Material de Apoio 3 - Fundamentos Jurídicos I (2) PDF
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Quelen Brondani de Aquino
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Este material de apoio aborda fundamentos jurídicos da atividade policial militar, incluindo a Constituição Federal, direito e funções governamentais, como os poderes executivo, legislativo e judiciário. O texto discute a relação entre o direito e a atividade policial, e a importância do conhecimento jurídico para os profissionais de segurança pública. Além disso, discute leis e questões relacionadas a essas funções.
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FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR I 45 H/A Conteudista: Cap QOEM Quelen Brondani de Aquino Objetivos Ao finalizar esta disciplina, espera-se que o aluno-soldado tenha alcançado os seguintes objetivos: Criar condições par...
FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR I 45 H/A Conteudista: Cap QOEM Quelen Brondani de Aquino Objetivos Ao finalizar esta disciplina, espera-se que o aluno-soldado tenha alcançado os seguintes objetivos: Criar condições para que o profissional da área de segurança pública, especificamente da Brigada Militar, possa: Ampliar conhecimentos para: Entender a Constituição Federal e seus princípios como núcleo basilar da legislação infraconstitucional; Discutir sobre o direito como construção sociocultural; Compreender o sistema de justiça criminal, abrangendo os órgãos que o Estado se vale para tanto - Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo - e suas funções típicas. Desenvolver e exercitar habilidades para: Analisar os princípios, normas e fenômenos jurídicos que tenham repercussão na segurança pública. Fortalecer atitudes para: Compatibilizar as ações de atuação policial com o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana (núcleo axiológico da Constituição Federal de 1988); Reconhecer que o conhecimento jurídico é apenas uma dimensão balizar da sua ação e uma ferramenta no exercício de sua profissão. Unidade 1 - Introdução ao estudo do direito na atividade policial militar. Você já parou pra pensar, afinal, o que é o Direito? Trata-se, pois, de um termo, aparentemente simples, e que está presente no cotidiano, na vida social. Contudo, quando se tenta conceituá-lo, acaba-se tropeçando num conceito dotado de elevado nível de indeterminação, ambíguo e genérico. A dificuldade ainda pode aumentar se você tentar agregar um segundo questionamento, qual seja, “qual a função social do direito?” Para responder a esses dois questionamentos, Bittar (2022) esclarece que existe um vasto universo para dar significado ao conceito de Direito, passando por uma abordagem etimológica, simbólica (em que se busca em conjunto o significado de justiça), científica, filosófica, sociológica, e assim por diante. Assim, o próprio autor explica “a expectativa inicial que se tem de definir o termo Direito não se irá encontrar “a” resposta, mas sim, linhas, correntes, visões, teorias, perspectivas de análise, metodologias.” (BITTAR, 2022, p. 130). Bittar (2022) ensina que por mais que se tente imaginar uma sociedade em perfeito convívio, essa imagem rapidamente é substituída pela sociedade real, em que o que se observa é a presença de um nível de “comportamentos patológicos, de conflitos de interesses, de ruídos decorrentes da interação comunicativa, desentendimentos nos níveis moral, político, social, econômico, cultural, ideológico”. Nesse contexto, aparecem questionamentos de como lidar, prevenir, antecipar, solucionar essas situações reais e concretas, normais do convívio social. Aí entra a função social do Direito. E já que o conflito é inerente à sociedade, sejam nas suas mais distintas espécies, que o Direito existe e cria estratégias para enfrentá-los. Portanto, não se pretende aqui, explicar o que é o Direito, mas compreendê-lo enquanto instrumento norteador de toda a atividade policial militar. Leia o trecho a seguir, de artigo publicado na internet, com o título “O policial como operador do Direito”: O policial se relaciona diretamente com a população, em tempo real, longe de fóruns, dos gabinetes dos magistrados e das salas de estudos acadêmicos. Ele se relaciona com o indivíduo e a sociedade durante seu próprio ofício, na prática de seu exercício profissional. O policial aplica a prática jurídica enquanto resolve conflitos em contato pessoal com o cidadão, buscando promover a paz e o bem-estar social. O ideal é que o policial possua um conhecimento legal maior que o conhecimento médio do cidadão comum, em nível adequado ao exercício de sua profissão, para assim desempenhar sua função com responsabilidade, competência e dentro dos limites de suas atribuições administrativas. Assim como os outros operadores de direito, o policial deve ter a capacidade de formular um raciocínio jurídico sobre o fato concreto com o qual se depara, e deve decidir com amparo na fundamentação legal que dê legitimidade à sua ação, no exercício do poder de polícia. (PAIM, 2014). Para ler na íntegra o artigo, acesse o link abaixo: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40722/o-policial-como- operador-do-direito Assim, conforme se extraí da leitura do texto complementar, observa-se que o policial militar deve estar apropriado da natureza jurídica que fundamenta a sua autoridade. As práticas diárias de um policial estão intimamente relacionadas com o direito - o direito das pessoas, das coisas, da sociedade – por isso é imprescindível a construção de uma base jurídica, sólida, na formação do policial militar. O policial militar, na sua atividade diária, vai precisar do saber jurídico para aplicação em casos concretos, seja no policiamento preventivo ou no restabelecimento da ordem pública, durante o atendimento de ocorrências. 1.1 Noções preliminares do direito Para compreensão de alguns conceitos preliminares do direito, utilizar-se-á o material de apoio 1, que se refere ao Capítulo 1 da Obra de Oliveira (2016), intitulada “Instituições de direito público e privado”. 1.2 Relação de hierarquia entre a Constituição Federal e seus princípios e a legislação infraconstitucional. Para estudo desse ponto, acesse o material de apoio 2, disponível nos anexos ou acesse o link abaixo: “Um Guia Prático sobre a Hierarquia das Leis.” https://www.gesif.com.br/2018/07/02/guia-pratico-sobre-a-hierarquia-das- leis/#:~:text=Assim%2C%20a%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%20 est%C3%A1,que%20s%C3%A3o%20a%20base%20desta. Unidade 2 - Estado: organização e funções governamentais 2.1 Estado: conceito e organização Pode-se se conceituar Estado sob várias perspectivas (sociológica, antropológica, econômica, jurídica, etc). Na perspectiva eminentemente jurídica de Estado, é possível defini-lo, em termos gerais como uma noção que conjuga três elementos, quais sejam: povo, território e governo soberano. Segundo referem Alexandrino & Paulo (2015, p. 13), “o Estado é a pessoa jurídica territorial soberana, formada pelos elementos povo, território e governo soberano. Esses três elementos são indissociáveis e indispensáveis para a noção de um Estado independente: o povo, em um dado território, organizado segundo sua livre e soberana vontade”. Assim, de qualquer modo, pode-se entender o Estado como a conjugação de um elemento subjetivo (povo), um elemento objetivo (território) e um elemento político ou condutor (governo soberano), o Estado, tal qual o Direito é fruto da cultura do Homem. O Estado não surge da natureza, trata-se sim de uma criação dos homens, sendo cultural e não natural. Após a Revolução Francesa surgem duas realidades que acabam justificando o surgimento da feição moderna de Estado, a qual trouxe consigo a noção de Administração Pública. A primeira consiste na implantação do conceito de “Estado de Direito”. A definição de Estado de Direito não é o nosso objeto central de estudo, porém, apenas a título de contextualização, a doutrina costuma apontar, para a sua compreensão, quatro requisitos para a sua conceituação, quais sejam: a) a existência de uma ordem jurídica para a regulação da vida em sociedade e do próprio Estado; b) a imposição de obediência isonômica de todos quantos forem submetidos a tal ordem jurídica; c) a submissão do próprio Estado a tal ordem jurídica; d) a existência de uma jurisdição imparcial a que submetem os integrantes da sociedade e o próprio Estado. Diante de tal realidade, impõe-se limites à atuação estatal e, assim, mecanismos de controle. Tal limitação à ação estatal corresponde a uma diretriz importante do Direito Administrativo Moderno. A outra realidade, surgida do momento pós-jurídico da Revolução Francesa, foi a retomada das ideias aristotélicas – sistematizadas e aprofundadas por Montesquieu na clássica obra “O espírito das leis” – pertinente à estrutura e à funcionalidade do Estado. Com efeito, Aristóteles defendia a necessidade de que o Estado fosse dividido em funções (mal denominados poderes, porquanto o poder é uno e indivisível, sendo segregáveis tão somente as funções estatais). A principal contribuição de Montesquieu foi a de asseverar que o exercício de tais funções deveria recair, em princípio, sobre diferentes estruturas e pessoas, porque a concentração de mais de uma função estatal numa mesma pessoa geraria, invariavelmente, o cometimento de arbitrariedades. (ALEXANDRINO; PAULO, 2015). Dessa forma, sempre submetido a mecanismos de controle, o