Resumo Completo de Frei Luís de Sousa (PDF)

Summary

Este documento apresenta um resumo da obra literária "Frei Luís de Sousa", um drama histórico do século XVII. O texto abrange a estrutura externa da peça, com seus atos e cenas, e a análise do comportamento dos personagens, contextualizando-os em um cenário histórico e cultural relevante para a compreensão da obra.

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lOMoARcPSD|42059280 Frei Luís de Sousa resumo completo Português (Escola Secundária Vergílio Ferreira) Verifica para abrir em Studocu A Studocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade Descarregado por rohil pravin (rohilpp21@gm...

lOMoARcPSD|42059280 Frei Luís de Sousa resumo completo Português (Escola Secundária Vergílio Ferreira) Verifica para abrir em Studocu A Studocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Frei Luís de Sousa Obra Drama romântico: drama histórico, que reflete o culto dos sentimentos fortes, próprio do Romantismo. Segue, exagerando-as, as características da tragédia. Tempo da ação: inicia-se a 28 de julho de 1599, fim da tarde; o resto da ação dá-se pela noite e pelo “alvor da manhã”, a 5 de agosto de 1599. Estrutura externa: - Ato I: palácio de Manuel 27 de julho- exposição (cenas 1-4), conflito (cenas 5-8), desenlace (cenas 9-12) - Ato II: palácio de D. João 5 de agosto- exposição (cenas 1-3), conflito (cenas 4-8), desenlace (cenas 9-15) - Ato III: parte baixa do palácio de D. João- exposição (cena 1), conflito (cenas 2-9), desenlace (cenas 10-11) Estrutura interna: espaço, tempo, exposição, conflito e desenlace Ato i - Cena 1 Monólogo de D. Madalena, em que estabelece um paralelo/comparação entre a sua vida e a relação amorosa infeliz e trágica de Inês de Castro e D. Pedro. O texto introdutório descreve um ambiente alegre e harmonioso, onde se pode constatar: a possibilidade de sair para o exterior; a entrada da luz; o contacto visual com o exterior. A luxuosa decoração, confortável, alegre, permite concluir que naquele espaço habitam seres de elevada estirpe social, de bom gosto, cultos, religiosos e felizes. O retrato de Manuel de Sousa Coutinho ocupa, “no fundo, “entre as janelas”, a centralidade da atenção por ser de “corpo inteiro”, revelando também que retrata alguém daquela casa que foi Cavaleiro da Ordem Religiosa de Malta Porém, D. Madalena deseja a felicidade, ainda que seja de curta duração, após o que morreria feliz; constata que a sua vida tem sido assolada pela desgraça, o que é visível no recurso à conjunção coordenativa adversativa “mas” e à interjeição “Oh”. Pode ser dividido em 2 partes: -1ªparte: abandona a leitura dos Lusíadas e mostra-se enleada na ideias de felicidade que bebeu no texto -2ªparte: D. Madalena reflete sobre a sua situação e revela o seu estado de espírito, marcado pela angústia, medo e “contínuos terrores”. O que marca a divisão entre os 2 momentos é a conjunção coordenativa adversativa “mas”. Nas duas histórias existe a pureza e a intensidade amorosa e a morte ou separação dos amantes. Tal como D. Madalena, a alegria de ambas foi breve pois terminou com a sua morte Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Os sentimentos e emoções evidenciados por D. Madalena ficam a dever-se ao receio de que o seu primeiro marido ainda esteja vivo e regresso, cobrindo-se e à família de vergonha. A leitura do episódio de Inês de Castro insinua-lhe o drama de um segundo casamento, realizado sob a ameaça velada de que D. João não tivesse morrido. Nos excertos das 2 obras é possível compreender que Inês e D. Madalena amam os seus companheiros. Contudo, Inês amava sem preocupações, num “engano d’alma ledo e cego”, contrariamente a D. Madalena que vivia com “contínuos terrores”. Estado de espírito de D. Madalena:  Melancólica, solitária, infeliz  Sonhadora (anseia experimentar a felicidade)  Insegura, preocupada e angustiada, sente-se destinada à morte  Mulher culta e letrada, pertencente à aristocracia Elementos trágicos da cena:  Hybris: indiretamente, através do pathos  Pathos: causador da melancolia e medo, adivinhando um destino firme e inflexível  Presságio: pela leitura do episódio  Agón: o monólogo mostra a profundidade da luta na consciência, pela culpa, e aponta a dupla personalidade (feliz por Manuel e infeliz e real por D. João)  Cena 2 D. Madalena pede a Telmo que não faça nenhuma referência junto de Maria a possibilidade do regresso de D. Sebastião que desapareceu na batalha de Alcácer Quibir. D. Madalena pretende proteger a sua filha da dúvida que ensombra a sua família, uma vez que o regresso de D. João de Portugal implicaria o fim do seu casamento com Manuel de Sousa Coutinho e a desonra da sua filha. Os apartes servem para caracterizar personagens românticas, revelando o seu estado anímico, as suas dúvidas e hesitações, contribuindo para o desenvolvimento/retardamento da ação, revelando aspetos que não são partilhados. Caracterização das personagens:  D. Madalena: - nobre - casou-se muito jovem com D. João e enviuvou com 17 anos - vive constantemente atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo, que lhe mantém esse passado bem vivo, duvidando que D. João não morreu, não conseguindo ser feliz. Vive com o remorso proveniente da consciência de pecado, por casar com Manuel de Sousa - sente-se vítima do destino  Telmo - não é nobre - tem ideias reformistas ao condenar o uso de latim na Bíblia (1ª crítica) - o seu verdadeiro senhor continua a ser D. João - confidente de D. Madalena, que reprova o 2º casamento que o via como uma traição, atormentando-a com insinuações, agouros profecias Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 - não aceia a morte do seu senhor - é sebastianista (crê que o seu amo não morreu) - faz parte do coro, alimentando o sebastianismo, anuncia desgraças próximas, profere agouros, comenta a ação dramática - os seus apartes revela a sua crença no facto de que D. João estará vivo (“Terá…”) e de que Maria terá um destino trágico  Maria - nobre - mulher-anjo - precoce, física e psicologicamente - curiosa, com uma imaginação muito fértil A relação (de grande respeito, amizade, confiança e abertura) entre Telmo e D. Madalena supera a tradicional ligação entre um criado e o seu senhor. Apresenta-se como um elemento da família de D. Madalena do que enquanto mero aio, graças aos longos anos passados ao serviço da família. Esta respeita-o e reconhece-lhe alguma autoridade sobre si, seguindo também os seus conselhos como se fosse sua filha. Madalena sofre e chora quando Telmo afirma que a jovem deveria ter nascido “em melhor estado”, pois sugere que ela era merecedora de ter nascido no seio de uma família constituída por pais casados legitimamente, sem qualquer sombra a pairar sobre ela, o que não sucede na perspetiva do aio, dado acreditar que D. João ainda está vivo. No final da conversa, Telmo reconhece que D. Madalena tem razão: se continuar a estimular o interesse de Maria pelo passado, com as suas crenças e agouros, poderá levá-la a descobrir o passado da sua mãe. Características da tragédia clássica:  Destino  Hybris, Madalena nunca amou D. João  Pathos, terrores de Madalena  Agouros e presságios  Coro, nos agouros, comentários e prenúncios de desgraças iminentes  Agón: de D. Madalena, um Agón interior; de Telmo, um Agón de consciência (com Maria e a sua possível ilegitimidade, o 2º casamento, ciúmes)  Caráter ominoso 1578 + 7 + 7 + 7 = 21 anos depois (1599) FIM DE UM CICLO PERFEITO    Batalha 7 anos de procura 14 anos (casamento com Manuel)  7 x 3 : nº da perfeição 7: tragédia, conclusão de um ciclo 3: perfeição, 3 fases da existência 21: completa a tríade do 7, indicando o fecho de um ciclo e o início de outro  Cena 3 Diálogo entre Maria e Madalena sobre o possível regresso de