Princípios Básicos de Análise do Comportamento - Moreira & Medeiros (PDF)
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Universidade de Santo Amaro
2019
Márcio Borges Moreira e Carlos Augusto de Medeiros
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Este livro apresenta os princípios básicos da análise do comportamento. Explora como os comportamentos são modelados através de contingências ambientais e como a Análise do Comportamento pode ser aplicada a situações complexas. Discute a importância de compreender os processos básicos para compreender o comportamento complexo.
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Avisos Todo esforço foi feito para garantir a qualidade editorial desta obra, agora em versão digital. Destacamos, contudo, que diferenças na apresentação do conteúdo podem ocorrer em função das características técnicas es...
Avisos Todo esforço foi feito para garantir a qualidade editorial desta obra, agora em versão digital. Destacamos, contudo, que diferenças na apresentação do conteúdo podem ocorrer em função das características técnicas específicas de cada dispositivo de leitura. Este eBook é uma versão da obra impressa, podendo conter referências a este formato (p. ex., nas anotações na folha de atividades de laboratório, nas folhas de registro, etc.). Buscamos adequar todas as ocorrências para a leitura do conteúdo na versão digital, porém alterações e inserções de texto não são permitidas no eBook. Por esse motivo, recomendamos a criação de notas. Em caso de divergências, entre em contato conosco através de nosso site (clique aqui). versão impressa desta obra: 2019 2019 © Artmed Editora Ltda., 2019 Gerente editorial Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Coordenadora editorial Cláudia Bittencourt Capa Paola Manica Ilustrações Gilnei da Costa Cunha Preparação de originais Antonio Augusto da Roza Leitura final Aline Pereira de Barros Projeto gráfico e editoração Ledur Serviços Editoriais Ltda. Produção digital Kaéle Finalizando Ideias M838p Moreira, Márcio Borges. Princípios básicos de análise do comportamento [recurso eletrônico] / Márcio Borges Moreira, Carlos Augusto de Medeiros. – 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2019. e-PUB. Editado também como livro impresso em 2019. ISBN 978-85-8271-516-1 1. Análise comportamental. I. Medeiros, Carlos Augusto de. II.Título. CDU 159.9.019.4 Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 Reservados todos os direitos de publicação à Artmed Editora Ltda., uma empresa do Grupo A Educação S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 – Porto Alegre – RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 Unidade São Paulo Rua Doutor Cesário Mota Jr., 63 – Vila Buarque 01221-020 – São Paulo – SP Fone: (11) 3221-9033 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. O Professor Doutor Márcio Borges Moreira é Doutor em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Psicologia e psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Autor/organizador de artigos, livros e capítulos de livros sobre diversos temas em Análise do Comportamento, é diretor do Instituto Walden4 e professor do Programa de Mestrado em Psicologia do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Além de textos didáticos, tem se dedicado à produção de vídeos (disponíveis no YouTube), slides (disponíveis no SlideShare) e cursos didáticos sobre Análise do Comportamento (disponíveis no site do Instituto Walden4). Seus principais interesses de pesquisa e aplicados são: comportamento simbólico, aprendizagem de matemática e desenvolvimento de softwares para pesquisa e ensino. Acompanhe os trabalhos do professor Márcio pelas mídias sociais: http://lattes.cnpq.br/4094892880820475 https://www.walden4.com.br/ https://www.facebook.com/marcio.b.moreira.9 https://www.facebook.com/iwalden4/ https://www.facebook.com/marcioapplegadgets/ https://www.youtube.com/user/borgesmoreirayt https://www.youtube.com/user/instwalden4 https://pt.slideshare.net/borgesmoreira https://www.linkedin.com/in/márcio-borges-moreira-10217934/ O Professor Doutor Carlos Augusto de Medeiros é bacharel em Psicologia e psicólogo pela Universidade de Brasília (UnB). É Mestre e Doutor em Psicologia – área específica Análise do Comportamento – também pela UnB. Seu mestrado e seu doutorado envolveram a temática do comportamento verbal e das relações de equivalência. Atualmente é professor nível A8 do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), atuando, desde 2011, como docente e coordenador do Curso de Mestrado em Psicologia. Tem 19 anos de experiência na área de psicologia, com ênfase em Análise do Comportamento aplicada à clínica e em Análise Experimental do Comportamento, trabalhando principalmente com os seguintes temas: comportamento verbal (correspondência verbal e independência funcional), terapia analítico-comportamental (psicoterapia comportamental pragmática), comportamento governado por regras e controle social do comportamento. Acompanhe os trabalhos do professor Carlos Augusto pelas mídias sociais: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4795832Y8 https://scholar.google.com.br/citations?user=BxDtnNoAAAAJ&hl=pt-BR https://www.researchgate.net/profile/Carlos_Medeiros14 https://www.facebook.com/profile.php?id=100011393168794 Dedicado a Nathalie de Medeiros Vanessa Faria Apresentar a nova edição de Princípios Básicos de Análise do Comportamento, de Moreira e Medeiros (ou Márcio e Guto, como os chamo em nossa longa história), é, para mim, um prazer e uma honra. Parafraseando Skinner (1991), um leitor mais desavisado poderia afirmar que, sendo behaviorista (e analista do comportamento), eu deveria dizer que é reforçador para mim. Certamente eu digo que é reforçador, mas para o meu comportamento. Claro que novos contextos, nos quais esse comportamento possa ser emitido novamente, devem ocorrer para que se possa verificar se houve alteração em sua frequência, mas isso dependerá de essa apresentação ser reforçadora para o comportamento dos leitores e futuros autores que venham a buscar descrever os princípios de aprendizagem sob o olhar da Análise do Comportamento e do Behaviorismo Radical. Com essa fala inicial, quero já mostrar a importância dos princípios e dos termos técnicos que usamos para descrevê-los, e aproveitar para indicar que, ao falar de princípios básicos, estamos nos referindo não a princípios simples, mas àqueles que são a base da compreensão do comportamento, incluindo os complexos. Certa vez, ao explicar sobre os princípios que estavam operando quando o comportamento de pressão à barra emitido por um ratinho levava à liberação de água no contexto em que a luz estava acesa, mas não quando estava apagada, um estudante relatou sua preocupação com questões, segundo ele, mais profundas: “Isso é muito simples, professor!”. De pronto concordei, mas fui adiante: “Sim, mas o que aconteceria com esse comportamento se eu trocasse a iluminação?”, perguntei. Ele e outros alunos se entreolharam e, de repente, ele respondeu: “Não sei, se fosse eu, acho que ia ficar confuso”. Aproveitei esse momento, então, para enfatizar o quão importante é poder compreender os processos básicos, a fim de gradualmente ir adquirindo compreensão do comportamento complexo, e apresentei outra situação: “Imagine, então, um adulto que foi criado por um pai altamente exigente e uma mãe permissiva. Após a separação dos pais, no entanto, o pai começa a ‘fazer todas as suas vontades’, e a mãe passa a exigir muito a presença do filho; adicionalmente, os períodos de contato com cada pai se modificam, ora está apenas com um e em alguns momentos ambos estão presentes... Que comportamentos ele apresentaria (leia-se: o que ele sentiria, pensaria, faria, falaria)?”. Como vocês podem esperar, por ser um aluno de início de curso, ele teve dificuldade em responder, mas eu o acalmei, informando que não ter a resposta naquele momento não era um problema, pois eu havia inserido diversas variáveis no exemplo, de forma a ilustrar a complexidade do controle do comportamento quando há muitas variáveis envolvidas. Salientei, também, que sem dúvida os princípios básicos estavam operando e auxiliariam a compreender a situação; conhecê-los iria permitir analisar as funções dos comportamentos e das diferentes variáveis envolvidas. Descrevi alguns dos princípios presentes na situação, mas tomo a liberdade de omiti-los aqui, deixando que vocês venham a reconhecê-los ao longo da leitura do livro. Complementarmente ao conhecimento das funções envolvidas na interação com o ambiente, entender os princípios que operam na aprendizagem de novos comportamentos ou no fortalecimento de comportamentos com baixa frequência tem importância teórico-metodológica, mas, principalmente, aplicada. Uma das grandes batalhas do behaviorismo e da análise do comportamento tem sido mostrar como, a partir dos mesmos princípios básicos gerais, nossas interações podem selecionar tanto comportamentos “adequados” como “inadequados”. Determinados eventos (em geral contingências que envolvem condições aversivas) levam a comportamentos prejudiciais para o indivíduo ou para o grupo, ou, em uma linguagem mais coloquial, levam ao “sofrimento”. Podemos intervir para reduzi-los e/ou fortalecer os comportamentos mais adequados, ou “saudáveis”, alterando ou diversificando consequências, modificando o contexto ambiental, evitando o uso de coerção, etc. Essas possibilidades de intervenção, porém, não se efetivam a partir de um conhecimento parcial ou superficial dos princípios de aprendizagem. Como professor e pesquisador interessado nos princípios básicos, um dos grandes temores é que aqueles que se proponham a intervir no comportamento em qualquer contexto, aplicando os procedimentos ou os princípios aqui descritos, considerem desnecessários os conhecimentos sobre princípios básicos. De fato, é comum vermos diferentes áreas aplicando-os a partir de um conhecimento superficial ou com o uso de técnicas específicas e pontuais sem uma preocupação (ou um entendimento) de como o comportamento sob foco de intervenção se relaciona com outras variáveis presentes. É frequente o aparecimento da melhor intervenção de todos os tempos da última semana para treinar, ensinar, “facilitar a aprendizagem”, desenvolver competências, usando conhecimentos parciais sobre aplicações de incentivos, sistemas de recompensa e até mesmo controle aversivo. Mais frequentes que o aparecimento dessas técnicas são suas falhas. Muitas opiniões usam essas falhas como pretensas ilustrações da limitação dos princípios. Já os dados indicam que as falhas derivam de erros de intervenção relacionados a aplicações nas quais não se tem um amplo conhecimento dos princípios envolvidos. Os princípios descritos no livro não foram inventados pela análise do comportamento; os termos, a linguagem que os descrevem e a forma de abordá-los, sim. Os princípios de aprendizagem respondente possibilitam o entendimento de comportamentos estabelecidos por emparelhamento de estímulos, e como essas respostas podem passar a ser controladas por condições novas presentes, seja assustar-se ao ver um raio, seja o coração bater mais forte ao ouvir novamente a música tocada em seu casamento. Os princípios de aprendizagem operante permitem a compreensão dos efeitos iniciais e fundamentais das consequências de nosso comportamento e como isso acaba fazendo com que o contexto no qual o comportamento ocorreu