Estado seria funcionalmente tripartido. A primeira função estatal, de legislação, corresponde à criação de normas jurídicas primárias que compõem o ordenamento jurídico. Tal função é incumbida precipuamente pelo Poder Legislativo (art. 48, CF/88). Ocorre que a simples existência de normas de comportamento induz ao surgimento de conflitos, em face da litigiosidade contida, típica dos seres humanos e dos organismos sociais. Assim, impõe-se que o Estado desempenhe uma segunda função estatal, de jurisdição, responsável pela solução de tais conflitos e que será encontrada tipicamente no Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88). A terceira função estatal é exercida pelo Poder Executivo e conhecida também como Administração Pública. O Estado, como já mencionado, corresponde a um conceito abstrato, uma vez que é fruto cultural da sociedade. Embora abstrato, contudo, o Estado se propõe à consecução de objetivos concretos. Nesse sentido, lembra-se que o Estado se obriga a garantir a saúde pública (art. 196, CF), a prestação de serviços públicos em geral (art. 175, CF) além dos objetivos fundamentais previstos no art. 3º, da CF/88 entre outros. Nesse sentido, a função estatal da administração pública serve de instrumento concreto de que se vale o Estado para a consecução dos fins a que se encontra constitucionalmente vinculado. A partir dessa divisão funcional é possível compreender o disposto na Constituição Federal, em seu Art. 2º, “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Assim, passa-se a uma análise mais detalhada das três funções típicas do Estado. 2.2 Funções governamentais: poderes executivo, legislativo e judiciário. Conforme destacado no final do último ponto estudado, a Constituição estabelece, expressamente, que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (CF, art. 2º). É deste dispositivo que se extraí as funções de cada um dos poderes, que pode ser resumida no seguinte quadro: Órgão Função Típica Função Atípica Legislativo Legislar; Natureza executiva: ao dispor Fiscalização contábil, financeira, sobre sua organização, provendo orçamentária e patrimonial do cargos, concedendo férias, Executivo; licenças a servidores etc. Natureza jurisdicional: O Senado julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade (art. 52, I). Executivo Prática dos atos de chefia de Natureza legislativa: O Estado, chefia de governo e atos Presidente da República, por de administração; exemplo, adota medida provisória, com força de lei (art. 62); Natureza jurisdicional: O Executivo julga, apreciando defesas e recursos administrativos; Judiciário Julgar (função jurisdicional), Natureza legislativa: regimento dizendo o direito no caso intero de seus tribunais (art. 96, I, concreto e dirimindo conflitos que “a”). lhe são levados, quando da Natureza legislativa: aplicação da lei; administrativa, v.g., ao conceder licenças e férias aos magistrados e serventuários (art. 96, I, “f” ). Fonte: (LENZA, 2023, p. 1369). Verifica-se, do quadro apresentado, que além do exercício de funções típicas, que são aquelas predominantes de cada Poder e inerentes a sua natureza, cada órgão exerce outras funções atípicas. Não há violação ao princípio da separação dos Poderes porque a competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder constituinte originário. Poder Legislativo Ao Poder Legislativo compete a função legislativa que consiste, resumidamente, na edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras de ordem jurídica, denominadas leis. O Poder Legislativo está presente em todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Cabe destacar que a estrutura do Poder Legislativo Federal é composta pelo bicameralismo, ou seja, é composto por duas Casas: a Câmara dos Deputados, que é formada por representantes do povo, e o Senado Federal, composta por representantes dos Estados-Membros e do Distrito Federal. (LENZA, 2023). O Poder Legislativo Estadual, Distrital e Municipal é do tipo unicameral pois é composta de uma única Casa. Assim, nos Estados a função legislativa é exercida pela Assembleia Legislativa, composta pelos Deputados Estaduais, que também representam o povo do Estado. O Poder Legislativo Municipal é exercido pela Câmara Municipal, composta pelos Vereadores, também representantes do povo no município. O Poder Legislativo Distrital é exercido pela Câmara Legislativa, composta por Deputados Distritais; (LENZA, 2023). Poder Judiciário Ao Poder Judiciário compete a função jurisdicional que tem por objeto aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimir conflitos de interesse. Tal função advém do disposto no Art. 5º, XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Lenza (2023, p. 2013) Cintra, Grinover e Dinamarco assim conceituam jurisdição: Uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre por meio do processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada). Importa destacar três características básicas da jurisdição, quais sejam: Lide, inércia e definitividade. Quando se está diante de uma pretensão resistida, insatisfeita, e ela não é pacificamente resolvida, reside aí a lide, e quem se entender lesado pode bater às portas do Judiciário para que ele resolva o conflito. A segunda característica é que o Judiciário é inerte, ele só se manifesta mediante provocação, ou seja, é preciso que se “bata” as suas portas para que ele resolva uma lide. E a terceira característica é que suas decisões são definitivas a partir do momento em que transitam em julgado. (LENZA, 2023). A estrutura do Poder Judiciário é ampla e não se caracteriza como objeto de estudo desta disciplina, contudo apenas de maneira ilustrativa, o quadro abaixo demonstra o Organograma do Poder Judiciário: Fonte: (CNJ, https://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/panorama-e-estrutura-do-poder-judiciario- brasileiro/ ) Poder Executivo O Poder Executivo realiza a função executiva, o órgão executivo pratica atos de chefia de Estado, chefia de governo e atos de administração, basicamente sua função consiste na resolução de problemas concretos e individualizados, de acordo com as leis; não se limita a simples execução das lei, comporta prerrogativas, e nela entram todos os atos e fatos jurídicos que tenham caráter geral e impessoal; assim, ensina Lenza (2023, p. 1370) que “a função executiva se distingue em função de governo, com atribuições políticas, colegislativas e de decisão, e função administrativa, com suas três missões básicas: intervenção, fomento e serviço público”. Tem-se, pois, que a função estatal de administração pública consiste num instrumento concreto de que o Estado, abstrato que é, se vale para a consecução dos objetivos insculpidos no texto constitucional, sendo encontrada tipicamente no Poder Executivo e, de modo atípico, nas várias espécies de estrutura estatal. Vale lembrar que o Estado é um ente personalizado (pessoa jurídica de direito público, nos termos do art. 40 e 41 do Código Civil), apresentando-se – tanto nas relações internacionais, no convívio com os outros Estados soberanos, como internamente – como sujeito capaz de adquirir direitos e contrair obrigações na ordem jurídica. A partir da organização política, a Constituição Federal adotou a forma federativa de Estado (Art. 1º), ou seja, o Brasil é uma República Federativa, formada pela União indissolúvel dos Estados, Município e Distrito Federal. Observa-se, pois, que no mesmo território coexistem poderes políticos distintos, que tem como característica a descentralização política, marcada pela convivência, num mesmo território, de diferentes entidades políticas autônomas, distribuídas regionalmente. Cada um desses níveis é dotado de estrutura administrativa própria e de atividade administrativa própria, independentes entre si. O Poder Executivo, no âmbito federal, é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. Assim à União – ente político – corresponde a Administração Federal – organização administrativa. A União e a Administração Federal são encabeçadas pelo Presidente da República, Chefe do Executivo (autoridade administrativa) e Chefe de Governo (autoridade política). A cada Estado da Federação – ente político – corresponde uma Administração Estadual própria – organização administrativa. O Estado-membro e a Administração Estadual são encabeçados pelo Governador do Estado, Chefe do Executivo, que é, ao mesmo tempo, autoridade política e autoridade administrativa. O Distrito Federal – ente político – é dotado de uma organização administrativa própria – a Administração do Distrito Federal. O Distrito Federal e sua Administração são encabeçados pelo Governador do Distrito Federal, ao mesmo tempo autoridade política e administrativa. Em cada Município – ente político – há uma estrutura administrativa própria, por menor que seja – a Administração Municipal. O Prefeito, Chefe do Executivo, comanda a estrutura administrativa e fixa as diretrizes políticas. As atribuições administrativas de cada ente decorrem das competências distribuídas pela Constituição Federal (principalmente arts. 20 a 32). As atribuições conferidas ao Presidente da República estão dispostas no art. 84 da CF/88. 