🎧 New: AI-Generated Podcasts Turn your study notes into engaging audio conversations. Learn more

Mentes perigosas_ o psicopata mora ao lado.pdf

Loading...
Loading...
Loading...
Loading...
Loading...
Loading...
Loading...

Transcript

Ana Beatriz Barbosa Silva MENTES PERIGOSAS - o psicopata mora ao lado copyright © 2014 by Ana Beatriz Barbosa Silva copyright © 2014 by Abbs Cursos e Palestras Eireli Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma, seja mecân...

Ana Beatriz Barbosa Silva MENTES PERIGOSAS - o psicopata mora ao lado copyright © 2014 by Ana Beatriz Barbosa Silva copyright © 2014 by Abbs Cursos e Palestras Eireli Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação etc. – nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem a expressa autorização da editora. Texto fixado conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995) Editor responsável: Carla Fortino Editor assistente: Sarah Czapski Simoni Editor digital: Erick Santos Cardoso Preparação de texto: Luciana Garcia Revisão de texto: Ana Maria Barbosa e Isabel Jorge Cury Projeto gráfico: Mateus Valadares Paginação: Linea Editora Ltda. Capa: Adriana Bertolla Silveira Imagens da capa: Dimitri Otis/Getty Images 2ª edição, 2014 CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ S578m Silva, Ana Beatriz B. (Ana Beatriz Barbosa) Mentes perigosas : o psicopata mora ao lado / Ana Beatriz Barbosa Silva. – 2. ed. – São Paulo : Globo, 2014. ISBN 978-85-250-5783-9 1. Psicologia criminal. 2. Psicopatologia. I. Título. CDD: 364.3 14-12841 CDU: 364.634:159.9.019.4 Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A. Av. Jaguaré, 1485 – 05346-002 – São Paulo / SP www.globolivros.com.br Sumário Capa Folha de rosto Créditos Dedicatória Dedicatória 2 Prefácio Introdução Epígrafe 1 - Razão e sensibilidade - Um sentido chamado consciência Epígrafe 2 - Os psicopatas - Frios e sem consciência Epígrafe 3 - Pessoas no mínimo suspeitas Epígrafe 4 - Psicopatas - Uma visão mais detalhada — Parte 1 Epígrafe 5 - Psicopatas - Uma visão mais detalhada — Parte 2 Epígrafe 6 - Os psicopatas no mundo profissional Epígrafe 7 - Foi manchete nos jornais Epígrafe 8 - Psicopatas perigosos demais Epígrafe 9 - Menores perigosos demais Epígrafe 10 - De onde vem isso tudo? Ilustração Epígrafe 11 - O que podemos fazer? Epígrafe 12 - Manual de sobrevivência Epígrafe 13 - Alguma coisa está fora da ordem ANEXO A ANEXO B ANEXO C Sites úteis Telefones úteis Bibliografia Contatos da Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva Notas A todas as pessoas “de bem” que acreditam e lutam por um mundo menos violento e mais justo. A todos aqueles que de alguma forma me ajudaram a colocar as ideias no papel. Prefácio Um livro perturbador Gloria Perez escritora e novelista A gente resiste muito a acreditar na existência do MAL enquanto prática humana! Mas ele está aí, vizinho, rondando cada um de nós, e nem damos conta! O que assusta nessas pessoas é que elas parecem tão comuns, tão gente igual à gente. E, no entanto, a incapacidade de ter empatia pelo outro revela claramente que elas não são como a gente: psicopata não tem semelhante. Ele nem sabe o que é isso. Este é um livro perturbador, porque nos faz descobrir que estamos sempre correndo o risco de ser a próxima vítima. Mas, ao mesmo tempo, nos dá as únicas armas possíveis para nos defendermos deles: a possibilidade de reconhecê-los para sair de perto! Tem o mérito de tirar o psicopata do terreno do crime, onde o senso comum o confina, para mostrar que a maioria deles não chega ao assassinato, ainda que todos vivam de matar: sonhos, esperanças, a confiança que os outros depositam neles. E ainda os diferencia, no meio carcerário, daquela maioria que realmente é recuperável e merece uma segunda chance. A boa notícia, como diz a Ana Beatriz, é que eles são uma proporção muito pequena da população, de modo que podemos continuar apostando na humanidade! Panorama detalhado do comportamento dos psicopatas Arthur Lavigne advogado criminalista É com satisfação que me vejo convidado para tecer algumas considerações sobre o livro Mentes perigosas, obra tão oportuna quanto erudita que, ao se aprofundar no estudo científico e teórico do psicopata, traça os caminhos “para reconhecer e se proteger das pessoas frias e perversas, sem sentimento de culpa, que estão muito perto de nós”. Este livro, tão minucioso e detalhado, é de grande importância para a sociedade. Ele proporciona ao leitor um panorama pormenorizado do comportamento dos psicopatas, delineando prevenções, resguardos e defesas das pessoas que eventualmente venham a se relacionar com eles. Sem dúvida, a par do rigor técnico e do desembaraço com que a autora discorre nesta obra sobre a psicopatia, podemos verificar a utilidade do trabalho no sentido de estabelecer, de forma mais compreensível e útil, os meios com que os desavisados podem identificar e, por conseguinte, melhor se defender das investidas dos psicopatas. Um livro de essência autenticamente psiquiátrica demonstra que a psicopatia decorre da própria natureza do ser. Nas hipóteses dos casos enunciados neste magnífico livro da dra. Ana Beatriz, naqueles em que há ação delituosa há de se aplicar o Código Penal. Mas o direito evidentemente não se omite quanto aos demais casos. A própria Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, trouxe inúmeros institutos cautelares, para que o juiz possa não só punir o autor como tomar determinadas medidas. Não são poucas as medidas judiciais na esfera cível que instrumentaram nossa legislação, visando minimizar o sofrimento da vítima e fazer com que o autor do dano seja punido dentro de determinado limite, a ponto de desencorajá-lo a reincidir. Assim, entre outras ações, o ressarcimento por danos morais e materiais é um tipo de punição, conforme for o caso. Dessa forma, mais uma vez, parabenizo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva pelo seu admirável trabalho, útil a toda a sociedade. Mas, acima de tudo, cumprimento-a por trazer a lume uma questão que há muito vem preocupando a psiquiatria e o direito. Normais na aparência, perigosos nas atitudes Talvane M. de Moraes psiquiatra forense No momento em que recebi o convite da dra. Ana Beatriz Barbosa Silva para comentar o teor do seu novo livro, disse à autora que era louvável e corajosamente desafiadora a sua disposição de abordar um assunto tão complexo e controverso em psiquiatria: falar sobre os psicopatas. A controvérsia sobre o tema é histórica, conhecida dos profissionais de saúde mental, sendo que alguns até evitam tratar do assunto porque a discussão poderá cair em terreno movediço e cheio de dúvidas técnicas. O livro aborda, com grande profundidade e clareza didática, a questão dos transtornos de personalidade que são capazes de resultar em comportamentos antissociais graves. Transitando por uma exposição clara e cientificamente bem fundamentada, a dra. Ana Beatriz faz um criterioso estudo de tais pessoas, que tanto preocupam cada um de nós, pois têm aparência de indivíduos normais, mas são perigosas em suas ações e atitudes. Enganosas em sua conduta, tornam-se de alto risco para aqueles com quem convivem, em razão do que se passa em sua mente. Podem estar próximas a nós, imperceptíveis até o momento do ataque final. Podemos, numa cilada da vida, ser vítimas desses anormais. Trata-se de uma obra indispensável àqueles que desejam se aprofundar no mundo das diferenças psicológicas entre as pessoas, pois a diversidade do ser humano estabelece o desafio sobre o conhecimento interpessoal. Não somente os profissionais da área da saúde mental, mas todas as pessoas que desejam compreender a natureza humana devem ler este livro. Eu poderia falar muito mais, mas você, leitor, tem o direito de descobrir as revelações do livro, caminhando pelos meandros dos desafios de Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Introdução O escorpião aproximou-se do sapo, que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona para chegar à outra margem. Desconfiado, o sapo respondeu: — Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno, e eu vou morrer. Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que, se picasse o sapo, ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranquilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar. Ao final da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme. Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo, desesperado, quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente: — Porque essa é a minha natureza! Vez por outra, essa fábula surge em minha mente, seja no cotidiano profissional, seja por meio do acompanhamento das notícias diárias, pelos jornais e pela TV. Trata-se de uma história arquetípica, que ilustra exemplarmente a natureza das pessoas que serão analisadas e descritas ao longo deste livro. A ideia de escrever sobre psicopatas surgiu em razão do momento violento, desumano e marcado por escândalos que nos abate, mas também serve como um alerta aos desprevenidos quanto à ação destruidora desses indivíduos. Devo admitir minha ousadia, mas não pude resistir às inúmeras solicitações dos meus leitores, pacientes, conhecidos e amigos. Quando pensamos em psicopatia, logo nos vem à mente um sujeito com cara de mau, truculento, de aparência descuidada, pinta de assassino e desvios comportamentais tão óbvios que poderíamos reconhecê-lo sem pestanejar. Isso é um grande equívoco! Para os desavisados, reconhecê-los não é uma tarefa tão fácil quanto se imagina. Os psicopatas enganam e representam muitíssimo bem! Seus talentos teatrais e seu poder de convencimento são tão impressionantes que eles chegam a usar as pessoas com a única intenção de atingir seus sórdidos objetivos. Tudo isso sem nenhum aviso prévio, em grande estilo, doa a quem doer. Mas quem são essas criaturas tão nocivas? São pessoas loucas ou perturbadas? O que fazem? O que sentem? Como e onde vivem? Todos são assassinos? Este livro discorre sobre pessoas frias, insensíveis, manipuladoras, perversas, transgressoras de regras sociais, impiedosas, imorais, sem consciência e desprovidas de sentimento de compaixão, culpa ou remorso. Esses “predadores sociais” com aparência humana estão por aí, misturados conosco, incógnitos, infiltrados em todos os setores sociais. São homens, mulheres, de qualquer etnia, credo ou nível social. Trabalham, estudam, fazem carreiras, casam, têm filhos, mas, definitivamente, não são como a maioria das pessoas: aquelas a quem chamaríamos de “pessoas do bem”. Em casos extremos, os psicopatas matam a sangue-frio, com requintes de crueldade, sem medo nem arrependimento. Porém o que a sociedade desconhece é que os psicopatas, em sua grande maioria, não são assassinos e vivem como se fossem pessoas comuns. Eles podem arruinar empresas e famílias, provocar intrigas, destruir sonhos, mas não matam. E, exatamente por isso, permanecem por muito tempo, ou até uma vida inteira, sem ser descobertos ou diagnosticados. Por serem charmosos, eloquentes, inteligentes, envolventes e sedutores, não costumam levantar a menor suspeita de quem realmente são. Podemos encontrá-los disfarçados de religiosos, bons políticos, bons amantes, bons amigos. Visam apenas o benefício próprio, almejam o poder e o status, engordam ilicitamente suas contas bancárias, são mentirosos contumazes, parasitas, chefes tiranos, pedófilos, líderes natos da maldade. A realidade é contundente e cruel; entretanto, o mais impactante é que a maioria esmagadora está do lado de fora das grades, convivendo diariamente com todos nós. Eles transitam tranquilamente pelas ruas, cruzam nossos caminhos, frequentam as mesmas festas, dividem o mesmo teto, dormem na mesma cama... Apesar de mais de vinte anos de profissão, ainda fico muito surpresa e sensibilizada com a quantidade de pacientes que me procuram com sua vida arruinada, totalmente em frangalhos, alvejada por esses “seres bípedes” que sugam o nosso sangue e vampirizam a nossa alma. É