Capítulo 1 - Introdução à História do Mar: Guerra e Paz PDF
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Este capítulo introduz a história do mar, destacando a importância do mar nas civilizações e na vida do homem. O autor explica o poder marítimo e o comércio marítimo ao longo da história, com ênfase em diferentes aspectos históricos. Aborda os diversos usos do mar ao longo da história.
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Capítulo 1 Introdução à História do Mar: Guerra e Paz O homem comum acostumou-se a olhar para o mar e ver nele apenas a imensa massa líquida que orna os litorais, cativante por sua beleza plácida nos dias calmos de céu azul e temível nas ressacas e demais horas de grande agitaç...
Capítulo 1 Introdução à História do Mar: Guerra e Paz O homem comum acostumou-se a olhar para o mar e ver nele apenas a imensa massa líquida que orna os litorais, cativante por sua beleza plácida nos dias calmos de céu azul e temível nas ressacas e demais horas de grande agitação. Vêem-se os pássaros marinhos que o sobrevoam, conhecem-se os barcos e navios que nele flutuam, sabe-se e até vive-se muito de seu romantismo, mas pouco se cogita do valor real do mar para a vida. Desconhecem-se aspectos fundamentais do papel do mar no progresso, na grandeza e na deca- dência dos povos. Pouco se conhece a história do mar! Entretanto, é preciso conhecer melhor o mar. Particularmente no Brasil, onde muitas vezes já se abordou o problema, há necessi- dade de se formar definitivamente uma consciência marítima que corresponda à nossa realidade geopolítica. Só encontraremos, po- rém, bases reais para a formulação de uma política marítima, em época já tão avançada da era cósmica, se conhecermos solidamente a experiência alheia e a nossa própria nesse setor, isto é, se formos capazes de buscar na História o que ela possui para nossa orienta- ção. É tarde demais para começarmos do nada, sobretudo quando já possuímos um background histórico que nos autoriza a um avanço que não pode ser tímido, mas deve ser impetuoso. Não pretende este livro ser outra coisa que um breve resumo histórico sobre a influência do mar e do que a ele está ligado no curso da vida do homem. Muitas vezes foi extremamente decisiva uma ação marítima – industrial, comercial ou guerreira – para resolver graves problemas que se têm apresentado à humanidade. O homem já pe- receu e já foi salvo pelo mar. Nele encontrou alimento e por ele se expandiu desde tempos muito antigos. FATOS DA HISTÓRIA NAVAL. 11 Os grandes povos nunca desconheceram sua importância. To- dos os grandes impérios usaram e até abusaram do mar. Para nós, particularmente, basta um breve relance no passado para desconfi- armos, pelo menos, de que o mar teve alguma coisa a ver com a economia das grandes potências: os fenícios, que disseminaram o alfabeto; os gregos, que nos legaram imorredouros padrões de ex- pressão artística e de pensamento filosófico; os romanos, que nos deixaram a lei e o costume da ordem e da justiça; os portugueses, que ligaram a Europa ao Oriente; os espanhóis, que ligaram o Velho e o Novo Mundos; os ingleses, que fizeram a Revolução Industrial; todos foram fundadores de impérios marítimos, todos conheceram a importância do mar. Poder Marítimo Não se trata de definir, mas de compreender. É mais fácil, no caso, evoluir do particular para o geral, em face de algumas confu- sões que se fazem em torno do assunto. É comum identificar imediatamente o poder marítimo com as Esquadras militares, como se este poder se resumisse a navios de guerra. Não é esta, entretanto, a verdade. As marinhas de guerra são apenas uma parte – e não são a maior parte – do poder maríti- mo. Elas constituem o chamado poder naval por reunirem parte dos elementos diretamente responsáveis pela garantia do exercício da soberania de cada país no mar. Sendo assim, o poder naval compõe- se de uma esquadra ou de forças navais (como núcleo), das bases navais, do pessoal