D. Sebastião Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Maria: acredita piamente que D. Sebastião está vivo e vai regressar num “dia de névoa muito cerrada” e fundamenta a sua posição em argumentos como a fé e a crença do povo que, segundo ela, terá toda a razão de ser. Curiosa e intuitiva, questiona por que razão o pai, sendo tão patriota, não gosta de ouvir falar no regresso do rei, que iria retirar do trono português o rei espanhol, e chega a alvitrar a possibilidade de ser pró-castelhanos, não obstante toda a sua postura patriótica, por ele revelada através de palavras e ações. Nesta cena, as palavras e atitudes de Maria revelam todo o seu extraordinário poder de observação e de análise de comportamentos. Para Maria, D. Sebastião é um herói por quem nutre grande admiração e em quem deposita todas as esperanças para resgatar Portugal das garras do domínio castelhano Telmo: crê profundamente no regresso de D. Sebastião, mantendo viva igualmente viva a esperança no retorno do seu amo, D. João de Portugal. Telmo e Maria partilham os mesmos ideais. D. Madalena: procura demover a filha e afastá-la dessas ideias, fazendo uso de argumentos racionais: (a) os relatos dos tios Frei Jorge e Lopo de Sousa, homens cultos, sobre o que aconteceu na batalha e (b) a desvalorização das crenças populares, que apresenta como quimeras (ilusões). Quando verifica que a sua argumentação não resulta, aflige-se a chora. As reações dos pais devem-se ao facto de a sobrevivência e o regresso de D. Sebastião e D. João de Portugal, cuja morte nunca fora confirmada, implicariam a nulidade do seu casamento e a ilegitimidade de Maria. Deste modo, as constantes referências ao assunto adensam os seus receios e terrores. Manuel de Sousa: perante esta possibilidade, muda de semblante, fica pensativo e carrancudo, o que mostra que não estará totalmente certo da morte de D. Sebastião, e leva a filha a, por momentos, duvidar do seu patriotismo.  Cena 4 É da essência do drama provocar situações e sentimentos incompatíveis no interior das personagens: -Maria não consegue explicar a perturbação dos pais; -D. Madalena não pode revelar a causa das suas preocupações, o que se passa no foro da sua consciência. D. Madalena parece caída nas garras de um destino inexorável: a última fala de Maria da cena IV lança nela a dúvida se teria valido a pena ter casado uma segunda vez. Presságios: -as flores murchas e os sonhos deixam antever a tragédia com que encerra a obra: a morte progressiva de Maria (ela colheu papoilas para pôr debaixo do travesseiro, por estas estarem associadas ao sono e ao sonho, acreditando que, assim, terá uma noite descansada; no entanto, as flores, que representam, entre outras coisas, a beleza efémera, murcharam rapidamente, indiciando a proximidade da morte; -a contemplação do retrato do pai remete para a intuição do malogro do casamento dos pais. Retrato físico e psicológico de Maria: Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280  Retrato físico: aspeto frágil; é doente havendo várias referências a sua saúde frágil, teria tuberculose. Tinha uma extraordinária capacidade auditiva- Maria era capaz de ouvir sons que mais ninguém conseguia ouvir.  Retrato psicológico: é perspicaz, possuí uma intuição premonitória (prevê o futuro), que é alimentada pelos sonhos e pelas deduções a partir do que vê, do que ouve e do que lê. É corajosa e destemida, idealista, utópica.  Sebastianista e nacionalista, porta-voz da sabedoria do povo; idealista e patriota  É muito precoce  Pensa muito: passa as noites em claro, a rever as suas atitudes e as dos pais, para tentar descobrir as razões da sua preocupação, por considerar que há algo que não lhe é revelado- O poder intuitivo  Modelo da heroína romântica: - ideais de liberdade -Exaltação do povo - crença na independência nacional -intuição -doença da tuberculose Retrato de D. Madalena:  Sofre com as palavras de Maria  Grande tensão psicológica, agravada pela menção inconsciente de Maria a aspetos que a aterrorizam  Manifesta preocupação perante a precocidade de Maria Retrato de Telmo:  Presença silenciosa  Contribui para o clima de opressão  Aparenta resignação e convencimento  Manifesta preocupação com a debilidade de Maria Características da tragédia clássica:  Agón: - Madalena: com Maria (razão pelos pais não acreditarem no sebastianismo e o pai mudar de semblante) e com D. João (nas reações de aflição) - Maria: com Madalena (sebastianismo), com Manuel (duvida do patriotismo dele) e com D. João (pressente que *alguém* faz sofrer a mãe e ela, sonhando com tal coisas)  Cena 5 Notícias trazidas por Frei Jorge:. saída dos governadores de Lisboa. intenção de se hospedarem na casa de Manuel de Sousa e D. Madalena. Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Estas contribuem diretamente para o desenvolvimento do conflito. Os governadores tencionam sair de Lisboa, para fugirem à peste, e instalar-se em Almada, na casa de Manuel de Sousa. Reações das personagens:  Maria Manifesta o seu patriotismo e considera a intenção dos governadores um ato de cobardia, visto que abandonam o povo, deixando-o entregue à peste e à miséria, e um ato de tirania que deve ser combatido pelo exército do seu pai. Por outro lado, revela um grande sentido cívico e grande sensibilidade para com as injustiças: ela não aceita que os governadores, que deveriam zelar e cuidar do povo e do seu bem-estar, o abandonem à sua sorte, para se protegerem. Relativamente a recebê-los em casa, rejeita impetuosamente essa hipótese, defendendo que se deve pegar em armas para os combater. Esta é uma visão romântica do poder e das reais forças das partes em conflito.  D. Madalena Reage à notícia de forma mais comedida, mas não deixa de se mostrar indignada com a situação. Por outro lado, perante o sebastianismo da filha, que defende o regresso de D. Sebastião, mostra a sua descrença, apoiando-se em elementos mais concretos, isto é, nos relatos dos tios Frei Jorge e Lopo de Sousa, e defende que as crenças do povo são ilusões.  Cena 6 Miranda anuncia a chegada de Manuel de Sousa Coutinho. É revelada a doença de Maria, manifesta uma acuidade auditiva e visual. Frei Jorge é o mensageiro portador de notícias e cumpre a função do coro (conselheiro- moderação e sensatez- portador de notícias, expressa indícios do que o futuro irá trazer) Características da tragédia clássica:  Agón: de Maria com - o pai: a hipótese da falta de patriotismo não tem fundamento - com os governantes  Presságio: na última fala, Frei Jorge expressa a sua preocupação com a saúde de Maria, podendo presumir-se que não irá resistir  Cena 7 Chegada de Manuel com a decisão de partir, com a família, para o palácio de D. João, em virtude de os governadores quererem hospedar-se no seu palácio. Estrutura interna da cena:  1ªparte- chegada de Manuel Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 A chegada de Manuel de Sousa foi um acontecimento imprevisto pelas circunstâncias presentes e passadas, como a sua demora em Lisboa. D. Madalena presume a ocorrência de impedimentos graves, para Manuel de Sousa faltar à palavra dada. Manda, por isso, chamar Frei Jorge, o qual a põe ao corrente do que lhe “mandaram dizer em muito segredo de Lisboa”: os governadores, para fugirem à peste, resolveram vir para Almada e escolheram o palácio de Manuel de Sousa para “aposentadoria”. Caracterização de Manuel de Sousa:. nobre;. agitado e nervoso;. autoritário;. decidido e determinado- pragmático;. caráter inflexível;. precipitado;. audaz e corajoso; Tenso e inquieto, mostra-se revoltado e indignado porque os governadores ao serviço de Espanha querem hospedar-se no seu palácio e ele, como patriota, opõe-se a esse propósito. A resolução imperativa e irremediável está presente nesta fala: «É preciso sair desta casa, Madalena”. Ora, a expressão «é preciso» marca a fatalidade, combinada com a irreversível imediatez do advérbio: «sair já». NOTA: A mudança do «fim da tarde» para «noite fechada» está de acordo com o que vai acontecer, quer na família, quer no palácio; neste, permite um final espetacular e simbólico.