Princípios De Cirurgia Bucomaxilofacial Peterson 3 Ed - PDF
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Summary
Documento sobre os princípios de cirurgia bucomaxilofacial, focando na cicatrização de lesões. Descreve o processo de cicatrização, níveis celulares e macroscópicos, e diferentes tipos de cicatrização. Apresenta a fase inflamatória como parte inicial do processo.
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A cicatrização de lesões (ou feridas) é uma expressão clara de uma intrincada e rigorosamente organizada sequência de respostas bioquímicas e celulares direcionadas a restaurar a integridade do tecido e a sua capacidade funcional após a lesão. Embora a cicatrização ocorra na maioria dos casos sem in...
A cicatrização de lesões (ou feridas) é uma expressão clara de uma intrincada e rigorosamente organizada sequência de respostas bioquímicas e celulares direcionadas a restaurar a integridade do tecido e a sua capacidade funcional após a lesão. Embora a cicatrização ocorra na maioria dos casos sem intercorrências, uma variedade de fatores intrínsecos e extrínsecos pode impedila ou facilitála. Um melhor entendimento desse processo em diversos níveis – bioquímico, fisiológico, celular e molecular – permite ao cirurgião adotar procedimentos clínicos voltados para a otimização do mecanismo de cicatrização, bem como, e com a mesma importância, avaliar crítica e precisamente a utilização de uma série de métodos biológicos que procuram assistir a cicatrização ao modularem de maneira favorável o microambiente da ferida. PROCESSO DE CICATRIZAÇÃO A restauração da integridade tecidual, se iniciada por trauma ou cirurgia, é uma resposta de defesa filogeneticamente primitiva, porém essencial. Organismos lesados sobrevivem somente se forem capazes de se regenerar de modo rápido e eficaz. A resposta de cicatrização depende primariamente do tipo de tecido envolvido e da natureza do tecido lesado. A regeneração ocorrerá quando a restituição acontecer por meio de tecido sem distinção estrutural e funcional do tecido de origem. Entretanto, quando a integridade tecidual for restabelecida inicialmente por meio da formação de tecido fibrótico, haverá o processo de reparo. Reparo por cicatrização é a versão do corpo para os pontos de solda, e o tecido de substituição é grosseiro e tem menor quantidade de células quando comparado ao tecido de origem. Com exceção do tecido ósseo e do fígado, a ruptura do tecido resulta em reparo em vez de regeneração. No nível celular, o padrão e a qualidade do tecido fibrótico dependem de quanto as células constituintes são lábeis, estáveis ou permanentes. Células lábeis, que incluem os queratinócitos da epiderme e as células epiteliais da mucosa oral, dividemse durante todo o seu ciclo de vida. Células estáveis, como os fibroblastos, exibem baixa velocidade de duplicação, mas podem sofrer rápida proliferação em resposta à lesão (p. ex., a lesão óssea estimula as células mesenquimais pluripotenciais a se diferenciarem rapidamente em osteoblastos e osteoclastos). Já as células permanentes, como os nervos especializados e as células do músculo cardíaco, não se dividem durante a vida pósnatal. A expectativa do cirurgião para uma “cicatrização normal” deve ser realista e baseada nas capacidades inerentes do tecido lesado. Enquanto a cicatriz fibrosa é considerada normal como cicatrização de lesões na pele, o mesmo tipo de cicatriz é visto como regular em relação à cicatrização óssea. Em nível macroscópico, a qualidade da resposta de cicatrização é influenciada pela natureza da ruptura do tecido e pelas condições para o fechamento da lesão. Quando uma laceração asséptica ou uma incisão cirúrgica é fechada inicialmente com suturas ou outros métodos e a cicatrização acontece sem deiscência e com mínima formação de cicatriz, tratase da cicatrização por primeira intenção. Se as condições forem um pouco menos favoráveis, a cicatrização da lesão é mais complicada, por meio do preenchimento lento do defeito tecidual com tecido de granulação e conjuntivo, o processo é chamado cicatrização por segunda intenção, comumente associado a lesão avulsiva, infecção local ou fechamento inadequado da lesão. No caso de lesões mais complexas, o cirurgião pode tentar promover a cicatrização por terceira intenção, por meio de um procedimento dividido que combina a cicatrização secundária com fechamento primário tardio. A lesão avulsiva ou contaminada é curetada e reservada para a formação do tecido de granulação e cicatrização por segunda intenção durante 5 a 7 dias. Uma vez formado um adequado tecido de granulação e o risco de infecção fica aparentemente mínimo, a lesão é suturada para que haja a cicatrização por primeira intenção. RESPOSTA DE CICATRIZAÇÃO DA LESÃO Qualquer forma de lesão desencadeia uma complexa série de processos estritamente organizados e concomitantes de modo temporário com o objetivo de restaurar a integridade do tecido envolvido. Os processos reparadores são mais comumente demonstrados na pele1; contudo, padrões de eventos bioquímicos e celulares ocorrem em praticamente todos os outros tecidos.2 Para facilitar tal descrição, a sequência de cicatrização, caracterizada pela coagulação, inflamação, reepitelização, tecido de granulação e remodelação da matriz e do tecido, é em geral dividida em três fases distintas simultâneas: inflamatória, proliferativa e remodelação.3,4 Fase inﲎ뀃amatória Ocorre antes da resposta reparadora do organismo e dura, em geral, de 3 a 5 dias. A vasoconstrição é a resposta tecidual espontânea para estancar a hemorragia. Trauma tecidual e hemorragia local ativam o fator XII (fator de Hageman), que inicia vários efeitos da cascata do processo de cicatrização, como o complemento, o plasminogênio, as cininas e os sistemas coagulantes. Plaquetas circulantes (trombócitos) agregamse rapidamente no local da lesão aderindo tanto umas às outras quanto ao colágeno exposto da região subendotelial dos vasos sanguíneos para formar uma agregação plaquetária primária organizada no interior de uma matriz fibrosa. O coágulo garante a hemostasia e dá início à matriz provisória por meio da qual as células podem migram durante o processo de reparo. Adicionalmente, o coágulo serve como um reservatório de citocinas e fatores de crescimento liberados como plaquetas ativadas degranuladas. Uma mistura de proteínas secretadas, o que inclui interleucina, fatores modificadores de crescimento β (TGFβ), fatores de crescimento derivados das plaquetas (PDGF) e fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), mantém a lesão e regula o processo de cicatrização subsequente.1 Com a hemostasia controlada, a vasoconstrição reativa é substituída por um período mais persistente de vasodilatação mediado por histamina, prostaglandinas, cininas e leucotrienos. O aumento da permeabilidade vascular permite que o plasma sanguíneo e outros mediadores celulares de cicatrização atravessem as paredes dos vasos por meio de diapedese e ocupem o espaço extravascular. Manifestações clínicas correspondentes incluem edema, vermelhidão, calor e dor. As citocinas liberadas na lesão produzem sinais quimiotáticos que recrutam de modo sequencial os neutrófilos e monócitos para o local da ferida. Os neutrófilos normalmente começam a migrar para o local da lesão minutos após a lesão ter ocorrido e se estabelecem de maneira rápida como as células predominantes. Ao migrarem pela rede fornecida pelo coágulo enriquecido por fibras, os leucócitos com curto período de vida inundam o local com proteases e citocinas para ajudar a eliminar bactérias da lesão, tecido sem vitalidade e componentes degradados da matriz. A atividade de neutrófilos é acentuada por anticorpos (opsonina) ao se infiltrarem na lesão a partir dos vasos alterados. A menos que a lesão esteja extremamente infectada, a infiltração de neutrófilos cessará em poucos dias. No entanto, as citocinas proinflamatórias liberadas pelos neutrófilos, o que inclui o fator de necrose tumoralα (TNFα) e as interleucinas (IL1a, IL1b), continuam a estimular a resposta inflamatória por longos períodos.5 A deposição de monócitos no local da lesão começa a aumentar no momento