importante ressaltar que os psicopatas possuem níveis variados de gravidade: leve, moderado e grave. Os primeiros se dedicam a trapacear, aplicar golpes e pequenos roubos, mas provavelmente não “sujarão as mãos de sangue” nem matarão suas vítimas. Já os últimos botam verdadeiramente a “mão na massa”, com métodos cruéis sofisticados, e sentem um enorme prazer com seus atos brutais. Mas não se iluda! Qualquer que seja o grau de gravidade, todos, invariavelmente, deixam marcas de destruição por onde passam, sem piedade. Além de psicopatas, eles também recebem as denominações de sociopatas, personalidades antissociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais, personalidades amorais, entre outras. Embora alguns estudiosos prefiram diferenciá-los, no meu entendimento, esses termos se equivalem e descrevem o mesmo perfil. No entanto, por uma questão de foro íntimo, e visando facilitar a compreensão, o termo psicopata será o utilizado neste livro. A parte racional ou cognitiva dos psicopatas é perfeita e íntegra, por isso sabem perfeitamente o que estão fazendo. Quanto aos sentimentos, porém, são absolutamente deficitários, pobres, ausentes de afeto e de profundidade emocional. Assim, concordo plenamente quando alguns autores dizem, de forma metafórica, que os psicopatas entendem a letra de uma canção, mas são incapazes de compreender a melodia. Com base nessa premissa, optei por não inserir trechos de letras de canções brasileiras na abertura dos capítulos, recurso narrativo que costumo adotar em minhas obras. Música é emoção, sentida com a alma. Entendo que repetir a mesma fórmula ao descrever o comportamento de criaturas desprovidas de afetividade seria, no mínimo, um contrassenso. Aqui não me proponho, sob nenhuma hipótese, a oferecer ajuda terapêutica aos indivíduos com esse perfil. Ao contrário, o meu objetivo é informar o público em geral, para que fique de olhos e ouvidos bem abertos, despertos e prevenidos. Suas vítimas prediletas são as pessoas mais sensíveis, mais puras de alma e de coração... Também tenho como propósito expor parâmetros para que possamos avaliar em que escala cada um de nós está contribuindo para promover uma cultura social na qual a psicopatia encontra um terreno fértil para prosperar. Esta obra contém histórias reais que me foram relatadas por vítimas de psicopatas, direta ou indiretamente, e casos tratados com destaque na imprensa. Não estou afirmando que os exemplos aqui citados representam autênticos psicopatas, e sim que ilustram de forma bastante didática comportamentos que um psicopata típico teria. Além disso, todos os casos apresentados se prestam muito bem à exemplificação dos mais diversos níveis de psicopatia, desde os mais leves até os moderados e graves. Dessa forma, tentei esquadrinhar e tornar o tema o mais abrangente possível, a fim de responder a uma série de perguntas que, na maioria das vezes, nos deixa absolutamente confusos. Assim, espero contribuir para que as pessoas se previnam contra as ameaças que nos rondam de forma silenciosa. Estou convencida de que falhas em nossas organizações familiares, educacionais e sociais são dados importantes e merecem estudos aprofundados e toda a nossa atenção, mas esses fatores por si sós não são suficientes para explicar o fenômeno da psicopatia. A natureza dos psicopatas é devastadora, assustadora, e, aos poucos, a ciência começa a se aprofundar e a compreender aquilo que contradiz a própria natureza humana. O conteúdo aqui exposto é denso e intrigante. As páginas percorrem a mente sombria de criaturas cuja vida parece não ter se desenvolvido totalmente. Saber identificá-las pode ser um antídoto (talvez o único) contra seu veneno paralisante e mortal. Infelizmente, a desinformação nos torna vulneráveis, indefesos como sapos tolos fisgados pelas habilidades camaleônicas dos escorpiões. Prepare-se, porque certamente você conhece, já ouviu falar ou convive com um deles. Ana Beatriz Barbosa Silva Qualquer história sobre consciência é relativa à conectividade que existe entre todas as coisas do universo. Por isso, mesmo de forma inconsciente, alegramo- nos diante da natureza gentil dos atos de amor. 1 RAZÃO E SENSIBILIDADE Um sentido chamado consciência Lembro como se fosse hoje. Fecho os olhos e lá estamos, eu e meus colegas, no anfiteatro principal do Hospital Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro. Aquilo que a princípio deveria ser mais uma das palestras do nosso vasto currículo do curso de medicina foi fundamental na minha vida profissional. Era sexta-feira, nove horas da manhã, e eu me encontrava sonolenta e exausta, em função do plantão que havia feito na noite anterior. Confesso que por uns dez a quinze minutos quase rezei para que o palestrante faltasse ao compromisso. Dessa forma, poderia ir para casa, tomar um belo banho e dormir o sono dos justos sem nenhuma pontinha de culpa. Por volta das 9h15, um homem franzino e muito branco, que trajava uma calça jeans e um discreto blusão azul, adentrou o auditório repleto de alunos, subiu no tablado e desenhou na lousa o seguinte gráfico: Em tom provocador e entusiasmado, ele entonou em voz firme e forte a seguinte questão: “O que é consciência?”. Ainda sob o impacto daquela estranha presença, que nem sequer havia se apresentado, a turma entreolhava-se de forma discreta, na expectativa de que alguém quebrasse o silêncio constrangedor que inundava o anfiteatro. Por mais estranho que possa parecer, aquele silêncio me despertou, ou melhor, toda aquela situação me intrigou de alguma forma. Sentime desafiada pelo questionamento que aquele homem havia jogado no ar! Rapidamente, ajeitei-me na cadeira, esfreguei os olhos e impulsivamente disparei: “Bom dia, mestre. Sou estudante do terceiro ano desta faculdade (UERJ) e gostaria de saber o seu nome, a sua especialidade e uma pequena explicação sobre o gráfico na lousa”. Por uma fração de segundo, percebi que tinha sido ligeiramente indelicada e também desafiadora. Quando deparei com o professor à minha frente, pude observar certo bom humor em sua fisionomia, o que foi confirmado por suas palavras: “Bom dia a todos os acadêmicos aqui presentes! Meu nome é Osvaldo e sou médico psiquiatra, professor assistente da cadeira de psiquiatria desta faculdade”. Sem pestanejar, o professor Osvaldo, dirigindo-se a mim, fez valer a lei da ação e reação: “Vejo que você está muito interessada no tema de hoje. Então, vamos iniciar nossa aula com a sua descrição sobre a consciência”. Naquele momento, percebi que o ditado “Quem está na chuva é pra se molhar” era inteiramente verdadeiro e, sem possibilidades de fuga, falei: “Professor, quando ouço a palavra consciência, dois sentimentos me vêm à cabeça: um de ordem prática, ou seja, se estou acordada ou não; e outro de ordem subjetiva, que me remete ao fato de eu ter consciência de quem sou e qual o meu papel no mundo”. Com um sorriso de aprovação nos lábios, o professor continuou: “Em parte, você já explicou o gráfico aqui colocado. De certa forma, seu ponto de vista está correto. Mas vamos nos aprofundar um pouco mais nessas questões”. Apontando para o desenho na lousa, ele prosseguiu: “ESTAR consciente é fazer uso da razão ou da capacidade de raciocinar e de processar os fatos que vivenciamos. ESTAR consciente é ser capaz de pensar e ter ciência das nossas ações físicas e mentais. Na clínica médica, podemos averiguar o estado de alerta ou lucidez que uma pessoa apresenta em determinado momento. Assim, podemos perceber, num exame clínico, o estado ou nível de consciência, que podemos identificar como: lúcido, vígil, hipovígil, hipervígil, confuso, em coma profundo etc. Todos os termos atestam o nível de percepção que temos em relação ao mundo. “Alguém que utilize certas doses de álcool, por exemplo, pode apresentar o seu nível de consciência reduzido (hipovígil) ou até mesmo atingir o estado de coma. De forma inversa, as anfetaminas (estimulantes) — muito utilizadas em dietas de emagrecimento — costumam fazer o cérebro trabalhar mais depressa, deixando as pessoas mais ‘acesas’, ‘elétricas’, com a fala rápida, e podem provocar insônia e muita irritabilidade. Esse estado é conhecido como hipervigilância.” Finalmente alguém falava de forma clara como deveríamos iniciar um exame clínico dos nossos futuros pacientes. Entusiasmados e atentos às explicações do professor, fizemos inúmeras perguntas sobre acidentes automobilísticos, traumatismos cranianos, substâncias tóxicas e tantas outras situações que podem alterar nossos níveis de consciência. A segunda parte da aula não se tratava mais de identificar o estado ou nível de consciência de alguém, mas sim de algo muito mais complexo. Agora a questão era “SER ou não SER”. “Ser consciente não é um estado momentâneo em nossa existência, como dito anteriormente. Ser consciente refere-se à nossa maneira de existir no mundo. Está relacionado à forma como conduzimos nossa vida e, especialmente, às ligações emocionais que estabelecemos com as pessoas e as coisas em nosso dia a dia. Ser dotado de consciência é ser capaz de amar!”, concluiu o professor. Ao soar o sinal, a maioria da turma se levantou, esvaziando o anfiteatro. Por alguns minutos, fiquei ali, pensativa, como se algo tivesse me atingido de forma estranha e paralisante. Vi o professor Osvaldo saindo; de longe, ele fez um gesto discreto de despedida ao qual, sem querer, não consegui responder. Na minha mente, duas palavras ecoavam estridentes: consciência e amor! Eu não sabia explicar o porquê, mas, naquele momento, fui tomada por duas inquestionáveis certezas: eu estava lúcida (vígil) e experimentava uma emoção maravilhosa e transcendente de ser uma pessoa consciente. De lá para cá, muitos anos se passaram, mas aquela aula — em especial, a sua parte final — foi decisiva na minha vida. A partir daquele dia, exercer a psiquiatria passou a ser parte inseparável da minha existência. Eu tinha a consciência de que a minha profissão seria um canal por onde emoções muito boas transitariam por toda a vida. Ser consciente é ser capaz de amar Como visto na aula do professor Osvaldo, o termo consciência é ambíguo, sugerindo dois significados totalmente distintos. E por isso mesmo é compreensível que, a esta altura, o leitor esteja confuso. Na realidade, a consciência é um atributo que transita entre a razão e a sensibilidade. Popularmente falando, entre a cabeça e o coração. Falar sobre consciência pode ser uma tarefa fácil e difícil ao mesmo tempo. O fácil são as explicações científicas sobre o desenvolvimento da consciência no cérebro, que envolvem engrenagens como atenção, memória, circuitos neuronais e estruturas cerebrais, as quais só serviriam para confundir um pouco mais. Nada disso vem ao caso agora; pelo menos não é esse o meu propósito. Portanto, esqueça! Aqui, vou considerar o lado difícil, subjetivo e relativo ao sentido ético da existência humana: o SER consciente. Mostrar apreço pelas condutas louváveis, ser bondoso ou educado, ter um comportamento exemplar e cauteloso, preocupar-se com o que os outros pensam a nosso respeito nem de longe pode ser definido como consciência de fato. Afinal, a consciência não é um comportamento em si; nem mesmo é algo que possamos fazer ou em que pensamos. A consciência é algo que sentimos. Ela existe, antes de tudo, no campo da afeição ou dos afetos. Mais do que uma função comportamental ou intelectual, a consciência pode ser definida como uma emoção. Peço licença e vou um pouco além: no meu entender, a consciência é um senso de responsabilidade e generosidade baseado em vínculos emocionais, de extrema nobreza, com outras criaturas (animais, seres humanos) ou até mesmo com a humanidade e o universo como um todo. É uma espécie de entidade invisível, que possui vida própria e que independe da nossa razão. É a voz secreta da alma, que habita em nosso interior e que nos orienta para o caminho do bem. A consciência nos impulsiona a tomar decisões totalmente irracionais e até mesmo