- afunilamento do tempo  2.ª parte – Reações das personagens à decisão de Manuel de Sousa.. Madalena: inquieta, receosa, preocupada, pressente desgraças, procura demover o marido. Maria: orgulhosa, contente, vibrante, apoia o pai. Frei Jorge: mediador de conflito (concordando com D. Madalena, aconselha prudência- coro- ; concordando com Manuel, aceita a mudança de morada);  3.ª parte – Decisão de mudar a família para o palácio de D. João de Portugal. A Fatalidade parece falar pela boca de Manuel: aquela era a única saída, a única alternativa, perante o aperto em que as personagens parecem encurraladas. - Postura e retrato de Manuel de Sousa Manuel de Sousa mostra-se um homem honrado, patriota, valente e corajoso, ao enfrentar e insurgir-se contra o poder espanhol, pretendendo dar-lhe uma lição exemplar, pois essa rebeldia poderia acarretar uma punição severa. - Reação das personagens - Maria: exulta com a decisão do pai, que apoia, elogiando o seu patriotismo; - Frei Jorge: apoia também a decisão, mas aconselha o irmão a ser prudente; (apazigua os receios de Madalena e é confidente de Maria) - D. Madalena: a reação desta personagem varia ao longo da cena. Assim, no início mostra-se inquieta com a decisão do marido, alertando-o para as consequências de atos imoderados, temendo a reação dos governadores. Porém, quando fica a saber que Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Manuel de Sousa quer mudar a família para o palácio de D. João, fica apavorada, como se pode constatar pela sua linguagem repleta de reticências, pausas, interrupções, hesitações, repetições (“Ouve… ouve…”) e no pedido para ficar só com o marido na tentativa de o demover. De facto, inicialmente, controla o pânico, com dificuldade, para não atemorizar a filha, por isso espera que esta saia para reagir.  Cena 8 Diálogo ente Madalena e Manuel, durante o qual ela o tenta demover da decisão de se mudarem para o palácio de D. João e este se mostra inabalável. Concretiza-se a ideia de que, em Madalena, a contradição entre a felicidade aparente e a desgraça íntima revela uma consciência moral atormentada pela imagem sempre obsessivamente presente de D. João, mordida pelo remorso proveniente da consciência de pecado. Motivações de ordem psicológica e moral profundamente enraizadas na psicologia desta personagem, movimentada dentro do quadro de uma sociedade cristã, onde o matrimónio é um vínculo indissociável que só a morte poderá quebrar, conduzem a reações e ao comportamento desta figura, cheia de ambiguidades, forte no amor, na paixão por Manuel de Sousa, fraca perante os agouros, os presságios, os indícios de “uma grande desgraça” iminente, lutando até ao fim pela felicidade, procurada mas nunca alcançada plenamente, rendida contra vontade perante o Destino que a destrói. As reticências são uma abertura pela qual os espectadores observam o seu íntimo conflito de consciência. NOTAS: 1.) Existe um contraste nesta cena entre a linguagem serena, decidida, de Manuel de Sousa e a de D. Madalena, hesitante, emotiva e excitada. Estão frente a frente dois mundos: o universal e o individual; estão frente a frente dois tempos: o presente e o passado. Ela tem um discurso sentimental, marcado por emoções violentas. De acordo com a época em que vive, é submissa ao marido, apelando ao seu coração para o dissuadir, mas ele tem um discurso racional, mostrando-se forte e seguro, impondo a sua decisão, baseado em argumentos sólidos. 2.) As duas personagens vivem um conflito dominado pelo tempo. Neste campo, a palavra caprichos tem um significado diferente para ambos. Para Manuel de Sousa, trata-se de uma teimosia incompreensível; para D. Madalena, trata-se de uma questão de vida ou de morte, um dilema fatal. Um minimiza a situação, o outro empola-a. 3.) Manuel de Sousa desvaloriza os argumentos da esposa. D. Madalena argumenta com base na emoção, condicionada pelo medo e pelo terror de que a figura de D. João interfira na felicidade da família. Os seus argumentos são óbvios: pressente que não vai ser feliz e pressente que irá encontrar, na outra casa, a sombra despeitosa de D. João. O marido considera que esta argumentação não é razoável, tratando-se de um mero capricho, causado pela “fraqueza de acreditar em agouros”. Pelo contrário, ele mostra ser racional e pragmático. No final, chama D. Madalena à razão e lembra-lhe a sua condição e as responsabilidades que tem, o que implica que tenha um comportamento digno e firme, visto que a situação assim o exige. 4.) A afirmação de Manuel de Sousa de que “não há espectros que nos possam aparecer senão os das más ações que fazemos” significa que apenas se devem temer os erros que se cometem conscientemente e mostra que desconhece a motivação profunda de D. Madalena para recusar mudar para o palácio de D. João. Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 5.) A alternância de tratamento de D. Madalena (senhora / tu) explica-se assim: no primeiro caso, realça-se a sua condição social – Manuel de Sousa pretende mostrar severidade para chamar a sua mulher à razão e aos seus deveres de membro da aristocracia, que não se coaduna com o facto de acreditar em agouros e superstições, pelo que nada deve temer; no segundo, a sua situação de esposa – ele manifesta ternura e compaixão pelo sofrimento da mulher – funciona como um argumento para convencer D. Madalena a aceitar a mudança para o Palácio de D. João. 6.) Na sua fala final, Manuel de Sousa reitera a sua intenção de dar uma lição aos tiranos e um exemplo ao povo, afirmando que se tratará de algo que os há de «alumiar». Este verbo pode ser interpretado de duas formas: por um lado, com o sentido de “dar luz”, revelando a decisão de incendiar o próprio palácio (cena XI); por outro, com o sentido conotativo de “esclarecer”, como um incentivo à oposição e à recusa da tirania. 7.) As figuras dos esposos apresentam traços psicológicos que se opõem claramente: Manuel: razão, honra, firmeza, patriotismo Madalena: agouros, pressentimentos, fragilidade, descontrolo emocional (ver mais) Elementos trágicos (cenas 7 e 8):  Agón de D. Madalena: - com Manuel de Sousa: Madalena vê-se forçada a sair do palácio e habitar o palácio de D. João - com D. João de Portugal: relutância de voltar a viver sob o mesmo teto em que fora esposa de D. João.  A presença do Destino, que estabelece um clima de fatalidade que paira sobre as personagens.  Os agouros e pressentimentos de destruição e morte, como o da espada, que sufocam D. Madalena.  O pathos de D. Madalena  Cena 9 Telmo traz a notícia da súbita chegada dos governadores a Lisboa. Manuel de Sousa sente-se enganado por eles, mas não o apanharam desprevenido.  Cena 10 Saída precipitada das personagens da casa.  Cena 11 Este monólogo de Manuel de Sousa exemplifica a sua determinação, coragem e patriotismo. O seu foco está no afrontar os governadores: se for caso disso, está disposto a perder os seus haveres e até a sacrificar a própria vida, que considera efémera. Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Função da cena: só nesta cena se compreende cabalmente o plano de Manuel de Sousa e, por conseguinte, a necessidade de abandonar a sua casa. Presságio : A evocação por Manuel de Sousa da morte desastrosa do pai (caiu sobre a própria espada) associa esta morte a uma morte provável, no meio das “chamas ateadas por suas mãos”. É mais uma prolepse da desgraça que irá suceder. Por outro lado, esta passagem chama a atenção para a ideia de que é o homem que constrói o seu destino e de que todas as ações acarretam consequências. “chamas ateadas por suas mãos” são chamas do amor adúltero.  