adequados para serem utilizados a bordo dos Acervo do Serviço de Documentação da Marinha navios. A latitude não era difícil de se calcular e era através dela 20 e da estimativa de quanto o navio havia se deslocado, que ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ os navegadores da época das Grandes Navegações sabiam aproximadamente onde estavam. Evidentemente, erros de navegação ocorreram com conseqüências desastrosas. No Hemisfério Norte, a estrela Polar, que ocupa uma posição muito próxima do pólo norte celeste, permite nos crepúsculos – ao nascente e ao poente, quando se avista ao mesmo tempo o horizonte e as estrelas de maior brilho no céu – um cálculo mais seguro da latitude. Basta medir sua altura em relação ao horizonte. Navegar mantendo a mesma altura significa manter a mesma latitude. Deslocando-se para o Sul ou para o Norte, essa altura 8 Gerardus Mercator, um importante fabricante de varia. Era assim, e com a ajuda de umas pedras translúcidas que mapas e cartas náuticas, nasceu em 1512, onde hoje é território belga, e faleceu em 1594. polarizavam a luz nos dias nublados, que os nórdicos navegavam sem agulha de marear. Viajando para o Oeste, alcançaram a Islândia e a América do Norte (muitos séculos antes de Cristóvão Colombo chegar à América em 1492). No Hemisfério Sul, a estrela Polar, que marca o pólo norte celeste, não é visível, e a estrela Alfa do Cruzeiro do Sul (a mais brilhante desta constelação), que ocupa a posição no céu mais próxima do pólo sul celeste, não está suficientemente próxima para ser uma referência para a navegação. A melhor forma de calcular a latitude nesse hemisfério era observando o Sol em sua passagem meridiana, ou seja, medindo em graus sua altura, quando ele passa pelo ponto mais alto do céu, no local onde se está. Os navegadores da época das Grandes Navegações faziam isto muito bem, utilizando instrumentos náuticos. O astrolábio era o mais importante deles e servia, neste caso, para medir o ângulo entre o Sol em sua passagem meridiana e a vertical. Outros instrumentos utilizados mais tarde, como o quadrante e o sextante, mediam a altura do Sol através do ângulo em relação ao horizonte. As cartas náuticas eram muito O astrolábio é um instrumento astronômico inventado pelo grego Hiparco, no século II a.C., e imprecisas e passaram por um difícil aperfeiçoado pelos astrônomos portugueses. Ele processo de desenvolvimento. As se constituía de uma roda de madeira com escala em graus, um pino central (a alidade) com orifícios que foram inicialmente elaboradas nas duas extremidades (as pínulas). O piloto fazia pelos portugueses eram conhecidas a alidade girar até os raios do Sol atravessarem os orifícios das pínulas. O número então indicado na como portulanos. A partir do final do roda revelava a altura do sol acima do horizonte, permitindo ao piloto estabelecer a latitude em que século XVI, passou-se a utilizar a seu navio se encontrava naquele momento. Projeção de Mercator8. Esta projeção Astrolábio Com o balanço, o astrolábio provocava erros na medição da altura do Sol. é utilizada até os dias de hoje nas Acervo do Serviço de Documentação da cartas náuticas. Nela os meridianos e paralelos são representados por linhas retas, que se interceptam formando ângulos de 90 graus. Isto causa consideráveis distorções nas latitudes mais elevadas, porém tem a vantagem de os rumos e as marcações de pontos de terra serem linhas retas, facilitando a plotagem nas cartas. Como a Terra é aproximadamente esférica 21 (na verdade um geóide), a distância mais curta entre dois pontos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ não é uma linha reta na Projeção de Mercator, mas isto é somente um pequeno inconveniente e a curva que representa a menor distância pode ser calculada pelo navegador. Compasso de ponta-seca e dois Relógio de sol, de algibeira, preciso compassos de cartear - um somente na latitude para completo e parte de outro - até a qual foi construído. hoje usados para comparar O estojo de marfim continha, medidas e distâncias sobre originalmente, a rosa, a agulha as cartas náuticas. magnética e a escala horária com gnômon rebatível, de bronze. A vida a bordo dos navios veleiros A vida a bordo dos navios veleiros era muito difícil. O trabalho a bordo, com as manobras de pano, muitas vezes durante tempestades, exigia bastante esforço físico e era arriscado. A comida, sem possibilidade de se ter uma frigorífica, era deficiente, principalmente em vitaminas, o que causava doenças como o beribéri (pela carência de vitamina B) e o escorbuto (carência de vitamina C). Durante os longos períodos de mau tempo, não havia como secar as roupas. A higiene a bordo também deixava muito a desejar. Muitos morreram nas longas viagens oceânicas. Cabe observar que a vida em terra também não era fácil. O trabalho podia ser fatigante e o ambiente insalubre. Desconhecia- se a causa de muitas doenças. Havia pouco conhecimento sobre uma dieta alimentar adequada, a medicina da época era muito deficiente e os antibióticos ainda não existiam. Morria-se por infecções causadas por bactérias, que seriam curadas sem grandes dificuldades nos dias de hoje. O escorbuto merece destaque, pois foi uma doença que causou a morte de muitos marinheiros nas longas estadias no mar, quando a dieta dependia apenas de peixe, carne salgada e biscoito (feito de farinha de trigo, o último alimento que se deteriorava a bordo dos veleiros). O escorbuto é causado pela falta de vitamina C na dieta. As gengivas incham e sangram, os dentes perdem sua fixação, aparecem manchas na pele, sente-se muito cansaço. Com o tempo, vem a morte. Em uma viagem da Marinha inglesa (força naval comandada pelo Comodoro George Anson), em 1741, dos dois mil homens que partiram da Inglaterra, somente 200 22 regressaram. A maioria morreu por causa do escorbuto. Por volta ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ de 1800, descobriu-se que esse mal poderia ser evitado acrescentando à dieta suco de limão, rico em vitamina C, pois sua ingestão diária, em pequenas doses, evita o escorbuto, tornando mais saudável a vida a bordo dos navios. 23

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