com implicações de risco à vida. Ela permeia as nossas atitudes cotidianas (como perder uma reunião de negócios porque seu filho está ardendo em febre) e até as nossas ações de extrema bravura e de autossacrifício (como suportar a dor de uma tortura física e psicológica em função de um ideal). Assim, a consciência nos abraça e nos conduz pela vida afora, porque está em plena comunhão com o mais poderoso combustível afetivo: o amor. De forma bem prosaica, imagine a seguinte situação: você está no aconchego do seu apartamento, depois de um dia exaustivo de trabalho e reuniões. Momentos depois, o interfone toca anunciando a visita inesperada de uma grande amiga. Ela está grávida de sete meses e chegou abarrotada de sacolas com as últimas compras do enxoval. Apesar do cansaço, você fica verdadeiramente feliz com a presença dela. Por alguns momentos, vocês conversam alegremente sobre o bebê e os planos para o futuro e colocam as fofocas em dia. Lá pelas tantas da noite, sua amiga diz que precisa ir embora. Em frações de segundo, você pensa: “Preciso tomar um banho e dormir; será que ela vai entender se eu não a acompanhar até a portaria do prédio?”, “Mas ela está grávida e tem tanta coisa pra carregar!”, “É melhor eu ir junto: foi isso o que me ensinaram”. Bem, essa tagarelice mental, que azucrina tal qual um crime cometido, sem dúvida não é imoral. É absolutamente humana, natural e foge ao nosso controle. Mas também não é a sua consciência soprando em seu ouvido. Ao contrário do “Vou ou não vou?”, você é imediatamente tomado por um impulso generoso e se flagra no elevador com sua amiga, carregando as bolsas e as sacolas. Chama um táxi, abre a porta do carro, diz ao motorista para ir com cuidado e se despedem felizes. Hum! A consciência é assim mesmo: chega sem avisar e não complica: apenas faz! Uma história mais comovente: São Paulo, domingo, novembro de 2007. Cerca de três minutos após ter decolado do aeroporto Campo de Marte, um Learjet 35 caiu de bico sobre uma residência, onde moravam catorze pessoas de uma mesma família. No acidente morreram o piloto, o copiloto e seis pessoas que estavam na casa. Os vizinhos Airton, de dezesseis anos, e seu pai, o sr. Ângelo, de 75, correram para o sobrado da família Fernandes assim que ouviram o barulho da queda do avião. Pai e filho conseguiram salvar Cláudia Fernandes, de dezesseis anos. Eles ouviram o choro da garota, que tem autismo e brincava com sua amiga Laís na hora do acidente. Airton, emocionado, descalço e com a blusa suja de sangue e cinzas, lamentava ter conseguido salvar apenas uma única vida. O sr. Ângelo queimou a mão ao salvar Cláudia e, após ser atendido por médicos no local, permaneceu na rua tentando furar o bloqueio policial para voltar aos escombros. Sem nenhuma sombra de dúvida, podemos afirmar que Airton e Ângelo possuem consciência. E, naquela tarde de domingo, eles não pensaram; simplesmente agiram: isso é pura consciência em exercício. Todas as pessoas portadoras de consciência se emocionam ao testemunhar ou tomar conhecimento de um ato altruísta, seja ele simples ou grandioso. Qualquer história sobre consciência é relativa à conectividade que existe entre todas as coisas do universo. Por isso, mesmo de forma inconsciente (sem nos darmos conta), alegramo-nos diante da natureza gentil dos atos de amor. A consciência genuína No decorrer da nossa história, muitos estudos e teorias se formaram em torno da consciência e das inevitáveis polêmicas sobre o bem e o mal. Com o passar dos séculos, a consciência foi — e ainda é — alvo de discussões entre teólogos, filósofos, sociólogos e, mais recentemente, desafia e intriga cientistas e juristas. De fato, conceituar ou definir consciência é algo extremamente complexo que pode gerar controvérsias por anos a fio. Isso porque ela está acima de teorias religiosas ou mesmo psicológicas e científicas. A meu ver, ter consciência ou ser consciente trata-se de possuir o mais sofisticado e evoluído de todos os sentidos da vida humana: o sexto sentido. Atrevo-me a afirmar que tal sentido foi o último a se desenvolver na história evolutiva da espécie humana. Nossa humanidade, benevolência e condescendência devem ser atribuídas a esse nobre sentido. A consciência é criadora do significado de nossa existência e, de forma subjetiva, também é criadora do significado da vida de cada um de nós. Ela influencia e determina o papel que cada um terá na sociedade e no universo. Como eu disse, a consciência é tão espetacular que só podemos senti-la, e talvez esteja aí toda a sua grandeza. Se existe alguma coisa de divino em nós, entendo que a nossa consciência seja essa expressão e, quem sabe, uma fração incalculável do tão falado e pouco praticado amor universal ou incondicional. Na verdade, esse sexto sentido é essencialmente baseado na compaixão e na verdadeira prática do amor. Uma vez que a consciência está profundamente alicerçada em nossa habilidade de amar, em criar vínculos afetivos e nos abastecer dos mais nobres sentimentos, ela nos faz subjetivamente únicos, porém integrados e sincrônicos com o TODO maior e transcendente (tenha ele o nome que tiver, nos diversos povos ao redor do mundo). A consciência genuína nos impulsiona a ir ao encontro do outro, colocando- nos em seu lugar e entendendo a sua dor. Somos tomados por gestos simples, como desejar bom dia àqueles que não conhecemos ou ligar para um amigo só para dizer: “Olá, como vai? Estou aqui para o que der e vier!”. Inundados de consciência, pedimos desculpas sinceras àqueles que magoamos ou ferimos num momento de equívoco. Agradecemos aos nossos pais pela oportunidade da vida e pelos ensinamentos de retidão. Vibramos e nos emocionamos com a superação de um atleta, que derrama lágrimas ao subir no degrau mais alto do pódio. Esse sexto sentido é que nos comove com as situações trágicas e também com a felicidade do encontro de irmãos separados desde a infância. Ele nos traz indignação diante do preconceito, do desrespeito às regras sociais, da intolerância ao próximo, da falta de educação, da corrupção e da impunidade. A consciência nos inspira a zelar pelo nosso animal de estimação e a nos desesperarmos pelo desaparecimento dele. Inspira-nos a chorar copiosamente com o nascimento de um filho e a acompanhá-lo rumo à descoberta do mundo ao seu redor. Permite-nos sentir a profundidade de uma bela melodia, apreciar a exuberância de uma flor e exclamar: “Nossa, que linda!”. A consciência gera movimentos de extrema grandeza pela paz e leva milhares de pessoas às ruas para protestar contra a violência; impulsiona o sacrifício voluntário e incondicional de pessoas que lutam em prol da humanidade. Ela alegra nosso coração com os primeiros raios de sol, anunciando que o dia será mais colorido, e também com a chuva que faz brotar a plantação, garantindo o nosso pão de cada dia. É a consciência que nos impele a doar órgãos em momentos de extrema dor e a torcer por um final feliz. Impulsiona indivíduos a salvar muitas vidas, mesmo sabendo que pode ser o seu próprio fim. Leva-nos às preces, às orações e às correntes do bem, na esperança de dias melhores. Movimenta-nos contra a seca, a fome, o desmatamento das florestas e a destruição da camada de ozônio, que colocam em risco o rumo do planeta e o futuro das novas gerações. Enfim, nos pequenos ou nos grandes gestos, a consciência genuína — e somente ela — é capaz de mudar o mundo para melhor. Como animais predadores, vampiros ou parasitas humanos, esses indivíduos sempre sugam suas presas até o limite improvável de uso e abuso. Na matemática desprezível dos psicopatas, só existe o acréscimo unilateral e predatório, e somente eles são os beneficiados. A piedade e a generosidade das pessoas boas podem se transformar em uma folha de papel em branco assinada nas mãos de um psicopata. Quando sentimos pena, estamos vulneráveis emocionalmente, e é essa a maior arma que eles podem usar contra nós. 3 PESSOAS NO MÍNIMO SUSPEITAS Acredito que todo mundo conheça uma pessoa meio imprestável, encostada no outro e vivendo folgadamente à custa dele. Vamos lá, faça um esforço e vasculhe os “arquivos” salvos em suas pastinhas mentais; certamente você encontrará um amigo ou uma amiga, um cunhado, um parente distante, um conhecido, ou, em última instância, lembrará uma história que lhe contaram. Essas pessoas estão sempre com desculpas esfarrapadas na ponta da língua, justificando que os tempos estão “bicudos” e que arrumar emprego não está nada fácil. Também existe aquela velha história de que a saúde não anda lá essas coisas, dói aqui, dói acolá, e enfrentar o batente não vai dar. Pois é: então analise comigo esse comportamento aparentemente inofensivo e que pode ser encontrado ao nosso redor. Maria se formou em odontologia antes de completar 22 anos e deu seu grito de independência. Arrumou seu primeiro emprego dentro da área que escolheu e alugou um pequeno apartamento no Rio de Janeiro. Pouco tempo depois, Carla, uma conhecida do interior de Santa Catarina e dois anos mais jovem, entrou em contato. Papo vem, papo vai, Carla perguntou se poderia passar uns tempos na casa de Maria, já que as chances de emprego e estudos eram bem maiores. Maria não viu nada de mais naquele pedido. Ao contrário, deu a maior força, na intenção de ajudá-la. Para Maria, dar apoio a uma amiga era absolutamente natural, e, de mais a mais, ela estava morando sozinha. O que custava acolher alguém por alguns meses em sua casa? Carla chegou de mala e cuia e se acomodou no apartamento pequeno, mas bem equipado. Maria trabalhava o dia todo e estudava com afinco para dar conta do seu curso de pós-graduação que iniciara havia alguns meses. Carla ficava em casa, assistindo TV, recebendo amigos e assaltando a geladeira. Se havia alguma coisa que Carla sabia fazer muito bem era conquistar pessoas e conduzir com habilidade uma conversa agradável. Isso era um verdadeiro dom. Levava quem quisesse no bico e desfrutava do bom e do melhor, sem pagar absolutamente nada por isso. Meses a fio se passaram e nada de estudos ou emprego à vista. De todas as oportunidades que surgiam, Carla dizia que não era exatamente aquilo que estava procurando. Comia, bebia, pendurava-se ao telefone, ia à praia quando Deus mandava bom tempo e passeava com os amigos. Vez por outra ligava para seus pais, mentia que estava trabalhando e pedia algum dinheiro para ajudar nas despesas. Maria trabalhava, estudava, fazia as compras, chegava exausta e olhava ao redor: os copos sujos no mesmo lugar, as roupas espalhadas, os tocos de cigarros infestando o ambiente, as tarefas por fazer e a panela vazia. Convenhamos: por quanto tempo você, leitor, aguentaria tamanho abuso? O tempo passou e esse “chove não molha” se arrastou por quase um ano. À beira de um ataque de nervos, Maria conversou uma, duas e sei lá quantas vezes mais com Carla para que ela procurasse um emprego e seguisse o seu caminho. Carla ouvia tudo, abaixava a cabeça e dava uma desculpa básica: “Pensei que você fosse minha amiga; eu não tenho para onde ir. Voltar para a casa dos meus pais é o mesmo que amargar uma derrota. Não sou capaz de suportar”. A gota d’água foi quando Carla embolsou o dinheiro do aluguel que Maria havia entregado nas mãos dela para que fizesse o favor de pagá-lo na imobiliária. E lá se foi sua “amiga”, de mala e cuia, para a casa de outra conhecida, com as mesmas desculpas e o mesmo discurso. Maria sentiu descer garganta abaixo um gosto misto de alívio, tristeza e culpa. Poderíamos dizer que Carla é uma psicopata leve? Não, por enquanto. Isso seria precipitado e imprudente. Afinal, temos que ter em mente a imaturidade de Carla e que esse comportamento irresponsável pode ser fruto de sua própria cultura. Em suma: uma malandragem “inocente” de uma pré-adulta perdida, que ainda coloca a mochila nas costas e acampa na casa de quem lhe oferece abrigo. Chorando suas pitangas Mais de quinze anos se passaram e, mesmo com esses tropeços iniciais, Maria e Carla eventualmente