CAP. 14 - O SENTIDO DA EXISTÊNCIA PDF
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This document discusses the meaning of life and human existence from a philosophical perspective, focusing on existentialism. It explores core concepts and ideas of existentialist thought, and includes the work of philosophers like Husserl, Kierkegaard, and Camus.
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PÍ T U LO O sentido da existência e a 14 CA construção da identidade na sociedade contemporânea Tem sentido perguntar qual é o sentid...
PÍ T U LO O sentido da existência e a 14 CA construção da identidade na sociedade contemporânea Tem sentido perguntar qual é o sentido da vida? A vida tem um sentido que independe do que pensamos sobre ela ou somos nós que lhe atribuímos sentido? (BNCC) Competências Qual é o sentido da vida? gerais: 1, 2, 7, 8 e 10 Competências específicas: MUSEUM LEOPOLD, VIENNA 1, 2, 3, 4, 5 e 6 Habilidades: EM13CHS101 EM13CHS102 EM13CHS103 EM13CHS202 Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. EM13CHS303 EM13CHS401 EM13CHS501 EM13CHS502 EM13CHS503 EM13CHS504 EM13CHS605 001_f_CH4_4_U04_C15_G21 Morte e vida, pintura do artista austríaco Gustav Klimt, 1911. À esquerda, a figura da morte observa pessoas de idades diferentes, isto é, em momentos diversos da vida. O ser humano sempre questionou o sentido da própria existência. Mas o que exa- tamente buscamos quando perguntamos sobre o sentido da vida? Quem ou o que lhe dá sentido? O que é, propriamente, dar sentido à vida? As reflexões sobre a existência humana e o sentido da vida – os valores e as emoções, as escolhas e as decisões do indivíduo, a interação das pessoas com o mundo – são o foco da filosofia existencialista, que se desenvolveu principalmente sob a influência da fenomenologia de Husserl e do pensamento de Kierkegaard. Como estudado anteriormente, um dos conceitos fundamentais da fenomenologia é o da intencionalidade como propriedade essencial da consciência. Essa intenciona- lidade é o que possibilita ao ser humano dar sentido a suas experiências. No entanto, diferentemente de Husserl, que ressaltava as estruturas essenciais da consciência e acentuava a importância da subjetividade, as correntes existencialistas estabeleceram como centro de investigação a existência humana e a relação do ser humano com a natureza, as coisas e as pessoas. Para os pensadores existencialistas, a consciência hu- mana é intencionalidade voltada para o mundo. 134 Sala de bate-papo (BNCC) Competências específicas: 1 e 5 Apesar de todas as diferenças e particularidades entre filósofos existencialistas e suas Habilidades: teorias, a preocupação central do existencialismo é a mesma: a existência humana. Veja EM13CHS101 EM13CHS502 o que escreveu o escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960): “ Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à pergunta fun- damental da filosofia. [...] Se eu me pergunto por que julgo que tal questão é mais premente que tal outra, respondo que é pelas ações a que ela se compromete. [...] Galileu, que sustenta- va uma verdade científica importante, abjurou dela com a maior tranquilidade assim que viu sua vida em perigo. Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira. [...] Mas vejo, em contrapartida, que muitas pessoas morrem porque consideram que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outros que, paradoxalmente, deixam-se matar pelas ideias ou ilusões que lhes dão uma razão de viver [...]. Julgo, então, que o sentido da vida é a mais premente das perguntas. Como responder a ela? ” CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. 11. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 18. Considerando as palavras de Camus, podemos afirmar que os seres humanos cum- prem um destino? Argumente em defesa da sua posição. Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Kierkegaard: olhando a existência concreta dos indivíduos O filósofo e teólogo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) foi crítico feroz dos sistemas metafísicos racionalistas, em especial da filosofia de Hegel (1770-1831). Sua principal crítica voltava-se para a ausência do indivíduo nesses sistemas. Para ele, os pensadores racionalistas que o antecederam teriam buscado explicar o mundo em sua totalidade por meio de conceitos e generalizações que negligenciavam o indivíduo, sendo, por isso, incapazes de entender a realidade humana efetiva. MARCO FERRARIN/GETTY IMAGES Pedestres caminham por rua comercial em Tóquio, Japão. Foto de 2018. As decisões que tomamos interferem em nossa vida, mas nunca somos capazes de controlar tudo o que acontece à nossa volta e que influencia nosso caminho. Experimentamos a felicidade e a tristeza, o sucesso e o fracasso. A contingência é a marca da existência humana. 135 Kierkegaard entendia que a própria natureza da lógica BRIDGEMAN IMAGES/FOTOARENA - THE FINE ART SOCIETY, LONDON, UK a impossibilitava de abarcar a realidade, tão marcada pela variabilidade e pela casualidade. Essa ideia fica clara no seguinte comentário do filósofo a respeito da obra Ciência da lógica, de Hegel: “ Assim, quando se intitula a última seção da Lógica: ‘a Realidade’, obtém-se com isso a vantagem de pare- cer que, já na lógica, atingiu-se o que há de mais alto ou, se preferirmos, o mais baixo. A perda, porém, salta aos olhos; pois nem a lógica nem a realidade são bem servidas com isso. A realidade não sai ganhando, pois a contingência, que é um elemento essencialmente co- pertencente à realidade, a lógica jamais poderá deixar infiltrar-se. Nem a lógica fica bem servida com isso; pois, se ela pensou a realidade efetiva, então acolheu em si algo que ela não pode assimilar, e chegou a antecipar o que ela deve tão somente predispor. ” KIERKEGAARD, Sören. O conceito de angústia. 3. ed. Kierkegaard entende que, ainda que busquemos tomar as Petrópolis: Vozes, 2015. p. 12. decisões mais acertadas, nunca podemos ter certeza de que as coisas se desenvolverão como planejamos. Diante de nós Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Para o filósofo, como a lógica aborda só o que é neces- há sempre o imponderável, e aquele que nos parecia o melhor sário (o que é de uma maneira e não pode ser de outra), ela caminho pode nos conduzir à ruína. Na imagem, a obra não pode tratar da realidade humana efetiva, uma vez que Labirinto, pintura de John Armstrong, 1927. esta inclui a contingência (o que é de uma maneira e pode ser de outra). Acreditar que a lógica explica a realidade é, (BNCC) Competências específicas: 1, 2, 3 e 5 então, uma ilusão. O indivíduo não poderia ser explicado ou Habilidades: EM13CHS103 EM13CHS202 EM13CHS303 entendido por meio de conceitos que simplesmente não EM13CHS501 EM13CHS502 EM13CHS504 considerassem a existência na sua concretude. Em outras De olho no presente palavras, conceitos como humanidade ou Espírito Absoluto não dariam conta das existências concretas de João, Maria A angústia da sociedade tecnológica e Clara, que seriam singulares e insubstituíveis. Olhando do consumo para a vida do indivíduo, o filósofo encontraria a realidade Vivemos em uma sociedade na qual as mudanças do ser humano, seus desejos mais íntimos e seu sofrimento. e o apelo ao novo são constantes. Movemo-nos sob a bandeira da rapidez, do aqui e do agora, do imediatis- Possibilidade e angústia mo. Estamos sempre correndo ou atrasados, no reino da urgência. Em pouco tempo, um produto tecnológico Segundo Kierkegaard, a existência humana não seria torna-se obsoleto e somos compelidos a substituí-lo. determinada por uma necessidade racional, na qual o desti- Consumimos freneticamente, desejando cada vez mais. no estaria traçado de antemão. A existência real e concreta Ao mesmo tempo, a angústia existencial está presente. de um indivíduo estaria marcada pelo imponderável, o que Em sua opinião, que fatores podem explicar significa que as suas ações e decisões pessoais o levariam esse cenário? para situações às vezes imprevisíveis. Em certa medida, a existência seria, assim, um salto no escuro, pois sempre há a possibilidade de o indivíduo ser surpreendido pela miséria e pelo engano. A maior desgraça, porém, não seria Heidegger e o sentido