2.3 Direito Administrativo da Segurança Pública 2.3.1 Princípios do Regime Jurídico-Administrativo A Administração Pública submete-se, prioritariamente, ao regime jurídico de direito público, que pressupõe uma desigualdade ou supremacia (verticalidade) em torno de interesses públicos. Nesta perspectiva, o direito administrativo e a atuação da administração pública sustentam-se sobre dois princípios basilares, que contribuem para uma melhor compreensão do Direito Administrativo e da administração pública, propriamente dita. Assim, tem-se que o regime jurídico-administrativo é um regime de direito público, aplicável aos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública e à atuação dos agentes administrativos em geral. Baseia-se na ideia de existência de poderes especiais passíveis de serem exercidos pela Administração Pública, contrabalançados pela imposição de restrições especiais à atuação dessa mesma Administração, não existentes – nem os poderes nem as restrições – nas relações típicas do direito privado. (MAZZA, 2023). De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2010), o conteúdo do regime jurídico administrativo se delineia em função da consagração de dois princípios: Supremacia do interesse público sobre o privado; Indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos. O princípio da supremacia do interesse público decorre da existência de prerrogativas ou de poderes especiais da Administração Pública, dos quais decorre a denominada verticalidade nas relações Administração-particular. Vale lembrar que toda atuação administrativa em que exista imperatividade, em que sejam impostas, unilateralmente, obrigações para o administrado, ou em que seja restringido ou condicionado o exercício de atividades ou de direitos dos particulares é respaldada pelo princípio da supremacia do interesse público. O princípio da indisponibilidade do interesse público decorre da existência de restrições a atuação da Administração Pública, as quais não existem para os particulares. Essas limitações decorrem do fato de que A Administração não é a proprietária da coisa pública, não é a proprietária do patrimônio público, não é titular do interesse público, mas sim o povo. Em decorrência desse princípio, a administração somente poderá atuar quando houver lei que autorize ou determine sua atuação, e nos limites estipulados por essa lei. Assim, o regime jurídico-administrativo caracteriza o Direito Administrativo de maneira ampla, e por seu turno, também caracteriza o direito administrativo da segurança pública. Consiste num conjunto de prerrogativas e sujeições próprias da atividade pública. Neste sentido, a atividade pública constitui uma função; e função, para o Direito, é o poder de agir cujo exercício traduz verdadeiro dever jurídico e que só se legitima quando dirigido ao atingimento de uma finalidade específica. Muitas das prerrogativas e sujeições típicas do regime jurídico administrativo são manifestadas na forma de princípios, conforme serão abordados na sequência. 2.3.2 Princípios Constitucionais da Administração Pública (Art. 37 da CF) A Administração Pública deve obediência a vários princípios previstos no ordenamento jurídico os quais devem servir de pauta de atuação dos agentes públicos. Vários desses limites estão expressamente previstos na legislação, que são os chamados princípios explícitos, outros, no entanto, não estão previstos expressamente nos textos legais, mas de igual forma devem pautar a atuação da Administração Pública, são os denominados princípios implícitos. Os princípios constitucionais explícitos são aqueles presentes no art. 37 da Constituição Federal, de forma expressa, são eles: o princípio da legalidade, princípio da impessoalidade, princípio da moralidade, princípio da publicidade e o princípio da eficiência (LIMPE). a) Princípio da Legalidade: É o princípio básico de todo Direito Público. A legalidade significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum. O administrador não poderá atentar contra os mandamentos da lei e às exigências do bem comum, sob pena de praticar ato inválido ou expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Observe que na Administração Pública não há liberdade ou vontade pessoal, o administrador tem que fazer somente o que está autorizado por lei. Assim, como ensina Di Pietro (2018), “a administração pública não pode por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor obrigações aos administrados; para tanto ela depende da lei”. b) Princípio da Impessoalidade: Trata-se este princípio sob dois prismas: a) Como determinante da finalidade de toda a atuação administrativa (também chamado princípio da finalidade, considerado um princípio constitucional implícito inserido no princípio expresso da impessoalidade); b) Como vedação a que o agente público se valha das atividades desenvolvidas pela Administração para obter promoção pessoal; Assim, o princípio da impessoalidade estabelece que o administrador público somente deverá praticar o seu ato para o fim legal. “É o clássico princípio da finalidade". O fim legal é aquele que a lei estabelece, tendo sempre um objetivo, que é o interesse público. Por impessoalidade devemos também entender que há uma proibição da prática do ato administrativo para satisfazer interesse privado ou para favorecer determinada pessoa ou determinada situação. Esse princípio também deverá ser entendido para se excluir a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas, conforme o artigo 37, § 1º da Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 37, § 1º, da CF/88: A publicação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizam promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Qualquer ato administrativo que não atender ao interesse público estará sujeito à anulação por desvio de finalidade. E em decorrência deste princípio podemos citar como exemplo o concurso e a licitação. c) Princípio da Moralidade: A moral administrativa significa o dever do administrador de não apenas cumprir a lei formalmente, mas cumprir substancialmente, procurando sempre o melhor resultado para a administração. Toda atuação do administrador é inspirada no interesse público. Por este princípio o administrador não aplica apenas a lei, mas vai além, aplicando sua substância. A moralidade é um pressuposto para a validade de todo e qualquer ato da Administração Pública. “O administrador, ao atuar, deverá manter o elemento ético de sua conduta”. Por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição. A moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação, que é o bem comum da coletividade administrada. A moralidade administrativa está ligada ao conceito do bom administrador, que é aquele que usa sua competência legal para atender os preceitos vigentes e a moral comum. d) Princípio da Publicidade: É a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. A publicidade não é elemento formativo do ato, é requisito de eficácia. Um ato, mesmo regular, precisa da publicação para produzir efeitos no mundo jurídico. Observe que os atos irregulares não passam a ser regulares devido à publicação, simplesmente continuam a ser irregulares e passíveis de anulação, entretanto, foram publicados. A publicidade, como princípio da Administração Pública, abrange toda a atuação estatal, não somente sob o aspecto de divulgação oficial dos seus atos, como, também, propicia o conhecimento da conduta interna de seus agentes. Esta publicidade abrange os atos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e contratos com quaisquer interessados, prestações de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. O princípio da publicidade dos atos e contratos administrativos, além de assegurar seus efeitos externos, visa a propiciar seu conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em geral, através de meios constitucionais, como ação popular, mandado de segurança, direito de petição, habeas data. e) Princípio da Eficiência: Esse princípio foi instituído pela Emenda constitucional nº 19. Alexandre de Moraes define o princípio da eficiência como sendo aquele que impõe à administração direta e indireta e aos seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca de qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir-se uma rentabilidade social. O objetivo é que o servidor público (Administração Pública) tenha mais eficiência no serviço para que a Administração Pública possa alcançar seus objetivos mais rapidamente. Eficiência é o melhor resultado com o uso racional dos meios. 2.3.3 Princípios Implícitos da Administração Pública LEGALIDADE: Administração sujeita à lei. IMPESSOALIDADE: Evitar favoritismo ou privilégios, o interesse público é norteador (Finalidade). MORALIDADE: A Administração não pode desprezar o ético (probidade). PUBLICIDADE: Divulgação dos atos ao público. EFICIÊNCIA: Administração Pública com qualidade (a partir da EC nº. 19). Além dos princípios expressos do texto constitucional, há outros princípios que são chamados de princípios constitucionais implícitos. Embora não estejam previstos de forma expressa pelo texto constitucional, são reconhecidos como acolhidos pelo sistema constitucional. Esses princípios também compõem o cerne do estudo do direito administrativo e são aplicáveis à Administração Pública, segue alguns deles. 