passe também a torná-lo mais ou menos provável. Ademais, a partir desses princípios, podemos entender como as consequências podem levar respostas com forma semelhante a ter funções diferentes. Os diferentes arranjos de consequências, ou esquemas de reforço, nos permitem entender, ainda, por que alguns indivíduos passam a responder mais frequentemente em situações que outros respondem menos frequentemente e até mesmo por que um esquema é preferido a outro em situações de escolha. A compreensão de todos esses princípios em conjunto e à luz das histórias da espécie, individual e cultural permite análises completas e possibilita intervenções mais adequadas. É nesse ponto que Princípios Básicos de Análise do Comportamento vem auxiliar de forma substancial o estudante ou interessado no comportamento humano a compreender as bases do estabelecimento, da manutenção e da alteração do comportamento. Sua linguagem mescla, de forma clara, o uso técnico dos conceitos e exemplos próprios do laboratório com contextos naturais, remetendo o leitor a situações cotidianas de fácil entendimento. Ao longo do livro, princípios importantes são descritos e retomados, buscando mostrar que, apesar da separação didática, se interrelacionam, provendo assim, ao leitor, indicativos de ferramentas de análise que podem contribuir com o avanço gradual que culmina em uma descrição de análise funcional de situações mais complexas. Com o livro completando 10 anos, esta nova edição já era aguardada há tempos. E a espera, sem dúvida, valeu a pena. Novos exemplos, revisões e esclarecimento de conceitos, procedimentos e processos comportamentais apoiarão ainda mais docentes, monitores e auxiliares na discussão dos diferentes tópicos relacionados à aprendizagem operante e respondente, bem como os estudantes na ampla compreensão dos princípios básicos e seu estudo no laboratório. Tenhamos todos uma ótima leitura! Cristiano Coelho Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília 1 O reflexo inato 2 O reflexo aprendido: condicionamento pavloviano 3 Aprendizagem pelas consequências: o reforçamento 4 Aprendizagem pelas consequências: o controle aversivo 5 Primeira revisão do conteúdo 6 Controle de estímulos: o papel do contexto 7 Esquemas de reforçamento 8 Segunda revisão do conteúdo 9 A análise funcional: aplicação dos conceitos 10 Atividades de laboratório com animais não humanos 11 Algumas normas e dicas para redigir um relatório científico 12 B. F. Skinner, Análise do Comportamento e o Behaviorismo Radical O reflexo inato Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, espera-se que o leitor seja capaz de: 1 Definir, identificar e prover exemplos de estímulos e respostas; 2 Definir, identificar e prover exemplos de comportamento reflexo inato; 3 Definir, identificar e prover exemplos das leis do reflexo inato: intensidade-magnitude, limiar e latência; 4 Definir, identificar e prover exemplos de habituação e sensibilização da resposta; 5 Relacionar de forma geral os comportamentos reflexos inatos à compreensão e ao estudo das emoções; 6 Definir o comportamento reflexo em termos de contingências estímulo-resposta. Quando você vai ao médico e ele bate o martelo no seu joelho, o músculo de sua coxa é contraído (você “dá um chute no ar”); quando a luz incide sobre a pupila do seu olho, esta se contrai; quando você ouve um barulho alto e repentino, seu coração dispara (taquicardia); quando entra em uma sala muito quente, você começa a suar. Esses são apenas alguns exemplos de comportamentos reflexos inatos. Note que há algo em comum em todos eles: há sempre uma alteração no ambiente que produz uma alteração no organismo. Todas as espécies animais, incluindo nós, seres humanos, apresentam comportamentos reflexos inatos. Esses reflexos são uma preparação mínima que os organismos têm para começar a interagir com seu ambiente e para ter chances de sobreviver. A Figura 1.1 mostra um exemplo de reflexo inato, o de sucção. Se você colocar seu dedo na boca de um recém-nascido, ele provavelmente irá sugá-lo. Da mesma forma, quando o seio da mãe entra em contato com a boca do bebê, uma resposta semelhante é observada (sucção). Não é necessário que o recém-nascido, de maneira geral, aprenda a mamar. Imagine como seria difícil ensiná-lo a sugar o seio da mãe. De modo semelhante, se você espetar o pé de um bebê, ele contrairá a perna, afastando o pé do objeto que o está ferindo. Esses e inúmeros outros reflexos fazem parte do repertório comportamental (comportamentos de um organismo) de animais humanos e não humanos desde o momento de seu nascimento, ou mesmo já durante a vida intrauterina; por isso, são chamados de comportamentos reflexos inatos. Figura 1.1 Os reflexos inatos são muito importantes para nossa sobrevivência. Esta figura ilustra o reflexo de sucção, presente em recém- nascidos. Fonte: https://www.shutterstock.com/PixieMe/small babe portrait laying on bed with finger in mouth No dia a dia, utilizamos o termo reflexo, entre outros significados, como sinônimo de uma ação que ocorreu temporalmente muito próxima a algum evento ambiental antecedente; por exemplo, “aquele goleiro teve reflexos rápidos ao defender a cobrança do pênalti” ou “você teve bons reflexos evitando que o prato caísse no chão”. Também usamos o termo, por exemplo, em frases como “o reflexo da luz cegou seu olho por alguns instantes”. Além disso, o termo reflexo foi empregado por alguns psicólogos e fisiologistas para falar sobre comportamento, mas, muitas vezes, as maneiras como tratam esse conceito diferem do modo como o usamos na linguagem cotidiana, isto é, como falamos no dia a dia. Neste capítulo, discutiremos os comportamentos chamados de reflexos, especialmente os reflexos inatos. Para tanto, é necessário que, antes de falarmos sobre esses comportamentos, especifiquemos o que é, para nós, psicólogos, um reflexo. Na linguagem cotidiana (p. ex., “aquele goleiro tem reflexos rápidos”), utilizamos o termo reflexo como um conjunto de habilidades ou capacidades de um organismo. Dizemos que uma pessoa tem bons reflexos quando ela consegue executar certas ações de forma bem-sucedida e rápida, como desviar de um soco no rosto, por exemplo. Em psicologia, quando falamos sobre comportamento reflexo, o termo reflexo não se refere a capacidades ou habilidades, mas, sim, a uma relação entre uma ação e o que aconteceu antes dela. Neste caso, o que o indivíduo fez é chamado de resposta, e o que aconteceu antes da resposta – e a produziu – é chamado de estímulo. Reflexo, portanto, é uma relação entre um estímulo e uma resposta, é um tipo específico de interação entre um organismo e seu ambiente. Reflexo, estímulo e resposta Para compreendermos o que é reflexo, ou seja, uma relação entre estímulo e resposta, é necessário que, antes, saibamos claramente o que é um estímulo e o que é uma resposta. Esses termos são amplamente utilizados por nós na linguagem cotidiana. Seus significados, ao se referirem ao comportamento, são, no entanto, diferentes do uso no dia a dia. Quando falamos sobre comportamento reflexo, esses termos adquirem significados diferentes: estímulo é uma mudança no ambiente, e resposta é uma mudança no organismo. Analise os exemplos de reflexos da Tabela 1.1, tentando relacioná-los aos conceitos de estímulo e resposta apresentados anteriormente. TABELA 1.1 Exemplos de reflexos Estímulo Resposta Fogo próximo à mão Contração do braço Martelada no joelho Extensão da perna Alimento na boca Salivação TABELA 1.1 Exemplos de reflexos Barulho estridente Sobressalto Note que na Tabela 1.1 temos a descrição de quatro reflexos, ou seja, a descrição de quatro relações entre o ambiente (estímulo) e o organismo (resposta). No reflexo “fogo próximo à mão → contração do braço”, “fogo próximo à mão” é uma mudança no ambiente (não havia fogo, agora há) que leva à “contração do braço”, uma mudança no organismo (o braço não estava contraído, agora está). Portanto, quando mencionamos reflexo, estamos nos referindo às relações entre estímulo e resposta que especificam que determinada mudança no ambiente produz determinada mudança no organismo. Dito em termos técnicos, o reflexo é uma relação na qual um estímulo elicia (produz) uma resposta. Outros dois reflexos, ou relações reflexas, podem ser vistos na Figura 1.2, em cuja parte superior temos um reflexo no qual o estímulo “som alto de um grito” elicia a resposta de “susto” ou “sobressalto”. Já na parte inferior, é possível observar um comportamento reflexo no qual a resposta “sudorese” é eliciada pelo estímulo “aumento na temperatura”. Figura 1.2 Reflexos são relações entre estímulos e respostas. Respostas são mudanças em um organismo produzidas por mudanças no ambiente. É comum, em ciência, utilizarmos símbolos para representar tipos diferentes de fenômenos e seus aspectos. Em uma ciência do comportamento, como a Análise do Comportamento, não seria diferente. Ao longo deste livro, você aprenderá diversos símbolos que representam os aspectos do comportamento envolvidos nas interações organismo-ambiente. Para falar de comportamento reflexo, utilizaremos a letra S para representar os estímulos e a letra R para representar as respostas (iniciais das palavras correspondentes em língua inglesa: stimulus e response). A relação entre o estímulo e a resposta é representada por uma seta (→), a qual significa “elicia”. Quando a análise comportamental envolve dois ou mais reflexos, é comum haver índices nos estímulos (S1, S2, S3,..., Sn) e nas respostas (R1, R2, R3,..., Rn). O reflexo patelar, por exemplo, poderia ser representado assim: S1 → R1 ou seja, S1 é o estímulo (batida de um martelo no joelho) e R1 é a resposta (extensão da perna). A seta significa que o estímulo produz (elicia) a resposta. Dizemos, nesse caso, que S1 elicia R1, ou que a batida de um martelo no joelho elicia a resposta de extensão da perna. A Tabela 1.2 apresenta vários exemplos de estímulos e respostas para exercitarmos. Quando há um “X” na coluna “S”, trata-se de um estímulo. Quando o “X” está na coluna “R”, trata-se do exemplo de resposta. Quando há apenas um traço “__” nas colunas “S” e “R”, significa que é necessário completar a tabela marcando um “X” na coluna “S” quando o exemplo indicar um estímulo ou na coluna “R” quando indicar uma resposta. Após completar a Tabela 1.2, confira o gabarito ao final da tabela. TABELA 1.2 Estímulos (S) e respostas (R) Eventos S R 1. Cisco no olho X ___ 2. Sineta do jantar ___ ___ 3. Ruborizar-se (ficar vermelho) ___ ___ 4. Choque elétrico X ___ 5. Luz no olho ___ ___ 6. Lacrimejar ___ X 7. Arrepiar-se ___ ___ 8. Som da broca do dentista ___ ___ 9. Aumento na frequência cardíaca ___ X 10. Contração pupilar ___ X 11. Suar ___ ___ 12. Situação embaraçosa ___ ___ 13. Cebola perto do olho X ___ 14. Comida na boca ___ ___ 15. Piscar ___ ___ 16. Salivar ___ X Gabarito da Tabela 1.2: 1. S; 2. S; 3. R; 4. S; 5. S; 6. R; 7. R; 8. S; 9. R; 10. R; 11. R; 12. S; 13. S; 14. S; 15. R; 16. R. Contingências estímulo-resposta Contingências são modos de descrever como ambiente e organismo interagem de forma condicional. Uma contingência é definida como uma descrição de relações condicionais entre eventos, isto é, relações do tipo: se..., então... Por exemplo, se uma luz forte incide sobre a retina (estímulo), então ocorre a contração da pupila (resposta). Dessa forma, podemos dizer que uma relação reflexa é uma relação de contingência. Intensidade do estímulo e magnitude da resposta