em que a quantidade de neutrófilos diminui. Monócitos ativados, agora chamados de macrófagos, dão continuidade à limpeza por microdebridação iniciada pelos neutrófilos. Estes secretam colagenases e elastases para remover o tecido lesado e realizar a fagocitose de bactérias e restos celulares. Além da função de caça, os macrófagos servem como fonte primária de mediadores de cicatrização. Uma vez ativados, os macrófagos liberam uma bateria de fatores de crescimento e citocinas (TGFα, TGF β1, PDGF, fator de crescimento semelhante à insulina (IGF)I e II, TNFα e IL1) no local da lesão, amplificando ainda mais e perpetuando o tempo de duração da ação dos mediadores liberados previamente pelas plaquetas degranuladas e pelos neutrófilos.6 Macrófagos influenciam todas as fases do início do processo de cicatrização da lesão ao regularem a remodelação do tecido local por meio de enzimas proteolíticas (i. e., metaloproteases e colagenases da matriz), o que induz à formação de uma nova matriz extracelular, e modularem angiogênese e fibroplastia por meio da produção local de citocinas, como trombospondina1 e IL1b. A importância da função dos macrófagos no início da cicatrização da lesão é confirmada pelas consistentes demonstrações de que lesões de animais desprovidos de macrófagos exibiram reduzida fibroplastia e reparos defeituosos. Ainda que o número e a atividade dos macrófagos diminuam até o 5o dia após o trauma, estes continuam a modular os processos de cicatrização da lesão até que o reparo esteja completo. Fase de proliferação As citocinas e os fatores de crescimento secretados durante a fase inflamatória estimulam as fases de proliferação posteriores.7 Com início aproximado no 3º dia após o trauma e duração de 3 semanas, a fase de proliferação é caracterizada pela formação de tecido granular rosa (tecido de granulação) com células inflamatórias, fibroblastos e vasculatura em desenvolvimento em uma matriz frouxa. Um primeiro passo essencial é o estabelecimento de uma microcirculação local para o suprimento de oxigênio e nutrientes necessários para prover as requisições metabólicas elevadas do tecido em regeneração. A criação de novos vasos capilares sanguíneos (angiogênese) a partir da vasculatura rompida é orientada pela hipoxia da lesão, bem como pelos fatores de crescimento nativos, particularmente VEGF, fator de crescimento fibroblástico 2 (FGF2) e TNFβ (ver Figura 1.1). Ao mesmo tempo, fibroblastos formadores de matriz migram para a lesão em resposta às citocinas e aos fatores de crescimento liberados pelas células inflamatórias e pelo tecido lesado. Os fibroblastos começam a sintetizar uma nova matriz extracelular (EMC, do inglês new extracelular matrix) e colágenos imaturos (tipo III). O arcabouço das fibras colágenas serve para dar suporte aos novos vasos sanguíneos formados para o suprimento sanguíneo da lesão. Fibroblastos estimulados, que também secretam uma variedade de fatores de crescimento, produzem, desse modo, feedback e mantêm o processo de reparação. A deposição de colágeno aumenta rapidamente a resistência à tração da lesão e reduz a importância da função da sutura em manter as bordas da lesão unidas. Com adequado colágeno e ECM gerados, a síntese de matriz é dissipada, evidenciando o ajuste extremamente preciso do processo de cicatrização do ponto de vista espacial e temporal. Na superfície da lesão dermal, um novo epitélio é formado para selar a superfície exposta da lesão. Células epidermais originadas nas margens da lesão proliferam rapidamente e começam a formar uma nova superfície acima da membrana de base. O processo de reepitelização ocorre de modo mais rápido em lesões de mucosa oral do que naquelas na pele. Em uma lesão em mucosa, as células epiteliais migram diretamente para a superfície molhada exposta do coágulo fibrinoso em vez de abaixo do exsudato seco (crosta) da derme. Uma vez que as bordas do epitélio se encontram, a inibição de contato cessa a proliferação lateral adicional. A reepitelização é facilitada pelo tecido conjuntivo contrátil subjacente, o qual se contrai em tamanho para puxar as margens da lesão em direção uma à outra. A contração da lesão é orientada por uma proporção de fibroblastos que se transformam em miofibroblastos e provocam uma intensa força contrátil. A extensão da contração da lesão depende da profundidade da lesão e de sua localização. Em algumas ocasiões, as forças da contração da lesão são capazes de deformar estruturas ósseas. Fase de remodelação A fase proliferativa é progressivamente substituída por um extenso período de remodelação progressiva e fortalecimento do tecido cicatricial imaturo. A fase de remodelação/maturação pode durar diversos anos e envolve um minucioso e organizado equilíbrio entre degradação e formação de matriz. Logo que a demanda metabólica da lesão em processo de cicatrização diminui, a alta rede de capilares começa a regredir. Sob a direção geral de citocinas e fatores de crescimento, a matriz de colágeno é continuamente degradada, ressintetizada, reorganizada e estabilizada por meio de ligação cruzada molecular. Os fibroblastos começam a desaparecer e o colágeno tipo III depositado durante a fase de granulação é substituído de maneira gradual por um colágeno mais resistente do tipo I. De modo correspondente, a resistência à tração do tecido fibrótico aumenta e, no final, atinge cerca de 80% da resistência original. Homeostasia do colágeno da cicatriz e ECM são reguladas em grande extensão por proteases serinas e metaloproteinases matriciais (MMP) sob o controle de citocinas reguladoras. Inibidores de tecido das MMP dispõem de um contrabalanço natural para elas e provêm firme controle da atividade proteolítica no interior da cicatriz. Alguma falha nesse organizado equilíbrio pode levar ao excesso ou à inadequada degradação da matriz, o que resulta em uma cicatriz exuberante ou deiscência da lesão. PROCESSO ESPECIALIZADO DE CICATRIZAÇÃO Nervo A agressão às terminações nervosas da região orofacial pode variar desde a simples contusão até a ruptura completa do nervo. A resposta de cicatrização depende da gravidade e da extensão da lesão.810 A neuropraxia representa a mais suave forma de lesão do nervo e é uma interrupção passageira da condução nervosa sem perda da continuidade axonial. A continuidade da bainha epineural e dos axônios é mantida e alterações morfológicas são mínimas. O restabelecimento do déficit funcional é espontâneo e, em geral, completo dentro de 3 a 4 semanas. Se houver uma ruptura física de um ou mais axônios sem lesão do tecido estromal, a lesão é descrita como axonotmesis. Apesar dos axônios rompidos, as células de Schwann de revestimento e os elementos do tecido conjuntivo permanecem intactos. A natureza e a extensão do déficit sensorial ou motor resultante estão relacionadas com o número e o tipo dos axônios lesados. Alterações morfológicas são manifestadas como degeneração do axoplasma e das estruturas associadas distalmente ao local da lesão e parcialmente proximal à lesão. O restabelecimento do déficit funcional depende do grau do dano. O completo rompimento do tronco nervoso é denominado neurotmese e a reconstituição espontânea para esse tipo de lesão é rara. Histologicamente, alterações de degeneração são evidentes em todos os axônios ao redor da região da lesão.11 Logo após a agressão do nervo, as células de Schwann começam a sofrer uma série de alterações celulares chamadas degeneração valeriana. A degeneração é evidente em todos os axônios do segmento nervoso distal e em poucos nodos do segmento proximal. Dentro de 78 h, os axônios agredidos começam a se fragmentar e são fagocitados por células de Schwann adjacentes e macrófagos que migram até a região da lesão. Como os resíduos axoniais são eliminados, as células de Schwann iniciam a tentativa de conectar a ramificação proximal com a ramificação nervosa distal. Células de Schwann sobreviventes proliferam para formar uma banda (banda de Büngner) que aceitará o ramo axônico regenerativo. As células proliferativas de Schwann também promovem a regeneração do nervo ao secretarem numerosos fatores neutrofílicos que coordenam o reparo celular, bem como as