se encontravam. Nesse longo período, Maria se casou, sua profissão deslanchou e ela manteve uma vida estável. Carla, por sua vez, viveu por muito tempo pulando de galho em galho (em casa de amigos, namorados), esfolando um e outro. Reclamava de tudo e de todos, jogava uma pessoa contra a outra e não parava nos empregos. Ela sempre tinha razão, a culpa era do outro e o mundo é que estava errado! Mas, paradoxalmente, ela era envolvente e, com isso, sabia explorar muito bem os bons sentimentos que despertava nas pessoas. Há alguns anos, Carla mora sozinha no seu próprio apartamento, que, diga-se de passagem, foi comprado com o sacrifício de seus pais. Maria às vezes questionava o comportamento da amiga, mas, no meio de tantos afazeres, isso tudo se diluía; apenas seu coração amolecia cada vez que Carla chorava suas pitangas. Carla, como quem não queria nada, chegava de mansinho, pedia um dinheiro emprestado, usava o computador por longas horas, usufruía do telefone, pegava emprestados livros e CDs, aproveitava a boquinha-livre, alugava o ouvido de Maria... Certa noite, elas comemoravam o aniversário de um amigo em comum num agradável restaurante. Estavam todos por lá: familiares e conhecidos que a vida lhes trouxe na bagagem. Carla acendeu um cigarro e baforou lentamente uma bola de nuvem branco-azulada sobre a mesa. Maria discretamente falou ao pé do ouvido dela: “Vamos até a varanda; ao seu lado tem uma amiga grávida de cinco meses”. Carla deu de ombros, olhou bem nos olhos de Maria e sussurrou: “Dane-se, aqui é uma área reservada para fumantes. Esse filho não está na minha barriga e, se ela o perder, será um pirralho a menos no mundo”. Maria estremeceu. A força fria e penetrante do olhar de Carla fez com que todas as lembranças invadissem a sua mente: lembrou-se do dinheiro do aluguel, das vezes que precisou da ajuda da amiga e ela nunca esteve presente, da falta de carinho com as datas importantes de sua vida, da ausência de Carla quando permaneceu vários dias hospitalizada, de tudo o que emprestou a ela e de que nunca mais viu a cor, das mentiras e da falta de respeito da amiga pelos pais. Lembrou-se também do dia em que um menino caiu na frente de Carla e, enquanto ele chorava, ela ria e dizia: “Bem feito! Tomara que tenha quebrado o braço”. A partir de então, Maria refletiu: “Caramba, estou alimentando um monstrengo!”. Ela se levantou e não olhou mais para trás. Foi a última vez que Maria viu Carla... Se analisarmos bem, Carla jamais teve consideração e afeto verdadeiros por Maria nem por qualquer outra pessoa que tenha lhe estendido as mãos. Ela mentiu, enganou, roubou e viveu na “aba do chapéu” de todos. Recebeu muito, mas nunca deu nada em troca. Quanto a seus pais, está fazendo as contas e esperando que morram para herdar o pouco que lhes resta. Agora tudo está mais claro: aquela pessoa que, por muito tempo, parecia ser frágil, injustiçada e levemente desonesta, na realidade, não tem consciência. Como saber em quem confiar? No exercício da minha profissão, a pergunta anterior é uma das mais ouvidas em meu consultório. Isso é natural, pois muitas pessoas que buscam ajuda psiquiátrica ou mesmo psicológica já foram vítimas de traumas provocados por ações inescrupulosas de psicopatas nos diversos setores de sua vida. E, surpreendentemente, essa questão não é a mais importante para tais pessoas, as quais, de alguma forma, tiveram a vida arrasada por outros seres humanos. Em geral, elas tentam entender desesperadamente onde erraram, na tentativa de justificar os atos pouco éticos de seus parceiros, sejam eles cônjuges, sócios, amigos, chefes, colegas de trabalho, funcionários etc. No meu ponto de vista, a questão sobre em quem confiar deveria ser de suma importância para a maioria de nós, incluindo aqueles que não tiveram perdas ou traumas muito sérios. É preciso ter em mente que as pessoas não merecedoras de nossa confiança não usam roupas especiais, não possuem um sinal na testa que as identifique, tampouco apresentam algum perfil físico específico. Elas são muito parecidas conosco e podem nos enganar durante uma longa existência. Outro detalhe que dificulta muito essa análise interna é o fato de nos basearmos, muitas vezes, em estratégias irracionais originadas da nossa própria cultura e que acabam por criar crendices ou ditos populares com elevado grau de senso comum: “Os homens são todos iguais; não dá pra confiar”, “As mulheres são sempre interesseiras”, “Todo mundo é bom, até que se prove o contrário”, “Todo mundo merece uma segunda chance” etc. No íntimo, todos nós buscamos acreditar em fórmulas mágicas ou regras claras que não deixem dúvidas sobre pessoas em quem podemos confiar. No entanto, a confiabilidade é algo subjetivo, não existindo um padrão de atitudes que nos impeça de cometer enganos ou até mesmo um teste que dê legitimidade às pessoas dignas de confiança. Saber e aceitar esse fato é extremamente importante para que sejamos mais observadores, cautelosos e, principalmente, mais respeitosos conosco. A incerteza dessa condição (ser ou não ser confiável) faz parte da natureza humana. Para ser sincera, jamais conheci alguém que tenha realizado o feito extraordinário de nunca ter sido ludibriado por alguém mal- intencionado. Quando se trata de confiarmos em outra pessoa, todos tropeçamos e cometemos falhas. Algumas, infelizmente, podem trazer graves consequências; outras, nem tanto, como vimos na história de Maria e Carla, descrita no início do capítulo. Voltando à pergunta inicial sobre em quem podemos confiar, tenho uma má e uma boa notícia. A má é que verdadeiramente existem pessoas que não possuem consciência nem sentimentos nobres e, por isso mesmo, não podemos confiar nelas de maneira nenhuma. Por favor, acredite nisso! Segundo a classificação norte-americana de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a prevalência geral do transtorno da personalidade antissocial ou psicopatia é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres, em amostras comunitárias (aqueles que estão entre nós). Taxas de prevalência ainda maiores estão associadas aos contextos forenses ou penitenciários. Desse percentual, uma minoria corresponderia aos psicopatas mais graves, ou seja, aqueles criminosos cruéis e violentos cujos índices de reincidência criminal são elevados. A princípio, 4% da população pode não parecer tão significativo, mas imagine uma grande cidade como Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo, onde milhares de pessoas se esbarram o tempo todo. A cada cem pessoas que transitam para lá e para cá, três ou quatro delas estão praticando atos condenáveis, em graus variáveis de gravidade, ou estão indo em direção à próxima vítima. Imagine também o estádio do Maracanã lotado numa decisão de campeonato de futebol, onde cerca de 80 mil pessoas podem ser acomodadas: ali podem estar concentrados cerca de 3 mil psicopatas. Quando pensamos sob essa ótica, as estimativas tomam proporções gigantescas! A boa notícia é que quase 96% das pessoas são consideradas possuidoras de uma base razoável de decência e responsabilidade. Isso significa que, surpreendentemente, para um padrão comportamental considerado pró-social (a favor das boas relações), nosso mundo deveria estar aproximadamente 96% a salvo ou, pelo menos, mais humano ou consciente. Essa boa notícia sem dúvida nos alegra o coração. No entanto, deixa-nos uma sensação no mínimo estranha. Afinal, se a grande maioria da população mundial é razoavelmente boa, por que o mundo nos parece tão assustador? Como explicar os trágicos noticiários que nos colocam diariamente em contato com a violência no trânsito, a contaminação ambiental, os genocídios, os homicídios cruéis, a corrupção, os atentados terroristas...? A menos que pensemos que tais fatos sejam fruto da evolução natural da humanidade, teremos que considerar que a mão do homem encontra-se por trás desses acontecimentos. Defendo a ideia de que tais problemas se agravam de modo extraordinário por causa da ação dos psicopatas e de diversas outras pessoas que, sem desenvolver plenamente essa condição, adotaram uma “forma psicopática” de se relacionar com os demais. Os psicopatas representam a minoria da população mundial, porém são responsáveis por um grande rastro de destruição. Enquanto as pessoas “do mal” se unem ou colaboram entre si na busca de interesses comuns, as “do bem” tendem a se dissipar. Ficam acuadas, trancafiadas, perdem a sua função social e de organização e acabam por adoecer. A “cultura da esperteza” também contribui para esse cenário. Deixa-nos confusos e, muitas vezes, faz com que fraquejemos na luta pelo bem. A nossa sociedade vem banalizando o mal e contribuindo para a inversão dos valores morais. Isso cria um terreno fértil para que os psicopatas se sintam à vontade no exercício de suas habilidades destrutivas. Todas essas questões são intrigantes e acabam por nos impor uma profunda revisão dos nossos conceitos sobre a vida em sociedade. E, nessa revisão, destaco a importância de cultivar um valoroso senso de consciência, pois somente ele é capaz de assegurar a nossa qualidade de vida e a do nosso planeta. Excetuando-se raras circunstâncias, como surtos psicóticos (presença de delírios e alucinações), privações severas, efeito tóxico de drogas, instinto de sobrevivência ou a influência poderosa de autoridades tiranas, todas as pessoas que possuem consciência genuína são incapazes de matar, estuprar ou torturar outra pessoa de forma fria e calculada. Do mesmo modo, não conseguem roubar as economias de alguém, enganar de forma arbitrária seu parceiro afetivo por simples esporte e prazer, ou, ainda, por vontade própria, abandonar um filho recém-nascido em plena rua. Pense bem: quem de nós conseguiria cometer tamanha barbaridade? Ao contrário, sempre que ouvimos nos noticiários situações parecidas, imediatamente nos questionamos sobre o porquê dessas maldades. Os comentários do tipo: “Como pode uma mãe abandonar o filho na lixeira como um objeto qualquer?”, “Você viu que crime bárbaro aquele homem cometeu sem, no entanto, mostrar arrependimento?”, “Meu sócio acabou com a minha empresa, destruiu o meu casamento e, com a maior ‘cara de pau’, diz que não teve culpa!”, são muito comuns no nosso cotidiano. Embora tais fatos nos choquem como seres humanos normais, sem nenhuma sombra de dúvida, as mais perversas ações que lemos nos jornais e, implicitamente, atribuímos à “natureza humana” não são provenientes de uma natureza humana normal. Estaríamos nos insultando ou mesmo nos desmoralizando se presumíssemos que sim. Embora se mostre muito distante da perfeição, a natureza humana apresenta-se muito mais governada por um senso de responsabilidade e de interconectividade. Dessa forma, os horrores a que assistimos na televisão ou, às vezes, em nossa própria vida em hipótese nenhuma refletem a humanidade típica. Tais ações só são possíveis de ser realizadas por uma característica que foge totalmente à nossa natureza humana genuína, e essa particularidade é a frieza e a ausência completa de consciência. Paradoxalmente, as pessoas do bem (que possuem uma consciência genuína) tendem a acreditar que todos os seres humanos são capazes de “falhas sombrias”. Elas tendem a acreditar que todos nós, em situações bizarras, poderíamos nos transformar em assassinos cruéis de uma hora para outra. Essas pessoas de bom coração julgam que a teoria do lado “sombrio humano” parece algo mais democrático, menos condenável e, de certa forma, também menos alarmante. Acreditar que todos somos um pouco sombrios é mais fácil do que admitir a ideia real e perturbadora de que alguns seres humanos vivem permanentemente em uma insensibilidade moral absoluta. Entre tapas e beijos Entre tapas e beijos Laura, uma paciente, tem 31 anos e está se recuperando de um quadro depressivo. Nós duas estamos nos empenhando para que a vida dela seja menos cinza e volte a fazer sentido. Acompanhe um pouco de sua história, que pode passar