Antes de estudarmos um pouco mais as relações entre os estímulos e as respostas, é necessário conhecermos os conceitos de intensidade do estímulo e de magnitude da resposta. Tanto intensidade como magnitude referem-se ao “quanto” de estímulo e de resposta, ou à “força” do estímulo e da resposta, como falamos na linguagem cotidiana. Tomemos como exemplo o reflexo patelar, conforme exemplificado na Figura 1.3A. Nesse reflexo, o estímulo é a martelada no joelho, e a resposta é a extensão da perna. No caso, a força com que a martelada é dada é a intensidade do estímulo, e o ângulo da extensão da perna é a magnitude da resposta. Já na Figura 1.3B, o estímulo é o aumento da luminosidade do ambiente, e a resposta é a contração da pupila. Nesse caso, a magnitude da resposta pode ser medida pela diferença entre os diâmetros da pupila medidos (em milímetros, por exemplo) antes e depois do aumento da luminosidade do ambiente. O aumento da luminosidade pode ser medido pela diferença da potência (em watts) entre duas lâmpadas. Quando entramos em uma sala muito quente, começamos a suar. Nesse exemplo de comportamento reflexo, o estímulo é o calor (temperatura), e a resposta é a sudorese. A intensidade do estímulo, nesse caso, é medida em graus Celsius (p. ex., 25, 30, 40ºC, etc.), e a magnitude da resposta é medida pela quantidade de suor produzido (p. ex., 10, 15, 20 mL, etc.). Figura 1.3 Mudanças no ambiente produzem mudanças no organismo. (A) Reflexo patelar. (B) Reflexo pupilar. A Tabela 1.3 apresenta alguns exemplos de estímulos e respostas e informa como poderíamos medi-los. A primeira coluna indica se o exemplo é um estímulo (S) ou uma resposta (R). A segunda traz exemplos específicos de estímulos ou respostas. Já a terceira apresenta uma forma de medi-los. Note que as formas colocadas na Tabela 1.3 representam apenas algumas possibilidades de mensuração de estímulos e respostas. TABELA 1.3 Exemplos de estímulos e respostas e formas de medi-los S ou R Estímulo/Resposta Como medir? S Som, barulho Volume em decibéis R Salivar Gotas de saliva em mililitros R Contração pupilar Diâmetro da pupila em milímetros S Choque elétrico Volts S Temperatura Graus Celsius R Taquicardia Número de batimentos por minuto R Suar (sudorese) Quantidade de suor em mililitros R Contração muscular Força da contração em newtons S Alimento Quantidade em gramas Aprender a observar e medir o comportamento é extremamente importante para o psicólogo (analista do comportamento). O tempo todo estamos fazendo referência, mesmo que implicitamente, a alguma medida de comportamento. Até mesmo o leigo faz isso quando, por exemplo, pergunta “Você ficou com muito medo naquele momento?” ou “O que mais te excita: palavras ou cheiros?”. Os advérbios de intensidade, como “muito”, “pouco”, “mais” e “menos”, não são indicadores muito precisos, apesar de se destinarem a expressar medidas dos fenômenos, como o comportamento. Grandezas físicas como peso, altura, temperatura e frequência são formas mais apropriadas de medição em ciência. Leis ou propriedades do reflexo Ao longo dos três últimos séculos, vários pesquisadores, entre eles alguns psicólogos, estudaram os reflexos inatos de humanos e não humanos, buscando compreender melhor esses comportamentos e identificar seus padrões de ocorrência. Estudaremos, a seguir, algumas das descobertas desses pesquisadores. Os padrões de ocorrência dos comportamentos são descrições de regularidades. As regularidades são fundamentais para a construção do conhecimento científico. A partir da observação de relações entre organismo e ambiente que se repetem, é possível prever e até controlar as ocorrências futuras de um mesmo fenômeno. O objetivo de uma ciência é buscar relações regulares (constantes) entre eventos, e foi exatamente isso que os cientistas que estudaram e estudam o comportamento reflexo fizeram: eles buscaram identificar relações constantes entre os estímulos e as respostas por eles eliciadas que se repetissem nos mais diversos reflexos e em diferentes espécies animais. Essas regularidades nas relações entre estímulos e respostas são chamadas de leis ou propriedades do reflexo. Em ciência, leis são definidas como descrições de regularidades dos fenômenos naturais que foram sistematicamente testadas pelos cientistas. Por exemplo, como veremos a seguir, a relação entre a intensidade do estímulo e o seu efeito sobre a magnitude da resposta é regular: quanto maior a intensidade do estímulo, maior a magnitude da resposta. Essa descrição de uma regularidade é um exemplo de lei científica. Examinaremos, a seguir, essa e outras leis do reflexo com mais detalhes. Lei da intensidade-magnitude. A lei da intensidade-magnitude estabelece que a intensidade do estímulo é uma medida diretamente proporcional à magnitude da resposta, ou seja, em um reflexo, quanto maior a intensidade do estímulo, maior será a magnitude da resposta (ver Fig. 1.4). Tomando novamente como exemplo o reflexo que compreende um barulho alto (estímulo) e um susto (resposta), teríamos o seguinte: quanto mais alto o barulho, maior o susto. Quando você abre a janela do seu quarto pela manhã, após acordar, o aumento da luminosidade no interior do aposento (estímulo) elicia a contração de suas pupilas (resposta). Segundo a lei da intensidade-magnitude, quanto mais claro estiver o dia, mais suas pupilas irão se contrair. Figura 1.4 Quanto mais forte um estímulo, mais forte será a resposta eliciada por ele. Neste exemplo, quanto maior é a intensidade do estímulo (calor), maior é a magnitude da resposta (suor). Na representação gráfica desta figura, o tamanho do sol simboliza a quantidade de calor. Ao mesmo tempo, o número de gotas indica a quantidade de suor. Lei do limiar. A lei do limiar estabelece que, para todo reflexo, é necessária uma intensidade mínima do estímulo para que a resposta seja eliciada. Um choque elétrico é um estímulo que elicia a resposta de contração muscular. Segundo a lei do limiar, existe uma intensidade mínima do choque que é necessária para que a resposta de contração muscular ocorra. Por exemplo, para uma determinada pessoa, essa intensidade mínima pode ser algo em torno de 5 volts; para outra, porém, essa intensidade poderia ser de 10 volts (exemplos hipotéticos). Note que, a despeito das diferenças individuais citadas no exemplo, a relação comportamental se mantém, isto é, há sempre uma intensidade mínima do estímulo para que a resposta seja eliciada. Para a primeira pessoa do nosso exemplo, intensidades do estímulo abaixo de 5 volts não eliciam a resposta de contração muscular, ao passo que aquelas acima dos 5 volts eliciam sempre. A Figura 1.5 ilustra a relação entre a intensidade do estímulo e a eliciação da resposta. Figura 1.5 Lei do limiar. Existe uma intensidade mínima do estímulo necessária para eliciar uma resposta. Na ilustração, só a partir do terceiro quadro o suor é produzido, ou seja, apenas nesse quadro o calor é suficiente (está acima do limiar) para eliciar a sudorese. Lei da latência. Latência é o nome dado a um intervalo entre dois eventos. No caso dos reflexos, latência é o tempo decorrido entre a apresentação do estímulo e a ocorrência da resposta. A lei da latência estabelece que, quanto maior a intensidade do estímulo, menor o intervalo entre sua apresentação e a ocorrência da resposta (ver Fig. 1.6). Dizemos, portanto, que intensidade do estímulo e latência da resposta são duas medidas inversamente proporcionais. Barulhos altos e estridentes (estímulos) geralmente eliciam um susto (resposta). Segundo a lei da latência, quanto mais alto for o barulho, mais rapidamente haverá as contrações musculares comuns no susto. Figura 1.6 Lei da latência. Quanto mais fraco é o estímulo (menor intensidade), mais tempo se passará entre a apresentação do estímulo e a ocorrência da resposta, ou seja, maior será a latência da resposta. Além da latência entre a apresentação do estímulo e a ocorrência da resposta, a intensidade do estímulo também tem uma relação diretamente proporcional à duração da resposta: quanto maior a intensidade do estímulo, maior será a duração da resposta. Quando somos expostos a um vento frio (estímulo), ocorre o arrepio de nossa pele (resposta). Você já deve ter tido alguns arrepios mais demorados que outros. O tempo durante o qual a sua pele ficou arrepiada é diretamente proporcional à intensidade do frio, ou seja, quanto mais frio, mais tempo dura o arrepio. Sobre as relações descritas por essas três leis do reflexo que acabamos de estudar, é necessário lembrar que há um limite para as modificações do organismo em função das intensidades dos estímulos. Com o aumento na intensidade do estímulo, o aumento na magnitude e na duração da resposta não é ilimitado. Ou seja, chega um ponto em que aumentos na intensidade do estímulo não serão acompanhados de aumentos correspondentes na magnitude e na duração da resposta. Por exemplo, chegará um ponto em que a pupila não se contrairá mais, mesmo com novos aumentos na intensidade da luminosidade do ambiente. O mesmo ocorre com a latência da resposta, a qual não continuará a diminuir mesmo que se aumente a intensidade do estímulo. Por fim, as relações quantitativas entre a intensidade do estímulo e as diferentes medidas da resposta só podem ser obtidas empiricamente, isto é, testando-se na prática e, de preferência, em situação controlada, típica de um ambiente laboratorial. Efeitos de eliciações sucessivas Se você está próximo a uma casa em construção, o som súbito e estridente de uma martelada em uma viga de ferro pode eliciar uma resposta de sobressalto, isto é, você se assusta ao ouvir o som da martelada. No entanto, à medida que esse ruído se repete, é possível que você se assuste cada vez menos e com maior latência da resposta a cada novo golpe. Em contrapartida, pode ser que ocorra o contrário, que você se assuste mais a cada nova martelada. Em ambos os casos, falamos do efeito de eliciações sucessivas de uma resposta. Quando um determinado estímulo, que elicia uma determinada resposta, é apresentado ao organismo várias vezes seguidas em curtos intervalos de tempo, a resposta que compõe o reflexo em questão é eliciada várias vezes em sequência, em sucessão, uma vez após a outra. Nesse caso, falamos de eliciações sucessivas de uma resposta. Essas eliciações sucessivas podem produzir alterações nas relações entre o estímulo e a resposta. Mais especificamente, elas podem alterar as relações entre a intensidade do estímulo e a magnitude, a duração e a latência da resposta. Vimos que, em um reflexo, a magnitude da resposta é diretamente proporcional à intensidade do estímulo eliciador, isto é, quanto maior a intensidade do estímulo, maior a magnitude da resposta. Vimos também que a latência da resposta é inversamente proporcional à intensidade do estímulo, isto é, quanto maior a intensidade do estímulo, menor a latência da resposta. No entanto, eliciações sucessivas de uma resposta podem fazer uma mesma intensidade do estímulo eliciar respostas com magnitudes cada vez menores e latências cada vez maiores. Esse padrão de diminuição na magnitude da resposta e aumento na latência produzidos por eliciações sucessivas é chamado de habituação da resposta ou, simplesmente, de habituação. Em contrapartida, eliciações sucessivas podem fazer uma mesma intensidade do estímulo eliciar respostas com magnitudes cada vez maiores e latências cada vez menores. Esse padrão de aumento na magnitude e diminuição