moléculas de adesão celular que orientam o crescimento axônico. Na ausência de realinhamento ou aproximação cirúrgica das ramificações nervosas, células proliferativas de Schwann e ramos axônicos em desenvolvimento podem se alinhar em um coágulo fibrinoso aleatoriamente organizado para formar uma massa desorganizada conhecida como neuroma. A velocidade e a extensão da regeneração nervosa dependem de diversos fatores, que incluem o tipo de lesão, a idade e a condição da capacidade de nutrição do tecido e dos nervos envolvidos. Embora a velocidade de regeneração dos nervos periféricos varie de modo considerável, ela é geralmente considerada de 1 mm/dia. A fase de regeneração dura até 3 meses e termina no contato com o órgão de destino por um fino axônio mielinizado. Na fase final de maturação, o diâmetro e a capacidade funcional da fibra nervosa em regeneração aumentam. Osso O processo de cicatrização óssea após a fratura tem muitas características similares às da cicatrização da pele, exceto pelo fato de que a primeira também envolve a calcificação da matriz tecidual conjuntiva. O osso é um tecido biologicamente privilegiado, pois a cicatrização ocorre mais por regeneração do que por reparo. Na ausência de intervenção, o osso fraturado é capaz de se recompor por si só de maneira espontânea pela formação e pela diferenciação tecidual sequencial, um processo também conhecido como cicatrização indireta. Como ocorre na pele, o trombo interfragmentar formado rapidamente após o trauma estanca a hemorragia provocada pela ruptura dos vasos nos canais harvesianos, na medula e no periósteo. O material necrótico na região da fratura estimula uma resposta inflamatória aguda imediata e intensa a qual atrai os leucócitos polimorfonucleares e, de modo subsequente, macrófagos para a área fraturada. O hematoma de organização serve como suporte de fibrina sobre o qual as células reparadoras podem migrar e exercer sua função. Células inflamatórias invasivas e, sequencialmente, células mesenquimais pluripotenciais começam a produzir de maneira rápida um calo de fratura macio que preenche os espaços interfragmentares. Composto de tecido fibroso, cartilagem e osso fibroso imaturo jovem, o calo macio atua como um estabilizador biológico que liga os segmentos ósseos fraturados e reduz o movimento interfragmentar. Uma progressão organizada da diferenciação e maturação tecidual leva à consolidação da fratura e à restauração da continuidade óssea. Mais comumente, o cirurgião escolhe facilitar uma cicatrização óssea abreviada sem calo, conhecida pelo termo cicatrização direta (Figura 1.1). Os segmentos ósseos deslocados são manipulados por meio de cirurgia em um alinhamento aceitável e estabilizados de modo rígido pelo uso de dispositivos de fixação interna. A redução anatômica resultante é, em geral, uma combinação de espaços interfragmentários pequenos separados por áreas de contato, dando início ao desenvolvimento de células mesenquimais e dos vasos sanguíneos, logo em seguida. Os osteoblastos ativados começam a depositar osteoide nas superfícies das extremidades dos fragmentos. Em zonas de contato em que as extremidades das fraturas são colocadas muito próximas umas das outras, a linha de fratura é preenchida concentricamente pelo osso lamelar. Fendas maiores são preenchidas por meio de uma sucessão de tecido fibroso, fibrocartilagem e osso não lamelar. Na ausência de qualquer microinstabilidade na área da fratura, haverá a cicatrização direta sem nenhuma formação de calo. A remodelação óssea subsequente resulta na restituição da forma original e da arquitetura interna do osso fraturado. A escultura funcional e a remodelagem do tecido ósseo primário são realizadas por um grupo temporário de osteoclastos e osteoblastos justapostos chamados unidade multicelular básica (BMU, do inglês basic multicelular unit). Os osteoblastos se desenvolvem a partir de célulastronco mesenquimais pluripotentes. Já os osteoclastos multicelulares são originados de uma linhagem de monócitos/macrófagos.12 O desenvolvimento e a diferenciação das BMU são controlados por fatores de crescimento secretados na região, citocinas e sinais mecânicos. Como os osteoclastos localizados na borda de orientação das BMU escavam o osso por meio da digestão proteolítica, osteoblastos ativos deslocamse para as escavações ao secretarem camadas de osteoide e preencherem a cavidade lentamente. A mineralização do osteoide começa quando este atinge aproximadamente 6 μm de espessura. Os osteoclastos morrem ao alcançarem o final do seu ciclo de vida de 2 semanas e são removidos por fagócitos. A maioria (até 65%) de osteoblastos remodeladores também morre dentro de 3 meses e os remanescentes são sepultados como osteócitos no interior da matriz mineralizada. Figura 1.1 Cicatrização óssea direta facilitada por um parafuso de fixação. O local da fratura exibe cicatrização com fenda e cicatrização de contato. A arquitetura interna do osso é restaurada, finalmente, pela ação de unidades multicelulares básicas. Durante a mineralização do osso primário, BMU remodeladores se infiltram pelo tecido reparador substituindoo por osso maduro. A granulação do novo tecido ósseo iniciase a partir de uma compressão local e forças de tensão paralelamente. De modo consequente, a forma e a força do tecido ósseo reparador se alteram para acomodar uma carga funcional maior. Os níveis de força no tecido produzidos por cargas funcionais são importantes na remodelação do osso regenerador. Enquanto os níveis baixos de forças teciduais (cerca de 2.000 microstrains) são considerados fisiológicos e necessários para a diferenciação das células e a remodelação dos calos, níveis altos (> 2.000 microdeformações) começam, adversamente, a afetar a diferenciação osteoblástica e a formação da matriz óssea.13,14 Se há excesso de movimentação interfragmentária, o osso se regenera de início pela ossificação endocondral ou pela formação de um calo cartilaginoso gradualmente substituído por um novo osso. Em contraste, a cicatrização óssea por segmentos de fratura estabilizados ocorre primariamente por meio de ossificação intramembranosa. Os fatores principais que determinam o ambiente da fratura em cicatrização incluem a configuração da fratura, a precisão da redução da fratura, a estabilidade proporcionada pelo dispositivo de fixação escolhido e o grau e a natureza das microcargas geradas pelo exercício da função. Se um dispositivo de fixação é incapaz de estabilizar a fratura, a microinstabilidade interfragmentária provoca reabsorção osteoclástica das superfícies da fratura e resulta em um aumento da largura das fendas da fratura. Ainda que a união óssea possa ser, por fim, obtida pela cicatrização secundária por meio da produção de calo e ossificação endocondral, o processo de cicatrização durará mais do que o esperado. Cicatrização fibrosa e sem união constituem manifestações clínicas de microcarga excessiva e interferem no processo de cicatrização celular. Feridas por extração A cicatrização em um alvéolo dental é um exemplo especial de cicatrização por segunda intenção.15 Imediatamente após a extração do dente do alvéolo, o sangue preenche a área da extração. Ambos os caminhos, extrínseco e intrínseco, do processo de coagulação em cascata são ativados. A malha de fibrina resultante com células sanguíneas vermelhas sela os vasos sanguíneos rompidos e reduz o tamanho da ferida após a extração. A organização do coágulo iniciase nas primeiras 24 a 48 h com aumento e dilatação dos vasos sanguíneos dentro dos remanescentes do ligamento periodontal, seguido pela migração de leucócitos e formação de uma camada de fibrina. Na 1ª semana, o coágulo forma um arcabouço temporário sobre o qual as células inflamatórias migram. O epitélio na periferia da lesão desenvolvese sobre a superfície do coágulo de organização. Osteoclastos acumulamse por toda a crista óssea alveolar, iniciando o estágio de reabsorção ativa da crista óssea. Angiogênese continua a ocorrer nos remanescentes de ligamento periodontal. Na 2ª semana, o coágulo continua a organizarse pela fibroplastia e pelos novos vasos sanguíneos que começam a penetrar em direção ao centro