totalmente despercebida e certamente nunca sairá nos noticiários da TV. Aos 23 anos, no frescor de sua exuberância e beleza, ela era inteligente e estava prestes a se formar no curso de veterinária. Nessa época, conheceu Ricardo, um jovem e atraente administrador de empresas. Ele se mostrou um grande amigo e demonstrava ter os mesmos interesses de Laura: cinema, praia, esportes, aventuras, MPB etc. Ricardo conversava sobre qualquer assunto e detalhava suas aventuras em conversas envolventes. Entre as suas histórias, também estavam os problemas: a tirania do pai, a mãe histérica que na infância o ameaçou com uma faca e sua saúde frágil. “Na época, os médicos lhe disseram que ele não teria uma vida muito longa, e Ricardo me contou tudo isso com lágrimas nos olhos”, acrescentou Laura. Aos poucos, Laura foi se envolvendo com as histórias tristes do rapaz e experimentou um sentimento dúbio de compaixão e atração. Ela sucumbiu aos encantos dele, uma grande paixão floresceu, e eles foram morar juntos. Ricardo tinha uma carreira promissora numa empresa multinacional, mas não quis que Laura exercesse sua profissão. Ele gostava de vê-la bem vestida e bela, esperando-o para o jantar e com a casa impecável. “No início, eu até tentei argumentar que a veterinária era o meu grande sonho, mas acabei aceitando porque o amava verdadeiramente.” Certo dia, Laura encontrou um cãozinho abandonado e muito doente no meio da rua. Ela se sensibilizou e levou o cachorro para casa, a fim de tratar do animal. Ricardo teve um ataque de fúria e quis devolvê-lo para o mesmo lugar. Ela conseguiu persuadi-lo e cuidou do cão como se fosse um filho. Resolveu chamá-lo de Pituca. Com dois meses de tratamento e muito carinho, Pituca já esbanjava saúde, vitalidade e se tornara um vira-lata branco e peludo de dar inveja a qualquer cachorro de raça. “Que bom que ele está curado, agora podemos colocá-lo na rua”, disse Ricardo. “Mas como? Eu tenho o maior amor por ele! Não posso abandoná-lo, isso é desumano!” Ricardo não pensou duas vezes: deu vários pontapés no animal, colocou-o no carro e desapareceu com Pituca. Perguntei se Laura sabia para onde ele havia levado o cãozinho. Aos prantos, ela respondeu: “Ele matou o Pituca! Disse que me amava demais e não queria me ver doente cuidando de um simples cachorro. Você consegue imaginar o que isso significou pra mim? Como é que ele foi capaz de fazer uma coisa dessas depois de eu ter cuidado do Pituca e nutrido tanto afeto por ele?”. Continuei indagando sobre o comportamento de Ricardo, desde a época em que eles se conheceram. “Lembro-me de que, quando namorávamos, o pai dele deixava alguns cheques em branco assinados para pagamentos das contas. Ricardo sempre preenchia valores muito mais altos que o necessário e ficava com o troco. Ele nunca escondeu isso de mim. Ao contrário, ria e comentava satisfeito que, apesar da valentia do pai, ele não tinha o menor controle da sua conta bancária”, ela me disse, encabulada. O relacionamento também sempre foi muito instável. Ora ele era extremamente delicado, romântico, mostrando-se orgulhoso em apresentar sua bela companheira aos amigos, ora muito agressivo e temperamental, tratando-a aos berros e com ameaças de “meter-lhe a mão”. Mas, segundo Laura, invariavelmente ele pedia mil desculpas e a enchia de carinhos: “Puxa vida, não sei onde estava com a cabeça!”, “Acho que estou muito estressado com as responsabilidades do trabalho”, “Querida, você é tudo pra mim, a mulher mais linda do mundo!”, “Isso nunca mais vai acontecer, eu prometo”, “Procure me compreender, você sabe que eu tive uma infância muito difícil”. E Laura prosseguiu: “Ricardo também era extremamente ciumento e dizia que era por amor. Ficava furioso quando qualquer homem me olhava mais diretamente. Uma vez discutiu seriamente com um rapaz porque cismou que ele estava me paquerando. É lógico que sobrou pra mim também. Depois disso, fiquei me perguntando se a culpa realmente não tinha sido minha. Eu não sei... Ele me deixava completamente confusa...”. Quanto ao casamento e filhos, ele alegava que ainda não estava preparado e que ambos tinham uma vida pela frente. Cada vez que Laura tocava nesse assunto, ele dava a mesma desculpa ou ficava enfurecido. “Mesmo amando Ricardo, há alguns anos eu pensei em fazer minhas malas e ir embora. Tivemos uma conversa séria e ele me respondeu que a vida dele estava em minhas mãos. Como ele não viveria muito tempo, decidiu que se mataria. Tremi da cabeça aos pés e voltei atrás na mesma hora.” Quando isso foi mencionado, questionei qual era a doença de que Ricardo sofria. “Eu nunca soube exatamente o que era. Ele não gostava de falar sobre isso e eu respeitava. No início do nosso namoro, tentei conversar com a mãe dele sobre o seu passado, mas parece que ela não entendeu muito bem o que eu queria dizer. Achei melhor não mexer num assunto tão delicado e, além disso, Ricardo parecia muito bem fisicamente. Ah... mas me lembro de ela ter dito que Ricardo não era exatamente o homem que eu merecia. Antes mesmo de eu dizer alguma coisa, ela mudou de assunto.” O tempo passou e Ricardo não precisou mais de Laura: trocou-a por uma mulher mais jovem e mais bonita. Ele simplesmente disse a Laura: “Precisamos nos separar. Você é muito ciumenta e estou me sentindo enjaulado”. O mundo desmoronou sobre a cabeça dela! “Chorei muito sem compreender o que estava acontecendo. Será que eu fui ciumenta e possessiva durante esse tempo todo e não percebi? Esse era um comportamento dele, não meu!” De lá para cá, Laura descobriu que ele teve várias amantes e que o discurso sobre a doença grave, as ameaças da mãe e o pai tirano era um grande engodo. Ao comentar sobre seu passado, Ricardo derramava lágrimas de crocodilo, tal qual o animal que lacrimeja quando engole suas presas. Eu não tinha a menor dúvida: Ricardo era um homem mau, um predador afetivo. Laura havia sido apenas uma peça do seu jogo cruel. Ele tinha anulado os prazeres dela apenas para ser servido e para exibi-la, impecavelmente, como um objeto de vitória para alimentar seus instintos egocêntricos e narcisistas. Agora eu precisava fazer com que Laura entendesse que espécie de homem era aquele com quem ela tinha convivido por sete anos. Era importante que Laura compreendesse que a separação, embora dolorosa, havia sido a melhor coisa que poderia ter lhe acontecido: ela se livrou de um mal enorme e, dali para a frente, poderia reconstruir sua vida. Identificando os suspeitos Ao falar sobre as mazelas de nosso mundo, certa vez, Einstein proferiu a seguinte frase: “O mundo é um lugar perigoso para viver, não exatamente por causa das pessoas más, mas por causa das pessoas que não fazem nada quanto a isso”. Se realmente quisermos fazer algo para reduzir o poder de destruição das pessoas impiedosas, temos, antes de tudo, que aprender a identificá-las. Decidir se alguém é digno de confiança requer conhecê-lo muito bem por determinado período de tempo, além de tentar obter o maior número possível de informações sobre sua vida pregressa. É claro que essas informações não devem e não podem se restringir às histórias contadas pela pessoa que você deseja conhecer ou com a qual pretende se relacionar. Se ela for um psicopata, provavelmente todas as suas histórias estarão “maquiadas” com o intuito de manipulá-lo no preparo cuidadoso para um posterior ataque predatório. A história da vida de alguém é importantíssima, pois ninguém perde a capacidade de ser consciente de uma hora para outra. Por outro lado, nem sempre é fácil obtermos informações precisas ou confiáveis sobre pessoas que entram em nossa vida. Além disso, estamos permanentemente correndo riscos de conviver com alguém por muito tempo até chegarmos à conclusão de que se trata de uma pessoa sem nenhum tipo de sentimento nobre. Na maioria das vezes, se dependermos somente da convivência ou de informações pouco confiáveis, só nos daremos conta de que estamos diante de um psicopata quando nos depararmos com as inevitáveis perdas e os lamentáveis danos que essas criaturas podem provocar em nossa vida. Nos próximos capítulos, tentarei esmiuçar ao máximo todas as facetas dos psicopatas. Mas, antes de chegarmos a essa etapa clínica sobre o comportamento dessas criaturas maléficas, eu gostaria de compartilhar com você, leitor, uma dica que julgo ser bastante preciosa: fique muito atento ao “jogo da pena” (do coitadinho). Durante todos esses anos de exercício profissional, ouvi muitas histórias sobre psicopatia. Meus pacientes relataram (e até hoje o fazem) como essas criaturas invadiram, feriram e arruinaram sua vida. Em cada caso, foi possível identificar comportamentos suspeitos — uns mais característicos, outros menos; tudo varia muito de pessoa para pessoa —, no entanto, precisamente em todos pude identificar “o jogo da pena”. A meu ver, esse é um dos recursos mais comuns e constantes das pessoas inescrupulosas. Muito mais que apelar para o nosso sentimento de medo, os psicopatas, de forma extremamente perversa, apelam para a nossa capacidade de ser solidários. Eles se utilizam de nossos sentimentos mais nobres para nos dominar e controlar. Os psicopatas se alimentam e se tornam poderosos quando conseguem nos despertar piedade. Esse tipo de alimento tem um efeito extraordinário de poder para essas criaturas, tal qual o espinafre para o personagem de Popeye dos desenhos infantis. A piedade e a generosidade das pessoas boas podem se transformar em uma folha de papel em branco assinada nas mãos de um psicopata. Quando sentimos pena, estamos vulneráveis emocionalmente, e é essa a maior arma que eles podem usar contra nós! A piedade, a compaixão e a solidariedade são forças para o bem quando direcionadas às pessoas que de fato merecem e precisam de tais sentimentos. No entanto, quando esses mesmos sentimentos são direcionados a pessoas que apresentam comportamentos inescrupulosos de forma consistente e repetitiva, temos que considerar isso como um aviso de que algo está muito errado. É um sinal de alarme que não podemos ignorar. Se voltarmos à primeira história deste capítulo, observaremos que Carla se utilizou o tempo todo do “jogo da pena” com sua amiga Maria, mesmo não sendo nada camarada. Quanto a Ricardo, não foi diferente: Laura se envolveu e se apaixonou porque, a princípio, se compadeceu da dor dele (infância difícil e família desestruturada), e, posteriormente, com as falsas ameaças de suicídio. No entanto, nem Carla nem Ricardo nutriam sentimentos bons por ninguém e tampouco demonstraram sinal de arrependimento verdadeiro. Fizeram um apelo cruel à solidariedade das pessoas do seu convívio, deixando-as confusas e inseguras. E é justamente nesse momento, quando nos sentimos inseguros, que as pessoas de mau caráter acabam fazendo conosco o que bem querem. Exemplo parecido com a situação de Laura e de seu truculento parceiro Ricardo pode ser observado naquela mulher que com frequência apresenta hematomas porque seu marido a espanca quase que diariamente. No entanto, ele sempre apela que a perdoe, pois seus “descontroles” são reflexos do excesso de amor que sente por ela. Além disso, ela deve entender a grande dificuldade dele em expressar carinho e afeto por causa das surras que levava do pai alcoólatra e que também espancava sua mãe! Não caia nessa cilada! Todas essas são histórias com mero intuito manipulatório. Os psicopatas não levam em consideração as regras sociais, mas sabem muito bem como utilizá-las a seu favor, além de se divertirem e sentirem prazer com o nosso sofrimento. Então não se esqueça Quando tiver que decidir em quem confiar, tenha em mente que a combinação consistente de ações maldosas com frequentes jogos cênicos por sua piedade praticamente equivale a uma placa de aviso com um alerta. Pessoas cujos comportamentos reúnam essas duas características não são necessariamente assassinas em série ou mesmo violentas. No entanto, não são indivíduos com quem você deva ter amizade, relacionamentos afetivos, dividir segredos, a quem confiar seus bens, seus negócios, seus filhos e nem sequer deve oferecer abrigo a eles! Para os psicopatas, as outras pessoas são meros objetos ou coisas, que devem ser usados sempre que necessário para a satisfação do seu bel-prazer. Um psicopata, quando perde o controle, sabe exatamente até onde quer ir para magoar, amedrontar ou machucar uma pessoa. Os psicopatas não vão ao trabalho; vão à caça. “Matou os pais e foi para o motel.” Época, ed. 234. Ed. Globo, 11 nov. 2002 Existe uma fração minoritária de psicopatas com uma insensibilidade tamanha que suas condutas criminosas podem atingir perversidades inimagináveis. É estarrecedor observar que crianças que deveriam estar brincando ou folheando livros nas escolas trafiquem drogas, empunhem armas e apertem gatilhos sem nenhum vestígio de piedade. Os psicopatas são seres sem “coração mental”. O cérebro deles é gelado. 