do ser o resultado de decisões infelizes, mas encarar sua inevitável Kierkegaard influenciou inúmeros filósofos contem- possibilidade, a indeterminação permanente, o estado de porâneos que tiveram o ser humano e sua existência equilíbrio instável da vida. A existência seria sempre um como objeto de reflexão. Entre eles está o alemão Martin talvez, a iminência de um fracasso ou de um nada. Essa Heidegger (1889-1976). situação inerente à existência humana provocaria angústia. Heidegger dedicou sua obra ao estudo do sentido do A angústia seria, então, um sentimento relacionado à ser. Ele retomou uma preocupação que esteve presente possibilidade de escolha, pois, embora o futuro dependa nos primórdios da filosofia, principalmente em Parmêni- das decisões do indivíduo, não há como ter certeza de que des, Platão e Aristóteles: a ideia de que o pensamento ou a elas lhe assegurarão uma vida boa ou saber se o conduzirão filosofia deveria buscar os fundamentos daquilo que verda- à miséria. deiramente é ou os princípios gerais de tudo o que existe. 136 Dessa preocupação deriva a investigação sobre o ser, tema central de todos os sistemas metafísicos ou da ontologia. O ser poderia ser definido como aquilo que permitiria a existência de todos os entes, quer dizer, das coisas ou de todos os seres. Na teoria das formas de Platão, o verdadeiro ser só poderia ser encontrado no mundo inteligível, apartado da realidade sensível. Aristóteles, por sua vez, na sua estruturação do conhecimento, defendia que caberia à filosofia primeira o estudo do ser, o qual seria caracterizado principalmente como substância. Heidegger retomou o tema do sentido do ser porque considerava que todas as investigações sobre o ser teriam fracassado e que ninguém conheceria o sentido do ser. Da investigação do ser à investigação do ser humano Em sua obra Ser e tempo, publicada em 1927, a intenção de Heidegger era tratar do sentido do ser em geral. No entanto, segundo o autor, o melhor para essa investigação seria analisar entre todos os entes (coisas e seres) aquele que poderia possibilitar uma abertura para atingir o sentido do ser. “ Elaborar a questão do ser significa, portanto, tornar transparente um ente – o que ques- tiona – em seu ser. [...] Esse ente que cada um de nós somos e que, entre outras, possui em seu ser a possibilidade de questionar, nós o designamos com o termo pre-sença. ” HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. v. 1, p. 32. O ser humano – entendido como ente, pessoa – seria essa possibilidade privilegiada de acesso Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. ao sentido do ser porque não constituiria uma coisa entre as coisas do mundo, mas um ente que refletiria, ponderaria, pensaria, sentiria e se perguntaria sobre si e sobre os fundamentos de tudo o que existe, ou seja, sobre o sentido do ser das coisas em geral. Por ter esse modo de existência, o ser humano seria o ente que estaria aberto ao ser ou que o desvelaria. Em decorrência disso, a investigação sobre a existência humana foi o tema de Ser e tempo, por meio da qual Heidegger formulou suas principais contribuições ao existencialismo, ainda que não se considerasse um existencialista. O projeto de um ser no mundo Na análise existencial heideggeriana, cada pessoa (ser-aí) só pode ser compreendida em sua relação com o mundo, pois é um ser-no-mundo. Não é uma consciência isolada, fechada, ou um sujeito que, antes de tudo, conhece. O ente humano é um ser em abertura, em relação ativa com as coisas e os outros seres. Assim, a constituição do ser-aí tem por base essa relação de familiaridade com o mundo e não pode ser dissociada dele. Apesar de o ser humano não ter criado o mundo, ele o BSIP/GETTY IMAGES transforma ao manipular os entes naturais, ao criar cultura e, sobretudo, ao estabelecer sentidos. Sem o ser-aí não há sentido no mundo; por outro lado, o ser humano forma-se em sua relação com o mundo. O ser humano é, então, um projeto voltado para o mundo e para as coisas. É um vir a ser que se projeta, transcendendo-se, indo além do que é. O ser-aí constitui-se nesse