do coágulo. Trabeculados de osteoide estendemse lentamente do alvéolo para o interior do coágulo e a atividade osteoclástica da margem cortical da cavidade alveolar é mais distinta. Até a 3ª semana, a cavidade alveolar é preenchida com tecido de granulação, e tecido ósseo pouco calcificado é formado no perímetro da lesão. A superfície da lesão é completamente reepitelizada com mínima ou sem formação de cicatriz. A remodelação óssea ativa por meio de deposição e reabsorção continua por mais diversas semanas. Evidência radiográfica de formação óssea não se torna aparente por 6 a 8 semanas após a exodontia. Em virtude do processo em andamento de remodelação óssea, o produto da cicatrização final da região da lesão pode não ser reconhecido em radiografia após 4 a 6 meses. Ocasionalmente, o coágulo sanguíneo não é formado ou pode ser desintegrado, o que causa uma osteíte alveolar localizada. Em tais circunstâncias, a cicatrização tornase consideravelmente mais demorada e o preenchimento da cavidade ocorre de modo gradual. Na ausência de uma matriz de cicatrização saudável, a velocidade da união entre osso regenerado e osso alveolar remanescente é muito mais lenta. Comparada a uma cavidade normal, a cavidade infectada permanece aberta e parcialmente coberta com epitélio hiperplásico por longos períodos. Enxerto de pele Enxertos de pele podem ser tanto de espessura total – compostos pela epiderme e por toda a derme – quanto dividida – constituídos pela epiderme e por quantidades variáveis de derme.16 Em dependência da quantidade da derme subjacente utilizada, enxertos de espessura dividida podem ser classificados como finos, intermediários ou espessos.17 Após o enxerto, fornecimento nutricional para o enxerto de pele livre é inicialmente proporcionado pelo plasma exsudado dos capilares dilatados do leito receptor. Um coágulo de fibrina é formado na interface enxertoreceptor, fixando o enxerto ao leito receptor. Leucócitos do leito receptor se infiltram no interior do enxerto a partir de suas camadas inferiores. A sobrevivência do enxerto depende do desenvolvimento de vasos sanguíneos a partir do leito receptor para o seu interior (neovascularização) e da anastomose direta entre o enxerto e a vasculatura do receptor (inosculação). Capilares endoteliais neoformados do receptor invadem o enxerto, com alcance da junção dermoepidermal em até 48 h. Concomitantemente, conexões vasculares são formadas entre os vasos do tecido receptor e do enxerto. Entretanto, apenas poucos dos capilares em desenvolvimento no interior do enxerto conseguem desenvolver anastomoses. A formação de conexões vasculares entre o leito receptor e o enxerto é confirmada por sua aparência rosa, a qual aparece depois de 3 a 5 dias após a cirurgia de enxerto. Fibroblastos do leito receptor começam a invadir a camada de fibrina e leucócitos até o 4o dia após o transplante. O coágulo de fibrina é lentamente reabsorvido e organizado logo que a infiltração fibroblástica continua. Até o 9o dia, os novos vasos sanguíneos e fibroblastos adquirem firme união, ao fixarem as camadas profundas do enxerto ao leito receptor. Reinervação do enxerto de pele ocorre pela penetração de fibras nervosas nele por meio de sua base e suas laterais. As fibras seguem a orientação do neurilema das células de revestimento para reconstruir o padrão de inervação da pele do doador. A recuperação da sensibilidade normalmente começa dentro de 2 meses após o transplante. É raro os enxertos apresentarem a qualidade sensorial de uma pele normal, porque a extensão da reinervação dependerá do acesso fornecido pelos revestimentos de neurilema às fibras nervosas que invadem o tecido. O desempenho clínico dos enxertos depende de suas espessuras relativas. Como enxertos de espessuras divididas são mais finos que os de espessura total, os segundos são suscetíveis ao trauma e à considerável contração. Todavia, apresentam maior taxa de sobrevivência clínica. Enxertos de espessura total não se unem tão bem ao tecido receptor e apresentam lenta revascularização. Porém, enxertos de espessura total são menos suscetíveis ao trauma e a contração que sofrem é mínima. COMPLICAÇÕES DA CICATRIZAÇÃO DA LESÃO Considerada um processo natural e sem maiores imprevistos, a cicatrização na região orofacial raramente preocupa o cirurgião. No entanto, essa ideia muda quando surgem complicações e a contínua cicatrização da lesão é dificultada. A maioria das complicações de cicatrização de lesões manifestase no início do pósoperatório, embora algumas possam sêlo mais tardiamente. Os dois problemas mais comuns encontrados pelo cirurgião são a infecção da lesão e a deiscência; a cicatrização proliferativa é menos típica. Infecção da lesão Infecções que complicam o resultado final da cirurgia em geral resultam de grave contaminação bacteriana de lesões suscetíveis. Todas as lesões são intrinsecamente contaminadas por bactérias, mas isso se distingue da verdadeira infecção da lesão, em que a sobrecarga de replicação bacteriana prejudica a cicatrização.18 Estudos experimentais têm demonstrado que, ao não se levar em consideração o tipo de microrganismo infectante, a infecção da lesão ocorre quando há mais de 1 × 105 microrganismos por grama de tecido.19,20 Além de números relativos, a patogenicidade dos microrganismos infectantes, bem como os fatores de resposta do hospedeiro, determinam se a cicatrização da lesão é prejudicada. A contínua presença de infecção bacteriana estimula a defesa imunológica do hospedeiro, levando à produção de mediadores inflamatórios, como prostaglandina e tromboxana. Neutrófilos que migram para o interior da lesão liberam enzimas citotóxicas e radicais livres de oxigênio. Trombose e metabólitos vasoconstritores causam hipoxia da lesão, o que leva ao aumento da proliferação bacteriana e dano tecidual contínuo. Bactérias destruídas pelos mecanismos de defesa do hospedeiro provocam diversos graus de inflamação pela liberação de proteases neutrofílicas e endotoxinas. Células recém formadas e sua matriz de colágeno são mais vulneráveis a esses produtos de quebra da infecção da lesão e resultam na lise celular e de colágeno, o que contribui para a piora da cicatrização. A manifestação clínica da infecção da lesão inclui os sinais e sintomas clássicos da infecção local eritema, calor, edema e dor acompanhados de odor e pus. A perfusão tecidual e a oxigenação inadequadas da lesão permitem que a bactéria se prolifere e estabeleça a infecção, o que compromete ainda mais a cicatrização. A falha na manutenção da cadeia asséptica é uma razão frequente para a introdução de microrganismos virulentos no interior da lesão. A transformação de lesões contaminadas em lesões infectadas é facilitada também por trauma tecidual excessivo, tecido necrótico remanescente, corpos estranhos ou defesas do hospedeiro comprometidas. O fator mais importante para minimizar o risco de infecção é a técnica cirúrgica meticulosa, o que inclui a remoção de resíduos, hemostasia adequada e eliminação do espaço morto. A técnica operatória deve ser valorizada pelo cuidado pósoperatório adequado, com ênfase na manutenção do local da lesão limpo e protegido contra trauma. Deiscência da lesão A separação parcial ou total das margens da lesão pode se manifestar dentro da 1a semana após a cirurgia. A maioria das ocorrências de deiscência de lesão provém mais da falha tecidual do que de técnicas de sutura impróprias. Podese fechar novamente a lesão que sofre deiscência ou deixála para ser cicatrizada por segunda intenção, em dependência principalmente da extensão da ruptura da lesão e do diagnóstico da situação clínica pelo cirurgião. Cicatrização proliferativa Alguns pacientes podem desenvolver tecidos cicatriciais aberrantes na região de sua lesão tecidual. As duas formas comuns de cicatrização hiperproliferativa – cicatrizes hipertróficas e queloides – são caracterizadas por hipervascularização e hipercelularidade. São também fatores que as caracterizam a cicatrização excessiva, a inflamação persistente e uma superprodução de componentes de matriz extracelular, o que inclui glicosaminoglicanas e colágeno tipo I.21 Apesar da evidente