na latência da resposta produzidos por eliciações sucessivas da resposta é chamado de sensibilização da resposta ou, simplesmente, de sensibilização (tradução do termo sensitization, em inglês). O termo potenciação também é utilizado em Análise do Comportamento em vez de sensibilização (p. ex., Catania, 1999). Entretanto, optamos pelo termo sensibilização por ser o mais frequentemente empregado na literatura especializada. Há, por exemplo, uma interessante linha de pesquisa na literatura científica que tem estudado as diferenças no processo de habituação entre pessoas com e sem diagnóstico de esquizofrenia. Os pesquisadores Mark Geyer e David Braff, por exemplo, publicaram um artigo sobre esse assunto em 1982. No experimento realizado por eles, foi estudado o reflexo de sobressalto produzido por estímulo acústico, em que o estímulo é um som, um “bip” agudo e de curta duração, e a resposta pode ser uma contração muscular, como um piscar de olhos, por exemplo (movimentos característicos de um susto). Nesse experimento em específico, a resposta medida foi a de piscar os olhos. A intensidade do estímulo foi medida em decibéis, e a magnitude da resposta, em milímetros (deslocamento das pálpebras). O experimento de Geyer e Braff (1982) consistia, basicamente, em apresentações sucessivas do estímulo acústico (“bips” de 116 dB), em média a cada 15 segundos, e na mensuração da magnitude das respostas de piscar eliciadas. Os participantes dessa pesquisa foram pessoas sem diagnóstico psiquiátrico, pacientes com diagnóstico de esquizofrenia e indivíduos com diagnóstico psiquiátrico diferente do de esquizofrenia. Os resultados dessa investigação mostraram que eliciações sucessivas do reflexo de piscar geraram, em média, uma diminuição de 70% da magnitude da resposta de piscar para os participantes não esquizofrênicos e de menos de 50% para aqueles com esquizofrenia. Também foram encontradas diferenças na latência da resposta entre esses dois grupos. Para todos os participantes, a magnitude da resposta de piscar eliciada pela primeira apresentação do estímulo acústico foi de cerca de 10 mm. Após 121 eliciações, a magnitude da resposta de piscar para os participantes sem diagnóstico e não esquizofrênicos foi de cerca de 3 mm — uma diminuição de aproximadamente 70%. O mais interessante dessa pesquisa, no entanto, é que se verificou uma diminuição menor na magnitude da resposta de piscar para os participantes com diagnóstico de esquizofrenia. Para estes, foi verificada uma magnitude média de 5 mm após 121 eliciações, uma diminuição de menos de 50%. A pesquisa mostrou, portanto, que ocorre menos habituação do reflexo de piscar em pessoas com diagnóstico de esquizofrenia se comparadas àquelas sem esse diagnóstico. A pesquisa realizada por Geyer e Braff também mostrou aumento da latência da resposta de piscar ao longo de suas eliciações sucessivas, caracterizando outra evidência de habituação. Além disso, foram encontradas diferenças entre aumento da latência para participantes com e sem diagnóstico de esquizofrenia. De maneira geral, os indivíduos com o diagnóstico apresentaram menor latência da resposta após as eliciações sucessivas em comparação àqueles sem o diagnóstico. É interessante notar também que a latência da resposta aumentou após as primeiras eliciações e, depois, voltou a diminuir, retornando aos seus níveis iniciais. A Figura 1.7 ilustra, com números aproximados, os resultados apresentados por Geyer e Braff com relação à magnitude e à latência da resposta de piscar para os participantes dos três grupos. São apresentados os valores médios (médio do grupo) de cada medida. Figura 1.7 Ilustrações dos resultados encontrados por Geyer e Braff (1982) – dados aproximados referentes às Figuras 1 (p. 3) e 2 (p. 4) do estudo original. Fonte: Geyer, M. A., & Braff, D. L. (1982). Embora haja muitas pesquisas como a de Geyer e Braff (1982) demonstrando a habituação da resposta no reflexo de sobressalto (e em outros reflexos), há também aquelas que demonstram a sensibilização da resposta, incluindo a resposta de piscar no reflexo de sobressalto com estímulo acústico. Esse é o caso, por exemplo, de uma pesquisa realizada por Paul Haerich em 1997. No experimento de Haerich, estudantes universitários foram expostos a apresentações sucessivas do estímulo acústico (“bips”) por três dias consecutivos. O pesquisador manipulou o intervalo entre as apresentações dos estímulos. Por exemplo, para alguns participantes, o intervalo entre um “bip” e outro era de 2 segundos e, para outros, de 16 segundos. Haerich verificou que, ao final dos três dias, houve habituação da resposta de piscar para os participantes expostos a intervalos de 16 segundos. No entanto, para aqueles expostos a intervalos de 2 segundos, observou-se a sensibilização da resposta. Eliciações sucessivas com estímulos aversivos, como choques elétricos, por exemplo, tendem a gerar sensibilização, em vez habituação. No entanto, se eliciações sucessivas gerarão habituação ou sensibilização depende, no geral, de uma série de fatores (i.e., de uma série de variáveis experimentais), conforme tem sido apontado na literatura da área. Schicatano e Blumenthal (1994), por exemplo, demonstraram que o consumo de café pode atrasar o início da habituação da resposta de sobressalto eliciada por estímulo acústico. Estudos como esse têm grande relevância para pesquisas relacionadas aos efeitos de fármacos sobre o comportamento. É importante destacar que os efeitos de eliciações sucessivas, tanto a habituação quanto a sensibilização, são temporários. Isso quer dizer que, uma vez interrompida a apresentação do estímulo eliciador por um certo período de tempo, uma nova apresentação do estímulo produzirá magnitudes e latências de respostas similares àquelas registradas no início das eliciações sucessivas. Os reflexos e o estudo de emoções Um aspecto extremamente relevante do comportamento humano são as emoções (medo, alegria, raiva, tristeza, excitação sexual, etc.). Você já deve ter dito ou ouvido a seguinte frase: “Na hora, não consegui me controlar, explodi de raiva”. Também já deve ter achado esquisito, e até certo ponto incompreensível, que algumas pessoas apresentem certas emoções, como o medo de penas de aves ou de baratas – isso sem falar nos casos pouco usuais como os daquelas pessoas que ficam sexualmente excitadas na presença de estímulos, no mínimo, estranhos, como ocorre na coprofilia e na necrofilia. Parte daquilo que chamamos de emoções envolve respostas reflexas a estímulos ambientais. Em certos casos, talvez esse seja o motivo da dificuldade em “controlar” algumas emoções. Não sentir medo de barata pode ser tão difícil quanto não piscar o olho ao se ouvir um barulho alto e repentino. Um exemplo clínico pode ilustrar esse ponto. Muitas pessoas apresentam fortes respostas emocionais de ansiedade e medo quando são solicitadas a falar em público. Em vão, tentam controlar suas respostas emocionais dizendo para si mesmas: “Controle-se!”, “Acalme-se!”, “Está tudo bem!”. Tais iniciativas podem ser infrutíferas, já que a situação de falar em público elicia as respostas emocionais em uma relação reflexa. Dessa forma, essas pessoas evitam as situações de falar em público, o que pode trazer prejuízos para suas vidas acadêmica e profissional. Os organismos, de acordo com as suas espécies, nascem de alguma forma preparados para interagir com seu ambiente. Assim como nascemos preparados para contrair um músculo quando uma superfície pontiaguda é pressionada contra nosso braço, nascemos também preparados para ter algumas respostas emocionais quando determinados estímulos surgem em nosso ambiente. Inicialmente, é necessário saber que as emoções não surgem do nada. As emoções, ou respostas emocionais, ocorrem em função de determinados eventos ambientais. Na maioria dos casos, não sentimos medo, alegria ou raiva na ausência de eventos desencadeadores; sentimos essas emoções apenas quando algo acontece. Mesmo que a situação que produza uma resposta emocional não seja aparente, isso não quer dizer que ela não exista, podendo ser até mesmo um pensamento, uma lembrança, uma música, uma palavra, etc. (isso ficará mais fácil de entender no Capítulo 2, quando trataremos da aprendizagem de novos reflexos). Outro ponto importante a ser considerado é que boa parte – mas não tudo – daquilo que entendemos como emoções diz respeito à fisiologia do organismo. Quando sentimos medo, por exemplo, uma série de reações fisiológicas está acontecendo em nosso corpo: as glândulas suprarrenais secretam adrenalina, os vasos sanguíneos periféricos contraem-se e o sangue concentra-se nos músculos, entre outras reações fisiológicas (ver Fig. 1.8). Da mesma forma, quando sentimos raiva, alegria, ansiedade ou tristeza, outras mudanças em nossa fisiologia podem ser detectadas utilizando-se aparelhos próprios. Esse aspecto fisiológico das emoções fica claro quando falamos sobre o uso de medicamentos como, por exemplo, os ansiolíticos e os antidepressivos. Figura 1.8 Ilustração de como o reflexo está relacionado com as emoções que sentimos. Quando sentimos uma emoção, como o medo, várias alterações podem estar ocorrendo em nosso corpo. Os fármacos que os psiquiatras prescrevem não afetam a mente humana, mas sim o organismo, isto é, a sua fisiologia. Quando nos referimos às emoções, estamos falando, portanto, sobre respostas dos organismos que ocorrem em função de algum estímulo. Os organismos nascem preparados para que algumas modificações momentâneas ocorram em sua fisiologia em função de alterações no ambiente. Por exemplo, se um barulho alto e estridente é produzido próximo a um bebê recém-nascido, poderemos observar nele algumas das respostas fisiológicas que descrevemos anteriormente como constituintes do que chamamos medo. De acordo com a teoria da evolução, de Charles Darwin, determinadas respostas emocionais em função da apresentação de alguns estímulos mostraram ter valor de sobrevivência para os membros da espécie. O mundo, na época em que o primeiro ser humano “apareceu”, provavelmente era mais parecido com o da Figura 1.9 do que com o que conhecemos hoje. O valor das emoções para a sobrevivência das espécies pode ser ilustrado pela Figura 1.9. Provavelmente, o animal que está sendo atacado pelo leão (estímulo) está sentindo algo semelhante ao que chamamos de medo (resposta emocional): seu coração está batendo mais rapidamente e seus vasos sanguíneos periféricos estão contraídos, retirando o sangue da superfície de sua pele e concentrando-o nos músculos. Essas respostas fisiológicas em relação à situação apresentada no exemplo (i.e., o ataque do leão) tornam mais provável que o animal escape com vida do ataque: se o sangue saiu da superfície de sua pele, arranhões produzirão menos sangramento; se o sangue concentra-se nos músculos, o animal correrá mais velozmente e dará coices mais fortes. O mesmo raciocínio ilustrado no caso do medo aplica-se a outras emoções, como, por exemplo, raiva e excitação sexual. Figura 1.9 Ilustração de como emoções (p. ex., medo) têm valor de sobrevivência para as espécies. Fonte: https://www.shutterstock.com/Alta Oosthuizen/Male lion attack huge buffalo bull while riding on his back É importante ressaltar que as relações reflexas descrevem boa parte do que concebemos por emoções. Entretanto, o comportamento emocional não se restringe apenas às relações reflexas, sendo necessário o uso de outros conceitos para ser