Cena 12  O incêndio do palácio de Manuel de Sousa: - é um acontecimento imprevisto, significativo e dinâmico: implica o antagonismo entre o patriotismo de Manuel de Sousa e a “tirania” dos governadores; - altera gravemente a situação das personagens: D. Madalena, esposa ilegítima, adúltera e bígama, volta novamente para o palácio onde tinha sido esposa legítima de D. João de Portugal; por seu lado, Manuel de Sousa vai para o palácio de D. João como um intruso e usurpador de um lugar que não podia ocupar legitimamente; - precipita o desfecho pelo retorno de D. Madalena ao passado, à casa fatal, onde irão suceder os acontecimentos trágicos mais importantes e significativos, ou seja, as desgraças profetizadas por Telmo, vividas na consciência atormentada de D. Madalena, indiciadas pela perda do retrato de Manuel de Sousa, anúncio fatal da “perda” da personagem retratada, e ainda o incêndio do palácio, destruidor da “casa”, no duplo sentido de edifício e de família.  Simbologia do incêndio: - O incêndio e a destruição do retrato representam a antecipação da morte de Manuel de Sousa. O fogo que consome o quadro vai permitir igualmente a purificação da personagem. De facto, após a morte de Manuel de Sousa para a vida mundana, dá-se a sua ressurreição espiritual como Frei Luís de Sousa, um dos grandes prosadores portugueses do século XVII.  Elementos trágicos: - Hybris: de Manuel (amor-paixão por Madalena e a rebeldia para com as autoridades) - Destino (quando fala sobre o pai deste) - Presságios (incêndio e a destruição do retrato) - Peripécia (incêndio e a mudança do palácio) - Pathos (intensifica-se progressivamente- clímax- até ao incêndio) Ato ii  Cena 1 Apresenta um espaço nostálgico, um pouco sombrio, triste, onde se impõem figuras nobres e religiosas de séculos antigos. O ambiente fechado parece escassamente iluminado, evidenciando-se os reposteiros pesados de tecidos espessos de amplas dimensões, por um lado, indiciando que ocultam algo, por outro lado remetendo para a ideia de que uma vez descerrados, se passará para um outro espaço que estará ligado a uma qualquer desgraça ou fatalidade. A decoração é, neste ato, triste, sombria, luminosa, anunciando já os acontecimentos funestos que ali ocorrerão. Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Há alteração da perspetiva de Telmo sobre Manuel de Sousa, considerando-o agora “um português às direitas”. Nesta cena, há uma inversão de papéis entre mãe e filha relativamente aos presságios de desgraça. De facto, no Ato I, D. Madalena, apesar de viver aterrorizada pelos seus medos e pelos agouros de Telmo, procurava passar a ideia de que não acreditava em presságios, para tranquilizar a filha. No entanto, no início deste ato, os papéis invertem-se: o terror e o pânico de D. Madalena quando entra no palácio de D. João impedem-na de manter a aparência de tranquilidade que assumira perante a filha. Agora, é esta quem assume o papel de adulta, fingindo não acreditar em crenças e agouros para tranquilizar a mãe. A partir de uma fala de Telmo (“Já o estava, se ele quisesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso.”), ficamos a saber que Manuel, se tivesse mentido, dizendo que o incêndio se ateara acidentalmente, poderia ser ilibado mais rapidamente, porém essa atitude levaria a que o seu ato patriótico perdesse grandeza (“… era desculpar com a vilania de uma mentira o generoso crime por que o perseguem”). Significado dos retratos para Maria:  D. Sebastião: simboliza a esperança dado que é o rei, querido e admirado.  Camões: simboliza o herói aventureiro, representante do ideal de poeta e guerreiro.  D. João: simboliza curiosidade de Maria pela reação da mãe. A forma enigmática como a cena termina revela que Maria pressente a verdade, ou parte dela, relativamente à história de D. João de Portugal (“Mas o outro, o outro… quem é este outro, Telmo? […] e aquela mão que descansa na espada, como quem não tem outro arrimo, nem outro amor nesta vida…”.) Reação das personagens à mudança de palácio:  Maria: determinada, muito convicta numa desgraça iminente, ama e admira o pai, sebastianista e obcecada com o passado (na contemplação dos retratos- revela fascínio pelos retratos de D. Sebastião e de Camões mas curiosidade pelo retrato de D. João)  D. Madalena: aterrorizada, inquieta, doente, tendo pesadelos com a destruição do retrato do seu marido, que prevê uma tragédia  Telmo: aterrorizado com os agouros de Maria Elementos trágicos:  Pathos de Madalena (agouros e presságios) e de Maria (sebastianismo)  Hybris de Manuel (recusa o perdão dos governadores)  Agón de Madalena (ao ver o retrato de D. João), de Telmo (pelas reticências, e o antigo conflito com Manuel) e de Maria (por saber que Telmo está a mentir)  Adensamento do clima trágico (D. Madalena não só se aproxima do 1º marido psicologicamente mas também fisicamente)  Cena 2 Manuel revela a Maria a identidade do retratado e aconselha a filha a dedicar-se mais a atividades próprias da sua idade. Manuel de Sousa veio a casa de dia, embora encoberto com uma capa e um chapéu. Anda escondido para escapar à perseguição dos governadores. A afronta dos incêndios leva a que Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 tenha de ir a sua casa disfarçado e de forma oculta. Perante a preocupação e a inquietação da filha (“Mas de dia!... Não tendes receio, não há perigo já?”), Telmo tranquiliza-a, dizendo-lhe que o maior perigo de represálias por parte dos governadores castelhanos já tinha passado. Maria dedicava-se aos estudos, lia muito, questionava tudo, o que era invulgar para a sua idade. Por outro lado, era uma jovem doente e a falta de distrações, de brincadeiras adequadas à sua idade acentuam a sua debilidade. Além disso, os estudos eram ocupação de homens, não de mulheres, mesmo aristocratas, que apenas deviam saber o necessário para a sua condição na época.- Maria é curiosa, precoce, perspicaz, com uma intuição apurada. Nota: passagem do tratamento por Manuel de “tu” para “você” para Maria constitui uma repreensão carinhosa. Manuel é um bom pai, atento, franco, honesto culto com uma profunda fé. Elementos trágicos:  Agón: conflito de D. João com Maria e com o Telmo, até ser revelada a identidade do retrato.  Cena 3 Manuel de Sousa, logo na sua primeira fala, desafia o Destino: estas palavras despretensiosas e risonhas cortam o tom solene, quase de sermão, com que Manuel de Sousa, momentos antes, interpretara a “grande propensão (da filha) para achar maravilhas e mistérios nas coisas mais naturais e singelas”, e lhe dera uma interpretação teológica sobre os segredos inefáveis de Deus. Estas palavras possuem, contudo, um sentido oculto, talvez até de trágica ironia: com elas, mais uma vez Manuel de Sousa desafia o Destino. E este pega-lhe nas palavras tão imprudentemente proferidas: Manuel de Sousa terá de renunciar a tudo e vestir o hábito de S. Domingos. Manuel de Sousa procura persuadir Maria de que não faz sentido acreditar em presságios, dizendo-lhe que a única coisa que não se pode explicar é a Fé; tudo o resto deve ser analisado à luz da razão. Prossegue nesta cena o conflito de Manuel de Sousa com D. João. Ele louva as nobres qualidades de alma deste, a sua grandeza e valentia, a força de vontade, serena, mas indomável, que nunca foi vista mudar, mas a realidade é que Manuel entrou naquela casa, está no ambiente em que D. João vivera com D. Madalena, aparentemente como senhor da casa, na ambígua situação de usurpador, de intruso. Presságios: ▪ As palavras de Manuel de Sousa a propósito de parecer um frade constituem um novo indício de fatalidade. Sem saber, Manuel de Sousa antecipa, simbolicamente, o desfecho da peça, altura em que D. Madalena e ele ingressarão em conventos da Ordem de S. Domingos. ▪ A comparação irónica de Manuel de Sousa a um pregador – “(…) não dirão que sou da Ordem dos Pregadores?” ▪ A resposta de Manuel à fala de Maria, que afirma ter pena de D. João ter morrido na batalha de Alcácer Quibir: o pai lembra-lhe que, se ele estivesse vivo, ela não existiria e a família seria destruída, o que deixa Maria angustiada. Isto indicia o desfecho trágico: a alusão ao facto de a vida de D. João implicar a não existência de Maria. Se, no passado, o regresso do cavaleiro Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 inviabilizaria o seu nascimento, no presente, acarretará a sua morte, ou seja, ela sofrerá a vergonha de ser filha ilegítima. ▪ A comparação do palácio de D. João a um convento – “isto é quase um convento aqui” – e a fala “a morte – e a vida que vem depois dela tão diante dos olhos sempre “ - antecipam uma mudança na vida da família e antecipam o desfecho da obra: é ali que Manuel e Madalena vão professar e tomar o hábito.  