semelhança, cicatrizes hipertróficas e queloides apresentam diferenças clínicas. De modo geral, cicatrizes hipertróficas surgem rapidamente após a lesão tendem a estenderse até as margens da lesão e regridem no final. Queloides, por sua vez, manifestamse meses após a lesão, desenvolvemse além dos limites da lesão e raramente diminuem. Há uma predileção racial e familiar para a formação de queloide, desenvolvido em indivíduos suscetíveis, em geral, nas faces, nos lóbulos das orelhas e na região anterior do peito. Ainda que os processos que levam à formação de cicatriz hipertrófica e queloide não tenham sido esclarecidos, acreditase que o comportamento apoptótico seja um fator significativo. Normalmente, a apoptose ou morte celular programada é responsável pela remoção das células inflamatórias enquanto o processo de cicatrização continua por evolução do tecido de granulação na cicatriz. O desequilíbrio na apoptose resulta em cicatriz excessiva, inflamação e superprodução de componentes da matriz extracelular. Ambos, queloide e cicatriz hipertrófica, demonstram elevação crônica de fatores de crescimento, como TGFβ, fator de crescimento derivado das plaquetas, IL1 e IGFI.22 Os fatores de crescimento, por sua vez, aumentam o número de fibroblastos locais e a produção excessiva instantânea de colágeno e matriz extracelular. De modo adicional, tecido cicatricial proliferativo exibe maior quantidade de mediadores vasoativos promotores de neoangiogênese, bem como mastócitos liberadores de histamina capazes de estimular o crescimento tecidual fibroso. Embora não haja uma terapia efetiva para queloides, os métodos mais comuns para prevenilos ou tratálos consistem na inibição de síntese de proteínas. Esses agentes, principalmente corticosteroides, são injetados no interior da cicatriz para reduzir a proliferação de fibroblastos, reduzir a angiogênese e inibir a síntese de colágeno e de proteínas de matriz extracelular. MELHORA DA CICATRIZAÇÃO DA LESÃO Em sua essência, a lesão representa a ruptura extrema do microambiente celular. Restauração das condições internas ou homeostasia no nível celular é um evento constante da resposta de cicatrização. Uma variedade de fatores locais e sistêmicos pode impedir a cicatrização, e o cirurgião informado pode antecipar e, quando possível, redirecionar essas barreiras de modo positivo para que a cicatrização ocorra de tal modo que o reparo possa progredir normalmente.23 Trauma tecidual A diminuição do trauma cirúrgico dos tecidos contribui para uma cicatrização mais rápida e deveria ser a principal consideração em cada estágio do procedimento cirúrgico, desde a realização da incisão até a sutura da lesão. Planejada de modo adequado, a incisão cirúrgica é apenas extensa o suficiente para permitir total exposição e espaço cirúrgico adequado. A incisão deve ser feita com um movimento firme e bem definido e com pressão aplicada uniformemente. A dissecação tecidual delicada e afastadores colocados de maneira cuidadosa reduzem ainda mais a lesão tecidual. Suturas são úteis para manter os tecidos danificados unidos até que a lesão tenha cicatrizado o suficiente. Contudo, suturas devem ser usadas de modo criterioso, pois podem aumentar o risco de infecção e estrangular os tecidos quando realizadas com muita força. Hemostasia e remoção de resíduos da lesão A hemorragia por um vaso seccionado ou emissão difusa a partir das superfícies expostas da lesão interferem na visão do cirurgião sobre as estruturas subjacentes. A obtenção da completa hemostasia antes do fechamento da lesão ajuda a prevenir a formação de um hematoma pósoperatório. O acúmulo de sangue ou soro na região da lesão fornece um meio ideal para o crescimento de microrganismos que causam infecção. Adicionalmente, hematomas podem resultar em necrose dos retalhos. Entretanto, técnicas hemostáticas não devem ser utilizadas de forma muito agressiva durante a cirurgia, pois o dano tecidual resultante pode prolongar o tempo de cicatrização. Durante o período pósoperatório, o cirurgião pode inserir um dreno ou aplicar uma pressão para ajudar a eliminar o espaço morto da lesão. Tecido desvitalizado e corpos estranhos em uma lesão em processo de cicatrização atuam como um ambiente ideal para as bactérias e as protegem contra as defesas do organismo.23 Tem sido demonstrado que as células mortas e restos celulares do tecido necrótico reduzem as defesas imunológicas do hospedeiro e favorecem a infecção ativa. Um conteúdo necrótico que tenha persistido na lesão pode prolongar a resposta inflamatória, obstruir mecanicamente o processo de cicatrização da lesão e impedir a reepitelização. Sujeira e detritos localizados na lesão traumática não apenas colocam em risco o processo de cicatrização, como podem resultar em uma deformidade ou “tatuagem”. Por meio da remoção de tecido desvitalizado e morto, bem como da remoção de qualquer material estranho da lesão, a remoção de resíduos ajuda a eliminar micróbios, toxinas e outras substâncias que inibem o processo de cicatrização. O cirurgião não deveria se esquecer de que enxertos protéticos e implantes, apesar das melhoras na biocompatibilidade, podem levar a diversos graus de reação de corpo estranho e prejudicar o processo de cicatrização. Perfusão tecidual A perfusão tecidual pobre é um dos principais obstáculos, visto que a tensão de oxigênio orienta a resposta de cicatrização.24,25 É necessário oxigênio para a hidroxilação da prolina e lisina, a polimerização e a ligação cruzada das fibras prócolágenas, o transporte de colágeno, a replicação celular endotelial e fibroblástica, a morte leucocitária efetiva, a angiogênese e muitos outros processos relacionados à cicatrização de lesões. Hipoxia relativa na região da lesão estimula uma resposta fibroblástica e ajuda a mobilizar outros elementos celulares de reparo.26 Contudo, níveis de oxigênio muito baixos atuam com o ácido láctico produzido por bactérias infecciosas na redução do pH tecidual e contribuem para a degradação do tecido. A quebra das células é contínua, com liberação de proteases e glicosidases e subsequente digestão da matriz extracelular.27 Circulação sanguínea local prejudicada também impede o fornecimento de nutrientes, oxigênio e anticorpos para a ferida. Neutrófilos são afetados, pois necessitam de um nível mínimo de tensão de oxigênio para exercer seu efeito bactericida. Retardo na chegada de neutrófilos, opsoninas e outros mediadores da inflamação ao local da lesão diminui ainda mais a efetividade do sistema de defesa fagocitária e permite que bactérias colonizadoras se proliferem. A síntese de colágeno depende do suprimento de oxigênio no local, o que, por sua vez, afeta a resistência tênsil. A maioria dos problemas de cicatrização associados a diabetes melito, irradiação, pequena arteriosclerose vascular, infecção crônica e condição cardiopulmonar alterada pode ser atribuída à isquemia tecidual local. A microcirculação da ferida após a cirurgia determina a habilidade da ferida em resistir à inevitável contaminação bacteriana.28 O tecido que se torna isquêmico em virtude do manuseio grosseiro, dissecado por cauterização ou prolongada secagem com ar, tende a ser perfundido pobremente e a ficar suscetível à infecção. De modo similar, isquemia tecidual produzida por suturas realizadas de modo impróprio ou com muita tensão, retalhos mal definidos, hipovolemia, anemia e doença vascular periférica prejudicam a cicatrização da ferida. O fumo é um fator que contribui para a oxigenação tecidual reduzida29: após cada cigarro, a vasoconstrição periférica pode durar até 1 hora; portanto, um fumante que consome um maço de cigarros diariamente apresentará hipoxia tecidual durante a maior parte do dia. Fumar também aumenta a carboxi hemoglobina, a agregação plaquetária e a viscosidade sanguínea, bem como reduz a deposição de colágeno e a formação de prostaciclina, todos fatores que afetam negativamente a cicatrização da ferida. Para a melhora das condições do paciente, no caso dos fumantes, pode ser necessária a interrupção do uso de cigarros por um período mínimo de 1 semana, antes e após os procedimentos cirúrgicos. Outro modo de melhorar a oxigenação tecidual