compreendido de forma mais abrangente. Alguns desses conceitos serão discutidos neste livro. As respostas emocionais reflexas podem ser modificadas por meio da interação do organismo com o ambiente. Esse processo será discutido em detalhes no próximo capítulo sob o rótulo de condicionamento respondente. Principais conceitos apresentados neste capítulo Conceito Descrição Exemplo:* Reflexo salivar Estímulo Qualquer alteração no ambiente que produza Comida colocada na boca produz a salivação uma alteração no organismo Resposta Qualquer alteração no organismo produzida por O salivar produzido pela colocação de comida na boca uma alteração no ambiente Reflexo Uma relação entre um estímulo e uma resposta Comida elicia salivação Eliciar Produzir Comida elicia salivação Intensidade Força ou quantidade de determinado estímulo Quantidade de comida colocada na boca (3 g, 7 g, etc.) do estímulo Magnitude da Força de uma determinada resposta Quantidade de saliva produzida (2 gotas, 3 gotas, 2 mL, 4 mL) resposta Latência da Tempo decorrido entre a apresentação do A salivação inicia-se após o intervalo de 1,5 s depois de a comida ter resposta estímulo e a ocorrência da resposta sido colocada na boca Duração da Tempo decorrido desde o início da emissão da A salivação continua a ocorrer por um intervalo de 30 s resposta resposta até sua cessação Principais conceitos apresentados neste capítulo Limiar do Intensidade mínima do estímulo para que a A salivação só começa a ocorrer quando a quantidade de comida na reflexo resposta seja eliciada boca for maior ou igual a 5 g Habituação Diminuição da magnitude da resposta em função Caso ocorra uma diminuição na quantidade de salivação mesmo de eliciações sucessivas com a manutenção da mesma quantidade de comida Sensibilização Aumento da magnitude da resposta em função Caso ocorra um aumento na quantidade de salivação mesmo com a de eliciações sucessivas da resposta manutenção da mesma quantidade de comida * Os valores expressos neste quadro são hipotéticos. Questões de Estudo Gabarito 1. De acordo com os conceitos de reflexo inato, estímulo e resposta, é correto apenas o que se afirma em: a. Um estímulo eliciará sempre a mesma resposta e com a mesma magnitude, independentemente de sua intensidade. b. Um reflexo pode ser definido como uma reação voluntária do indivíduo a certos estímulos. c. A relação entre estímulo e resposta, que caracteriza um reflexo inato, é exclusiva do repertório comportamental de animais irracionais (o que exclui o homem). d. Estudar para tirar boas notas é um exemplo de reflexo inato. e. Um reflexo expressa a relação entre um estímulo e uma resposta, na qual dizemos que uma resposta é eliciada por um estímulo. 2. De acordo com o referencial teórico da Análise do Comportamento sobre as leis do reflexo, é correto apenas o que se afirma em: a. A lei da intensidade-magnitude estabelece que existe uma intensidade mínima do estímulo para que ele elicie uma resposta. b. A lei da latência estabelece que intensidade do estímulo e magnitude da resposta são duas grandezas diretamente proporcionais. c. A lei do limiar estabelece que intensidade do estímulo e magnitude da resposta são duas grandezas diretamente proporcionais. d. A lei da intensidade-magnitude estabelece que intensidade do estímulo e magnitude da resposta são duas grandezas diretamente proporcionais. e. A lei da latência estabelece que existe uma intensidade mínima do estímulo para que ele elicie uma resposta. 3. Jorge estuda em uma faculdade que fica ao lado do aterro sanitário de sua cidade. No início das aulas, todos os dias, Jorge e seus colegas se incomodavam com o mau cheiro vindo do aterro. Com o passar do tempo ao longo do dia, o cheiro deixava de incomodar aos alunos e professores da faculdade – mas voltava a incomodar no dia seguinte. De acordo com referencial teórico da Análise do Comportamento, pode-se dizer, neste caso, que houve: a. extinção da resposta b. magnitude da resposta c. intensidade da resposta d. sensibilização da resposta e. habituação da resposta 4. Reflexos, estímulos e respostas apresentam várias propriedades diferentes. Uma dessas propriedades é a latência da resposta, que pode ser definida como: a. A força com a qual uma resposta é emitida após a apresentação de um determinado estímulo eliciador. b. O nome dado ao efeito de sucessivas eliciações de uma determinada resposta. c. Uma medida diretamente proporcional à intensidade do estímulo eliciador da resposta. d. O tempo que decorre entre a apresentação do estímulo e a ocorrência da resposta. e. A magnitude com a qual uma resposta é emitida após a apresentação de um determinado estímulo eliciador. 5. Julgue como verdadeiras (V) ou falsas (F) as seguintes afirmações sobre os reflexos inatos: a. ( ) Em um comportamento reflexo inato, quanto maior for a intensidade de um estímulo, menor será a magnitude da resposta eliciada por ele. b. ( ) São relações entre organismos vivos e seu ambiente. c. ( ) Não têm relação com o estudo das emoções humanas. d. ( ) Na frase a seguir, o termo reflexo está sendo empregado de acordo com o referencial teórico da Análise do Comportamento: o reflexo da luz cegou seu olho por alguns instantes. e. ( ) Na frase a seguir, o termo reflexo está sendo empregado de acordo com o referencial teórico da Análise do Comportamento: reflexo é uma relação entre um organismo e seu ambiente. Bibliografia consultada, citada e sugestões de leitura Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. (4. ed.). Porto Alegre: Artmed. Davis, M. (1989). Sensitization of the acoustic startle reflex by footshock. Behavioral Neuroscience, 103 (3), 495-503. Davis, M., Parisi, T., Gendelman, D. S., Tischler, M., & Kehne, J. H. (1982). Habituation and sensitization of startle reflexes elicited electrically from the brainstem. Science, 218 (4573), 688-690. Domjan, M. (2015). The principles of learning and behavior (7th ed.). Stanford: Cengage Learnig. Geyer, M. A., & Braff, D. L. (1982). Habituation of the Blink Reflex in Normals and Schizophrenic Patients. Psychophysiology, 19, 1–6. Globisch, J., Hamm, A. O., Esteves, F., & Öhman, A. (1999). Fear appears fast: Temporal course of startle reflex potentiation in animal fearful subjects. Psychophysiology, 36 (1), 66-75. Haerich, P. (1997). Long term habituation and sensitization of the human acoustic startle response. Journal of Psychophysiology, 11, 103-114. Millenson, J. R. (1975). Princípios de análise do comportamento. Brasília: Coordenada. (Obra original publicada em 1967). Schicatano, E. J., & Blumenthal, T. D. (1994). Caffeine delays habituation of the human acoustic startle reflex. Psychobiology, 22 (2), 117-122. Thompson, R. F., & Spencer, W. A. (1966). Habituation: A model phenomenon for the study of neuronal substrates of behavior. Psychological Review, 73 (1), 16-43. O reflexo aprendido: condicionamento pavloviano Objetivos do capítulo Ao final deste capítulo, espera-se que o leitor seja capaz de: 1 Definir, identificar e prover exemplos de estímulos neutros, incondicionados e condicionados; 2 Definir, identificar e prover exemplos de respostas incondicionadas e condicionadas; 3 Definir, identificar e prover exemplos de comportamentos reflexos incondicionados e condicionados; 4 Descrever e exemplificar o paradigma do condicionamento pavloviano; 5 Descrever e exemplificar os processos comportamentais de extinção respondente, generalização respondente e recuperação espontânea; 6 Descrever e exemplificar os procedimentos de extinção respondente, contracondicionamento, dessensibilização sistemática e condicionamento de ordem superior; 7 Aplicar, de maneira geral, o paradigma do condicionamento pavloviano à análise de situações cotidianas e intervenções psicológicas. Você começa a suar e a tremer ao ouvir o barulho feito pelos aparelhos utilizados pelo dentista? Seu coração dispara ao ver um cão? Você sente náuseas ao sentir o cheiro de determinadas comidas? Você tem algum tipo de fobia? Muitas pessoas responderiam “sim” a essas perguntas. Mas a maioria delas, até um determinado momento de sua vida, diria “não”. Portanto, estamos falando sobre aprendizagem, sobre um tipo de aprendizagem denominado condicionamento pavloviano. No capítulo anterior, sobre os reflexos inatos, vimos que eles são comportamentos característicos das espécies, desenvolvidos ao longo de sua história filogenética. O surgimento desses reflexos no repertório comportamental das espécies as prepara para um primeiro contato com o ambiente, aumentando suas chances de sobrevivência. Outra característica das espécies animais, também desenvolvida ao longo de sua história filogenética, de grande valor para sua sobrevivência, é a capacidade de aprender novos reflexos, ou seja, a capacidade de reagir de formas diferentes a novos estímulos. Durante a evolução das espécies, determinadas respostas a estímulos específicos de seu ambiente foram selecionadas, isto é, passaram a fazer parte do repertório comportamental da espécie. Os reflexos inatos compreendem determinadas respostas dos organismos a determinados estímulos do ambiente. Por exemplo, alguns animais já nascem evitando comer uma fruta de cor amarela que é venenosa. Nesse exemplo, a fruta amarela possui uma toxina venenosa que pode levar certos organismos à morte. Se animais de uma determinada espécie já nascem preparados para evitar a ingestão de tal fruta, essa espécie tem mais chances de se perpetuar num dado ambiente em comparação a outras, similares, que não têm esse repertório comportamental. O ambiente, porém, está em constante mudança. Essa mesma fruta, ao longo de alguns milhares de anos, pode mudar de cor, e os animais não mais a rejeitariam, ou migrariam para outro local onde ela tem cores diferentes. Assim, essa preparação para evitar as frutas amarelas tornaria-se inútil. É nesse momento que a capacidade de aprender novos reflexos passa a ser importante. Suponha que o animal a que nos referimos no parágrafo anterior mude-se para um ambiente onde há frutas vermelhas que possuem a mesma toxina da fruta amarela. A toxina (estímulo), de maneira inata, produz (elicia) no animal vômitos e náuseas (respostas). Assim, após tal evento, o animal poderá passar a sentir náuseas ao ver a fruta vermelha. Ver a fruta vermelha → sentir náuseas é um reflexo aprendido. É sobre essa aprendizagem de novos reflexos, chamada de condicionamento pavloviano, que trataremos neste capítulo. Claro que, após essa aprendizagem, a probabilidade de esse animal ingerir tal alimento pode ser menor, uma vez que a consequência provável da sua ingestão é uma grave intoxicação – mas isso envolve outro tipo de comportamento que será visto a partir do Capítulo 3. A descoberta do reflexo aprendido: Ivan Petrovich Pavlov Ivan Petrovich Pavlov, um fisiologista russo, ao estudar reflexos inatos, observou que seus sujeitos experimentais (cães) haviam aprendido novos reflexos; ou seja, estímulos que não eliciavam determinadas respostas passaram a eliciá-las. Ao fenômeno da aprendizagem de um novo reflexo, em sua homenagem, deu-se o nome de condicionamento pavloviano, também conhecido como condicionamento clássico ou condicionamento respondente. Pavlov estudava, em seu laboratório (Fig. 2.1), entre outras coisas, leis do reflexo como as que vimos no Capítulo 1. Ele estudou bastante o reflexo salivar (alimento na boca → salivação). Em uma fístula (um pequeno corte) próxima às glândulas salivares de um cão, Pavlov