10 DE ONDE VEM ISSO TUDO? A capacidade humana de distinguir o certo do errado, a meu ver, é uma das mais nobres de todas as nossas qualidades. É muito reconfortante saber que, de alguma forma, cada ser humano, lá no íntimo, sempre sabe qual é “a coisa certa a fazer”. É esse senso moral que nos faz ajudar uma pessoa que leva um tombo na rua ou uma criança que cai de sua bicicleta ou se perde de seus pais em meio à multidão. Em relação a essas situações, lembro-me de uma que nunca mais saiu da minha mente: Era um domingo ensolarado, em pleno inverno carioca. Resolvi caminhar e escolhi a lagoa Rodrigo de Freitas como cenário para minha atividade física matinal. Com pouco mais de uma hora de caminhada, eu já ensaiava meus passos finais quando avistei, em minha “contramão”, três pessoas trajadas com uniformes do Flamengo em estado de total alegria — o pai no centro e um filho em cada mão. Os três cantavam, a plenos pulmões, um samba que já virou um hino clássico dos torcedores rubro-negros: “Domingo eu vou ao Maracanã, vou torcer pelo time de que sou fã...”. De repente, pelas minhas costas, surgiu um menino com uma bicicleta. A velocidade dele era tamanha que, ao me ultrapassar, não conseguiu fazer a curva, e, em segundos, “voou” para dentro da lagoa. Simultaneamente a essa cena, pude ver a face de angústia do pai flamenguista e assistir a tudo: ele rapidamente soltou as mãos dos filhos, tirou a camisa e mergulhou como se tivesse sido treinado para aquilo por toda a vida. Menino salvo, bicicleta destruída nas pedras, surge, atrasado, o pai da vítima. Abraça seu filho, promete-lhe uma bike nova e nem percebe que, a poucos metros dali, o pai flamenguista já está com seus filhos lado a lado, seguindo seu caminho. Sem conter minha admiração pelo ato daquele homem, apressei o passo e fui atrás deles. Aproximei-me, pedi licença e perguntei: “Como você conseguiu fazer aquilo tão rapidamente?”. E ele respondeu: “Fiz o que tinha que ser feito. Se não fosse eu, certamente outra pessoa faria. É o certo!”. Naquele domingo, retornei à minha casa com um sentimento bom de esperança, desses que de vez em quando a gente sente por toda a humanidade. De onde vem o nosso senso moral? Até pouco tempo atrás, existia a convicção de que a capacidade humana de distinguir o certo do errado era algo aprendido nas relações interpessoais. Dessa forma, a única maneira de obtermos indivíduos morais seria educá-los e condicioná-los socialmente. Assim, caberia à sociedade e à cultura estabelecer, ao longo de toda a vida, o que os indivíduos podem ou não fazer. Não há como negar que muitas das regras sociais direcionadas ao certo e ao errado precisam ser aprendidas. É impossível nascer sabendo determinadas convenções sociais que possuem forte apelo cultural. Um bom exemplo é o ato de arrotar. Em alguns países orientais, arrotar à mesa é sinal de apreço para com a comida e seus anfitriões gastronômicos. Já na maioria dos países ocidentais, isso é um sinal de falta de educação, relacionado ao desleixo e à deselegância pessoal. Os estudos mais recentes sobre o comportamento humano, entretanto, revelam que as noções básicas de retidão comportamental e justiça dependem muito menos do aprendizado social do que os psicólogos supunham no início do século passado. As últimas pesquisas sobre o cérebro humano e as análises comparativas de outros comportamentos animais revelam que a espécie humana adquiriu a capacidade de avaliação moral com a própria seleção natural. Tudo indica que as instruções necessárias na produção de um cérebro capacitado para distinguir o certo do errado já vêm com certificado de fábrica, ou seja, elas estão no DNA de cada um de nós. Se a seleção natural tem participação ativa na construção do senso moral dos humanos, é de esperar que o senso de justiça e a compaixão também estejam presentes em outros segmentos do reino animal. E de fato estão — especialmente entre os primatas. Em 2007, Felix Werneken e seus colaboradores do Instituto Max Plank de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, realizaram o seguinte experimento: colocaram um chimpanzé em uma jaula em que o animal pudesse observar duas pessoas que simulavam uma discussão. Uma delas estava mais exaltada e, com um tapa, derrubou um pequeno bastão que a outra tinha na mão. Esse objeto, ao cair no chão, rolou e foi parar aos pés do chimpanzé, próximo à jaula. Sem nenhum envolvimento com aquele conflito entre humanos e sem receber nada em troca, o primata não hesitou em agir: pegou o bastão e o devolveu ao seu dono. Tudo aconteceu de forma simples: para ele era a coisa certa a fazer! Outros experimentos envolvendo primatas entre si e primatas e uma ave também foram realizados. No primeiro caso, um macaco precisava acionar uma alavanca localizada dentro de sua jaula para que a porta de outra jaula se abrisse e desse passagem para que um “colega” pudesse alcançar seu alimento. Apesar de não receber nenhuma recompensa com o ato, o macaco não poupou esforços em praticar a boa ação e alimentar seu colega de espécie. O segundo episódio está relatado no livro Eu, primata, de Frans de Wall (primatólogo da Emory University, Atlanta, Estados Unidos): no zoológico de Twycross (Reino Unido), uma fêmea de bonobo viu um passarinho se ferir ao se chocar contra uma parede de vidro de sua jaula. Ao observar o pássaro no chão, a primata tentou colocá-lo em pé, mas não obteve sucesso. Tentou, então, outra estratégia: pegou o pássaro com muito cuidado, subiu numa árvore, abriu as asas dele com os dedos e tentou fazê-lo voar tal qual um avião de papel. O pássaro, ainda muito fraco, acabou por aterrissar dentro da jaula, sem conseguir se erguer. Foi então que a fêmea de bonobo decidiu montar guarda ao lado do pássaro simplesmente para protegê-lo de seus colegas de cativeiro. No final do dia, o pássaro conseguiu se reerguer e saiu voando. Apenas nesse momento a primata largou seu “posto de solidariedade”. Senso de justiça, compaixão e evolução Toda a teoria da evolução das espécies se baseia na competitividade e na sobrevivência dos mais aptos. Como podemos entender que características de bondade e altruísmo tenham se perpetuado e evoluído em meio à violência do mundo natural? Teoricamente, os organismos “bonzinhos” deveriam ter ficado pelo caminho nessa corrida biológica. No entanto, ao longo das últimas décadas, os cientistas começaram a desvendar as vantagens evolutivas das “criaturas do bem”. Existem algumas teorias que tentam explicar o senso de justiça mais apurado em determinados animais e nos humanos. Entre elas, eu gostaria de destacar a teoria da mente (fundamentada nos estudos psicológicos) e a teoria do cérebro social (desenvolvida com base nos estudos recentes das neurociências). A teoria da mente se constitui, basicamente, na capacidade de um ser biológico (humano ou não) imaginar que outros seres possam ter uma vida mental similar à dele. Essa teoria pode ser facilmente compreendida quando nos colocamos no lugar de outras pessoas para inferir como elas devem estar se sentindo. Existe um ditado americano que diz o seguinte: “Antes de julgar alguém, calce suas sandálias e caminhe por uma milha”. Em outras palavras: antes de julgar alguém, coloque-se no lugar dessa pessoa, tente imaginar o que ela sente, o que pensa, e, somente depois, aja. Isso é a teoria da mente em plena ação. A teoria do cérebro social pôde se desenvolver e avançar de forma significativa nos últimos anos graças à utilização sistemática, por psicólogos e neurocientistas, do exame denominado ressonância magnética funcional (RMf). Esse exame é capaz de gerar um retrato extremamente detalhado das estruturas cerebrais. Além disso, ele pode produzir o equivalente a um vídeo que mostra o funcionamento de partes específicas do cérebro quando ativadas durante algumas situações. Por exemplo, quando ouvimos o choro de uma pessoa que amamos, o centro da afetividade entra em “ebulição”. Com base nesses estudos, os cientistas puderam começar a responder a uma série de perguntas sobre o comportamento social das pessoas. Entre essas perguntas, destaco algumas: existe de fato algum mecanismo mental na espécie humana responsável por nossos atos generosos ou solidários? Caso esse mecanismo exista, ele, conforme a pessoa, nasce “ativado” ou “desativado”? Esse processo de ligar/desligar é algo que aprendemos a partir do convívio social ou trazemos conosco? Com a utilização da ressonância magnética funcional, muitos pesquisadores do comportamento humano passaram a utilizar o termo “cérebro social”. O cérebro social pode ser definido como o somatório de todos os mecanismos neurais (materiais e funcionais) envolvidos na orquestração de nossas interações sociais. Assim, ele é responsável pelos pensamentos e sentimentos que apresentamos quando nos relacionamos com outras pessoas. O cérebro social nos possibilita a percepção do “Eu sei como você se sente”. E isso ficou muito claro em um estudo com casais de namorados realizado da seguinte forma: na primeira parte do experimento, um de cada vez foi colocado no aparelho de ressonância magnética funcional e submetido a sensações dolorosas classificadas como leves. Antes de receber o estímulo doloroso, o voluntário era avisado. O simples aviso desencadeou a ativação de alguns circuitos cerebrais, especialmente daqueles ligados ao medo e à ansiedade. Ocorria uma espécie de antecipação à sensação dolorosa. Na segunda parte, o voluntário era avisado de que, a partir daquele momento, somente o(a) parceiro(a) receberia uma descarga dolorosa. O resultado foi surpreendente. Mesmo sabendo que não sentiria mais dor, o voluntário passou a ativar as mesmas áreas cerebrais ao ser avisado de que seu par sofreria. Isso aponta para a existência de uma “ponte neural” (cérebro-cérebro) capaz de promover alterações no funcionamento cerebral e, consequentemente, reações fisiológicas nas pessoas com as quais interagimos. Alguns animais também apresentam certo nível de conexão mental. Eles conseguem, até certo ponto, sincronizar-se com os sentimentos alheios e entender suas intenções. No entanto, nenhum ser tem esse sistema cerebral tão aprimorado quanto o ser humano. Os cientistas acreditam que é justamente por meio dessa conexão (cérebro-cérebro) estabelecida nos nossos relacionamentos interpessoais que aflora a moralidade inata. Ambas as teorias apontam para a mesma direção: somos seres sociais e, de alguma forma, estamos fadados a estabelecer relações com pessoas ao nosso redor. Se o nosso destino é a conexão com “o outro”, fica claro que o senso de justiça e a compaixão são instrumentos poderosos para que relações amigáveis e saudáveis se desenvolvam. Talvez esse seja o principal motivo para explicar por que os seres humanos “já vêm de fábrica” com um dispositivo para distinguir o certo do errado. De alguma forma, o senso moral inato que os humanos apresentam parece confirmar o velho dito popular “A união faz a força”. E, quando essa união se estabelece por meio de sentimentos altruístas e comportamento éticos, a espécie e sua perpetuação ganham um reforço