Cena 4 Frei Jorge abre a cena saudando efusivamente Maria: “Ora alvíssaras, minha dona sobrinha!” Esta expressão era usada quando alguém pretendia obter uma recompensa (“alvíssaras”) por trazer boas notícias. Neste caso, Frei Jorge usa-a metaforicamente, para anunciar à sobrinha que lhe traz uma boa notícia: os governadores perdoaram a seu pai o facto de ter incendiado o palácio. Frei Jorge aconselha o irmão a que o acompanhe a Lisboa, porque deseja que Manuel faça parte da comitiva que trará o arcebispo para Almada, como forma de lhe agradecer a intervenção no caso, persuadindo os demais governadores a perdoarem-lhe a afronta. Note-se como repetem a expressão «os outros», referindo-se aos que governam em nome do rei castelhano, mostrando que não os querem nomear. No fundo, é uma forma de mostrar desprezo por eles. Manuel de Sousa concorda e anuncia que também tem necessidade de se deslocar a Lisboa para falar com a abadessa do convento das freiras no Sacramento. Maria decide acompanhá-lo para visitar a tia Joana de Castro, por quem nutre grande admiração. Tudo se prepara, pois, para que Madalena fique só, desprotegida e vulnerável, angustiada pelos seus terrores, para enfrentar a chegada do Romeiro. A atmosfera trágica adensa-se. A referência à tia Joana de Castro constitui um presságio de desgraça (vide cena 8, Ato II), dado que, juntamente com o seu marido (D. Luís de Portugal, Conde de Vimioso), optou pela vida religiosa. De facto, este casara com D. Joana de Castro e Mendonça, depois de ter sido resgatado do cativeiro de África. O casal teve filhos. Subitamente, porém, foram tocados pelo tédio do mundo e da vida, e entrou cada um no seu convento.  Cena 5 Esta cena repõe aparentemente a ordem e a tranquilidade na família. Como o marido já não precisa de se esconder, D. Madalena sente-se “curada” e Frei Jorge incentiva-os a usufruir da felicidade como uma dádiva divina. Contudo, a alusão a sexta-feira, um dia muito temido por D. Madalena, e a ausência do marido, da filha e do próprio Telmo indiciam a vulnerabilidade da personagem, que ficará confirmada com a chegada do Romeiro. O confronto, cara a cara, entre D. Madalena e o primeiro marido prepara-se. Manuel de Sousa sente-se apreensivo com o estado psíquico da esposa, que, embora procure disfarçar, está cada vez mais insegura, receosa e vulnerável. Por outro lado, perante o crescimento da preocupação e da ansiedade de D. Madalena quando lhe diz que tem de ir a Lisboa nesse dia (“A Lisboa… hoje!”), pois aquele dia é aziago e muito receado por ela, enquanto homem racional, Manuel de Sousa apresenta-lhe argumentos racionais que justificam a viagem. Assim, (1) explica-lhe que, por uma questão de gratidão, deverá deslocar- Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 se à capital para acompanhar o regresso do arcebispo a Almada. Além disso, (2) acrescenta que estará de volta a casa ao anoitecer e que, posteriormente, não sairá de junto dela durante o tempo que desejar. Além disso, mais uma vez fica patente o contraste que caracteriza o casal: Madalena é uma mulher sentimental/emotiva, perseguida pelos agouros e ligada ao passado, do qual não se liberta, com problemas de consciência, enquanto Manuel é um homem decidido e racional, íntegro e sem problemas de consciência que o atormentem. Presságios: ▪ O advérbio de tempo «hoje» é repetido 13 vezes nesta cena, constituindo um símbolo da desgraça, um mau augúrio. A sua repetição indicia que algo muito importante vai suceder nesse dia. ▪ A referência à “santa freirinha” (Sóror Joana), “que tanto deixou para deixar o mundo e se ir enterrar num claustro.” antecipa o destino de D. Madalena. ▪ A sexta-feira é um dia aziago, de mau agoiro.  Cena 6 Esta é uma cena rápida, girando em torno de Maria, após a sua saída de cena para se preparar para a viagem a Lisboa. Manuel argumenta em defesa da filha, afirmando que a ida lhe fará bem, pois ela necessita de se distrair, de sair de casa, mudar de espaço. Só assim se evitará que esteja sempre a pensar nos mesmos assuntos. D. Madalena declara que quer que Telmo acompanhe Maria: “Telmo que vá com ela; não o quero cá.” Por que razão deseja ela tal coisa? D. Madalena não quer ficar sozinha com Telmo, pois teme que se repita o diálogo da cena II do Ato I e que a atormente com os seus presságios, nomeadamente com as dúvidas em torno do regresso de D. Sebastião e D. João. Assim sendo, deseja que ele esteja longe, sobretudo naquele dia tão marcante para ela. Perante o marido, justifica-se dizendo que Telmo e Maria necessitam um do outro e que ele, estando velho, a põe a cismar: “… e entra-me com cismas que…”. Tal como sucede ao longo da peça, D. Madalena receia a presença de Telmo. Nas falas de D. Madalena, assumem grande relevância as reticências, que indiciam a falta de argumentos de D. Madalena para explicar o desejo de que Telmo não fique em Almada. De facto, as reticências mostram que a personagem interrompe as suas frases, como se procurasse um argumento minimamente convincente. O seu discurso é o de quem fala movido pela emoção e não pela razão, por razões convincentes.  Cena 7 O discurso de D. Madalena demonstra a sua preocupação e ansiedade: repetições, cortes nas frases, exclamações, mudança de tom de voz, recomendações a todos que acompanham a filha. Manuel de Sousa Coutinho e Maria consideram a hipótese de já não ir a Lisboa, tal é o choro de D. Madalena, que se despede dramaticamente do marido (“Adeus, esposo do meu Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 coração!”) e, além dos muitos conselhos que dá (“Maria, minha filha, toma sentido no ar, não te resfries. E o sol… não saias de baixo do toldo do bergantim. Telmo, não te tires de ao pé dela.”), revista tudo o que a filha leva, para que não lhe falte nada. Tendo em conta que a viagem é curta (de Almada a Lisboa e regresso) e breve (regressarão naquele mesmo dia), como se justifica todo o dramatismo de D. Madalena? Ela pressente que esta partida, esta despedida, não é momentânea, de horas, mas para sempre. As cenas seguintes comprovam que tem razão, já que, quando se reencontrar com o marido e com a filha, o seu casamento e a sua família presentes não são mais viáveis, pois está confirmado que D. João de Portugal está vivo através do seu regresso na pele do Romeiro. Assim sendo, esta é a última vez que se veem enquanto elementos da mesma família. Por exemplo, D. Madalena e Maria só tornarão a ver-se no momento em que a primeira se prepara para ingressar no convento. D. Madalena, nesta cena, mostra-se muito carinhosa com Maria e zelosa e preocupada com o seu bem-estar, envidando todos os esforços para que nada lhe aconteça ou falte. Maria, por sua vez, procura acalmar a mãe, mas, na realidade, sente-se profundamente abalada com a tristeza e o sofrimento que D. Madalena deixa transparecer.  