engajado, e de vários outros elementos direta- mente ligados à guerra naval. Esse poder naval, contudo, como dissemos acima, é apenas uma fração do poder marítimo de uma nação ou de um grupo de nações. Além do poder naval, o poder marítimo engloba a marinha mercante, o território marítimo, as indústrias subsidiárias, a voca- ção marítima do povo, a política governamental e outros elemen- tos afins. Assim, toda a potencialidade marítima de um país, traduzida em termos de uso do mar, constitui o seu poder marítimo. Dissemos uso do mar e esta expressão pode parecer que, então, englobar o poder naval aí é pura formalidade. Não o compreenderemos assim se atentarmos para o que disse o Almirante Paulo de Castro Moreira da 12. Antonio Luiz Porto e Albuquerque & Léo Fonseca e Silva Silva: “Não compreendo defender-se um mar que não se use”. A recíproca é verdadeira: muito dificilmente se conseguirá usar um mar sem defendê-lo devidamente. Isto está sobejamente demonstrado pelos fatos registrados na História, cuja interpretação adequada nos cabe elaborar. Domínio do Mar Ainda hoje, cerca de 98% do comércio internacional faz-se por mar. Isso ilustra bastante o emprego pacífico das águas, em que podemos considerar, também, as vias lacustres e fluviais, além dos canais especialmente construídos no interior dos países e que, como no caso da Europa, chegam a formar enormes redes de comunicações. Falando especificamente do mar, temos também a considerar as comunicações marítimas, que são as vias pelas quais se ligam os diversos pontos terminais junto ao mar. Essas vias compõem-se das rotas de navegação mundialmente usadas nos oceanos e mares. Por elas flui todo o comércio a bordo das embarcações mercantes. Em caso de guerra, torna-se necessário impedir que o inimigo use as suas comunicações marítimas para que não se possa prover de novos elementos que lhe facilitarão as hostilidades. Do mesmo modo, além de negar ao inimigo o uso de suas comunicações maríti- mas, tem-se que garantir o livre uso das próprias comunicações. Quando se obtém isso, diz-se que se conseguiu o controle ou o domínio do mar na área considerada. Normalmente decide-se esse domínio do mar por uma batalha naval. O aniquilamento, ou seja, a destruição da esquadra inimiga é normalmente obtido por uma batalha decisiva, do que veremos al- guns exemplos neste livro. Às vezes o acaso ajuda um dos contendores, quando uma tempestade destrói a força naval; isso aconteceu muitas vezes na Antigüidade e foi o que liquidou com a 1 “Invencível Armada”. 1 Os espanhóis nunca denominaram essa esquadra de Invencível Armada; chamavam- na “Grande Armada”; foram os ingleses, após a vitória, que atribuíram a denominação depreciativa de “Invencível Armada” à força inimiga. FATOS DA HISTÓRIA NAVAL. 13 Um típico navio mercante da Antigüidade, o “navio redondo”. (reproduzido do livro O Navio, de Bjorn Landstrom) A paralisação da frota inimiga é geralmente obtida quando um dos lados, sendo mais forte, tem condições de fazer o blo- queio, isto é, impedir a esquadra adversária de sair de suas ba- ses; também veremos vários exemplos através da História. Por vezes, uma batalha naval indecisa conduz a esse resultado, como aconteceu, por exemplo, depois da Batalha da Jutlândia, na Pri- meira Guerra Mundial, quando a esquadra alemã não se aventu- rou mais no mar. Quando, numa determinada área marítima, nenhum dos dois lados consegue o domínio do mar e ambos usam ou ten- tam usar o mar em seu proveito, diz-se que é um domínio do mar contrastado. 