consiste na utilização de terapia de oxigênio hiperbárico sistêmico (HBO) para induzir ao desenvolvimento de novos vasos sanguíneos e facilitar o fluxo elevado de sangue oxigenado à ferida. Diabetes Diversos estudos têm demonstrado que a maior incidência de infecção na ferida associada a diabéticos está menos relacionada ao fato de serem diabéticos, e sim em decorrência da hiperglicemia. Em outras palavras, o risco de problemas de cicatrização da ferida em um paciente diabético bem controlado pode não ser maior do que o risco em um paciente não diabético. A hiperglicemia tecidual interfere em cada aspecto da cicatrização da ferida prejudicando o sistema imunológico, o que inclui a função linfocítica e neutrofílica, quimiotaxia e fagocitose.30 Glicemia não controlada afeta a permeabilidade das células sanguíneas vermelhas e prejudica o fluxo sanguíneo em pequenos vasos na superfície da ferida. A liberação de oxigênio pela hemoglobina é lesada, o que resulta em deficiência de oxigênio e nutricional na ferida em processo de cicatrização. A isquemia da ferida e o recrutamento de células prejudicado como resultado da doença obliterante de pequenos vasos tornam a lesão vulnerável a infecções bacterianas e fúngicas. Imunode纰ciência A resposta imunológica orienta a resposta de cicatrização e protege a ferida contra a infecção. Na ausência de uma resposta imunológica adequada, as consequências cirúrgicas são frequentemente comprometidas. Um importante parâmetro de avaliação é a contagem total de linfócitos. Um déficit discreto é representado por contagem de linfócitos que varia entre 1.200 e 1.800, e níveis inferiores a 800 são considerados déficit linfócito total grave. Entre os pacientes com resposta imunológica debilitada, encontramse aqueles infectados com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), aqueles em terapia imunodepressiva e os que estão ingerindo altas doses de esteroides por longo tempo.31 Estudos indicam que naqueles pacientes infectados com HIV com contagem de CD4 menor do que 50 células/mm3 o risco de cicatrização prejudicada da ferida é significativo.32 Embora os novos fármacos imunodepressores, como ciclosporina, não tenham efeitos aparentes na cicatrização da ferida, outras medicações podem afetar a velocidade e a qualidade da cicatrização em virtude da alteração da reação inflamatória e do metabolismo celular. O uso de esteroides, como a prednisona, é um exemplo típico de como a supressão do processo inflamatório original pode aumentar as complicações do processo de cicatrização da ferida. Corticosteroides exógenos diminuem a atividade da proliloxidase e lisiloxidase, com redução de fibroplastias e formação de colágeno e neovascularidade.33 Fibroblastos alcançam o local de modo mais lento e a resistência da ferida é reduzida em até aproximadamente 30%. Epitelização e contração da ferida são também prejudicadas. Os efeitos inibitórios dos glicocorticoides podem ser atenuados, em parte, pela administração de vitamina A simultaneamente. A maioria dos agentes antineoplásicos exerce seus efeitos citotóxicos pela interferência na produção de RNA ou DNA. A redução na síntese de proteína ou divisão celular revelase como proliferação de fibroblastos e formação de colágenos prejudicada. A neutropenia concomitante também predispõe à infecção da ferida em virtude do prolongamento da fase inflamatória da cicatrização da lesão. Por seus efeitos deletérios na cicatrização da ferida, a administração de medicamentos antineoplásicos deve ser restrita, quando possível, até o momento em que o potencial para as complicações na cicatrização tenha passado. Lesão por radiação Radiação terapêutica para tumores de cabeça e pescoço inevitavelmente produz danos colaterais no tecido adjacente e reduz sua capacidade de regeneração e reparo. O processo patológico da lesão por radiação começa imediatamente após o início da terapia; porém, as características clínicas e histológicas podem não se tornar aparentes por semanas, meses ou até mesmo anos após o tratamento.34 As respostas celulares e moleculares para a radiação de tecidos são imediatas, dosedependentes e podem causar consequências logo após o tratamento ou tardiamente.35 Danos no DNA em decorrência da radiação ionizante levam à morte celular mitótica na primeira divisão celular após irradiação ou durante as primeiras divisões. As primeiras alterações agudas são observadas dentro de poucas semanas de tratamento e envolvem, de início, células com um alto padrão de multiplicação. Os sintomas comuns de mucosite oral e dermatite resultam da perda de células funcionais e falta temporária de substituição de grupos de células de rápida proliferação. A resposta inflamatória é largamente mediada por citocinas ativas pela lesão causada pela radiação. De modo geral, a resposta tem as mesmas características da cicatrização de ferida; ondas de citocinas são produzidas no intuito de curar a lesão causada pela radiação. As citocinas levam a uma resposta adaptativa no tecido circundante, causam infiltração celular e promovem a deposição de colágeno. O dano na vascularização local é exacerbado pela adesão leucocitária a células endoteliais e pela formação de trombo que bloqueia a luz do vaso sanguíneo, o que priva ainda mais as células que dependem desses vasos. Os sintomas agudos começam, finalmente, a diminuir logo que as células constitutivas restabelecem de modo gradual sua habilidade proliferativa. Entretanto, esses primeiros sintomas podem não ser aparentes em alguns tecidos, como o osso, em que os efeitos da radiação que progridem de forma cumulativa podem precipitar o colapso agudo do tecido muitos anos após a terapia. Os efeitos tardios da radiação são permanentes e relacionados diretamente a doses mais altas.36 O colágeno hialiniza e os tecidos tornamse mais fibróticos e hipóxicos gradualmente em razão da vasculite obliterativa, e a suscetibilidade do tecido à infecção aumenta de forma correspondente. Se ocorrerem, essas alterações são irreversíveis e não mudam com o transcorrer do tempo. Desse modo, o cirurgião deve sempre antecipar a possibilidade de complicações na cicatrização após cirurgia e lesão traumática de tecidos irradiados. A deiscência da ferida é comum e resulta na cicatrização lenta ou incompleta. Até mesmo um trauma mínimo pode levar à ulceração e colonização por bactérias oportunistas. Se o paciente não puder proporcionar uma resposta inflamatória efetiva, pode ocorrer necrose progressiva dos tecidos. A cicatrização pode ser obtida somente com a remoção de todo o tecido desvitalizado e com o cobrimento do leito com um enxerto bem vascularizado. Em virtude da hipoxia relativa na região radiada, tecido com suprimento sanguíneo intacto precisa ser desenvolvido para fornecer oxigênio e células necessários para inflamação e cicatrização. A obliteração progressiva dos vasos sanguíneos torna o osso particularmente vulnerável. Após o trauma ou a desintegração da cobertura tecidual macia provocados pela reação inflamatória, não há cicatrização, pois a área irradiada não forma tecido de granulação. Em tais circunstâncias, o osso sem vascularização precisa ser removido da porção saudável para que a cicatrização continue. Terapia de oxigênio hiperbárico Baseada no conceito de que baixa pressão de oxigênio tecidual, em geral uma pressão parcial de oxigênio (PO2) de 5 a 20 mmHg, a terapia de HBO leva ao metabolismo celular anaeróbico, aumenta o lactato tecidual e diminui o pH, inibindo a cicatrização da ferida.37 Essa terapia requer que o paciente fique deitado no interior de uma câmara hiperbárica e respire oxigênio a 100% e 2 a 2,4 atm durante 1 ou 2 h. A terapia por HBO é repetida diariamente por 3 a 10 semanas. A HBO aumenta a quantidade de oxigênio dissolvido e a pressão de difusão de oxigênio voltada para o tecido. De modo correspondente, a distância de difusão do oxigênio é aumentada de 3 a 4 vezes, e a PO2 na lesão atinge, no final, 800 a 1.100 mmHg. A terapia estimula o desenvolvimento de fibroblastos e células endoteliais vasculares, aumenta a vascularização tecidual e a habilidade de defesa dos leucócitos e é letal para bactérias anaeróbicas. Estudos