significativo na corrida biológica da evolução. E a cultura, onde entra nisso? É obvio que não podemos atribuir somente à genética e à evolução biológica a nossa capacidade de solidariedade e de compaixão. A cultura à qual somos expostos em determinada sociedade também nos influencia em diversos aspectos de nossa personalidade. É fundamental não confundir a nossa capacidade inata de distinguir o certo do errado com a capacidade de tomarmos as atitudes corretas ao invés das erradas. Uma coisa é saber o que deve ser feito; a outra é agir de acordo com esse preceito. Somos dotados não só do senso inato de moralidade, mas também de inteligência para análise estratégica. Dessa forma, podemos, infelizmente, usar nossa capacidade racional para “tapear” a moral inata e, com isso, tirar proveito de determinadas situações. As guerras talvez sejam o exemplo mais cruel dessa habilidade dos seres humanos em driblar o inato senso moral. Para que um grupo enfrente o outro, é necessária uma causa aparentemente justa ou moralmente correta. Como não existe guerra moral, sempre haverá uma liderança habilidosa em manipular mentalmente as diferenças culturais de forma a colocar uns contra os outros. A manipulação moral acaba por despertar os instintos humanos relacionados à luta pela sobrevivência. Monta-se, assim, o cenário perfeito para uma guerra politicamente correta e moralmente maquiada. Todas as guerras são assim: injustificáveis. O que ocorre de fato é a sórdida manipulação moral por parte de uma pequena minoria humana. Ao longo da nossa história, podemos observar incontáveis exemplos da manipulação bélica da moral: ora legitimando suas ações por meio da desqualificação étnica de determinados grupos humanos (perseguição aos judeus na Alemanha nazista, por exemplo), ora pela utilização de motivos religiosos (tais como as ações terroristas da Al-Qaeda), ou ainda pelo combate à opressão em nome da liberdade (a invasão do Iraque pelos Estados Unidos). A cultura influencia diretamente os valores morais de uma sociedade e cria também os parâmetros que estabelecem o status hierárquico de cada membro social. Sem dúvida alguma, a posse de bens materiais sempre foi algo valorizado nas vitrines sociais. Mas já existiram tempos em que o status intelectual e a retidão de caráter também eram características bastante valoradas entre os membros de nossa sociedade. O “saber” e o “ser” já foram bens de alto valor moral social. Hoje, vivemos os tempos do “ter”, em que não importa o que uma pessoa saiba ou faça, mas sim que ela tenha dinheiro (de preferência, muito) para pagar por sua ignorância e por suas falhas de caráter. Nesse cenário propício surge a cultura da “esperteza”: temos que ser ricos, bonitos, etiquetados, sarados, descolados e muito invejados. O pior dessa cultura é que seus membros sociais não se contentam apenas com o “ter”; é necessário exibir e ostentar todos os seus bens. Assim ninguém esquece, nem sequer por um minuto, quem são os donos da festa. E é exatamente essa cultura que faz com que determinados jovens bem- nascidos optem por caminhos rápidos, como a venda de drogas e produtos contrabandeados, para obter o status social dos bem-sucedidos. Para esses rapazes e moças, o caminho dos estudos, do saber e do “ser” é longo demais; eles querem tudo, aqui e agora. Vivemos em meio a uma cultura que privilegia o indivíduo em detrimento da humanidade como um todo. Basta ver o que está acontecendo com o problema da emissão acentuada de gases tóxicos, causando o efeito estufa e o aquecimento global. Esse fato, entre tantos outros, mostra que equivocados valores como esses começam a comprometer o futuro da espécie humana. Chegamos até aqui por nossas habilidades sociais, e não por força física. Se quisermos manter nossa supremacia biológica no mundo natural, teremos que rever nossos próprios conceitos, criando uma nova cultura que se baseie na solidariedade e no sucesso da coletividade. A maldade original de fábrica Se existe de fato um kit de moralidade instalado em nosso “hardware” cerebral (nossa composição biológica), como explicar o comportamento desumano dos psicopatas? Tudo indica que esses indivíduos apresentam uma “desconexão” dos circuitos cerebrais relacionados à emoção. Só podemos ter senso moral quando manifestamos um mínimo de afeto em relação às pessoas e às coisas ao nosso redor. Dessa maneira, o comportamento frio e perverso dos psicopatas não pode ser atribuído simplesmente a uma má criação ou educação. No meu entender, a origem da psicopatia está na incapacidade que essas criaturas têm de sentir, e não de agir de forma correta. Uma parcela significativa da população se recusa a acreditar nessa “desumanidade de fábrica” que os psicopatas apresentam. Para entendermos como uma mente pode funcionar sem emoção, é preciso conhecer os aspectos neurofuncionais da emoção e da razão. Emoção e razão São as funções mais complexas produzidas pelo cérebro humano. Em nosso cotidiano, ativamos operações mentais que envolvem sempre uma e outra (às vezes, mais uma do que a outra). Apesar de elas serem parceiras constantes, os mecanismos neurais geradores da emoção e da razão são distintos. As emoções negativas são mais estudadas e compreendidas do que as positivas, e a mais conhecida de todas é o medo. Este surge quando algo nos ameaça, desencadeando uma ação de luta ou fuga. Outro exemplo de emoção importante é a raiva. Ela se apresenta frequentemente como mecanismo de defesa ou, ainda, como um meio de garantia de sobrevivência. Animais costumam agredir seus semelhantes como forma de defender seu território, disputar as fêmeas e estabelecer hierarquias sociais. Nos seres humanos, as reações de medo e raiva se manifestam de forma bastante semelhante àquela observada nos animais. No entanto, entre os seres humanos, as emoções são moduladas pela razão. Doses certas de razão e emoção é que fazem com que tenhamos comportamentos tipicamente humanos. O sistema límbico, formado por estruturas corticais e subcorticais, é responsável por todas as nossas emoções (alegria, medo, raiva, tristeza etc.). Uma das principais estruturas do sistema límbico chama-se amígdala (ver figura na página 178). Localizada no interior do lobo temporal, essa pequena estrutura funciona como um “botão de disparo” de todas as emoções. A razão, por sua vez, envolve diversas operações mentais de difícil definição e classificação. Entre elas, podemos citar: raciocínio, cálculo mental, planejamentos, solução de problemas, comportamentos sociais adequados. A principal região envolvida nos processos racionais é o lobo pré-frontal (região da testa): uma parte dele (córtex dorsolateral pré-frontal) está associada a ações cotidianas do tipo utilitárias, como decorar o número de um telefone ou objetos. A outra parte (córtex medial pré-frontal) recebe maior influência do sistema límbico, definindo de forma significativa as ações tomadas nos campos pessoais e sociais. A interconexão entre a emoção (sistema límbico) e a razão (lobos pré- frontais) é que determina as decisões e os comportamentos socialmente adequados. Razão de mais, emoção de menos Um caso histórico ocorrido em meados do século XIX em Vermont, Estados Unidos, evidenciou de forma muito clara essa estreita associação entre comportamento moral e lesão cerebral: Phineas Gage trabalhava em uma estrada de ferro. Era um sujeito benquisto por todos, bom trabalhador e ótimo chefe de família. Em 1848, uma explosão no local de trabalho fez com que uma barra de ferro perfurasse seu cérebro na região denominada córtex pré-frontal (ver figura na página 178). De forma espantosa, Gage não perdeu a consciência e sobreviveu ao ferimento sem nenhuma sequela aparente. Ele caminhava normalmente e suas memórias estavam preservadas. Contudo, com o passar do tempo, Gage se tornou outra pessoa: indiferente afetivamente, sujeito a ataques de ira e sem nenhuma educação com as pessoas ao seu redor. Gage nunca mais foi o homem que todos admiravam, o homem “pré-acidente”. Embora ele nunca tenha assassinado ninguém, sua vida foi uma patética sucessão de subempregos, brigas, bebedeiras e pequenos golpes. Tal história teve um papel decisivo no estudo do comportamento humano, pois foi uma prova viva de que alterações no senso moral podem ocorrer quando o cérebro sofre lesões em áreas específicas (nesse caso, o lobo pré-frontal). A partir desse episódio, os cientistas passaram a pesquisar as raízes cerebrais do comportamento amoral. É importante sublinhar que os estudos clínicos sobre a psicopatia sempre apresentaram grandes dificuldades de ser realizados. A investigação clínica sobre a personalidade psicopática é uma tarefa extremamente complicada, pois as testagens realizadas para esse fim dependem dos relatos dos avaliados. Os psicopatas não têm interesse nenhum em revelar algo significante para os pesquisadores e tentam sempre manipular a verdade para obter vantagens. Tudo indica que o uso sistemático das novas técnicas de neuroimagens (RMf e PET-SCAN) ajuda a reforçar o diagnóstico da psicopatia, uma vez que os estudos recentemente realizados apontam para alterações características do funcionamento cerebral de um psicopata. Pessoas sem nenhum traço psicopático revelaram intensa atividade da amígdala e do lobo frontal (neste, de menor intensidade) quando estimuladas a se imaginarem cometendo atos imorais ou perversos. No entanto, quando os mesmos testes foram realizados num grupo de psicopatas criminosos, os resultados apontaram para uma resposta débil nos mesmos circuitos. Se considerarmos que a amígdala é o nosso “coração cerebral”, entenderemos que os psicopatas são seres sem “coração mental”. O cérebro deles é gelado e, assim, incapaz de sentir emoções positivas, como o amor, a amizade, a alegria, a generosidade, a solidariedade... Essas criaturas possuem grave “miopia emocional”, e, ao não sentir emoções positivas, sua amígdala deixa de transmitir, de forma correta, as informações para que o lobo frontal possa desencadear ações ou comportamentos adequados. Chegam menos informações do sistema afetivo/límbico para o centro executivo do cérebro (lobo frontal), o qual, sem dados emocionais, prepara um comportamento lógico, racional, mas desprovido de afeto. Se partirmos da premissa de que a alteração primária dos psicopatas é uma amígdala hipofuncionante, poderemos considerar as seguintes situações: 1. Psicopatas pensam muito e sentem pouco. Suas ações são racionais, e a razão tende sempre a escolher, de maneira objetiva, o que leva à sobrevivência e ao prazer. De forma primitiva, a razão usa sempre a “lei da vantagem”. Esse modo de pensar privilegia o indivíduo, e nunca o outro ou o social. 2. Como espécie, os homens evoluíram muito mais por sua capacidade de cooperação social do que por seus atributos individuais. Assim, podemos perceber que os psicopatas são seres cuja tomada de decisão privilegia sempre os interesses individuais e/ou oligárquicos mesquinhos, e nunca o social e/ou o coletivo de conteúdo solidário. 