1. Finalidade. Significa que toda a atividade administrativa deve perseguir a finalidade de interesse público contemplada pela lei, que algumas pessoas chamam de espírito da lei. Como na finalidade da lei está o critério para sua correta interpretação e aplicação, qualquer ato que viole o princípio da finalidade é ato nulo, por violar a própria lei. 2. Proporcionalidade. Todo sacrifício de direito e toda ação administrativa deve guardar uma relação proporcional entre meios e fins. Não pode um particular ser tolhido na sua esfera de direitos individuais de forma desproporcional ao interesse público que supostamente estará sendo contemplado; da mesma forma, não pode um interesse público de maior grandeza ser preterido a pretexto de que há amparo jurídico para o direito individual ou mesmo em razão das garantias constitucionais dos direitos individuais. Se por um lado há prevalência do interesse público sobre o interesse particular, por outro lado deve haver uma proporcionalidade no sacrifício dos direitos individuais para o benefício da coletividade. Um ato administrativo que proporcionalmente beneficie muito pouco a coletividade e prejudique muito um particular será um ato nulo, por violar o princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade pressupõe que os atos administrativos só serão válidos se exercidos na extensão e intensidade proporcionais ao atendimento do interesse público inerente a eles. Assim, o excesso na atuação administrativa não reverte em benefício de ninguém, configurando ilegitimidade por parte da Administração a adoção de medidas que ultrapassem o necessário para atender os fins de sua função. 3. Devido processo legal. A propriedade e a liberdade das pessoas são protegidas contra quaisquer abusos, razão pela qual a Constituição Federal é expressa no sentido de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, inciso LIV). Isso significa que todos têm direito ao acesso à Justiça, assim como têm direito a receber um provimento jurisdicional (de mérito ou não) oriundo de um procedimento cujos atos devem estar previstos em lei. 4. Supremacia do interesse público. Os interesses da coletividade têm prevalência sobre os interesses particulares. Por essa razão, goza a Administração Pública de uma posição hierarquicamente superior em relação ao particular: a Administração tem uma série de privilégios que não seriam admitidos no direito privado. Além disso, os vários atributos do ato administrativo, que existem exatamente para que a Administração possa desempenhar de forma eficiente sua missão, decorrem dessa posição privilegiada e da supremacia do interesse público sobre o interesse particular. O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado consiste em um princípio geral de Direito pelo qual a Administração Pública deverá sempre considerar o interesse coletivo acima das aspirações particulares. Este princípio, inerente a qualquer sociedade como condição de sua própria existência, é um pressuposto lógico do convívio social. 5. Indisponibilidade. Significa que os administradores não podem, em nome da Administração, renunciar aos interesses da Administração Pública, exatamente por serem da Administração Pública e estarem a serviço da coletividade e não de titularidade de qualquer agente público. O administrador público, portanto, tem o dever de zelar pelos interesses da administração, devendo agir de acordo com o disposto em lei. 6. Continuidade. Significa que a atividade administrativa é obrigatória e não pode parar nunca, pois os interesses que ela atinge são fundamentais para a coletividade. 7. Autotutela. A Administração Pública tem o dever de controlar seus próprios atos, devendo anular os atos praticados com ilegalidade e revogar os atos que se tornaram contrários ao interesse público. A autotutela se manifesta inclusive no controle de um órgão superior sobre um órgão inferior. 8. Especialidade. Como a Administração Pública está vinculada à legalidade estrita, o agente público somente pode fazer o que a lei manda, ao contrário do particular, que pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. O princípio da especialidade reza que os órgãos e entidades da Administração devem cumprir o papel para os quais foram criados, sendo vedadas as atividades estranhas à missão legalmente destinada a esses órgãos e entidades. 9. Razoabilidade. Os agentes públicos devem ser guiados, na tomada das decisões, um padrão socialmente aceito de conduta. Pelo princípio da razoabilidade, entende- se que a Administração deverá obedecer a critérios racionais em sua atuação, considerando o senso normal de indivíduos sensatos e respeitáveis como parâmetro para o exercício de suas funções. Desta forma, não se admite conduta excêntrica ou incoerente por parte do administrador, em obediência ao referido princípio. 10. Controle jurisdicional da Administração Pública. Nenhuma lesão ou ameaça de lesão pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário. Isso significa que nosso sistema acolhe o princípio da jurisdição única, do que decorre que até mesmo os atos praticados pela Administração Pública podem ser revistos pelo Poder Judiciário, se praticados com ilegalidade. 11. Motivação. São as razões de fato e de direito que embasam a prática de um ato e devem ser expressas. Qualquer ato da Administração deve ser motivado. O agente público deve expor os motivos pelos quais tomou essa ou aquela decisão. 12. Segurança jurídica. Significa que não pode haver surpresas passíveis de desestabilizar as relações sociais. Disso decorre a proteção do direito adquirido quando se declara a nulidade de um ato administrativo que produziu efeitos para particular inocente ou o reconhecimento da validade de atos praticados por servidor público que foi investido na função pública de forma ilegal. Também institutos como a prescrição e algumas limitações ao poder de tributar decorrem do princípio da segurança jurídica. 13. Isonomia. Significa que a Administração não pode conceder privilégio injustificado ou dar tratamento desfavorável a quem quer que seja. Todos os administrados estão, formalmente, em igual posição em relação à Administração Pública. Todos são iguais perante a lei. 2.3.4 Poderes da Administração Pública No ponto anterior, observou-se que na Administração Pública há o princípio da supremacia do interesse público, sobre o interesse privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Ambos decorrentes do regime jurídico-administrativo. Entretanto, como é que esses princípios se materializam? Como é que na prática a administração se sobrepõe ao particular? Isso ocorre por meio dos poderes administrativos. O ordenamento jurídico coloca esses poderes a disposição do Estado para que ele tenha meios de impor a sua supremacia. Destinam-se, portanto, ao alcance do fim maior da Administração Pública, qual seja a satisfação do interesse público. Os poderes do administrador público consubstanciam-se nas chamadas prerrogativas da administração pública. Por conseguinte, em decorrência da indisponibilidade do interesse público, a lei confere ao agente público alguns deveres específicos e peculiares, de modo a assegurar que sua atuação se dê efetivamente em benefício do interesse público, e sob controle direto e indireto do titular da coisa pública – o povo. São os chamados deveres administrativos. Esse poder não é uma faculdade da Administração. A professora Di Pietro assim diz: “Embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são pois irrenunciáveis”. Assim, dos diversos princípios informadores do Direito Administrativo decorrem os poderes e deveres para as autoridades administrativas, fundamentais para que a finalidade de interesse público seja atingida, sobrepondo as necessidades coletivas às individuais. Nascem com a Administração, e são usados para que os objetivos previstos em lei sejam atingidos. Por isso, são chamados instrumentais, ou seja, são ferramentas para atingir os objetivos do Estado. DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO Os principais deveres enumerados pela doutrina são os seguintes: a) Poder-dever de agir; b) Dever de eficiência c) Dever de probidade d) Dever de prestar contas. Poder-dever de agir Significa dizer que o poder administrativo, por ser conferido à Administração para atingir o fim máximo que é o interesse público, representa um dever de agir. Enquanto no direito privado o dever de agir é uma mera faculdade, para o administrador público é uma imposição, um dever de agir para o agente público. Dever de eficiência O dever de eficiência traduz-se na exigência de elevado padrão de qualidade na atividade administrativa, na imposição de que o administrador e os agentes públicos em geral tenham sua atuação pautada por celeridade, perfeição técnica, economicidade, coordenação, controle etc. É um dever imposto a todos os níveis da Administração Pública. Decorrente da implantação de uma administração gerencial, a Emenda Constitucional nº 19/1998 elevou esse dever à categoria de princípio constitucional da Administração Pública – o chamado princípio da eficiência. Dever de probidade O dever de probidade exige que o agente público, no desempenho de suas atividades, atue sempre com ética, honestidade e boa-fé, em consonância com o princípio da moralidade administrativa. Trata-se de dever imposto pela Constituição a todo agente público, cuja inobservância acarreta, dentre outras, as consequências estabelecidas no seu art. 37, § 4º, conforme segue: § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Dever de prestar contas O dever de prestar contas decorre diretamente do princípio da indisponibilidade do interesse público, sendo inerente à função do administrador público, mero gestor de bens e interesses alheios, da coletividade, do povo. É um dever indissociável do exercício da função pública, imposto a qualquer agente que atue visando ao interesse público; alcança não