projetar-se, transformando e utilizando as coisas ao seu redor. O ser-aí se forma e desenvolve sua existência não só na relação com as coisas, mas também na relação com as outras pessoas (outros eus). O ser humano é um ser social. Assim, estar no mundo é também estar com outros. O cuidar das coisas e dos outros é a expressão básica da existência humana. Criança observa flores mostradas pelos pais em Bruxelas, Bélgica, s/d. O indivíduo não nasce pronto. É na sua relação com o mundo e com os demais seres humanos que ele virá a ser. 137 A angústia: a porta do ser Com base na concepção de que o ser-aí é um projeto que se realiza no mundo e sua condição originária fundamenta-se na relação com as coisas e as pessoas, Heidegger reflete sobre o sentido da existência e o sentido da morte. De acordo com o filósofo, a maioria das pessoas teria uma existência inautêntica. Os indivíduos se manteriam no plano factual, manipulando as coisas e se relacionando com os outros seres humanos de maneira superficial. Nessa condição, não procurariam o sentido de seu ser. Seria como se fugissem de si mesmos. Por ter uma existência inautêntica, cada indivíduo seria anônimo no meio de outros anônimos, apenas reproduzindo, nas ações e na linguagem, o que todos diriam e fariam. Suas decisões e escolhas o levariam sempre ao nível das coisas. Mas seria possível ter uma existência autêntica, isto é, uma vida na qual o ser-aí (o ser humano) enxergaria seu ser. O sentimento de angústia seria uma possibilidade privilegiada de abertura nesse sentido. Heidegger retomou o conceito de angústia analisado por Kierkegaard, estabele- cendo novo significado para ele. “Aquilo com que a angústia se angustia é o ser-no-mundo como tal.” HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. v. 1, p. 253. Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. A angústia não seria o medo ou o temor de alguma coisa em particular, de algum ente, mas um sentimento de estranhamento diante do mundo cotidiano, do desdobramento rotineiro da vida, diante, sobretudo, da relação do ser-no-mundo com as coisas e as outras pessoas. Esse desconforto faria o indivíduo voltar-se para si, para o próprio ser, refletindo sobre o sentido da vida. Nesse aspecto, a angústia seria uma possibilidade privilegiada da existência humana, uma porta ou fresta para o ser. O estranhamento retiraria o indivíduo da cotidianidade, do anonimato, da reprodução irrefletida, levando-o para o centro de si mesmo. Doc. 1 Ser que caminha para a morte Heidegger também se referiu a modos inautênticos de tratar a morte. Para ele, geralmente a morte não recebe atenção adequada ou é ignorada. Ela parece algo que acontece aos outros, que marca o fim da vida, mas não nos diz respeito. Esse tipo de compreensão é uma recusa de reconhecer a morte em seu sentido pleno, em sua relação com a vida. Heidegger considera a morte o grande problema humano. Na nossa existência, há muitas possibilidades, mas a morte é a única necessária e invencível. Ela é a possibilidade que anula todas as demais e isola o ser-aí dos outros entes, confrontando-o com seu ser. O indivíduo anônimo, o ser-aí, está enredado, preenchendo seu tempo com as preocupações e as ações relacionadas ao cotidiano, que são uma fuga da morte. Mas se aceita o chamado de sua consciência para o sentido da morte, percebe a nulidade de todas as suas possibilidades e pode redimensionar sua vida. Pode, então, viver autenticamente, deixando o universo cotidiano, ou seja, as distrações da existência inautêntica, em segundo plano. Sartre: a existência precede a essência A concepção existencialista do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) também parte do conceito de intencionalidade da fenomenologia de Husserl. A consciência é um visar o mundo, uma atividade. A consciência é sempre consciência de alguma coisa. Portanto, fora dessa atividade, fora da intencionalidade, não há consciência, não há nada. Assim, a consciência e o sentido do mundo surgem ao mesmo tempo. Isso significa que o indivíduo, cuja consciência não está esta- belecida quando vem ao mundo nem se estabelecerá