introduziu uma pequena mangueira, o que permitia medir a quantidade de saliva produzida pelo animal (magnitude da resposta) em função da quantidade e da qualidade da comida que lhe era apresentada (Fig. 2.2). Pavlov observou que outros estímulos, além da comida, também estavam eliciando salivação no cão. Ele percebeu que a simples visão da colocação da comida no recipiente em que era servida eliciava a resposta de salivação nos animais, assim como o som de seus passos ao chegar ao laboratório. Pavlov, então, decidiu estudar com mais cuidado esses acontecimentos. Figura 2.1 Ilustração do aparato experimental utilizado por Ivan Pavlov em seus experimentos sobre condicionamento de novos reflexos. Figura 2.2 O aparato experimental usado por Pavlov. A figura ilustra a situação experimental montada por Pavlov para estudar a aprendizagem de novos reflexos. A mangueira colocada próxima à boca do cão permitia medir a quantidade de saliva produzida mediante a apresentação dos estímulos incondicionados (comida) e condicionados (som de uma sineta). O experimento clássico de Pavlov sobre a aprendizagem de novos reflexos foi realizado utilizando-se cães como sujeitos experimentais; carne e o som de uma sineta como estímulos; e a resposta registrada foi a de salivação (Figs. 2.2 e 2.3). Prevendo, com base nos seus estudos anteriores, que a carne já tinha a função de eliciar respostas de salivação, mas que o som de uma sineta não, Pavlov apresentou o som da sineta logo antes de apresentar a carne ao cão, registrando a quantidade de saliva. Pavlov repetiu várias vezes esse procedimento, denominado emparelhamento de estímulos. Figura 2.3 Procedimento para produzir o condicionamento pavloviano. Para que haja a aprendizagem de um novo reflexo, ou seja, para que haja condicionamento pavloviano, um estímulo que não elicia uma determinada resposta (neutro) deve ser emparelhado a um estímulo que a elicia. A seta cortada na situação 1 da figura indica que o estímulo não elicia a resposta. Após cerca de 60 emparelhamentos dos estímulos “som da sineta” e “carne”, Pavlov apresentou para o cão apenas o som da sineta, e então mediu a quantidade de saliva produzida. Ele observou que esse estímulo havia eliciado no cão a resposta de salivação, ou seja, o cão havia aprendido um novo reflexo: salivar na presença do som da sineta. Outra forma de descrever o mesmo processo seria dizer que o som da sineta adquiriu uma nova função comportamental por meio do procedimento de emparelhamento de estímulos. Vocabulário do condicionamento pavloviano Quando se fala em condicionamento pavloviano, é necessário empregar corretamente os termos técnicos que a ele se referem. Vamos examinar melhor a Figura 2.3 e identificar, nela, tais termos. Na imagem, ocorrem três situações: (1) antes do condicionamento; (2) durante o condicionamento; e (3) depois do condicionamento. Na situação 1, o som da sineta é um estímulo neutro (cuja sigla é NS) para a resposta de salivação: ele não elicia a resposta. Ainda na situação 1, temos que a comida é um estímulo incondicionado (US) para a resposta incondicionada (UR) de salivação. Já a situação 2 mostra o emparelhamento do estímulo neutro ao estímulo incondicionado, a carne. Dizemos que a relação entre a carne e a resposta incondicionada de salivação é um reflexo incondicionado, pois não depende de aprendizagem para ocorrer. Após várias repetições da situação 2, chegamos à situação 3, na qual o condicionamento foi estabelecido, isto é, houve a aprendizagem de um novo reflexo, chamado de reflexo condicionado. O reflexo condicionado é uma relação entre um estímulo condicionado (CS) e uma resposta condicionada (CR). Note que o estímulo neutro e o estímulo condicionado são o mesmo (som da sineta), porém em momentos diferentes ao longo do procedimento de emparelhamento. Nomeamos esse estímulo de formas diferentes na situação 1 e na situação 3 para indicar que sua função com relação à resposta de salivar foi modificada: na situação 1, o som não eliciava a salivação (estímulo neutro), mas, na situação 3, ele elicia essa resposta (estímulo condicionado). Um aspecto importante em relação aos termos neutro, incondicionado e condicionado é que seu uso é relativo. Quando falamos sobre comportamentos reflexos (ou comportamentos respondentes, outro nome dado aos reflexos na psicologia), estamos sempre nos remetendo a uma relação entre um estímulo e uma resposta. Portanto, quando dizemos que um determinado estímulo é neutro (como no caso do som da sineta na situação 1 da Fig. 2.3), estamos dizendo que ele é neutro para a resposta de salivar. Quando dizemos que a carne é um estímulo incondicionado, estamos afirmando que ela é um estímulo incondicionado para a resposta de salivar. Se a resposta fosse, por exemplo, arrepiar, a carne seria um estímulo neutro. Essa forma de aprendizagem é chamada, de modo genérico, de paradigma do condicionamento respondente. A Figura 2.4 mostra, em forma de diagrama, o paradigma do condicionamento respondente: S1, um estímulo incondicionado para a resposta incondicionada R1, é emparelhado com um estímulo S2, um estímulo neutro para a resposta R1. Após o emparelhamento, S2 torna-se um estímulo condicionado para a resposta R2, semelhante à resposta R1. Figura 2.4 Diagrama que representa como é feito (ou como ocorre) o condicionamento pavloviano. Note que os estímulos neutro e condicionado são o mesmo: o estímulo (S2) apenas muda de função. Uma ressalva precisa ser feita quanto à relação entre a resposta incondicionada e a condicionada. Para fins didáticos, costumamos tratar ambas como se fossem idênticas. Entretanto, existem diferenças entre elas, principalmente com relação a magnitude, duração e latência da resposta condicionada. Pavlov verificou que até a composição química da saliva de seus cães era diferente quando comparadas as respostas condicionadas com as incondicionadas. Outra observação importante é a origem das siglas utilizadas ao se falar de condicionamento respondente. As siglas, como você percebeu, não correspondem exatamente às palavras em português. Elas derivam das palavras correspondentes em língua inglesa: unconditioned stimulus (US), unconditioned response (UR), neutral stimulus (NS), conditioned stimulus (CS) e conditioned response (CR). Condicionamento pavloviano e o estudo de emoções No início deste capítulo, vimos que o condicionamento pavloviano refere-se ao processo e ao procedimento pelos quais os organismos aprendem novos reflexos. Vimos também, no Capítulo 1, que emoções são, em grande parte, relações entre estímulos e respostas (são, em parte, comportamentos respondentes). Se os organismos podem aprender novos reflexos, podem também aprender a emitir respostas emocionais na presença de novos estímulos. Para exemplificar esse fenômeno, descreveremos o experimento clássico sobre condicionamento pavloviano e emoções conduzido pelo psicólogo John Watson e por Rosalie Rayner, em 1920, o qual ficou conhecido como “o caso do pequeno Albert”. O objetivo de Watson ao realizar o experimento era verificar se o condicionamento pavloviano teria utilidade para o estudo do comportamento emocional, o que se provou verdadeiro. Basicamente, a intenção do pesquisador foi verificar se, por meio do condicionamento pavloviano, um ser humano (um bebê de aproximadamente 10 meses, Albert) poderia aprender a ter medo de algo que, antes, não temia. Para responder a essa pergunta de pesquisa (o que também se chama de problema de pesquisa), Watson partiu para a experimentação controlada, ou seja, buscou na prática as suas respostas em ambiente controlado, no qual é possível ter certo domínio sobre as variáveis relevantes para o experimento. Como já afirmado, um reflexo é condicionado a partir de outro já existente. O primeiro passo de Watson, portanto, foi identificar no repertório comportamental do bebê um reflexo inato. Apenas para efeito de teste, o pesquisador verificou um conhecido reflexo: som estridente (estímulo) elicia susto ou medo (resposta). Watson posicionou, próximo à cabeça do bebê, uma haste de metal (Fig. 2.5). Ele bateu nessa haste com um martelo, produzindo um barulho alto e estridente. Após a martelada, foram registradas as respostas do bebê: ele contraiu os músculos do corpo, especialmente os da face, e começou a chorar. Watson repetiu a martelada e observou respostas parecidas, concluindo que o estímulo “barulho estridente” é incondicionado para as respostas incondicionadas características de medo apresentadas pelo bebê Albert. Feita essa verificação, o pesquisador fez outra: colocou próximo à criança um rato albino (estímulo) e, novamente, registou as respostas do bebê. Observou-se que ele olhou para o animal por alguns instantes e, em seguida, tentou tocá-lo. Watson concluiu que Albert não tinha medo do pequeno ratinho. Feita essa segunda verificação, o experimentador fez o emparelhamento do estímulo incondicionado (som estridente) com o estímulo neutro (rato) para a resposta de medo. Figura 2.5 Ilustração do experimento conduzido por Watson e Rayner: condicionamento de uma resposta de medo. O psicólogo norte-americano John Watson mostrou a relevância do condicionamento pavloviano para a compreensão do comportamento emocional. Durante o condicionamento da resposta de medo, Watson posicionou a haste de metal próximo ao bebê e colocou o rato ao seu alcance. No momento em que Albert tocou o rato, o pesquisador bateu o martelo contra a haste, produzindo o som que havia eliciado respostas de medo na criança. Após alguns emparelhamentos (som-rato), Watson colocou próximo ao bebê apenas o animal e registrou suas respostas. Ao fazer isso, pôde observar que, ao ver o rato, Albert apresentava respostas parecidas com aquelas produzidas pelo som estridente. O pesquisador observou, portanto, a aprendizagem de um novo reflexo envolvendo respostas emocionais. Em outras palavras, Watson concluiu que Albert havia aprendido a ter medo de rato. Estamos agora em condições de começar a compreender alguns aspectos sobre como determinadas pessoas passam a emitir respostas emocionais como, por exemplo, medo de penas de aves ou de baratas, ou excitação sexual ante estímulos pouco usuais (como nos casos de sadomasoquismo e necrofilia, por exemplo). O mesmo pode ser dito em relação àquelas emoções mais corriqueiras, como ter palpitação ao ouvir a música que tocava quando do seu primeiro beijo ou ficar ansioso ao falar em público. Também podemos, agora, compreender um pouco melhor por que emoções são “difíceis de controlar”. É difícil controlar algumas delas porque são, em parte, respostas reflexas. Quando um médico bate o martelo no joelho de um paciente, este não decide se a perna irá ou não se estender; ela simplesmente se estende. Da mesma forma, uma pessoa que tem fobia de penas de aves não decide ter ou não ter medo diante desse estímulo; ela simplesmente tem respostas de medo. Pouco ou nada adianta explicar a esse indivíduo que seu medo é irracional, que não há motivos para temer uma simples pena de ave. O mesmo raciocínio vale para pessoas que se sentem bem (ou tristes) ao ouvir uma determinada música ou para aquelas que se excitam tendo relações sexuais diante de estímulos que produzem dor. Todos nós temos sensações de prazer ou de desprazer, por exemplo, em maior ou menor grau, diferentes de outras pessoas, da mesma forma que podemos sentir emoções diferentes na presença de estímulos iguais. Algumas pessoas, por exemplo, excitam-se ao