só os administradores públicos, mas toda e qualquer pessoa responsável por bens e valores públicos. Agora que foram apontados os principais deveres do agente pública, passar-se-á ao estudo dos poderes da administração pública. Poder Vinculado De maneira geral, o poder vinculado é, simplesmente, o poder de que dispõe a Administração Pública para a pratica de atos administrativos vinculados. Entretanto, muitos doutrinadores não veem neste um poder propriamente dito, mas apenas um atributo de outros poderes ou, então, um dever da Administração Pública. Para o exercício desse “poder”, devem ser observados todos os contornos traçados pela lei, que não deixa margem de manobra à autoridade responsável. A lei definiu que nessa situação o ato a ser praticado é X, deve o administrador, com fundamento no poder vinculado, expedir o ato X. A lei, portanto, estabelece todos os detalhes de como deve ser feito, quando, por quem etc. Dessa forma, estando presentes os requisitos legais, à pessoa competente (agente/administrador) só resta praticá-lo, da forma como prevista. Segundo define Fernanda Marinela (2018, p. 211), o poder vinculado é aquele em que o administrador não tem liberdade de escolha; não há espaço para a realização de um juízo de valor, e, por conseguinte, não há análise de conveniência e oportunidade. Preenchidos os requisitos legais o administrador é obrigado a praticar o ato. Poder Discricionário Poder discricionário é o conferido à Administração para a prática de atos discricionários (e sua revogação), ou seja, é aquele em que o agente administrativo dispõe de uma razoável liberdade de atuação, podendo valorar a oportunidade e conveniência da prática do ato, quanto ao seu motivo, e, sendo o caso, escolher, dentro dos limites legais, o seu conteúdo. O poder discricionário tem como núcleo a autorização legal para que o agente público decida, nos limites da lei, acerca da conveniência e oportunidade da prática do ato discricionário e, quando for o caso, escolha o seu conteúdo, ou seja, o núcleo essencial do poder discricionário traduz-se no denominado mérito administrativo. Da mesma forma que no caso anterior, não se trata de um poder autônomo, mas sim é apenas um atributo de outros poderes. Aqui a lei também estabelece uma série de regras para a prática de um ato, mas deixa certa dose de prerrogativas à autoridade, que poderá optar por um entre vários caminhos igualmente válidos. O poder discricionário, por sua vez, é o que decorre do juízo de mérito (BINÔMIO = conveniência X oportunidade) que o administrador promove quando a lei dá a ele alguma liberdade de ação para a prática de determinado ato. Então, se a lei deixa certo grau de liberdade, diz-se que há discricionariedade. A lei afirmou que nessa situação, as alternativas A, B ou C são possíveis. O administrador, então, por um juízo de conveniência e oportunidade, escolhe qual a melhor alternativa a ser seguida. Entretanto, não existe poder discricionário absoluto, pois sempre a lei fixará os limites de atuação, dentro dos quais deve o agente atuar. Segundo a doutrina, a fonte da discricionariedade é a própria lei; a discricionariedade existe nos espaços deixados pela lei. Ressalte-se que, além dos limites fixados na lei, a autoridade está sempre adstrita aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para que se evitem as injustiças, ou seja, esses dois princípios são apontados, pelos doutrinadores, como eficazes limitadores do poder discricionário da Administração. Poder Hierárquico O chamado poder hierárquico é aquele conferido ao administrador a fim de distribuir e escalonar as funções dos seus órgãos, ordenar, rever a atuação de seus agentes, estabelecendo uma relação de hierarquia e subordinação. (MARINELA, 2018, p. 218) É o poder hierárquico que permite à Administração estabelecer relações de hierarquia e subordinação entre seus órgãos e agentes. Ou seja, tanto os órgãos como os agentes públicos estão organizados de forma hierárquica e dessa relação de superioridade surgem poderes (prerrogativas) do superior para o subordinado, o chamado poder hierárquico. Importante destacar que através desse Poder, decorrem, ainda, as seguintes faculdades atribuídas ao superior, com relação a seu subordinado: I – dar ordens/comandar: as ordens devem ser cumpridas pelos subordinados, exceto quando manifestamente ilegais, situação na qual caberá o dever de representar contra tal ilegalidade (art. 116, IV e XII, Lei nº 8.112/90); II – fiscalizar: compete ao superior verificar e acompanhar as tarefas executadas por seus subordinados, para eventuais correções, sempre que necessárias; III – delegar: corresponde ao repasse de atribuições administrativas de responsabilidade do superior para o subalterno; IV – avocar: representa o caminho contrário da delegação, é dizer, acontece a avocação quando o superior atrai para si a tarefa de responsabilidade do subordinado, podendo tal atividade ter sido delegada para este ou ser de sua competência originária; V – rever/anular: pode o superior, de ofício ou mediante pedido do interessado, realizar a revisão dos atos de seus subordinados, enquanto não for tal ato definitivo, mantendo-o ou modificando-o. Poder Disciplinar O poder disciplinar é um poder-dever que cabe à Administração de examinar infrações cometidas por servidores públicos e demais pessoas com vínculo jurídico específico, sujeitas à disciplina administrativa. Podendo ainda aplicar penalidades se necessário após a devida averiguação dos fatos. Esse poder disciplinar está intimamente ligado ao poder hierárquico. No momento em que à administração exerce o controle interno das pessoas a ela vinculadas, exerce o poder disciplinar em uma relação decorrente do poder hierárquico. ATENÇÃO! NÃO CONFUNDAM PODER HIERÁRQUICO COM PODER DISCIPLINAR!!! Não se confunda também, o poder disciplinar da Administração, com o poder punitivo do Estado, realizado através da Justiça Criminal (comum ou militar). O poder disciplinar é exercido em benefício do serviço; o poder punitivo do Estado é exercido em defesa da sociedade. A punição criminal é de natureza judicial. Poder Regulamentar A corrente majoritária dos doutrinadores aponta o poder regulamentar como sendo a competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo para editar atos administrativos normativos (edição de decretos e regulamentos), complementares à lei para a sua fiel execução. A Constituição Federal confere aos chefes do Poder Executivo federal, municipal e estadual poder para editar normas gerais e abstratas que explicam a lei, complementando-a e dando sua correta aplicabilidade. Veja o que a Constituição Federal diz a respeito: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;” Mas se só o Chefe do Poder Executivo tem o poder regulamentar, em que “poder” se enquadrariam as resoluções, instruções normativas, regimentos expedidos por outras autoridades administrativas? Nesse caso, fala-se em “poder normativo”, que é o poder da Administração de editar atos gerais (o ato não é dirigido a um sujeito específico, mas a uma generalidade) e abstratos (o ato não foi editado para incidir sobre um único fato, mas para ser aplicado todas as vezes que ocorrer determinada situação descrita na norma). Assim, parece mais adequando, reservar a expressão “poder regulamentar” somente para a atuação dos Chefes do Poder Executivo e referir-se a todas as outras como exercidas no uso, simplesmente, do poder normativo. Poder de Polícia Uma série de direitos são garantidos à sociedade pela legislação. Contudo, o exercício desses direitos não pode ser ilimitado, devendo haver regulação do uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em atenção ao benefício comum do povo. O poder de polícia decorre da prerrogativa que o Estado tem de restringir o exercício dos direitos individuais em prol do interesse coletivo. Nesse sentido, o conceito de poder de polícia não pode ser dado sem mencionar a ideia de restrição de atos individuais em prol da coletividade. A propósito do tema, cite-se a definição de Poder de Polícia inserida no Código Tributário Nacional, em seu art. 78: Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Então, numa tentativa de dar um conceito mais conciso, Hely Lopes Meirelles define poder de polícia como “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar ou restringir o uso e gozo de bens, atividades e direito individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. O Poder de Polícia fundamenta-se na Supremacia do Estado, e tem como objeto os bens, direitos e atividades que de alguma forma afetem ou possam afetar a coletividade. Lembre-se: a finalidade é sempre atender e proteger o interesse público. No exercício desse Poder, podemos citar como exemplos a fixação e fiscalização de normas sanitárias para funcionamento de um açougue ou supermercado, ou de limites de barulho produzido por casas noturnas, ou, ainda, a verificação do cumprimento das normas de prevenção de incêndios de novas construções. Nesse contexto, tem-se as autorizações, que são expedidas pela Administração discricionariamente, e as licenças, que são atos vinculados. Polícia Administrativa x Polícia Judiciária x Polícia de Manutenção da Ordem Pública Importante frisar que Polícia Administrativa não se confunde com Polícia Judiciária e com Polícia de Manutenção da Ordem Pública. A primeira incide sobre bens, direitos e atividades, enquanto que as outras atuam sobre as pessoas; a atuação da primeira esgota-se