3. Sem conteúdo emocional em seus pensamentos e em suas ações, os psicopatas são incapazes de considerar os sentimentos do outro em suas relações e de se arrependerem por seus atos imorais ou antiéticos. Dessa forma, não aprendem a partir da experiência e, por isso, são intratáveis, sob o ponto de vista da ressocialização. Montando o quebra-cabeça Não há dúvida de que os psicopatas apresentam um déficit na integração das emoções com a razão e o comportamento. Mas é importante destacar que eles não possuem uma lesão nos córtex pré-frontais e na amígdala, como observado no caso Gage. Os pacientes que têm essas lesões provocadas por tumores, hemorragias, isquemias ou traumatismos apresentam comportamentos que nos lembram os dos psicopatas pela indiferença com que se relacionam com os outros e consigo mesmas. Além disso, os pacientes de lesão cerebral mostram-se incapazes de se adaptar, de forma conveniente, a um trabalho, a sua família e a seus amigos. Já os psicopatas apresentam esses desajustes em graus bem variáveis: alguns deles estudam com interesse; outros trabalham durante anos com sucesso; há aqueles que cometem delitos desde pequenos; e ainda existem os que podem levar uma vida aparentemente integrada, mas, paralelamente, vivem executando crimes bárbaros e repugnantes. As diversas manifestações das condutas psicopáticas nos levam necessariamente a uma avaliação da importância que o meio ambiente pode ter na apresentação desse transtorno. O ambiente social no qual a violência e a insensibilidade emocional são “ensinadas” no dia a dia pode levar uma pessoa propensa à psicopatia a ser um perigoso delinquente. Por outro lado, um ambiente social favorável e uma educação mais rigorosa e menos condescendente às transgressões pode levar essa mesma propensão a se manifestar na forma de um desvio social leve ou moderado. Podemos, então, concluir que a psicopatia apresenta dois elementos causais fundamentais: uma disfunção neurobiológica e o conjunto de influências sociais e educativas que o psicopata recebe ao longo da vida. A engrenagem psicopática funcionaria desta maneira: a predisposição genética ou a vulnerabilidade biológica se concretiza em uma criança que apresente o déficit emocional. Uma criança assim possui um sistema mental deficiente na percepção das emoções e dos sentimentos, na regulação da impulsividade e na experimentação do medo e da ansiedade. Nos casos em que os pais (família) realizam de forma muito competente suas tarefas educacionais, essas características biológicas podem ser compensadas ou canalizadas para atividades socialmente aceitas. No entanto, quando o ambiente não é capaz de fazer frente a tal bagagem genética — por falhas educacionais por parte dos pais, por uma socialização deficiente ou ainda pelo fato de essa bagagem genética ser muito marcada —, o resultado será um indivíduo psicopata sem nenhum limite. É mais sensato falarmos em ajuda e tratamento para as vítimas dos psicopatas do que para eles mesmos. 11 O QUE PODEMOS FAZER? Senhoras e senhores, não trago boas-novas. Com raras exceções, as terapias biológicas (medicamentos) e as psicoterapias em geral se mostram, até o presente momento, ineficazes para a psicopatia. Para os profissionais de saúde, esse é um fator intrigante e, ao mesmo tempo, desanimador, uma vez que não dispomos de nenhum método eficaz que mude a forma de um psicopata se relacionar com os outros e perceber o mundo ao seu redor. É lamentável dizer que, por enquanto, tratar um deles costuma ser uma luta inglória. Temos que ter em mente que as psicoterapias são direcionadas às pessoas que estejam em intenso desconforto emocional, o que as impede de manter uma boa qualidade de vida. Por mais bizarro que possa parecer, os psicopatas parecem estar inteiramente satisfeitos consigo mesmos e não apresentam constrangimentos morais nem sofrimentos emocionais, como depressão, ansiedade, culpas, baixa autoestima etc. Não é possível tratar um sofrimento inexistente. É no mínimo curioso, embora dramático, pensar que os psicopatas são portadores de um grave problema, mas quem de fato sofre é a sociedade como um todo. Em função disso, pouquíssimos profissionais se arriscam nessa “empreitada”. Quando o fazem, chegam à triste constatação de que contribuíram com uma ínfima parcela ou com absolutamente nada. É importante lembrar que, de uma forma geral, todos estamos vulneráveis às ações desses predadores sociais. Assim, é mais sensato falarmos em ajuda e tratamento para as vítimas dos psicopatas do que para eles mesmos. De mais a mais, só é possível ajudar aqueles que de fato querem e procuram ajuda. Os psicopatas, além de achar que não têm problemas, não esboçam nenhum desejo de mudança para se ajustarem a um padrão socialmente aceito. Julgam-se autossuficientes, são egocêntricos, e suas ações predatórias são absolutamente satisfatórias e recompensadoras para eles mesmos. Mudar para quê? Dessa forma, os psicopatas raramente procuram auxílio médico ou psicológico. Quando chegam a um consultório, quase sempre é por pressões familiares ou, então, com o intuito de se beneficiarem de um laudo técnico. Frequentemente estão envolvidos com problemas legais, endividados e às voltas com o sistema judicial. Por isso, tentam obter do profissional de saúde mental algum diagnóstico ou alguma comprovação de problemas que os auxiliem a minimizar as sanções que lhes foram impostas. Estudos também demonstram que, em alguns casos, a psicoterapia pode até agravar o problema. Para as pessoas “de bem”, as técnicas psicoterápicas sem dúvida alguma são fundamentais para a superação das suas angústias ou dos seus desconfortos. No entanto, para os psicopatas, as sessões terapêuticas podem muni-los de recursos preciosos que os aperfeiçoam na arte de manipular e trapacear os outros. Embora eles continuem incapazes de sentir boas emoções, nas terapias, aprendem “racionalmente” o que isso pode significar e não poupam tal conhecimento para usá-lo na primeira oportunidade. Além disso, acabam obtendo mais subsídios para justificar seus atos transgressores, alegando que estes são fruto de uma infância desestruturada. De posse dessas informações, abusam de forma quase “profissional” do nosso sentimento de compaixão e da nossa capacidade de ver a bondade em tudo. O que os pais podem fazer? Como já foi dito, podemos observar características de psicopatia desde a infância até a vida adulta. Antes dos dezoito anos, como já vimos, por uma questão de nomenclatura, o problema é chamado de transtorno da conduta. Crianças ou adolescentes que são francos candidatos à psicopatia possuem um padrão repetitivo e persistente que pode ser sintetizado pelas características comportamentais descritas a seguir: Mentiras frequentes (às vezes, o tempo todo). Crueldade com animais, coleguinhas, irmãos etc. Condutas desafiadoras às figuras de autoridade (pais, professores etc.). Impulsividade e irresponsabilidade. Baixíssima tolerância à frustração, com acessos de irritabilidade ou fúria quando são contrariados. Tendência a culpar os outros por erros cometidos por si mesmos. Preocupação excessiva com seus próprios interesses. Insensibilidade ou frieza emocional. Ausência de culpa ou remorso. Falta de empatia ou preocupação pelos sentimentos alheios. Falta de constrangimento ou vergonha quando pegos mentindo ou em flagrante. Dificuldade em manter amizades. Permanência fora de casa até tarde da noite, mesmo com a proibição dos pais — muitas vezes, podem fugir e ficar dias sem aparecer em casa. Faltas constantes sem justificativas na escola ou no trabalho (quando mais velhos). Violação às regras sociais que se constituem em atos de vandalismo, como destruição de propriedades alheias ou danos ao patrimônio público. Participação em fraudes (falsificação de documentos), roubos ou assaltos. Sexualidade exacerbada, muitas vezes levando outras crianças ao sexo forçado. Introdução precoce no mundo das drogas ou do álcool. Nos casos mais graves, podem cometer homicídio. Vale ressaltar que essas características são apenas genéricas e que o diagnóstico exato só pode ser firmado por especialistas no assunto. Além do mais, o leitor deve atentar para a frequência e a intensidade com que essas características se manifestam. É muito comum e até compreensível que os pais de jovens com características psicopáticas se perguntem quase sempre em um tom de desespero: “O que nós fizemos de errado para que nosso filho seja assim?”. Os pais se sentem culpados por achar que falharam na educação dos seus filhos e que não souberam impor limites. Isso é um grande equívoco! Não resta dúvida de que a educação, a estrutura familiar e o ambiente social influenciam na formação da personalidade de um indivíduo e na maneira como ele se relaciona com o mundo. No entanto, esses fatores por si sós não são capazes de transformar ninguém em um psicopata. Não obstante, é muito importante que os pais tenham conhecimento pleno sobre o assunto e que passem a reconhecer a disfunção em seus filhos, dispensando ao problema a atenção que ele merece. Quando em grau leve e detectada ainda precocemente, a psicopatia pode, em alguns casos, ser modulada por meio de uma educação mais rigorosa. Um ambiente familiar mais estruturado e com a vigilância constante em relação aos filhos “problemáticos” certamente não evita a psicopatia, mas pode inibir uma manifestação mais grave — e, então, fazer toda a diferença. É lógico que essas medidas estão longe de ser ideais; são apenas paliativas e demandam muito esforço e empenho por parte dos envolvidos na criação. No entanto, para salvaguardar a estrutura familiar e a sociedade como um todo, não podemos desprezá-las. As posturas que devem ser assumidas são as seguintes: Procure conhecer bem o seu filho. A maioria dos pais não sabe como ele se comporta longe dos seus olhos. Estabeleça contato com todas as pessoas do convívio dele (professores, amigos, pais dos amigos etc.). Quanto mais precocemente você identificar o problema, maiores serão as chances de que ele se molde a um estilo de vida minimamente produtivo e socialmente aceito. Busque ajuda profissional. Isso é válido tanto para se certificar do diagnóstico dessa criança quanto para receber orientações de como você deve agir. Não permita que seu filho controle a situação. Estabeleça um programa de objetivos mínimos para obter alguns resultados positivos. Regras e limites claros são necessários para evitar as condutas de manipulação, enganos e falta de respeito para com os demais. Lembre-se de que uma criança com perfil psicopático apresenta um talento extraordinário para distorcer as regras estabelecidas e virar o jogo a favor dela. Por isso, não ceda! Se você fraquejar, certamente ela ocupará todos os “espaços” deixados pela sua desistência. Não pretendo ser pessimista, no entanto não seria honesto da minha parte afirmar que “a psicopatia” infantojuvenil atualmente apresenta uma solução satisfatória. O máximo que podemos fazer é adotar posturas no trato com essas crianças no intuito de melhorar a forma como o problema vai se manifestar no futuro. A psicopatia não tem cura; é um transtorno da personalidade, e não uma fase de alterações comportamentais momentâneas. Porém, temos que ter sempre em mente que tal transtorno apresenta formas e graus diversos de se manifestar e que apenas os casos mais graves apresentam barreiras de convivência intransponíveis. Segundo o DSM-IV-TR, a psicopatia tem um curso crônico, porém pode se tornar menos evidente à medida que o indivíduo envelhece — particularmente, a partir dos quarenta anos de idade. Não negocie com o mal. Jamais concorde, por pena, chantagem ou qualquer outro motivo, em ajudar um psicopata a ocultar o seu verdadeiro caráter. 12 MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA Como vimos até aqui, pouco ou nada podemos fazer para mudar a forma de ser de um psicopata. A maioria esmagadora da população está ao sabor de suas ações predatórias. Então, o que pode ser feito para que não sejamos presas tão fáceis? Sem sombra de dúvida, a melhor estratégia é não se envolver com nenhum deles em campo algum de sua vida (profissional, afetivo ou social). Mas isso não é tão simples assim. Afinal, eles estão infiltrados em todos os setores, são habilidosos em descobrir os pontos fracos das pessoas e sabem muito bem como explorá-los. A grande verdade é que estamos todos na mesma situação: de vulnerabilidade. Assim, pensei ser relevante listar algumas dicas que você pode seguir para se proteger, ou, em última análise, para ajudá-lo a minimizar os estragos que um psicopata pode ocasionar em sua vida. Dicas gerais para lidar com os psicopatas 1 — Saiba com quem você está lidando. Esta primeira e importante regra se traduz no “remédio amargo” de aceitar que os psicopatas existem de fato e que eles literalmente não possuem consciência genuína. O

Tags

psychopathy criminal psychology mental health
Use Quizgecko on...
Browser
Browser