ouvir certas palavras de amor, outras não. Algumas se excitam ao serem chicoteadas, outras não. Umas têm medo de ratos, outras de voar de avião ou de lugares fechados e pequenos, e outras, ainda, têm medos diferentes desses. Algumas pessoas se sentem tristes ao ouvir uma determinada música, outras não têm nenhuma sensação especial. A razão de respondermos emocionalmente de formas diferentes aos mesmos estímulos está na história de condicionamento de cada um de nós (existem outras formas de aprendermos respostas emocionais, como por modelagem, regras e por modelação, mas elas não serão estudadas neste capítulo). Todos nós passamos por diferentes emparelhamentos de estímulos em nossa vida. Esses diferentes emparelhamentos contribuem para o nosso “jeito” característico de nos comportarmos emocionalmente hoje. Alguém que, por exemplo, ao dirigir sob chuva, sofre um acidente, pode passar a ter medo de dirigir quando estiver chovendo. Durante o acidente, houve o emparelhamento de alguns estímulos incondicionados para a resposta de medo (barulho, dor, impacto súbito, etc.) com um estímulo neutro para a resposta de medo (dirigir na chuva). Alguém que tem o hábito de ter relações sexuais à luz de velas pode, depois de alguns emparelhamentos, sentir certa excitação apenas por estar na presença de velas. Alguém que tenha comido uma deliciosa costela de porco com um molho estragado e passado mal pode sentir náuseas na presença do cheiro da carne de porco. Como diferentes pessoas têm diferentes histórias de aprendizagem, o analista do comportamento precisa sempre investigar a história de cada indivíduo, baseando a sua intervenção na história de aprendizagem específica do sujeito. Generalização respondente Vimos anteriormente neste capítulo que não podemos falar de um estímulo incondicionado ou condicionado sem fazer referência a uma resposta incondicionada ou condicionada específica. Isso não significa, no entanto, que, após o condicionamento de um reflexo, com um estímulo específico, somente esse estímulo específico eliciará aquela resposta. Após um condicionamento, estímulos que se assemelham fisicamente ao estímulo condicionado podem passar a eliciar a resposta condicionada em questão. Esse fenômeno é chamado de generalização respondente. Uma pessoa que, por ventura, tenha passado por uma situação aversiva envolvendo uma galinha, como aquela no centro da Figura 2.6, pode passar a emitir respostas de medo na presença desse espécime. Muito provavelmente, ela passará também a apresentá-las na presença de outras galinhas da mesma raça e até mesmo de outras aves. Isso acontece em função das semelhanças físicas (cor, tamanho, textura, forma, etc.) dos demais estímulos com o estímulo condicionado presente na situação de aprendizagem – no caso, a galinha do centro da Figura 2.6. Esse exemplo ocorreu com um divertido personagem do seriado The Big Bang Theory, chamado Sheldon Cooper. Em vários episódios da série, Sheldon emite respostas de medo diante de diferentes aves e narra que, em sua infância, havia sido perseguido por uma galinha. Figura 2.6 Generalização respondente. Estímulos fisicamente parecidos com o estímulo previamente condicionado podem passar a eliciar a resposta condicionada. Veja que todas as aves, apesar de diferentes, apresentam várias semelhanças físicas. Em alguns casos, como o do exemplo anterior, a resposta condicionada de medo pode ocorrer na presença de partes do estímulo condicionado, como, por exemplo, o bico da ave, suas penas ou suas pernas. Note que essas partes do estímulo condicionado são fisicamente semelhantes para as aves apresentadas na Figura 2.6. Um interessante aspecto da generalização respondente reside no fato de que as propriedades da resposta eliciada (magnitude, duração e latência) dependerão do grau de semelhança entre os estímulos em questão. Quanto maior a semelhança desse outro estímulo com o estímulo condicionado que estava presente no momento do condicionamento, maior será a magnitude e a duração da resposta eliciada, e menor será a sua latência. Em outras palavras, no exemplo, se uma pessoa passa a ter medo de galinhas por um determinado emparelhamento desse animal com estímulos aversivos (como ser atacado por uma galinha), quanto mais parecida com uma galinha determinada ave for, mais fortes serão as respostas de medo eliciadas por ela. A representação gráfica da variação nessas propriedades da resposta em função das semelhanças físicas entre os estímulos é denominada gradiente de generalização. A amplitude do gradiente de generalização é um indicador do nível de generalização de um dado reflexo. A Figura 2.7 mostra um exemplo de gradiente de generalização respondente. Uma pessoa que tenha sido atacada por um pastor alemão poderá aprender a ter medo tanto dessa raça como de outros cães em geral. Caso isso aconteça, quanto mais parecido um cachorro for com um pastor alemão, maior será a magnitude da resposta de medo eliciada por ele. Veja no exemplo da Figura 2.7 como a magnitude da resposta de medo eliciada diminui à medida que o cão (estímulo) apresentado vai diferenciando-se do estímulo condicionado original (o pastor alemão). É interessante notar que até mesmo um cachorro de brinquedo pode passar a eliciar uma resposta de medo. Essa resposta, no entanto, será bem mais fraca que aquela eliciada na presença de um pastor alemão de verdade. Figura 2.7 Gradiente de generalização. A magnitude de uma resposta condicionada diminui à medida que diminuem as semelhanças entre o estímulo presente no condicionamento (o primeiro cão à esquerda) e os demais estímulos semelhantes ao original. No experimento de Watson com o pequeno Albert (Fig. 2.8), foi verificada a generalização respondente. Após o condicionamento da resposta de medo eliciada pelo rato, Watson colocou próximo ao bebê alguns estímulos que compartilhavam algumas características físicas (forma, cor, textura, etc.) com o estímulo condicionado (o rato albino). Então, registrou as respostas de Albert. O pesquisador percebeu que estímulos como “barba branca”, “animal de pelúcia branco”, “cachorro branco”, etc., que se pareciam com o estímulo condicionado utilizado na situação de aprendizagem do novo reflexo (rato albino), passaram também a eliciar a resposta de medo. Figura 2.8 Generalização respondente no experimento de Watson com o pequeno Albert. Após condicionada a resposta de medo, outros estímulos, fisicamente semelhantes ao rato, passaram a eliciar na criança respostas de medo. Fonte da foto: www.shutterstock.com/Nick Fedirko/View from above.Baby crying in the bed before a bedtime Respostas emocionais condicionadas comuns Da mesma forma que os indivíduos têm emoções diferentes em função de suas diferentes histórias de condicionamento, eles compartilham algumas emoções semelhantes a estímulos semelhantes em função de condicionamentos que são comuns em sua vida. Às vezes, conhecemos tantas pessoas que têm, por exemplo, medo de altura que acreditamos tratar-se de uma característica inata do ser humano. No entanto, se olharmos para a história de vida de cada pessoa, será difícil encontrar uma que não tenha caído de algum lugar relativamente alto (mesa, cadeira, etc.). Nesse caso, temos um estímulo neutro (perspectiva, visão da altura) que é emparelhado com um estímulo incondicionado (o impacto e a dor da queda). Após o emparelhamento, a simples “visão da altura” pode eliciar a resposta de medo. É muito comum também encontrarmos indivíduos que têm medo de falar em público, como também é comum encontrarmos pessoas que, durante sua vida, tenham passado por alguma situação constrangedora ao falar em público. É importante saber como os seres humanos aprendem novos reflexos, sobretudo como passam a apresentar respostas emocionais na presença de novos estímulos. Contudo, para a prática do psicólogo, talvez seja mais importante ainda saber como fazer as pessoas deixarem de apresentar certas respostas emocionais na presença de alguns estímulos, reflexos estes que podem estar atrapalhando suas vidas. É o que veremos a seguir. Extinção respondente e recuperação espontânea No experimento de Pavlov citado anteriormente, após o condicionamento produzido pelo emparelhamento do som à carne, o som de uma sineta passou a eliciar no cão a resposta de salivação. Essa resposta reflexa condicionada (salivar na presença do som) pode deixar de ocorrer se o estímulo condicionado (som) for apresentado repetidas vezes sem a presença do estímulo incondicionado (carne). Quando um estímulo condicionado (CS) é apresentado várias vezes sem o estímulo incondicionado (US) ao qual foi emparelhado, seu efeito eliciador se extingue gradualmente. O CS começa a perder a função de eliciar a resposta condicionada até não mais eliciá-la. Denominamos tal procedimento e o processo dele decorrente de extinção respondente (a Fig. 2.9 mostra um exemplo hipotético do processo de extinção). Figura 2.9 Ilustração dos processos de extinção respondente e recuperação espontânea. Um reflexo, depois de extinto, pode ganhar força novamente sem novos emparelhamentos. Esse fenômeno é conhecido como recuperação espontânea. Assim como um organismo, em função de um emparelhamento de estímulos, pode aprender a ter, por exemplo, medo de aves, ele também pode aprender a deixar de ter medo. Foi exatamente isso que aconteceu com o personagem Sheldon Coorper em um episódio em que sua casa foi invadida por um pássaro. Sheldon teve de interagir com o animal – que não o atacou. Após algumas interações com o pássaro, sem maiores infortúnios, as respostas condicionadas de medo de Sheldon deixaram de ser eliciadas pelo animal. Mas é claro que, em situações reais, o processo de extinção (infelizmente) não costuma ser tão rápido e fácil. Para que um reflexo condicionado perca a sua força, o CS deve ser apresentado sem novos emparelhamentos com o US. Por exemplo, se um indivíduo passou a ter medo de andar de carro após um acidente automobilístico, esse medo só deixará de ocorrer se a pessoa se expuser ao CS (carro) sem a presença dos USs relacionados ao acidente. A necessidade de se expor ao CS sem a presença do US é a razão pela qual carregamos, ao longo da vida, uma série de medos e outras emoções que, de algum modo, nos atrapalham. Por exemplo, devido a emparelhamentos ocorridos durante nossa infância, podemos passar a ter medo de altura. Consequentemente, sempre que pudermos, evitaremos lugares altos, mesmo que estejamos em absoluta segurança. Desse modo, não entramos em contato com o CS (altura), e o medo pode nos acompanhar pelo resto da vida. Se uma pessoa, no entanto, por alguma razão, precisar trabalhar na construção de prédios, ao expor-se a lugares altos em segurança provavelmente seu medo deixará de ocorrer, caracterizando um processo de extinção respondente. Uma característica interessante da extinção respondente é que, às vezes, após ela ter ocorrido, ou seja, após determinado CS não mais eliciar determinada resposta condicionada (CR), a força do reflexo (magnitude, duração e latência) pode voltar espontaneamente. Por exemplo, alguém com medo de altura precisa, por algum motivo, ficar à beira de um lugar alto por um longo período de tempo. No início, todas as CRs que caracterizam seu medo de altura serão eliciadas pela exposição à altura. Passado algum tempo de exposição sem que nada aconteça, o indivíduo não mais sentirá medo: terá ocorrido a extinção da resposta de medo nessa situação. Agora imagine que essa