no âmbito da função administrativa, enquanto a polícia judiciária prepara a atuação da função jurisdicional penal; a polícia administrativa é exercida por órgãos administrativos de caráter fiscalizados, integrantes dos mais diversos setores da Administração Pública como um todo, ao passo que a polícia de manutenção da ordem pública e a polícia judiciária são executadas por órgãos de segurança, como a polícia civil e a polícia militar. Polícia Administrativa Polícia Judiciária e Polícia de Manutenção da Ordem Pública atuação essencialmente preventiva atuação repressiva exercida por vários órgãos da Administração exercida pelos órgãos responsáveis pela Pública segurança pública (polícia federal, polícia militar e polícia civil); incide sobre a propriedade, a liberdade e as Incide sobre a própria pessoa atividades dos indivíduos visa a coibir a desordem social busca a responsabilização penal sujeita às normas administrativas sujeita, essencialmente, às normas processuais penais caráter investigativo A polícia administrativa pode agir preventiva ou repressivamente, trata-se do poder de polícia repressivo e preventivo (não confundir a atuação da polícia administrativa e polícia judiciária). Poder de polícia preventiva: atua por meio de normas limitadoras ou sancionadoras da conduta dos que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade. Na forma preventiva, o poder de polícia exige que os particulares obtenham anuência para que procedam ao início de determinadas atividades, anuência esta feita por meio de alvarás. Estes alvarás podem ser formalizados através de licenças (ato vinculado, desde que o particular preencha determinados requisitos, como carteira de habilitação) e autorizações (ato discricionário, que o particular tem interesse, mas não direito subjetivo a sua obtenção). Poder de polícia repressiva: atua na fiscalização de atividades e bens sujeitos ao controle da Administração. Verificando a existência de infração, a autoridade fiscalizadora deverá lavrar o auto de infração pertinente e cientificar o particular da sanção a ser aplicada. Fases do Poder de Polícia (ciclo de polícia) Alguns administrativistas, a partir da identificação das diferentes atuações que integram (ou podem integrar) a atividade de polícia em sentido amplo, propõem, didaticamente, uma organização sequencial de tais atuações, dando origem àquilo que denominam "ciclo de polícia". Essa doutrina afirma que o ciclo de polícia se desenvolve em quatro fases, quais sejam: (a) a ordem de polícia; (b) o consentimento de polícia; (c) a fiscalização de polícia; e (d) a sanção de polícia. a ordem de polícia: corresponde à legislação que estabelece os limites e condicionamentos ao exercício de atividades privadas e ao uso de bens, ou seja, quando o estado impõe determinada proibição, por exemplo, não ultrapassar o sinal vermelho; Em razão do postulado da legalidade, a ordem primária estará invariavelmente contida em uma lei, a qual pode estar regulamentada em atos normativos infralegais que detalhem os seus comandos, a fim de permitir a correta e uniforme observância da lei pelos administrados e pela própria administração que lhe dará aplicação. o consentimento de polícia: quando o estado anui que o particular exerça certa atividade, no poder de polícia preventivo, através de alvarás, por exemplo; a fiscalização de polícia: é a observação, por parte do Estado, para ver se os particulares continuam obedecendo aos comandos legais; a sanção de polícia: quando não observados os preceitos legais, resta a necessidade da aplicação de penas aos particulares. Limites ao Poder de Polícia De acordo com os ensinamentos de Alexandrino e Paulo (2013, p. 244), “a discricionariedade, que informa o poder de polícia da Administração, não é ilimitada”. Deste modo, a atuação da polícia administrativa só será legítima se realizada nos estritos termo jurídicos, respeitados os direitos do cidadão, as prerrogativas individuais e as liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis. O princípio da proporcionalidade, entendido como necessidade de adequação entre a restrição imposta pela Administração e o benefício coletivo que se tem em vista com a medida, também representa um limite indiscutível ao poder de polícia administrativa. Ademais, tem-se que as sanções impostas pela polícia administrativa devem ser aplicadas com observância do devido processo legal, de modo que seja permitido ao particular o direito à ampla defesa, princípio constitucionalmente estabelecido no art. 5º, incisos LIV e LV. Atributos do Poder de Polícia A doutrina tradicionalmente aponta três atributos ou qualidades características do poder de polícia e dos atos administrativos resultantes de seu regular exercício: discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade. Discricionariedade: A discricionariedade no exercício do poder de polícia significa que a administração, quanto aos atos a ele relacionados, regra geral, dispõe de uma razoável liberdade de atuação, podendo valorar a oportunidade e conveniência de sua prática, estabelecer o motivo e escolher, dentro dos limites legais, seu conteúdo. A finalidade de todo ato de polícia é requisito sempre vinculado e traduz-se na proteção do interesse da coletividade. Autoexecutoriedade: consiste na possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem judicial. Alguns administrativistas, como é o caso de Di Pietro desdobram a autoexecutoriedade em exigibilidade e executoriedade. Para esses administrativistas, a exigibilidade traduz a prerrogativa de a administração pública impor obrigações ao administrado, sem necessidade de prévia autorização judicial, enquanto a executoriedade significa a possibilidade de a administração realizar diretamente a execução forçada da medida que ela impôs ao administrado. A exigibilidade está ligada ao uso de meios coercitivos indiretos, tais como a aplicação de uma multa, ou a exigência do pagamento de multas de trânsito como condição para o licenciamento de veículo automóvel. Na executoriedade, os meios coercitivos são diretos, autorizando o uso da força pública, se necessário; é o que ocorre na apreensão de mercadorias, na remoção forçada de veículo estacionado em local proibido, na interdição de um restaurante que não atenda às normas da vigilância sanitária, etc. Coercibilidade: traduz-se na possibilidade de as medidas adotadas pela administração pública serem impostas coativamente ao administrado, inclusive mediante o emprego da força. Caso o particular resista ao ato de polícia, a administração poderá valer- se da força pública para garantir o seu cumprimento. Registre-se que embora a doutrina comumente aponte a autoexecutoriedade e a coercibilidade como diferentes atributos do poder de polícia, não existe uma distinção precisa entre um e outro, sendo eles, no mais das vezes, tratados como sinônimos. Unidade 3 - Sistema de justiça criminal: Funções e atores da justiça criminal 3.1 Sistema de justiça criminal: conceito e organização Antes de se adentrar no estudo do Sistema de Justiça Criminal propriamente dito, importa uma contextualização inicial, com fundamento na Criminologia. Assim, serão extraídos alguns ensinamentos de Filho (2023), do capítulo 15º de sua obra “Manual Esquemático de Criminologia”. O autor esclarece que: Toda sociedade politicamente organizada utiliza o monopólio da força para manutenção da ordem, da paz social e da harmonia entre seus cidadãos. [...] Assim é que no plano político são eleitos objetivos fundamentais de atuação social, mediante os quais há que imperar uma comunhão de esforços para alcançá-los; esforços e atitudes estes limitados por um processo de normatização de comportamentos pessoais e sociais. Estabelece-se, por conseguinte, o controle social como o conjunto de mecanismos e sanções sociais que visam a submissão do homem aos modelos e normas de convívio comunitário (SHECAIRA, 2008). Destarte, para que os fins de interesse público possam ser alcançados, as instituições sociais utilizam dois sistemas que interagem reciprocamente. Num primeiro plano tem-se o controle social informal, que se reflete nos órgãos da sociedade civil: família, escola, ciclo profissional, opinião pública, clubes de serviço, igrejas etc. De outro lado, destaca-se o controle social formal, representado pelas instâncias políticas do Estado, isto é, a Polícia (1ª seleção), o Ministério Público (2ª seleção), a Justiça (3ª seleção), as Forças Armadas, a Administração Penitenciária etc. 15.1 Órgãos informais de controle social Os órgãos da sociedade civil que operam o controle informal atuam na educação do indivíduo, inserindo-o no contexto social, vale dizer, trata-se do processo de socialização que se prolonga durante toda a existência do indivíduo. Nesse contexto, destaca-se o comunitarismo (vida e sentimento de comunidade): nos pequenos lugares existe maior proximidade entre os habitantes, gerando um recíproco e mútuo estado de respeito, dependência e controle. Na medida em que esse controle informal acaba por contribuir para que o indivíduo absorva os valores e normas da comunidade, resta claro que ele é muito mais importante e funcional que a ameaça de sanção do controle formal do Estado. Entre os elementos que primeiro aparecem no controle informal, ganha relevo o papel da família. Aliás, a família, como célula nuclear da sociedade, é diretamente responsável pela moldura do caráter e comportamento de seus integrantes, caracterizando-se a necessária