Cena 8 Revela o estado de preocupação de D. Madalena, agravado pela referência ao exemplo da Condessa de Vimioso, que Manuel de Sousa refere numa tentativa vã de a tranquilizar. Caracterização das personagens:  Madalena: fraca, insegura, inquieta, sentimental e emotiva  Manuel: mais racional e sensato do que a esposa, firme, decidido, objetivo, dedicado, carinhoso e seguro, protegido por Deus Elementos trágicos:  Pathos de Madalena (p seu sofrimento que impregna a obra de um cariz trágico)  Os presságios (receio, terrores, a história dos condes de Vimoso- antecipa a separação de D. Madalena e Manuel de Sousa, que serão obrigados a seguir o exemplo de D. Joana e do marido, estabelecendo-se um paralelo entre os dois casais.)  Cena 9 Esta cena é constituída por uma única fala, sob a forma de monólogo, de Frei Jorge. Nela, o frade, que até ao momento se tinha mantido distante de agouros e sempre racional, qual coro da tragédia clássica, deixa-se contaminar pelo clima ominoso criado e também ele começa a adivinhar que se aproxima uma tragédia. Função do monólogo: Jorge transmite os seus pensamentos mais íntimos, reafirmando, angustiadamente, o pressentimento de uma iminente tragédia, que ele quer esconder a todo o custo da sua família. Por outro lado, o monólogo, para o leitor, constitui uma preparação, um indício trágico de uma desgraça futura. Frei Jorge desempenha, de novo, uma função idêntica à do Coro da tragédia clássica. As suas palavras lembram-nos mais uma vez a sua atuação moderada e sensata ao longo da peça, Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 procurando sempre minimizar as preocupações da família e moderar as suas reações. A apreensão que, agora, manifesta é, inevitavelmente, de mau agouro.  Cena 10 Madalena revela a Frei Jorge a razão que está na origem dos seus medos: amou Manuel de Sousa desde o primeiro instante em que o viu, era ainda casada com D. João; pecou, teme ser castigada. Sinais que indiciam o desenlace: Naquela sexta-feira, fazia anos que Madalena casara com D. João, que D. Sebastião desaparecera na batalha de Alcácer Quibir, que se apaixonara por Manuel de Sousa Coutinho.- “dia fatal”  Cena 11 Miranda anuncia a chegada de um romeiro, vindo da Terra Santa, que quer falar com Madalena.  Cena 12 D. Madalena manifesta toda a sua boa vontade para receber o Romeiro, nesta Frei Jorge expressa algum cuidado, pois estava-se numa época em que, de facto, havia muitos peregrinos, mas também falsos romeiros que, à custa de enganos, queriam beneficiar da caridade da aristocracia.  Cena 13 Sinais que indiciam o desenlace: O Romeiro só dará o recado que traz da Palestina a Madalena. Quando Frei Jorge pergunta ao Romeiro se é aquela a fidalga com quem deseja falar, a resposta dele:- "A mesma."- pode indiciar que ele a reconhece.  Cena 14 O Romeiro, na função de simples mensageiro portador de um recado, é admitido à presença de Frei Jorge e de D. Madalena, logo por ele identificada (II, 13) como «a mesma» a quem desejava falar. Esta fala do Romeiro pode ter dois sentidos: aquela que dizeis ser ou aquela que eu conheço muito bem. Obviamente, é o primeiro sentido que D. Madalena e Frei Jorge terão entendido. D. Madalena, frente ao primeiro marido, dialogando com ele, não o reconhece, nem sequer pela voz. Se o que lhe importava achar eram os parentes mais chegados e estes estavam reduzidos à esposa, então a censura, na maneira de ver e sentir do Romeiro, ajustava-se perfeitamente à realidade: D. Madalena contara com a morte de D. João, fizera a sua felicidade com ela, isto é, casara-se segunda vez por se julgar viúva. E desta vez com o homem que Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 sempre amou, desde que o viu pela primeira vez. Conclusão lógica: havia de jurar que não o conhecia. Das palavras do Romeiro se conclui que o dia da entrega do recado era importante para o suposto companheiro de cativeiro: "Hoje há de ser"; que dar o recado nesse dia era uma questão de vida e de morte. Para D. Madalena, este era o dia fatal, indesejado e temido, pela sobrecarga, pela acumulação de coincidências desastrosas. Para quem mandou o Romeiro (e singularmente também para o próprio Romeiro) este dia também o dia fatal, em que se cumpriam 21 anos sobre o desastre de Alcácer Quibir: 20 anos de cativeiro, mais um ano de viagem, com a agravante de os 3 últimos dias serem de marchas forçadas, para o mensageiro chegar à presença de D. Madalena no dia exato, aquela sexta-feira, o dia fatal: "Hoje há de ser". O pavor de D. Madalena vai crescendo à medida que o Romeiro vai confirmando a identidade de quem o enviou, respondendo aos sucessivos pedidos dela de confirmação, crescendo esse que é visível nas didascálias, bem como na sua linguagem: frases curtas, frases inacabadas, exclamações e reticências, interjeições e locuções interjetivas. (ver mais)  Cena 15 Agnórise. O vocábulo posto na boca do Romeiro – ninguém (pronome indefinido) – encerra uma grande carga dramática e psicológica. Por um lado, é o desenlace trágico de uma situação insustentável; por outro, resume todo o sofrimento e a desilusão do Romeiro, que nada mais pode esperar da vida familiar. De facto, o sentido da palavra é abrangente: D. João de Portugal é ninguém no sentido de não ser esperado por nenhum dos seus familiares, que organizaram a sua vida na base da sua morte; a sua própria casa já não lhe pertence, está ocupada por um intruso. Assim, o Romeiro anula-se enquanto pessoa com identidade própria, por não ter existência para os outros, por não ter a vida a que tinha direito, uma vez que a sua própria família construiu, a partir da sua «morte», uma à sua. De facto, o Romeiro fizera todos os esforços para se manter vivo na Palestina e regressar a Portugal para a sua esposa, mas esta não só já não o esperava, como também construíra a sua felicidade em cima da sua «morte». O pronome indefinido pode fazer também referência ao estado de Portugal, pela identidade perdida devido ao desaparecimento do rei D. Sebastião. Ato iii A ação do último ato tem lugar na "parte baixa do palácio de D. João de Portugal" que comunica, por uma porta, com a capela da Senhora da Piedade, na madrugada do dia seguinte. É um espaço repleto de adereços que reenviam para a ideia de uma profunda introspeção religiosa, de sacrifício e de morte, indiciando a tomada de hábito. O facto de as personagens se movimentarem num nível inferior relaciona-se com o esquema simbólico da descida. O contacto com esse nível pressupõe, assim, a passagem a outro estádio da existência humana. Verificamos que o casal morre para o mundo, para renascer sob uma outra identidade Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280  Cena i Esta primeira cena do terceiro ato liga-se à última do anterior. Essa ligação é estabelecida pela fala inicial de Manuel de Sousa: “Oh minha filha, minha filha!”. Apresentam-se as decisões tomadas após a descoberta de que D. João de Portugal está vivo (e regressou, embora deste último facto tenham conhecimento unicamente Frei Jorge, Manuel de Sousa e o arcebispo). Nota: somente o arcebispo, Manuel de Sousa e Frei Jorge conhecem a identidade do Romeiro. Caracterização de Manuel de Sousa Coutinho:  Infeliz e conturbado devido à ilegitimidade da filha e as suas consequências. Está convicto que irá morrer perante a “afronta” que lhe é feita  Considera que o casamento foi um erro e não um crime visto que as suas ações foram praticadas sem que tivesse consciência de que estava a incorrer em adultério  Sente-se culpado pela ilegitimidade da filha, pelo mal causado a D. João e pela vergonha com que cobriu o nome da família.  