como um órgão fixo e sólido, é um nada. Ele existe, a princípio, apenas como projeto, quer dizer, um vir a ser. Esse indivíduo vai se tornar um sujeito, vai vingar como projeto existencial, ao se projetar para o mundo, ao ir em direção ao mundo, ao visá-lo. Para Sartre, então, a existência precede a essência; e o ser humano estabelece sua identidade por meio de sua vida, das suas ações e ponderações. Doc. 2 138 Liberdade: o ser humano é o que faz de si Se a consciência ou o sujeito é um nada ou algo não estabelecido; se o existir humano é, antes de tudo, um processo que não está antecipadamente fixado por nada exterior ou interior ao ser humano, então cabe ao próprio homem fazer-se, pois o ser humano é aquilo que ele faz de si. Nesse processo constante do sujeito em busca do ser, nesse fazer-se que é a existência humana, não há uma natureza dada e imutável que defina o que o sujeito é ou o que será, como a semente determina o futuro de uma planta. Também, para Sartre, não há um ser supremo que decrete valores que orientem o comportamento do ser humano e de sua consciência. O homem é livre para ser o que quiser. E a transcendência do nada para o ser, a transcendência da consciência ou do sujeito para o mundo, característica central da existência humana, é tomada por Sartre como liberdade. O ser humano é liberdade. Mais ainda: o homem não pode deixar de ser liberdade, porque ele é esse processo constante em direção ao mundo, esse vento em direção às coisas e aos outros homens, essa ação recorrente de se inventar. Como o ser humano não pode fugir de sua existência, ele estaria condenado a ser livre. © JOAQUÍN SALVADOR LAVADO (QUINO) TODA MAFALDA/ FOTOARENA FINALMENTE!! Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. FINALMENTE ACABARAM AS FINALMENTE!! ANGÚSTIAS DE ESTUDAR E MEU DEUS! E AGORA O QUE TERMINARAM AS AULAS! DE FAZER DEVERES! FAREMOS COM TODA ESTA LIBERDADE PELA FRENTE? Mafalda, tirinha de Quino, 2016. Para Sartre, sendo livre, o homem tem diante de si a possibilidade de fazer escolhas. Porém, ao fazê-las sem que exista nada nem ninguém que as determine, ele é responsável pela sua vida e pelos efeitos de seus atos, o que lhe causa angústia. Na tirinha, Felipe exterioriza a Mafalda sua angústia diante da liberdade representada pelas férias, quando não há mais nenhuma autoridade lhe dizendo o que fazer. Posteriormente, em vários ensaios e no livro Crítica da razão dialética (1960), Sartre atenuou esse caráter absoluto da liberdade humana, levando em consideração as situações históricas concretas que cada projeto-humano tem de enfrentar. Questões Registre em seu caderno (BNCC) Competências específicas: 1, 4 e 5 A filósofa Simone de Beauvoir ocupou um espaço muito importante entre os Habilidades: filósofos existencialistas, tratando, em especial, das questões de gênero em suas EM13CHS102 EM13CHS401 obras. Leia a citação e faça a atividade. EM13CHS502 EM13CHS504 “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade [...]. ” BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. v. 2, p. 9. 1. O que a filósofa quis dizer ao afirmar que “ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher”? 2. De que forma a ideia proposta pela frase acima dialoga com o pensamento de Sartre? 139 Merleau-Ponty e a MOVIESTORE COLLECTION LTD/ALAMY/FOTOARENA fenomenologia da percepção Partindo da fenomenologia de Husserl, as investigações do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) tiveram como foco a relação entre o ser humano e o mun- do, na qual a percepção assume uma importância notável. Merleau-Ponty criticou as teorias científicas empíricas ou racionalistas porque elas substituíam a percepção pelo pensamento sobre a percepção. Para ele, o que acontecia de fato com experiência perceptiva era diferente. É principalmente na adolescência que o indivíduo busca com mais Para o empirismo, a percepção é causada por estímulos obstinação definir sua identidade e experimenta a angústia de encontrar um sentido para sua existência. Na foto, cena do filme externos aos sentidos. Portanto, essa corrente ressalta o canadense