autoridade dos pais em decorrência do binômio exemplaridade – amor. Também digno de nota é o controle informal feito pela escola. Embora intimamente ligada ao Estado, não é a presença deste que formaliza ou informaliza o controle, mas sim seu vínculo mais estreito ou não com a sociedade civil. A escola sempre teve íntima ligação com a sociedade civil na consecução da tarefa de educar mediante a persuasão. O ciclo profissional (trabalho) é de suma importância na instância informal de controle, porque, no modelo capitalista, a autoridade e o poder se apoiam naqueles que detêm os meios de produção, de sorte que a permanência no emprego vai depender, dentre outros requisitos, da disciplina laboral do empregado e de suas múltiplas irradiações: no trato com os superiores, nas relações com os colegas, no atendimento aos clientes etc. O culto à divindade ou a um ser superior sempre acompanhou o homem e lhe servia de mecanismo de contenção de comportamentos antissociais. Daí a importância da religião e das igrejas no processo informal de controle social. Além desses mecanismos, podem ser citados outros, como a vizinhança (solidariedade social) e os meios de comunicação em massa (indução de comportamento pela mídia), instrumentos que contribuem para a padronização de comportamentos. Nesse sentido, a lição do festejado Shecaira (2008), para quem, “em épocas como a atual, em que se assiste ao aprofundamento das complexidades sociais, e em que são enfraquecidos os laços comunitários, cada vez mais os mecanismos informais de controle social tornam-se enfraquecidos ou até mesmo inoperantes”. 15.2 Instância Formal de Controle Quando os meios informais de controle da sociedade falham, entra em cena o controle formal, representado pela ameaça de punição (sanção), impondo-se coercitivamente. O controle social formal é seletivo e discriminatório, pois o status prima sobre o merecimento, mas também é estigmatizante, porque acaba por desenvolver carreiras criminais e desvios secundários. O controle social jurídico-penal fixa por escrito e publicamente, com todas as minúcias possíveis (lex certa et scripta) e antes do fato (anterioridade), qual comportamento se entende por desviado, qual a penalidade cabível, qual a forma de sua imposição (due porcess of law) e por meio de quais autoridades (Polícia e Judiciário). Assiste razão, portanto, a Hassemer (2008, p. 307) quando anuncia que “o controle social jurídico-penal restabelece a ordem jurídica perturbada, indeniza as vítimas, ainda que não exclua definitivamente o autor do delito do grupo social, impõe uma pena que, ao mesmo tempo em que um castigo, expressa uma desaprovação do fato que tenha realizado”. Agora observe esse trecho do livro de Filho (2023, p. 633): Não se deve esperar demais do controle formal penal, pois este somente deve entrar em cena em última instância (ultima ratio), até porque o direito penal não pode perder seu papel fragmentário e subsidiário (executor de reserva). Isso quer dizer que nem todas as condutas podem ser tidas como incriminadas, mas apenas aquelas que ofendem com certa gravidade os bens jurídicos mais relevantes; o direito penal somente deve atuar quando os demais ramos do direito e instrumentos do controle social se mostrarem impotentes para a manutenção da paz social. Reflita sobre o que quis dizer o autor quando afirmou que “não se deve esperar demais do controle formal penal”? Debata com os colegas e instrutor!!! Também são pertinentes os ensinamentos de Filho (2023), acerca das seleções do controle formal, conforme segue: 15.2.1 Primeira seleção Fala-se em primeira seleção do controle social formal em face da atuação de seus órgãos de repressão jurídica, isto é, da atuação da polícia judiciária. Pode-se afirmar que, quando ocorre um crime, surge para o Estado o poder-dever de exercitar o ius puniendi em desfavor do criminoso. A premissa da monopolização da jurisdição e a finalidade de realização do bem comum, com a indispensável necessidade da garantia da ordem pública, exigem tal comportamento estatal, pois o direito existe exatamente para manter a harmonia social. Só que o ius puniendi não pode ser exercitado de forma atrabiliária. Ele é exercido por meio de um caminho, que é a persecução penal (persecutio criminis), onde, por força constitucional, deve-se estabelecer a “paridade de armas” entre acusação e defesa. Assim, a persecução criminal põe cara a cara a pretensão punitiva estatal e o direito de liberdade do autor do delito. O vigente sistema processual penal pátrio (acusatório) tem uma etapa preliminar, destinada à apuração da infração penal e respectiva autoria, a que a doutrina denomina “investigação policial”, formalizada no inquérito policial; este é ultimado pela Polícia Civil ou Federal (Judiciária). [...] No Brasil, a Polícia Civil (judiciária) prepara a ação penal, não apenas praticando os atos essenciais da investigação, mas também organizando uma instrução provisória a que se dá o nome de inquérito policial. Importante frisar que o inquérito policial, verdadeiro procedimento que é, não pode ser rotulado de “simples peça informativa”, como precipitada e preconceituosamente fazem alguns autores, até mesmo diante da impactante atuação sobre o investigado, mormente quando recaem sobre ele os indícios formais de autoria delitiva (indiciamento) estabelece-se aí a primeira seleção de controle social. Desde o instante em que se registra um boletim de ocorrência na Delegacia de polícia, passando pela instauração de inquérito em desfavor de algum suspeito ou de seu indiciamento formal, e até na situação de prisão em flagrante, a polícia age, por vezes discricionariamente, fazendo a primeira etapa de filtragem social, inclusive instruindo na apuração as provas definitivas necessárias à comprovação subjetiva e material do delito. Na esfera das infrações penais de menor potencial ofensivo (Lei n. 9.099/95), à polícia judiciária incumbe exclusivamente a lavratura dos termos circunstanciados de ocorrência (art. 69), que recebem expressiva conotação de controle formal. Dai a expressão popular que macula: “Fulano é ficha suja na Polícia”, relembrando a teoria da etiquetagem social (labelling approach). [...] 15.2.2 Segunda seleção Na segunda seleção insere-se a atuação do Ministério Público, não apenas com a propositura da ação penal e consequente instauração da instância judicial, mas também por meio de outros instrumentais de sua alçada, como o inquérito civil, a ação civil pública e o termo de ajustamento de conduta. É claro que a denúncia criminal, como proposta de estabelecimento de pena ao autor de um fato delituoso, imprime o caráter estigmatizante com maior intensidade. 3.2.3 Terceira seleção A denominada terceira seleção decorre do processo judicial, culminando com a sentença condenatória transitada em julgado. Mas não apenas. As hipóteses de prisão cautelar simbolizam a restrição da liberdade, quer no aspecto repressivo ou ainda no preventivo. Aqui o Estado se impõe de maneira absoluta sobre o indivíduo, excluindo-o do contexto mediante a sanção mais gravosa que existe: a pena privativa de liberdade. Sabe-se, igualmente, que as penitenciárias brasileiras são depósitos de lixo humano, ofendem a consciência jurídica e ética do País e transformam o homem naquilo de pior que lhe poderiam rotular: ex-homem, porque a própria arquitetura do cárcere muitas vezes é responsável por sua despersonalização, convertendo-o em autômato, desmontando sua dignidade. 3.2 Funções e atores do sistema de justiça criminal: polícias, ministério público, defensoria, magistratura e sistema prisional De maneira ampla, pode-se dizer que o Sistema de Justiça Criminal abrange órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário, em três frentes de atuação, quais sejam, a segurança pública, a justiça criminal e a execução penal. Abrangendo, assim, a atuação do poder público desde no planejamento e estratégias de prevenção das infrações penais até a aplicação de penas aos infratores. (FERREIRA, FONTOURA; 2008). Neste contexto, faz-se necessário descrever os subsistemas da Justiça Criminal, demonstrando a relação entre eles, suas funções principais e os atores envolvidos, conforme segue. 