Considera-se mais infeliz do que o Romeiro, pois, além de tudo, carrega a certeza de ser o verdadeiro culpado pela desgraça que recai sobre todos.  O seu discurso revela emotividade através das frases curtas, apóstrofes, hipérboles, metáforas e frases exclamativas  Contraste com este do ato I: figura dilacerada, profundamente infeliz, desesperado, quer pela doença da filha, quer pela desgraça que está a abater-se sobre a família, quer por se sentir o maior culpado pela infelicidade dos outros.  Oscila entre a emotividade e racionalidade Caracterização de Frei Jorge:  Confidente e conselheiro do irmão, informa, consola e orienta-o após notícias  Não se deixa dominar pelos acontecimentos funestos Características trágicas:  Hybris: Manuel de Sousa, que chega a desejar a morte da filha face à sua ilegitimidade.  Indícios de tragédia: quando Manuel de Sousa a designa por «anjo» , prenuncia a sua morte, o seu abandono do mundo terreno, visto que os anjos não pertencem ao mundo físico terreno.  Cena 2 Telmo entra em cena, juntando-se a Manuel de Sousa e Frei Jorge, trazendo notícias sobre Maria: - Maria acordou e sente-se melhor; - Apesar de abatida, fraca e com voz lenta, o seu olhar está mais sereno e animado; - Perguntou pelo pai e pelo tio, mas não se referiu à mãe. Há que notar a hesitação de Telmo quando refere por quem Maria perguntou: «Perguntou por vós… ambos.», pois não quer dizer que ela nada questionou acerca da mãe. Esta postura de Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 Maria talvez signifique que responsabiliza a mãe pelo que está a acontecer, que a culpa pela tragédias iminente. Quando entra em cena, Telmo diz simplesmente «Acordou.», não sentindo a necessidade de identificar a quem se refere. Este comportamento justifica-se por ser desnecessária essa identificação, dado que Maria está presente no pensamento e na preocupação de todos.  Cena 3  Cena 4 Nesta cena, Telmo, num monólogo em forma de solilóquio, expressa em voz alta as suas preocupações, as suas dúvidas, em suma, o seu dilema, que tem 2 sentidos:  O sentido da fidelidade ao antigo amo, uma fidelidade que agora está em crise.  O sentido da culpa pelo facto de a fidelidade ao passado ter sido perturbada: o afeto sentido por Maria foi mais forte. O conflito é traduzido pelo recurso às reticências e frases interrompidas, as quais traduzem fielmente a dificuldade que a personagem tem em concluir os seus pensamentos, que se cruzam, atropelam e precipitam. Por outro lado, as exclamações refletem a sua emotividade, enquanto as interrogações traduzem as suas dúvidas.  Cena 5 A anagnórise cumpre nova etapa: Telmo Pais conhece a identidade do Romeiro. Nesta cena, dá-se o tão esperado encontro entre Telmo e D. João, o qual confirma que o amor por este foi suplantado pelo amor a Maria. Por outro lado, nela assistimos ao arrependimento do Romeiro/D. João e ao pedido ao velho aio para que reverta a situação criada. A cena abre com um equívoco: o Romeiro pensa que a prece de Telmo se dirige a si, quando, na verdade, o motivo da preocupação do velho criado era Maria, o que é confirmado pelo aparte: «Já não sei pedir senão pela outra.». O que permite o reconhecimento de D. João de Portugal é a voz e, posteriormente, o rosto. De facto, assim que o Romeiro entra em cena, Telmo encontra algo de estranho na sua voz, algo que lhe faz lembrar, nas inflexões, no timbre, uma voz familiar e conhecida. A repetição do pronome indefinido «ninguém» e a razão que apresenta para a sua utilização («se nem já tu me conheces!») evidenciam os seus sentimentos (perplexidade, tristeza, dor, mágoa…) e a sensação de anulação, motivada pelo esquecimento a que foi votado por todos os que lhe eram queridos, incluindo agora também a dúvida sobre o velho criado. No final, D. João de Portugal reconhece o quão imprudente, injusto e cruel foi. E reconhece também a sua anulação: ninguém queria o seu regresso, exceto Telmo e mesmo este mudou Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 de comportamento neste ato, ninguém desejava sequer que estivesse vivo, todos contavam com a sua morte e sobre ela foram construídos um amor e uma família. O objetivo do Romeiro ao procurar o seu velho criado é simples: aferir a verdade do que ouvira sobre o seu desaparecimento e o comportamento de D. Madalena e fê-lo junto de Telmo, porque era o único em quem confiava e que era seu amigo. Confirmada a verdade, D. João expõe a sua decisão: pede a Telmo que minta e diga que o Romeiro era um embuste, para poder reparar o mal infligido à atual família de D. Madalena. Mostra-se assim disposto a abdicar da sua própria existência, a anular-se enquanto D. João de Portugal, para impedir a destruição daquela família. No entanto, Telmo não acata o pedido e, apesar de reconhecer a nobreza do gesto e o caráter de D. João, questiona a possibilidade de se reverter a situação, mostrando, assim, a sua crença na inexorabilidade do Destino e o momento trágico vivido por todos. Apartes de Telmo: revelam o conflito interior entre o amor a Maria e o amor a D. João e a conclusão de que aquele superou este. Como não o consegue revelar diretamente ao seu primeiro amo, fá-lo através dos apartes, que revelam igualmente os seus sentimentos e emoções. D. João é uma identidade dupla: entidade abstrata (ato II) e concreta (ato III)  Cena 6 D. João de Portugal sai de cena, numa atitude de grande dignidade, depois de confirmar que D. Madalena já não o ama. A cena abre com novo equívoco: D. João, ao ouvir D. Madalena chamar por seu marido (“Esposo, esposo!”) e pensando que a esposa já sabe quem ele realmente é, julga por instantes que ela se refere a si e sente-se tentado a abrir-lhe a porta, como ela pedia. Por momentos, a ilusão do amor toma conta de D. João e o que solicitara a Telmo parecer ser, mas rapidamente toma consciência que a esposa se referia a Manuel de Sousa. É mais do que óbvio que D. João ama a esposa e, mesmo que por momentos, estaria disposto a abandonar todas as resoluções se ela lhe correspondesse. Quando se apercebe do equívoco (quando ela nomeia “Manuel”), D. João fica furioso e dirige- se para a porta, para se vingar de D. Madalena, provocando-lhe um choque profundo. No entanto, reconsidera e mantém a decisão que anunciara a Telmo, saindo violentamente da cena (sinal da sua deceção), o que confirma que se trata de um homem digno, íntegro, generoso, abnegado e virtuoso. Esta saída intempestiva da sala mostra também o quão solitário é e frustrado se sente. D. João de Portugal:  Simboliza as virtudes do cavaleiro cristão: amor ao rei e à pátria, combate contra os inimigos da fé, pelos quais expõe a sua vida, sujeitando-se a maus-tratos, privações, distância, ausência de notícias e saudade da esposa durante mais de 2º anos; Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280  Revela grande generosidade e grandeza de alma e caráter ao querer preservar a honra de D. Madalena, optando, não obstante a sua dor, frustração e mágoa pela perda da esposa, passar por impostor, mentiroso, apagando-se voluntariamente, para tentar remediar o problema que o ser regresso gerou e preservar a família da destruição.  