C.R.A.Z.Y., de 2005, que conta a história de um jovem caráter objetivo do processo perceptivo. Já para o raciona- tentando encontrar a si mesmo. lismo, a percepção depende fundamentalmente do sujeito do conhecimento, e as coisas externas apenas propiciam O fato de sermos um projeto cuja efetivação depende sua ação. Assim, o preponderante da percepção seria seu de nossas decisões e das relações que estabelecemos com caráter subjetivo. as pessoas e as coisas explica a dificuldade que temos para nos definir. Sempre ficamos embaraçados se temos Na avaliação de Merleau-Ponty, essas teorias, ao enfatizar Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. de responder à pergunta “Quem é você?”. Uma resposta ora o aspecto subjetivo, ora o aspecto objetivo, perdiam o possível é “Meu nome é...”. Entretanto, quem é esse ser que fenômeno da percepção, que é um todo complexo. A percep- está para além do nome e do registro em algum cartório? ção não é uma objetividade absoluta nem uma subjetividade Como firmar uma identidade em uma sociedade caótica absoluta. A percepção é uma vivência, uma relação do sujeito e confusa, em que os valores mudam incessantemente, com tudo aquilo que o rodeia, a forma originária de o homem seguindo a lógica do consumo? ser no mundo, anterior a qualquer teoria, e uma forma de estabelecer sentido. As marcas identitárias O corpo é um ponto de vista sobre o mundo Nascemos com determinadas características biológicas, Se a percepção é a forma originária de o homem estar no mas elas não definem nossa individualidade. É na interação mundo e se realiza por meio dos sentidos, o entendimento com as outras pessoas, vivenciando experiências, que nos sobre o corpo é o ponto central em qualquer análise da tornamos aptos a agregar e a excluir elementos em nosso existência humana. Mas o que é o corpo para Merleau-Ponty? modo de ser. Antes de tudo, o ser humano está aberto para o mundo A identidade de um indivíduo é influenciada por vários fatores, entre os quais se destacam a cultura e a etnia a porque é corpo. O corpo é um sensível que possibilita o que ele pertence. Quer dizer, ao longo de sua formação, da diálogo entre o interno e o externo, entre a consciência e as infância à vida adulta, o indivíduo incorporará uma língua, coisas do mundo, e que ancora as vivências perceptivas. Nes- tradições, valores, gostos, entre outros elementos culturais se sentido, o corpo é um ponto de vista sobre o mundo, é a que são mais ou menos comuns para todos os membros da maneira de o ser humano ser no mundo e, ao mesmo tempo, comunidade a qual ele pertence e que servirão de referência constituir os sentidos dele, das coisas e dos outros homens. para suas opiniões e decisões. Assim, é por meio da cultura que o indivíduo aprende a olhar e a interpretar o mundo. Quem sou eu? O filósofo grego Parmênides, no século V a.C., afirmava A história de cada um que a essência de algo nunca mudaria, pois, se mudasse, Além disso, as condições sociais também influenciam esse algo deixaria de ser o que é, perderia sua identidade. a formação da identidade. Como dizem os existencialistas, No estudo que realizamos sobre o existencialismo, somos lançados ao mundo (nascemos) em uma família, vimos que Heidegger e Sartre não pensavam dessa sociedade e país que não escolhemos e não temos res- maneira em relação ao ser humano. Esses filósofos de- ponsabilidade alguma por isso. fendiam que o indivíduo não nasce com uma essência É a partir dessa realidade que nossa existência (projeto) definida, mas é um projeto a se realizar no mundo, entre começa a se desenvolver, e cada indivíduo vive o mundo à as pessoas e as coisas. Cada indivíduo, ao longo de sua sua maneira. Sua identidade será construída pelo conjunto existência, constrói sua identidade, sendo responsável de vivências, que é único para cada um e que determinará pelo que é e pelo que vier a ser. seu jeito particular de ser. 140 A busca de identidade na sociedade Elementos que influenciam nosso jeito de ser estão sujeitos a variações da moda, do consumo, da economia contemporânea e da sociedade, ou seja, aos valores