clínicos sugerem que a terapia de HBO pode ser um auxílio efetivo no tratamento de feridas em diabéticos38 e análises em animais indicam que poderia ser benéfica nos tratamentos de osteomielite e de infecções de tecido mole.39,40 Efeitos adversos da terapia de HBO são barotraumas do ouvido, convulsões e toxicidade pulmonar por oxigênio. No entanto, na ausência de estudos científicos bem controlados com objetivos bem definidos, a terapia de HBO continua sendo um aspecto controverso da prática cirúrgica.41,42 Idade De modo geral, a cicatrização de ferida é mais rápida em jovens e mais prolongada em idosos. O declínio da resposta de cicatrização resulta da redução gradual do metabolismo tecidual com o envelhecimento, o qual pode, por si só, ser uma manifestação da redução da eficiência circulatória. Os principais componentes para a resposta de cicatrização na pele ou na mucosa envelhecida são deficientes ou danificados por lesões progressivas.43 Como resultado, os radicais livres oxidantes continuam a se acumular e são prejudiciais para as enzimas dérmicas responsáveis pela integridade da composição dérmica ou mucosa. Em adição, o fornecimento vascular regional pode estar sujeito à deterioração extrínseca e à descompensação de doença sistêmica, o que resulta em uma pobre capacidade de perfusão.44 Todavia, na ausência de condições sistêmicas comprometedoras, diferenças na cicatrização em razão da idade parecem ser pequenas. Nutrição A nutrição adequada é importante para o reparo normal.45 Em pacientes malnutridos, a fibroplastia é demorada, a angiogênese é reduzida e a cicatrização e a remodelação da ferida são prolongadas. Uma dieta proteica tem recebido especial ênfase com respeito à cicatrização. Aminoácidos são críticos para a cicatrização da ferida, situação em que a metionina, a histidina e a arginina têm importante função. Deficiências nutricionais graves o bastante para reduzir a albumina plasmática para concentrações menores do que 2 g/dL são associadas à fase inflamatória prolongada, à fibroplastia reduzida e à neovascularização, síntese de colágeno e remodelação da ferida prejudicadas. Enquanto existir um estado de catabolismo de proteína, a cicatrização da ferida será muito lenta. Metionina parece ser o aminoácido principal na cicatrização da ferida, já que é convertido em cisteína, que tem uma função vital nas fases inflamatória, proliferativa e de remodelação desse processo. Préalbumina sérica é comumente utilizada como um parâmetro de avaliação da proteína.46,47 De modo contrário à albumina sérica, com uma longa meiavida de aproximadamente 20 dias, a préalbumina tem uma meiavida mais curta, de apenas 2 dias; por esse motivo, apresenta uma habilidade de avaliação mais rápida. O nível normal de préalbumina sérica é em torno de 22,5 mg/dL. Um nível abaixo de 17 mg/dL é considerado um déficit suave, ao passo que abaixo de 11 mg/dL seria um déficit grave. Como parte do processo de melhoria transoperatória, pacientes malnutridos podem ser alimentados com soluções enriquecidas com aminoácidos como glutamina para promover melhoria da estrutura e função da mucosa e aumentar a cinética de nitrogênio de todo o corpo. A ausência de aminoácidos essenciais obviamente impedirá o reparo normal, mas o inverso não é necessariamente verdadeiro. Enquanto a ingestão de uma quantidade mínima de proteína é importante para a cicatrização, uma dieta rica em proteína não reduz o tempo necessário para a cicatrização. Diversas vitaminas e minerais apresentam uma função significativa no processo de cicatrização da ferida.48 A vitamina A estimula a fibroplastia, a ligação cruzada de colágeno e a epitelização e as facilitará na cicatrização prejudicada por esteroides. Deficiência de vitamina C causa prejuízo à síntese de colágeno pelos fibrobalstos, pois é um importante cofator, com acetoglutarato e íon ferro, no processo de hidroxilação da prolina e lisina. Feridas em cicatrização parecem ser mais sensíveis à deficiência de ascorbato do que o tecido não lesionado. Padrões aumentados de formação de colágeno persistem por um longo período, e feridas cicatrizadas podem romperse quando o indivíduo é escorbútico. Defesas antibacterianas locais também são prejudicadas porque o ácido ascórbico é necessário também para a produção de superóxidos neutrofílicos. As vitaminas do complexo B e o cobalto são cofatores essenciais na formação de anticorpos, na função das células sanguíneas brancas e resistência às bactérias. Baixos níveis séricos de micronutrientes, como magnésio, cobre, cálcio, ferro e zinco, afetam a síntese de colágeno.49 O cobre é essencial para a ligação covalente e cruzada do colágeno, enquanto o cálcio é necessário para o funcionamento normal da colagenase granulocítica e outras colagenases no ambiente da ferida. Já deficiência de zinco retarda tanto a fibroplastia quanto a reepitelização; as células migram normalmente, porém não sofrem mitose.50 Numerosas enzimas dependem de zinco, particularmente DNA polimerase e transcriptase reversa. Contudo, níveis de zinco excessivos podem exercer um efeito destrutivo na cicatrização ao inibirem a migração de macrófagos e interferirem na ligação cruzada de colágeno. AVANÇOS NOS CUIDADOS DA FERIDA Uma compreensão maior do processo de cicatrização da ferida tem despertado um sensível interesse na manipulação da flora da ferida para facilitar a cicatrização. Modos passivos tradicionais de se tratar feridas cirúrgicas estão rapidamente dando espaço para métodos que modulam a cicatrização da ferida. Intervenções terapêuticas variam desde tratamentos que aceleram a cascata do processo de cicatrização da ferida até métodos que protegem mecanicamente a ferida ou aumentam a oxigenação e a perfusão dos tecidos locais.51,52 Fatores de crescimento Em virtude de sua habilidade principal em coordenar as várias atividades celulares que acentuam a inflamação e a cicatrização, as citocinas têm efeitos profundos na proliferação celular, na migração e na síntese de matriz extracelular.53 Nesse sentido, novas intervenções buscam controlar ou modular o processo de cicatrização da ferida ao inibirem ou aumentarem de modo seletivo os níveis teciduais de citocinas apropriadas. O método clínico mais comum tem sido a aplicação de fatores de crescimento exógenos, como PGDF, fator de angiogênese e fatores de crescimento epidérmicos (EGF), TGF, bFGF e IL1, diretamente na ferida. Entretanto, o potencial desses agentes extrínsecos não tem sido observado clinicamente, estando relacionado com a necessidade de se descobrir quais fatores de crescimento devem ser colocados na ferida, quando e em que dose. Becaplermina (fator de crescimento recombinante humano derivado de plaquetas BB [rhPDGF]; Regranex, gel 0,01%; OrthoMcNeil Pharmaceutical Inc, Raritan, Nova Jersey) foi um dos primeiros fatores de crescimento recombinantes aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) introduzidos para promover o crescimento de tecido de granulação em tecidos moles no tratamento de feridas cutâneas.54,55 O PDGF recombinante aumenta a replicação dos fibroblastos e os induz a produzir colagenase, importante para a remodelação do tecido conjuntivo. Além disso, o rhPDGF aumenta a produção de outros componentes da matriz de tecido conjuntivo, incluindo glicosaminoglicanos e proteoglicanos. Não obstante sua eficácia clínica, a becaplermina não é amplamente utilizada em virtude de seus custos muito elevados. Mais recentemente, o fator 2 de crescimento ceratinócito recombinante humano (KGF2) tem demonstrado acelerar a cicatrização em modelos experimentais em animais. Esse fator aumentou a formação do tecido de granulação em coelhos e o fechamento da ferida de enxerto de pele humano implantado em ratos.56,57 Estudos experimentais sugerem o potencial do uso de fatores de crescimento para facilitar a cicatrização de nervos periféricos. Diversos fatores de crescimento pertencentes à família neurotrofina têm sido relacionados com a manutenção e o reparo dos nervos. O fator de crescimento do nervo (NGF), sintetizado pelas células de Schwann localizadas distalmente à região da lesão, auxilia na sobrevivência e no desenvolvimento de nervos