14. Antonio Luiz Porto e Albuquerque & Léo Fonseca e Silva As primeiras civilizações A História não começou ao mesmo tempo em todas as partes da Terra. Aliás, ainda hoje há povos que vivem na pré-história, como parte dos índios do Brasil, por exemplo. As primeiras grandes civilizações nasceram à beira d’água, fos- se de rios, lagos ou mar. Nas regiões banhadas por grandes rios, que serviam tanto para fertilizar o solo como para o transporte de mercadorias e pessoas, o progresso foi naturalmente muito mais rápido e eficaz do que em áreas menos favorecidas pela natureza. Nessas zonas privilegiadas, os homens não tinham que fazer tanto esforço para lutar pela vida. Essa largueza de tempo conduziu naturalmente à divisão do trabalho, à elevação religiosa, ao culto das artes etc. Por outro lado, foram essas regiões sempre muito cobiça- das pelos povos civilizados que habitavam territórios semidesérticos ou montanhosos e que, embora mais atrasados, eram geralmente mais belicosos. Se fôssemos estudar, neste pequeno livro, a história militar dos povos que primeiro se adiantaram na marcha da civiliza- ção, veríamos que sua vida é uma luta quase constante com os invasores, às vezes de muito longe. O vale do rio Nilo produziu a extraordinária civilização egípcia, cujos monumentos gigantescos até hoje nos enchem de assombro e admiração; a civilização do Nilo é anterior a 4000 a.C., mas sua histó- ria só começa propriamente com a unificação dos reinos do Alto e Baixo Egito em 2900 a.C., feita pelo Faraó Menes. A Mesopotâmia, onde correm os rios Tigre e Eufrates, foi palco das culturas de Sumer, de Acad, da Babilônia e da Assíria, e sua história começa em 2800 a.C. No Extremo Oriente, nos vales dos rios Huang-Ho (rio Amarelo) e Yang-Tse-Kiang (rio Azul), também floresceu uma das mais velhas civilizações do mundo: a chinesa. A região dos rios Ganges e Bramaputra produziu a civilização hindu, de cujas origens temos poucas informações com rigor cronológico. Mas, como se disse, também à margem dos mares a civiliza- ção começou cedo. No Oriente, a civilização japonesa e, no mar Mediterrâneo, a cretense, ambas de tendência fortemente maríti- FATOS DA HISTÓRIA NAVAL. 15 ma pelo fato de estarem situadas em ilhas. A Geografia, em gran- de parte, explica a História. Os Povos Marítimos De todos os povos citados até aqui, o que mais nos interes- 2 sa, por ter constituído a primeira talassocracia da História, é o cretense que habitava a ilha de Creta, hoje pertencente à Grécia. 3 Suas origens remontam a 3400 a.C.; desde cedo, os minoanos se entregaram a um ativo intercâmbio comercial com os povos da 4 região do Levante ; por volta de 2000 a. C., suas relações mer- cantis com o Egito eram intensas. Os cretenses dominaram todo o Mediterrâneo Oriental, mas, em 1750 a.C., um grande cataclismo arruinou o poderio de Creta e favoreceu a invasão de um povo continental vindo da Grécia. O poderio cretense não existia mais em 1400 a.C. A herança dos cretenses foi recolhida pelos fenícios, que vie- ram a dominar não apenas o Mediterrâneo Oriental, mas todo o 5 referido mar até o estreito de Gibraltar (as “Colunas de Hércules” na denominação grega). Os fenícios, povo pastor de origem semita, foram levados ao mar quando se instalaram em uma estreita faixa de terra espremida entre o mar e a montanha, além da qual podero- sos vizinhos não permitiam sua expansão. A Fenícia corresponde aproximadamente ao Líbano de hoje. Mais uma vez, aparece a Geo- grafia explicando a História. Os fenícios não se limitaram, porém, ao mar Mediterrâneo. Nave- garam as costas da Europa para o norte e chegaram a contornar a África numa viagem que ficou famosa. Sua principal colônia, Cartago, na África do Norte, veio a ser mais importante do que a antiga metrópole. Outra colônia, Cartago Nova, originou a Cartagena atual, na Espanha. 2 Talassos = mar e cratos = governo, ou seja, literalmente, “governo do mar”; diz- se do governo que é dominado por homens ligados ao mar, como os do comércio marítimo, da pesca, da marinha de guerra etc. 3 Nome oriundo de Minos, seu mais famoso rei, muito conhecido pelos tributos que impôs aos gregos e pelo fato de ter sido o consolidador do poderio marítimo de Creta. 4 O mesmo que Oriente, onde o Sol se levanta. 5 Nome oriundo da expressão árabe Gebel al Tarik, rochedo de Tarik, o chefe da invasão da península Ibérica no ano 800. 