Cena 7 e cena 8 A sua entrada em cena mostra-nos uma mulher «desgrenhada e fora de si, procurando com os olhos todos os recantos da casa», sinal de que quer desesperadamente encontrar Manuel de Sousa e julga que a estão a impedir. D. Madalena “vive” estas duas cenas desesperada e completamente dominada pelos sentimentos, ao gosto romântico, sem controlo sobre as suas emoções. D. Madalena deseja falar com ele por um motivo claro: tentar remediar a situação, impedir a tomada de hábito. Para tal, argumenta que talvez estejam a agir de forma precipitada, ao acreditarem nas palavras de “um romeiro, um vagabundo… um homem enfim que ninguém conhece”, mas Manuel de Sousa, tratando-a novamente pelo primeiro nome, contraria-a, jurando-lhe que o amor de ambos é impossível. Ele mostra-se decidido a aceitar o seu destino. Esta postura diferente de Manuel e Madalena é facilmente justificável: ele conhece toda a verdade, ou seja, que o Romeiro é D. João de Portugal, ao contrário dela, que ainda ignora este facto, e vê a entrada no convento como a única solução digna para a situação. Esta oscilação das formas de tratamento traduz o contraste entre o amor que Manuel de Sousa sente por D. Madalena (que lhe corresponde) e a dor de não o poder cultivar e marca a despedida emotiva entre ambos. Nota: Na parte final da cena 7, Telmo procura falar à parte com Frei Jorge. Deduz-se que o velho aio estará a tentar convencer o frade de que o Romeiro é um impostor. A finalidade é evitar a destruição da família, nomeadamente de Maria. Porém, a sua tentativa fracassou. Contrariamente a D. Madalena, o frade sabe que o Romeiro é D. João de Portugal, por isso, enquanto membro do clero, assume a defesa da verdade dos factos, impedindo Telmo de mentir para salvar Maria. Na sua perspetiva de religioso, a única solução para a situação será o ingresso na vida monástica. Pelo contrário, se tivesse aceitado a proposta de D. João via Telmo, estaria a ser conivente com uma relação adúltera e bígama. Estando D. João vivo, ali ou na Palestina, o segundo casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa era nulo. Eles viviam em pecado e Maria era uma filha ilegítima.  Cena 9 O assunto desta cena é a tentativa frustrada de D. Madalena de mudar o seu destino e o da sua família, seguida da resignação e aceitação do futuro. Evolução do estado de espírito de D. Madalena:  Inicialmente, D. Madalena mostra-se inconformada com a decisão do marido.  Posteriormente, como não vê saída para a situação, apela a Deus que a ampare, apelo esse que é traduzido pelas palavras do coro.  No final da cena, parece tomar consciência de que nada há a fazer, resigna-se e conforma- se com o seu destino. Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280 É de notar que a tomada de hábito por parte de D. Madalena não resulta da sua vontade ou de qualquer crença de que aquela é a solução adequada à situação. De facto, ela luta até ao fim pelo seu amor e, só quando se apercebe que Manuel de Sousa já partiu para a cerimónia da tomada de hábito, abdica da sua felicidade e aceita a decisão do segundo marido (“Ele foi?”; “E eu vou.”), colocando o seu destino nas mãos de Deus. Para D. Madalena, a religião constitui o derradeiro refúgio (“refúgio de infelizes”) para as adversidades da sua vida.  Cena 10 D. Madalena e Manuel de Sousa preparam-se para tomar o hábito. Por causa disso, o espaço da ação muda, passando esta a decorrer na igreja de S. Paulo. Manuel de Sousa, ao adotar o hábito, muda o nome para Frei Luís de Sousa, o qual dá o título à obra. Esta mudança de nome constitui a morte simbólica da personagem: Manuel de Sousa morreu para o mundo e, em seu lugar, surge um novo ser: Frei Luís de Sousa. O mesmo se pode afirmar a propósito de D. Madalena: “– Sóror Madalena!”. O coro dos frades testemunha a tomada de hábito de Manuel de Sousa e D. Madalena, uma ocasião de recolhimento e entrega a uma nova vida, transformando-o num momento de grandiosidade.  Cena 11 Maria entra em cena e interrompe a cerimónia da tomada de hábito dos pais, produzindo um discurso prenhe de revolta contra tudo e todos os que responsabiliza pela tragédia que se abateu sobre si e a sua família. Maria surge em cena “em estado de completa alienação”, despenteada, vestida de forma imprópria, com o “rosto macerado mas inflamado com as rosetas hécticas, os olhos desvairados”, como se pode ler na didascália inicial. A sua entrada precipitada mostra o quão perturbada está. De seguida, doente (febril) e desesperada, profere um discurso violento, revoltado e desafiador das normas vigentes na época, acabando a desejar a morte. Esse discurso é extremamente emotivo, como se pode verificar pelo recurso aos modos imperativo e conjuntivo com valor exortativo (“Mate-me”, “deixe-me”), às apóstrofes, repetições e interrogações. Além disso, são várias as frases interrompidas por ela produzidas. Esta linguagem emotiva evidencia a sua lucidez e a violência crítica das suas palavras. Por outro lado, o seu discurso é transgressor e questionador das normais sociais e religiosas dominantes, motivado pela sua revolta, que tem vários alvos:  Os comparticipantes da cerimónia  a falta de humanidade de Deus que lhe reservou um destino tão cruel e lhe rouba os pais legítimos  D. João de Portugal, que voltou para a condenar à morte  um mundo hipócrita e desumano em que os inocentes são castigados Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280  as convenções sociais e religiosas, que a obrigam a separar-se dos seus pais e condenam vítimas inocentes Maria desafia as normas dominantes ao pedir aos pais que mintam e afirma não se importar com «o outro» (D. João de Portugal), que veio dizer que ela era “filha do crime e do pecado”, o que mostra que, para si, a família tem um valor superior aos valores sociais e religiosos. O objetivo final de Maria é demover os pais da resolução de tomar o hábito. No seu discurso, Maria volta a referir-se aos sonhos e visões que a mantinham acordada e não deixavam dormir: o anjo que surgia com uma espada em chamas na mão e a atravessava entre ela e a mãe. Essa espada constituía um presságio que remetia para a separação da família e a sua destruição. Para Maria, o Romeiro-D. João de Portugal é o “homem do outro mundo”, isto é, alguém considerado morto e agora ressuscitado para atormentar e trazer a desgraça; por outro lado, é o homem do outro mundo, ou seja, de outra família, anterior à ilegal construção da sua, o qual tem direitos e os reivindica nesta hora fatal.  Cena 12 O Romeiro, numa derradeira tentativa de reparar a situação que criou e por que se sente responsável, manda Telmo intervir e dizer aos presentes que é um impostor. Maria ouve a sua voz e reconhece-o imediatamente, dado que tem uma acuidade auditiva mais desenvolvida. Cumpre-se, assim, a última etapa da anagnórise: o reconhecimento da identidade do Romeiro por Maria e pelos circunstantes. Para Maria, o Romeiro/D. João é o “homem do outro mundo”, morto e ressuscitado para trazer a desgraça e confirmar a sua ilegitimidade. Ela não aguenta a “vergonha” de ser filha ilegítima e morre. De facto, é possível considerar que o trauma psicológico que sofreu tenha agravado o seu estado de saúde debilitado (pela tuberculose), contribuindo para a sua morte. As indicações cénicas salientam o estado de espírito de Maria, nomeadamente a sua dor, o seu desespero e a sua revolta. Elas indicam os movimentos e os gestos feitos por Maria para se juntar aos pais, procurando neles um refúgio: ela agarra-os, abraça-nos, procura proteção no hábito do pai e no rosto da mãe, dirige-se aos presentes, aponta para o Romeiro, em sinal de reconhecimento, acabando por cair no chão, morta. Características românticas:  A exacerbação dos sentimentos;  O domínio da emoção e da sensibilidade;  A morte como solução para os problemas;  A intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos. Características trágicas:  Catástrofe: O Romeiro sofre uma morte psicológica- o anonimato; Telmo morre psicologicamente; Madalena e Manuel morrem para o mundo material; Maria morre fisicamente  Peripécias: tomada de hábito e morte de Maria Descarregado por rohil pravin ([email protected]) lOMoARcPSD|42059280  Catarse: a purgação das paixões humanas. Os espectadores viveram todos os sentimentos presentes na obra de modo que, no momento do julgamento final, o prato da balança se inclina a favor das vítimas. Descarregado por rohil pravin ([email protected])

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