e às condições da Se a identidade não nasce pronta e temos que formá- sociedade em que vivemos. Muitas de nossas escolhas -la no transcorrer da nossa vida, como fazemos isso na são induzidas por interesses diversos, que nem sempre sociedade em que vivemos, que é caracterizada pela va- beneficiam a constituição identitária. lorização excessiva do presente, a incerteza, a rapidez das O sociólogo polonês Zygmunt Bauman dizia que “as mudanças, a constante troca de desejos e o predomínio identidades flutuam no ar” para se referir à difícil situação do consumismo? Como estabelecer uma identidade em de construção da identidade em nossa sociedade. Doc. 3 uma sociedade tão volúvel? Então, um estranhamento ou desconforto em relação à nos- Para ter uma identidade, não basta pertencer a um sa identidade é algo comum. Durante toda a vida, estamos país, comunidade, etnia, nação, família ou classe social. sujeitos a nos perguntar o que somos e o que queremos ser. Esses elementos são identitários, mas não são suficientes. Esse desconforto pode até ser benéfico se nos propor- Elementos menos sólidos também contribuem para a cionar reflexões sobre a vida e o que realmente queremos identidade individual, como aquilo que consumimos, os ser ou nos tornar. É interessante, por exemplo, refletir sobre prazeres de que desfrutamos, a prática esportiva, o cuida- nossas escolhas, se elas são ou não induzidas por grupos do com o corpo, a imagem e o perfil que construímos nas sociais, pela moda, pela lógica consumista etc. Afinal, em redes sociais, entre outros. algum grau, somos responsáveis pelo que nos tornamos. Reprodução proibida. Art.184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Para assistir Aprender a argumentar A partida Direção: Yojiro Takita Falácia bola de neve País: Japão A falácia bola de neve ou da derrapagem causal é utilizada para desacreditar Ano: 2008 uma proposta, argumentando-se que haverá consequências inconvenientes ou Duração: 131 min mesmo terríveis caso ela seja aceita. Veja A1. O filme narra a história de um jovem violoncelista que “ Nós não deveríamos permitir às pessoas o acesso totalmente livre à internet. sonha em ser músico, mas Daqui a pouco, elas começam a frequentar sites pornográficos, o que irá deteriorar perde seu emprego quando o tecido moral da sociedade, e depois nós seremos reduzidos a meros animais. ” a orquestra em que toca é ALMOSSAWI, Ali. O livro ilustrado dos maus argumentos. dissolvida e precisa se mudar Rio de Janeiro: Sextante, 2017. p. 44. para a cidade de sua infância. Lá, o único emprego Nesse argumento falacioso para atacar o acesso totalmente livre à internet, que consegue é em uma é notória a falta de evidências. Sem nenhum tipo de fundamento, empírico ou funerária. O aprendizado teórico, chega-se à conclusão catastrófica de que seremos reduzidos a meros que terá ao trabalhar com animais. Não é possível estabelecer relações causais entre o uso livre da internet a morte o ajudará a superar traumas do passado e a e a degradação da condição humana. Trata-se apenas de uma tentativa de chocar encontrar um sentido para a emocionalmente o interlocutor para inviabilizar uma proposta. própria vida. Exercitar a argumentação Livre Analise os argumentos a seguir. Registre em seu caderno Direção: Jean-Marc Vallée A1: País: Estados Unidos Ano: 2014 “Se legalizamos o consumo da maconha todos vão querer experimentá- Duração: 115 min -la, em pouco tempo estarão viciados e a sociedade se transformará em Cheryl Strayed é uma um bando de zumbis drogados vagando pelas ruas. ” jovem destruída e BEZERRA, Juliana. Falácia. Toda Matéria, 4 jun. 2019. Disponível em. Acesso em 18 jul. 2020. passado e pela morte A2: precoce de sua mãe Bobbi (Laura Dern). No intuito “ Se o aborto for permitido em certos casos, em breve passará a ser de exorcizar suas dores, permitido em qualquer caso. Não demoraria muito para que o infanticídio Cheryl embarca em uma também passasse a ser legalizado. ” jornada de autodescoberta, Retórica e argumentação/Falácias/Derrapagem. Disponível em. Acesso em 18 jul. 2020. “Pacific Crest Trail”. 141