16. Antonio Luiz Porto e Albuquerque & Léo Fonseca e Silva Teriam os fenícios chegado ao Brasil? Há autores que defendem entusiasticamente essa tese e che- gam inclusive a estabelecer a data: 1100 a.C., quando um navio des- garrado de uma frota que fazia o périplo da África teria chegado às costas da atual Paraíba. Por mais apaixonante que seja essa idéia e em que pese a sinceridade de seus defensores, ainda há muito que discutir antes de aceitá-la. Foram esses os principais povos navegadores da Antigüidade, ou, pelo menos, os mais conhecidos. Os tartéssios, no sul da Espanha, antes dos fenícios navegaram pelo Atlântico e teriam estado, segun- do alguns autores, na América Central. Antes de os fenícios estabelecerem uma base naval em Gades (hoje Cádiz), essa cidade teria sido a capital dos atlantes, povo tam- bém marítimo, remanescente da famosa Atlântida. O Início do Uso do Mar Em plena pré-história, sem dúvida, o homem já se movimen- tava na água, como mostra a inscrição em pedra encontrada em pleno deserto do Saara (que deve ter sido um mar anteriormente). A primeira embarcação teria sido um simples tronco de árvore sobre o qual o homem primitivo se deitava e remava com as mãos; certamente, deve ter-se molhado muitas vezes, pois bastava o tron- co girar para que o “navegante” fosse à água. O homem, porém, aprendeu a fabricar barcos de cascas de árvore, talhando o seu tronco ou, ainda, queimando-o aos pou- cos; uma embarcação assim já não virava mais, a não ser com tempo anormal. O homem inventou também o remo, que servia tanto para im- 6 pulsionar o barco, como para dar-lhe rumo. A vela foi outra grande invenção do homem pré-histórico, pois permitia-lhe descansar durante as travessias mais longas. 6 O leme de popa, ou de cadaste, só apareceria no século XIV, sucedendo o leme de boreste, um tipo de remo usado para dar rumo à embarcação. FATOS DA HISTÓRIA NAVAL. 17 Vemos, assim, que, desde muito cedo, a água era útil ao ho- mem, não apenas para beber, cozinhar e lavar, mas, principalmente, porque os cursos d’água eram estradas naturais, muito mais suaves 7 e fáceis do que quaisquer estradas em terra. Além dos rios, o homem também se aventurava no mar, em pequenas travessias e sempre à vista de terra. De qualquer maneira, o navio iria em breve tornar-se o principal meio de comunicação do homem, muito mais importante do que as caravanas terrestres. O Início do Comércio Marítimo Pouco se sabe com exatidão dos primeiros tempos do comércio marítimo, mas é fora de dúvida que, por volta do ano 2000 a.C., já havia intenso comércio marítimo em todo o Mediterrâneo Oriental, o qual se ligava por meio de caravanas terrestres e da navegação fluvial a um não menos florescente comércio no golfo Pérsico e no mar Vermelho. Os primeiros grandes comerciantes, importadores ou ex- portadores de mercadorias, existiram no Egito, na Mesopotâmia e em Creta. A dificuldade em se reconstituir a história do comércio marítimo na Antigüidade se deve, em grande parte, à tendência que tinham os povos da época de guardar segredo sobre suas rotas marítimas. Essa preocupação era tão grande que o cronista romano Estrabão conta um interessante episódio de um navio cartaginês, que foi pro- positadamente encalhado pelo seu comandante para que o navio romano, que o seguia, não descobrisse sua rota. O segredo era tão cuidadosamente guardado que até falsas histórias eram divulgadas para afastar possíveis rivais: O Almirante cartaginês Himilco efetuou, no século VI a.C., uma viagem às ilhas britânicas, terra do estanho, e de lá voltou com impressionantes notícias da existência de monstros marinhos, massas flutuantes de sargaços que prendiam os navios, etc.; isso, porém, não impediu que os punos continuassem a fazer esse comércio durante séculos. O comércio marítimo da Antigüidade oferece ainda muitos pontos obscuros; vários países citados nos escritos antigos, inclusive na Bíblia, até hoje não foram satisfatoriamente localizados ou, pelo me- 7 De fato, só com o aparecimento do trem de ferro a vapor no século XIX é que as viagens terrestres rivalizaram com as aquáticas. 