pessoa passe alguns dias sem subir em lugares altos e, então, seja novamente forçada a ficar no mesmo lugar alto. Nesse caso, é possível que ocorra o fenômeno conhecido como recuperação espontânea, ou seja, que o reflexo altura → medo ganhe força outra vez, mesmo após ter sido extinto. Sua força será menor nesse momento: o medo que a pessoa sente é menor do que aquele que sentia antes da extinção. Porém, ao ser exposta novamente ao CS sem novos emparelhamentos com o US, o medo tornará a diminuir, e as chances de uma nova recuperação espontânea ocorrer diminuem (a Fig. 2.9 ilustra a ocorrência de uma recuperação espontânea). A despeito de o nome recuperação espontânea induzir a noção de que se trata de um processo indeterminado, alguns pesquisadores defendem a ideia de que algumas pistas da situação de condicionamento podem estar relacionadas à recuperação da força da resposta sem a necessidade de um novo emparelhamento. Ou seja, a força da resposta não se recupera “do nada”. É importante lembrar que novos emparelhamentos do CS com o US envolvidos em um reflexo em processo de extinção farão a resposta recuperar a sua força para níveis similares aos de antes do início do processo de extinção. Contracondicionamento e dessensibilização sistemática Esperamos ter conseguido mostrar a relevância dos conhecimentos referentes ao condicionamento pavloviano para a formação dos psicólogos. Mostramos como novos reflexos são aprendidos, qual a relação entre emoções e condicionamento pavloviano e que novos reflexos podem perder sua força por meio de um procedimento chamado de extinção respondente. Provavelmente, na sua atuação profissional como psicólogo, você irá se deparar com vários clientes que apresentam queixas relacionadas às suas emoções, como nos casos das fobias específicas ou de ansiedade generalizada. Você já viu, neste capítulo, um procedimento capaz de diminuir a força de aspectos respondentes de, por exemplo, medos e ansiedades: a extinção respondente. Não obstante, alguns estímulos produzem respostas emocionais tão fortes que dificultarão a exposição da pessoa diretamente ao CS que as perturba, mesmo que a exposição ocorra na ausência do US. Essa limitação do procedimento de extinção dificulta sua utilização com fins de produzir o enfraquecimento do reflexo. Algumas pessoas têm, por exemplo, medos tão intensos que a exposição direta ao CS é intolerável, dado o nível de desconforto produzido. Imagine alguém que tenha uma fobia muito intensa de aves. Supondo-se que esse medo tenha se desenvolvido a partir de condicionamento respondente, sabemos que, para extingui-lo utilizando o procedimento já descrito, o indivíduo deve ser exposto a esses animais (CS) sem a presença do US ao qual o estímulo “aves” foi emparelhado. Não podemos, no entanto, simplesmente trancar essa pessoa em um quarto cheio de aves e esperar pelo enfraquecimento do reflexo. Isso ocorre porque, em primeiro lugar, dificilmente conseguiríamos convencer essa pessoa a fazer isso. Em segundo lugar, o medo pode ser tão intenso que o indivíduo talvez desmaiasse – e, consequentemente, não estaria mais em contato com o CS – ou a resposta, em vez de enfraquecer, se tornasse mais intensa. Por último, o sofrimento causado a essa pessoa esbarraria em ressalvas éticas e, talvez, ferisse o bom senso. Felizmente, contamos com duas técnicas muito eficazes para produzir a extinção de um reflexo de forma menos aversiva: o contracondicionamento e a dessensibilização sistemática. O contracondicionamento, como sugere o próprio nome, consiste em condicionar uma resposta contrária àquela produzida pelo CS. Por exemplo, se determinado CS elicia uma resposta de ansiedade, o contracondicionamento consistiria em emparelhar esse CS a outro estímulo que elicie relaxamento (uma música ou uma massagem, por exemplo). A Figura 2.10 ilustra dois exemplos nos quais há contracondicionamento. As duas situações estão divididas em três momentos: (A) os reflexos originais; (B) o contracondicionamento; e (C) o resultado do contracondicionamento. No exemplo em que há a situação na qual se é questionado, temos, no primeiro momento, dois reflexos: 1) a massagem elicia relaxamento; 2) ser questionado elicia ansiedade. Nesse exemplo, se uma pessoa recebe uma massagem algumas vezes logo após ter sido questionada (segundo momento), essa situação pode não mais eliciar respostas de ansiedade ou eliciar respostas de ansiedade mais fracas (terceiro momento). O segundo exemplo, com um rato e uma canção de ninar, segue a mesma lógica. Figura 2.10 Contracondicionamento. Esta técnica consiste simplesmente do emparelhamento de estímulos que eliciam respostas contrárias (p. ex., ansiedade versus relaxamento). Outra técnica para se suavizar o processo de extinção de um reflexo, provavelmente a mais consagrada na história da psicologia clínica, é a dessensibilização sistemática (Fig. 2.11). Essa é uma técnica utilizada com base na generalização respondente. Ela consiste em dividir o procedimento de extinção em pequenos passos. Na Figura 2.7, vimos que, quanto mais diferente for o cão em comparação àquele que atacou a pessoa, menor é o medo que ele produz, ou seja, menor é a magnitude da resposta de medo. Suponha que alguém que tenha um medo muito intenso de cães consiga um emprego muito bem remunerado para trabalhar em um canil e resolva procurar um psicólogo para ajudá-lo a superar sua fobia. O profissional não poderia simplesmente expô-lo aos cães que lhe provocam pavor para que o medo diminuísse (ele não precisaria de um psicólogo para isso, nem estaria disposto a fazê-lo). Será possível, nesse caso, utilizar a dessensibilização sistemática. Em função da generalização respondente, a pessoa em questão não tem medo apenas do cão que a atacou (supondo que a origem do medo esteja em um ataque) ou de cachorros da mesma raça. Ela provavelmente tem medo de cães de outras raças, de diferentes tamanhos e formas. Alguns medos são tão intensos que ver fotos ou apenas pensar em cães produz certas respostas de medo, ainda que de magnitude menor que as eliciadas pelo estímulo fóbico original. Figura 2.11 Dessensibilização sistemática: expõe-se o indivíduo gradativamente a estímulos que eliciam respostas de menor magnitude até o CS original não mais eliciar a resposta em questão. Para utilizar a dessensibilização sistemática, seria necessário construir uma escala crescente de estímulos de acordo com as magnitudes que produzem, a chamada hierarquia de ansiedade. A hierarquia, portanto, envolveria uma lista de estímulos relacionados a cães, iniciando-se com aquele que eliciasse respostas de medo de menor magnitude e progredindo em escala crescente até o estímulo fóbico original, como, por exemplo: 1. Ver fotos de cães. 2. Tocar em cães de pelúcia. 3. Observar, de longe, cães bem diferentes daquele que atacou a pessoa. 4. Observar, de perto, cães bem diferentes daquele que atacou o indivíduo. 5. Observar de longe cães similares ao animal que atacou a pessoa. 6. Observar de perto cães similares ao animal que atacou o indivíduo. 7. Por fim, interagir com cães similares ao animal que atacou a pessoa. Após a elaboração da hierarquia de ansiedade, o cliente é exposto a esses estímulos sequencialmente de forma repetida. Quando o estímulo inicial não mais elicia respostas de medo, o indivíduo é submetido ao item seguinte da hierarquia da ansiedade. Desse modo, o cliente será exposto a todos os estímulos da hierarquia até que o último não elicie mais respostas de medo. A extinção de uma variação do CS fóbico original terá como efeito a diminuição da magnitude das respostas de medo diante de outras variações que lhe são similares. A extinção feita com o primeiro item da hierarquia de ansiedade, portanto, resultará em uma diminuição da magnitude da resposta de medo eliciada pelo segundo item, e assim por diante. É esse processo que resulta na extinção gradual característica da dessensibilização sistemática. É muito comum, na prática psicológica, utilizar a dessensibilização sistemática em conjunto com o procedimento de contracondicionamento. No exemplo anterior, o psicólogo poderia emparelhar aos estímulos fóbicos uma música suave que eliciasse relaxamento, por exemplo. A utilização conjunta dos dois procedimentos torna as repetidas exposições aos estímulos fóbicos menos aversivas e acelera o processo de enfraquecimento do respondente. Psicólogos clínicos têm utilizado, cada vez mais, medidas de biofeedback em suas intervenções, sobretudo intervenções nas quais a ansiedade é uma variável de interesse, como, por exemplo, nos casos em que o contracondicionamento e a dessensibilização sistemática são as intervenções de escolha. O biofeedback fornece informações aos clientes (feedback) sobre alterações em medidas fisiológicas, como, por exemplo, batimentos cardíacos, ciclo respiratório, temperatura corporal e corrente galvânica da pele. Esta última é uma medida de quanta eletricidade a pele está conduzindo e geralmente é interpretada como uma mensuração de ansiedade. O uso dessas medidas comportamentais é interessante na prática clínica, pois produz dados mais objetivos: tais medidas são obtidas utilizando-se os aparelhos de biofeedback, que apresentam uma boa precisão. É bem melhor uma medida objetiva de ansiedade, como corrente galvânica, do que simplesmente perguntar ao cliente: “Numa escala de 0 a 10, quanta ansiedade você está sentido?”. Porém, se uma medida mais objetiva, por qualquer motivo, não pode ser obtida, vale a pena, em casos como esse, fazer a pergunta anterior e registrar as respostas do cliente (de 0 a 10) sistematicamente. Sem dados objetivos, preferencialmente representados de forma numérica em gráficos e tabelas, os resultados da eficácia de um tratamento psicoterápico podem ser enganosos. Uma “palavrinha” sobre condicionamento pavloviano Costumamos dizer que algumas palavras possuem uma forte carga emocional, isto é, nos fazem sentir emoções boas ou ruins. Por que palavras, simples palavras, nos afetam tanto? Se você disser a uma criança de 3 meses de vida “Você é um inútil”, provavelmente o pobre bebê ficará olhando para você sem apresentar reações específicas. No entanto, dizer isso a alguns adultos os faz sentir emoções desagradáveis. Como as palavras passam a eliciar emoções? Parte dessa “carga emocional” das palavras pode estar relacionada ao condicionamento respondente. Tendemos a considerar palavras faladas como algo mais do que realmente são. De fato, elas são estímulos como outros quaisquer e, portanto, adquirem suas funções comportamentais pelos processos descritos neste livro. Da mesma forma que Pavlov emparelhou o som de uma sineta ao alimento, e tal som passou a eliciar no cão a resposta de salivação, emparelhamentos da palavra falada “bife” (um som) com o próprio alimento podem fazer o som dela eliciar salivação. O emparelhamento de algumas palavras com situações que eliciam sensações agradáveis ou desagradáveis pode fazer seus sons passarem a eliciar respostas semelhantes àquelas eliciadas pelas situações em que elas foram ditas. É comum, por exemplo, que palavras como “feio”, “errado”, “burro” e “estúpido” sejam ouvidas em situações de punição, como uma surra ou reprimenda. Quando apanhamos, sentimos dor, choramos e, muitas vezes, ficamos com medo de nosso agressor. Se a surra ocorre junto com xingamentos (emparelhamento de estímulos), as palavras ditas podem passar a eliciar sensações semelhantes àquela que a agressão físi