sensoriais. Esse achado tem levado alguns pesquisadores a sugerir que a aplicação exógena de NGF pode ajudar na regeneração nervosa periférica após a lesão.58 As mais novas neurotrofinas, como o fator neurotrófico derivado do cérebro e a neurotrofina3, bem como o fator neurotrófico ciliar, parecem proporcionar o desenvolvimento in vitro de neurônios sensoriais, simpáticos e motores.5961 Fatores de crescimento do tipo insulina têm demonstrado propriedades neurotróficas similares.62 Ainda que a maioria das investigações tenha sido até agora experimental, crescente sofisticação na dosagem, nas combinações e na aplicação dos fatores de crescimento neurotróficos levará a uma aplicação clínica maior. Fatores de crescimento osteoindutor são alvo de especial interesse dos cirurgiões em razão de sua habilidade em promover a formação de um novo osso e evitar a retirada de osso autógeno com suas possíveis complicações. Entre as múltiplas citocinas osteoindutoras, as BMP pertencentes à superfamília TGFβ têm recebido maior atenção. Até este momento, mais de 20 membros foram identificados em seres humanos com diferentes funções durante os processos, como a embriogênese, a formação esquelética, a hematopoese e a neurogênese.63 Os avanços nas técnicas de recombinação do DNA permitem agora a produção dessas biomoléculas em quantidades grandes o suficiente para a aplicação na clínica de rotina. Em particular, a proteína morfogenética recombinante humana2 (rhBMP2) e a rhBMP7 têm sido estudadas extensivamente por causa de sua habilidade em induzir a diferenciação de células mesenquimais indiferenciadas em osteoblastos (osteoindução). Yasko et al. utilizaram um modelo de defeito femoral de rato que demonstrou que a rhBMP2 pode produzir um padrão de união de 100% quando combinada à medula óssea.64 O padrão de união obtido com o método de combinação foi 3 vezes maior do que aquele que se consegue com o enxerto ósseo autógeno isolado. De modo similar, Toriumi et al. demonstraram que a rhBMP2 pode cicatrizar defeitos mandibulares com osso formado pela via intramembranosa.65 A vasta aplicação das citocinas osteoindutoras depende em grande parte de uma melhor compreensão da complexa interação de fatores de crescimento e das concentrações necessárias para se obter efeitos específicos. Mais recentemente, o enxerto ósseo INFUSE® (Medtronic Spinal and Biologics, Memphis, TN) foi aprovado como uma alternativa aos enxertos ósseos autógenos em fusão intercorporal da coluna, fraturas frescas da tíbia e procedimentos de enxertos ósseos bucomaxilofaciais.66 Contendo rhBMP2 em uma concentração de 1,5 mg/mℓ, administrado em uma esponja de colágeno absorvível (ACS), o enxerto ósseo INFUSE® é aplicado cada vez mais em procedimentos de expansão dos seios maxilares e para aumentos localizados do rebordo alveolar. Apesar dos sucessos relatados, a adoção universal de BMP é moderada por seus custos elevados e preocupações persistentes com a segurança e as complicações específicas para uso de BMP. A investigação em curso é focada em esclarecer as diretrizes para uso da BMP e no desenvolvimento de formulações de BMP mais acessíveis, com dosagem que previsivelmente produza o resultado clínico desejado, minimizando possíveis efeitos colaterais.67 Terapia genética A aplicação da terapia genética na cicatrização de ferida tem sido guiada pelo desejo de se expressar seletivamente um fator de crescimento por período controlado na região da lesão tecidual.68 Diferentemente dos efeitos difusos de uma mistura de fatores de crescimento aplicados exogenamente, a transferência genética permite a inserção local de modo consistente e objetivo de altas quantidades de peptídios no local da ferida. Genes programados para fatores de crescimento selecionados são inseridos no local da lesão por meio de uma variedade de métodos virais, químicos, elétricos ou mecânicos.69 A expressão celular das proteínas codificadas pelos ácidos nucleicos ajuda a modular a cicatrização, regulando os eventos locais, como proliferação celular, migração celular e a formação de matriz extracelular. Os métodos mais populares de manipulação genética da ferida envolvem o uso in vivo de vetores adenovirais. A tecnologia de terapia genética existente é capaz de expressar um número de proteínas moduladoras no padrão fisiológico e suprafisiológico por até 2 semanas. Numerosos estudos experimentais têm demonstrado a eficácia da terapia genética na estimulação da formação e da regeneração óssea. Temse mostrado que as células mesenquimais alteradas geneticamente com adenovírushBMP2 cDNA podem participar da formação óssea quando injetadas na região intramuscular na coxa de roedores.70,71 De modo similar, células da medula óssea alteradas geneticamente ex vivo com hBMP2 cDNA têm se mostrado capazes de cicatrizar defeitos femorais.72 Por meio de células osteoprogenitoras para a expressão de fatores osteogênicos formadores de osso, possibilitase às células não apenas expressarem os fatores promotores do crescimento ósseo, como também responderem a eles, se diferenciarem e participarem do processo de formação óssea. Esses primeiros estudos sugerem que os avanços na tecnologia de terapia genética podem ser usados para facilitar a cicatrização óssea e de outros tecidos e podem levar a um procedimento de reconstrução melhor e menos invasivo em um futuro próximo. Substitutos da mucosa e da derme A cobertura imediata da ferida é fundamental para uma cicatrização acelerada. A cobertura protege a ferida da perda de água, desidratação e lesão mecânica. Embora enxertos autólogos ainda constituam o padrão para substituição de superfícies mucosas dérmicas, a aplicação de vários substitutos criados biologicamente tem encontrado espaço na prática cirúrgica convencional. Os substitutos de pele humana disponíveis estão agrupados em três principais tipos e servem como excelentes alternativas para autoenxertos. O primeiro tipo consiste em um enxerto de células epidérmicas cultivadas sem componentes dermais. O segundo tem apenas componentes dermais. E o terceiro consiste em uma bicamada dupla de ambos os elementos, dermal e epidermal. Um exemplo de substitutos de pele por bioengenharia é Apligraf ®, uma pele epidérmica e dérmica alogênica viva derivada de prepúcio neonatal em cultura (Organogenesis, Canton, Massachusetts).73 Este produto de bioengenharia de pele de espessura total consiste em uma bicamada permanente de enxerto de pele viva, com componentes celulares e fator de crescimento ativos. Esse produto não suscita uma resposta imune, porque suas células de Langerhans foram extraídas. Atualmente, Apligraf® é aprovado pela FDA para cobrir úlceras do pé diabético e úlceras venosas. O principal efeito da maioria das substituições de pele é promover a cicatrização da ferida por intermédio do estímulo do leito hospedeiro a produzir uma variedade de citocinas de cicatrização da ferida. A utilização de pele cultivada para cobrir ferida é particularmente atraente, considerandose que as células presentes têm a capacidade de produzir fatores de crescimento no momento certo e na quantidade correta. O objetivo final da bioengenharia é desenvolver uma pele que contenha todos os componentes necessários para modular a cicatrização e permitir a formação de uma cicatriz de ferida com um substituto que reproduza o tecido nativo e limite a formação de cicatriz. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Singer AJ, Clark RA. Cutaneous wound healing. N Engl J Med 1999;341:73846. 2. Hackam DJ, Ford HR. Cellular, biochemical, and clinical aspects of wound healing. Surg Infect (Larchmt) 2002;3(Suppl 1):S23S35. 3. Clark RAF. Biology of dermal wound repair. Dermatol Clin 1993;11:64766. 4. Steed DL. Woundhealing trajectories. Surg Clin North Am 2003;83:54755. 5. Werner S, Grose R. Regulation of wound healing by growth factors and cytokines. Physiol Rev 2003;83:83570. 6. McCartneyFrancis NL, Wahl SM. TGFbeta and macrophages in the rise and fall of inflammation. In: Breit SN, Wahl SM (editors). TGFbeta and related cytokines in inflammation. Basel: Birkhauser; 2001. pp. 6590. 7. Niesler CU, Ferguson MWJ. 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