18. Antonio Luiz Porto e Albuquerque & Léo Fonseca e Silva nos, há dúvidas a seu respeito, tais como o país de Punt, o país de Ofir, o reino de Sabá (cuja rainha visitou Salomão, rei de Israel), Marib, Tule ou Thule e outros. Proa de uma birreme grega, vendo-se o esporão, a arma principal dos navios da época (séc. V a. C.). Reproduzido do livro O Navio, de Bjorn Landstrom O Navio Mercante da Antigüidade Embora os fenícios tenham sido os principais navegadores da Antigüidade, a melhor descrição que temos de um navio mercante provém dos egípcios. O navio mercante, de um modo geral, apresentava forte calado 8 e tinha boca relativamente larga; por esta última característica era chamado “navio redondo”, o que evidentemente era força de expres- 8 Maior largura do casco de uma embarcação. FATOS DA HISTÓRIA NAVAL. 19 são. Seu meio de propulsão era a vela, embora possuísse alguns remos para auxiliar a manobra de entrada e saída dos portos, assim como para o caso de completa calmaria. Quando parado, ficava fundeado, isto é, preso ao fundo do mar 9 por uma poita. Embora suas dimensões fossem variáveis, sabemos que os na- vios mercantes gregos tinham, em média, um comprimento de 55 metros e boca de 13 metros. Como veremos mais adiante, o navio de guerra, que surgirá mais tarde, será bem diferente. As Profissões Marítimas A figura do armador, ou seja, do homem que prepara navios para viagens, dotando-o de equipamento e de tripulação, é muito antiga na História. O armador nem sempre era o comerciante maríti- mo ou proprietário do navio; na Antigüidade, porém, o mais comum era ser as três coisas ao mesmo tempo. 10 O comandante do navio, vulgarmente chamado de capitão , era geralmente um experimentado marinheiro, resistente às intem- péries, enérgico e resoluto. O marinheiro, muitas vezes iniciado na profissão à força (cos- tume que chegou até o século XX em muitos países), era geralmen- te um homem inculto que só conhecia bem a sua profissão (tam- bém isso chegou até o século XX). A bordo cuidava das velas, dos cabos e fazia um sem-número de funções variadas. O mestre era um experimentado marinheiro cuja atribuição prin- cipal era a manobra do velame e a supervisão geral do convés. Havia ainda a figura do piloto, que às vezes era o próprio capitão; seu mister era a navegação e, para isso, tinha conhecimen- tos acima da maioria do pessoal, conhecimentos (diríamos hoje) técnicos. 9 Pedra ou objeto pesado que pousava sobre o fundo do mar prendendo a embarcação por uma corda ou cabo ou corrente. 10 Do latim caput, que significa “cabeça”. 20. Antonio Luiz Porto e Albuquerque & Léo Fonseca e Silva O transporte de riquezas pelo mar deu ensejo ao surgimento da pirataria, tão antiga quanto o próprio comércio marítimo. Isso suscitou a necessidade de os navios mercantes se defenderem, para o quê se embarcaram guarnições aguerridas, aptas para o combate de abordagem. A crescente ameaça ao comércio marítimo, contudo, só pôde efetivamente ser controlada pela criação de navios especiais, com grande capacidade de manobra, cujo fim era a defesa dos pouco manobreiros “navios redondos”. Assim surgiu o navio de guerra, a serviço dos navios mercantes e, portanto, da economia de cada na- ção ou império. O navio de guerra egípcio, do qual temos a melhor descrição entre os mais remotos, tinha pouca boca, o que lhe valeu ser chama- do de “navio comprido”, pois, ao contrário do mercante, era bem mais estreito. Tinha o fundo chato, o que, juntamente com a carac- terística anterior, fazia com que oferecesse pouca resistência à água. Sua propulsão principal era o remo. Havia uma longa fileira de remos de ambos os bordos, manejados geralmente por escravos, prisioneiros ou condenados, que eram acorrentados aos bancos para que não tentassem fugir na hora do combate; obviamente morriam quando o navio afundava. Os navios de guerra possuíam também velas, cujos mastros eram arriados na hora da batalha para evitar que sua queda atingisse os ocupantes do navio. As velas eram usadas nas travessias longas, longe do inimigo, a fim de poupar os remadores, e no caso de haver necessidade de bater em retirada para aumentar a velocidade de fuga; de fato, “içar as velas” era, no combate, sinônimo de “fugir”. Por causa do seu fundo chato e de sua pouca resistência aos tempo- 11 rais, os navios de guerra não fundeavam como os mercantes; eram puxados para terra, ficando em seco. Essa circunstância ocasionou algumas “batalhas navais” travadas em terra, quando acontecia de um inimigo atacar a esquadra antes que os navios pudessem ser 12 postos a flutuar. Quanto às suas dimensões, sabemos que uma 11 Na Antigüidade, as tempestades destruíam mais navios do que as guerras. 12 Batalha de Micale (479 a.C.), na qual os gregos venceram os persas, e Batalha de Egos-Pótamos (405 a.C.) em que os espartanos venceram os atenienses, são as mais conhecidas. FATOS DA HISTÓRIA NAVAL. 21 13 trirreme grega tinha geralmente 25 metros de comprimento por apenas seis metros de boca. Navios-transporte e galeras assírias. (reproduzido do livro História da Marinha, de Curtlandt Canby) 13 Navio de três ordens de remos; era o tipo mais comum de navios longos na Antigüidade. Havia outros navios com mais ordens de remos ou com mais remadores num só remo, como quinqüirremes etc. 22. Antonio Luiz Porto e Albuquerque & Léo Fonseca e Silva O navio de guerra conduzia a bordo, além do pessoal marítimo como qualquer navio, os guerreiros e os remadores. Já vimos o que eram estes últimos infelizes; os guerreiros eram soldados terres- tres que simplesmente embarcavam e seus comandantes comanda- vam a batalha naval. Assim foi na Batalha de Salamina (480 a.C.), a primeira grande batalha naval da História. Mais tarde, porém, o combatente do mar foi se distinguindo do 14 combatente de terra, e o ateniense Formion será o primeiro “gene- ral do mar”, ou seja, o primeiro almirante. Mas a arma principal do navio de guerra não era o soldado que ia a bordo, mas uma protuberância colocada na proa do navio à linha d’água chamada esporão, aríete ou rostrum, des- tinada a penetrar profundamente na nave inimiga e, assim, pô- la a pique; acontecia, porém, muitas vezes, que o esporão se quebrava com o choque e o navio atacante, com um rombo na proa, também ia a pique. Foram os fenícios os grandes aperfeiçoadores do esporão, que passou a ser revestido de bronze, o que o tornou ainda mais temível. Comparação entre o Navio Mercante e o Navio de Guerra Se compararmos os dois tipos básicos de navios na Antigüi- dade, vemos que o primeiro era lento e bojudo, ao passo que o segundo era rápido e esguio, o que se explica pelas suas finalida- des. Enquanto o mercante pretendia transportar o máximo possível de carga com um mínimo de custo operacional, o navio de guerra queria chegar o mais rapidamente junto do inimigo e vibrar-lhe um golpe de morte, pouco importando quanto custasse isso em ter- mos de dinheiro. Sim, porque, enquanto um navio mercante tinha uma tripulação pequena, um navio de combate levava, em média, 200 homens, mesmo considerando que os remadores não eram pagos pelo seu trabalho, a necessidade de alimentá-los e mais a 14 Vencedor dos espartanos e seus aliados em vários combates, principalmente na batalha do golfo de Corinto (429 a.C), quando fez inteligente manobra antes de atacar. É considerado o pai da tática naval, que, depois dele, passou a ser feita pela combinação de choque e movimento; só no século XIV surgiu o terceiro elemento, o fogo, isto é, o canhão. FATOS DA HISTÓRIA NAVAL. 23 despesa com todos os guerreiros e tripulantes fazia com que o navio de guerra fosse caro, que só os governos podiam permanen- temente manter. Embarcações do Nilo, anteriores a 2000 a.C. (acervo iconográfico do Serviço de Documentação da Marinha) 24. Antonio Luiz Porto e Albuquerque & Léo Fonseca e Silva