3.2.1 Sistema de segurança pública O Sistema de segurança pública brasileiro está insculpido no artigo 144 da Constituição Federal e organiza-se em órgãos do Poder Executivo Federal, estadual e municipal. Neste dispositivo constitucional, são apontadas as diretrizes gerais para cada órgão. Assim, os órgãos responsáveis pela manutenção da segurança pública são: Polícia Federal; Policia Rodoviária Federal; Polícias Civis; Policiais Militares e corpos de bombeiros militares; Polícias penais federal, estaduais e distrital. O quadro a seguir traça a estrutura do sistema, de acordo com os papéis e a organização de cada nível da Federação: Órgão Função Polícia Federal I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. Polícia Destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das Rodoviária rodovias federais. Federal Polícias Civis Dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Subordinam-se aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Polícias Militares Cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; Subordinam-se aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Corpos de Além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de Bombeiros atividades de defesa civil; Militares Subordinam-se aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Polícias penais Cabe a segurança dos estabelecimentos penais; Estão vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem; Guardas Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à municipais proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Destaca-se, pois, que à Polícia Militar compete realizar o policiamento ostensivo e garantir a preservação da ordem pública. A Lei de Organização Básica da Brigada Militar (Lei nº 10.991, de 18 de agosto de 1997) reforça as atribuições conferidas à Brigada Militar pelo art. 144, § 5º, da Constituição Federal de 1988 e pelo art. 129 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de 1989, bem como especifica como deve se dar a atuação da Instituição para o atingimento do seu mister, verbis: Art. 1º - A Brigada Militar, Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, é uma Instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e na disciplina, destinada à preservação da ordem pública e à incolumidade das pessoas e do patrimônio. [...] Art. 3º - Compete à Brigada Militar: I - executar, com exclusividade, ressalvada a competência das Forças Armadas, a polícia ostensiva, planejada pela autoridade policial-militar competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; II - atuar preventivamente, como força de dissuasão, em locais ou área específicas, onde de presuma ser possível a perturbação da ordem pública; III - atuar repressivamente, em caso de perturbação da ordem pública e no gerenciamento técnico de situações de alto risco; […] (sem destaque o original) Extrai-se daí a função primordial da Brigada Militar que é a prevenção criminal, por meio da polícia ostensiva que deve ser realizada forma planejada, ou seja, atuando de maneira a evitar a prática delitual. Por meio de estratégias e planejamento é possível a atuação preventiva, especialmente em locais em que se presuma ser possível a perturbação da ordem pública. Deve-se ter em mente, que a atuação repressiva vai ocorrer somente em caso de perturbação da ordem pública, ou seja, de forma secundária. A Polícia Civil entra em cena após o cometimento do delito, visto sua principal atribuição que é a investigação de crimes. Cumpre a ela exercer a função de polícia judiciária, devendo apurar as infrações penais, com exceção das infrações penais militares (que serão estudadas em matéria específica) e diz respeito aos delitos penais cometidos por militares, cuja atribuição de apuração caberá à Polícia Judiciária Militar. O delegado de polícia é a autoridade responsável por instaurar o inquérito policial (procedimento administrativo que antecede a ação penal), que tem por finalidade investigar os crimes. Após sua conclusão, o inquérito é remetido ao Poder Judiciário, que o remete ao Ministério Público, que poderá oferecer denúncia contra o infrator penal. Ao oferecer a denúncia, dar-se-á início ao processo criminal, com o recebimento da denúncia pelo Juiz. Nos crimes de menor potencial ofensivo, abrangidos pelo rito da Lei 9.099/95, é lavrado o Termo Circunstanciado, que é remetido ao Judiciário. Trata-se, pois, de um procedimento mais simplificado. Conheça um pouco da história da Brigada Militar: Com fundamento no Art. 69 da Lei 9.099/95 e na Portaria SJS Nº 172/20001, a Brigada Militar iniciou a lavratura dos Termos Circunstanciados, primeiro como projeto-pito, no ano de 2000. Já em 2002, o BO-COP/TC passou a ser confeccionado em todos os municípios do Estado. Esse tema, dado sua importância, será estudado pormenorizadamente em matéria específica. Contudo, importa lembrar que a possibilidade de lavratura de Termos Circunstanciados pelas Polícias Militares foi objeto de análise em Ação Direta de Inconstitucionalidade, entretanto foi julgado improcedente, conforme segue: ADIN 70014426563: decisão de mérito que vincula a administração e o judiciário estadual quanto à constitucionalidade, frente à carta estadual – CE, da lavratura do TC pela Brigada Militar. Em 2000, em decisão inovadora na ordem jurídica e adotando os objetivos da lei federal 9.099/95, o governo do Estado do RS, através da pasta de segurança pública, editou a portaria SJS nº 172, a qual possibilitou a polícia militar do Estado do RS à lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência –TC, nas ocorrências de delitos de menor potencial ofensivo, quando presentes as condições do art. 302 do CPP. A decisão, a par de adotar a majoritária doutrina e o parecer da comissão de estudos da lei 9.099/95 em relação ao conceito de autoridade policial contido no art. 69 do citado diploma legal, nunca foi aceito pelos delegados de policia do Estado, que apegados ao anacrônico código de processo 1 I – Todo policial, civil ou militar é competente para lavrar o Termo Circunstanciado previsto no artigo 69 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995. penal – CPP, entendem que somente o delegado de polícia é o agente público habilitado a lavrar o TC, a exemplo do Inquérito Policial. Como argumentos principais, aduziram através de sua entidade de classe (ASDEP) que a CF atribui exclusividade à Polícia Civil atos de polícia judiciária, bem como o CPP determinar que somente o delegado de polícia está conceituado como autoridade policial. Assim, conforme legitima a CE, como entidade de nível estadual e com previsão estatutária de resguardar os interesses da classe, ingressou a ASDEP com ADIN no TJRS, invocando a contrariedade da portaria SJS nº 172/2000 à CE. Indeferida a liminar requerida, por maioria absoluta, o órgão especial do TJRS julgou improcedente o pedido, declarando constitucional a portaria frente a CE, [...] (COSTA, 2008). Destaca-se que a Brigada Militar foi pioneira na lavratura de Termos Circunstanciados, a decisão do TJRS representa um marco nacional na consolidação da competência de lavratura do TC por todo policial, seja civil, militar ou federal. A lavratura do BO-COP/TC é um referencial no desenvolvimento da prestação do serviço policial, pois iniciava-se, assim, ainda que de forma parcial, a sedimentação para a realização do "ciclo completo de polícia". O cidadão, destarte, não necessitava mais deslocar-se a uma Delegacia de Polícia Civil para efetuar seu registro; isto tornou mais fácil e ágil o acesso da comunidade à polícia, bem como tornar mais qualificado trabalho do Policial Militar que realiza o atendimento e as demais atividades de Polícia. Saiba mais em: https://www.aplateia.com.br/2019/11/18/brigada-militar-completa-182-anos-de-atividade-na- seguranca-publica/ Conforme visto, a Constituição Federal de 1988 também prevê que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. Sobre elas, importa mencionar que são instituições de caráter civil, em que a principal função é zelar pelo patrimônio público municipal. Entretanto, observa-se atualmente uma expansão da atuação das guardas municipais no sentido de cumprir papéis legalmente destinados às corporações policiais, o que vem sendo tema de amplos debates. (FERREIRA, FONTOURA; 2008). 3.2.2 Órgãos da Justiça Criminal No Brasil, os órgãos de Justiça criminal organizam-se no âmbito federal e estadual, desta forma, estão assim distribuídos: Nível Federal Nível Estadual Juízes federais; Juízes estaduais; Tribunais Regionais Federais; Tribunais de Justiça; Ministério Público Federal; Ministério Público Estadual; Defensoria Pública da União. Defensoria Pública Estadual. As competências para cada um destes órgãos estão dispostas na Constituição Federal, bem como, por leis estaduais específicas de organização Poder Judiciário Estadual, do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública Estadual. Órgãos Federais da Justiça Criminal No âmbito federal, o Poder Judiciário é composto pelas justiças especializadas, quais sejam: Justiça do Trabalho, Justiça eleitoral, Justiça Militar da União e Justiça comum, constituída pelos juízes federais e pelos Tribunais Regionais Federais. Os juízes federais constituem o primeiro grau de jurisdição, já os Tribunais Regionais Federais constituem o segundo grau, com a competência de julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais. Os Juizados especiais federais criminais julgam infrações de menor potencial ofensivo de competência da Justiça federal. (FERREIRA, FONTOURA; 2008). Órgãos Estaduais de justiça criminal No âmbito estadual, o Poder Judiciário nos estados é integrado pelos juízes de direito, em primeira instância, e os Tribunais de Justiça, em segunda instância, os quais são regidos pelas constituições estaduais e por normas específicas de organização e atribuições. No âmbito penal, atuam por meio das Varas Criminais, Juizados Especiais Criminais e Tribunais do Júri. Vale lembrar, que é o Estado, por meio do Poder Judiciário, que exerce o ius puniendi, direito de punir, nas palavras de Lopes Jr (2023, p. 98) “o Estado é o titular soberano do direito de punir, que será exercido no processo penal através do juiz”. Assim, a Justiça Criminal obedece a sequências e ritos específicos, conforme dispõem o Direito Processual Penal. Os ritos e procedimentos a serem seguidos levam em consideração fatores relacionados à infração penal cometida (tipo de crime e pena cominada) e à ação penal. Órgãos essenciais à Justiça: Ministério Público A Constituição Federal reconhece a atuação do Ministério Público, juntamente com a Advocacia (Pública e Privada) e a Defensoria Pública, como funções essenciais à Justiça. Nesse sentido, o Ministério Público é uma instituição permanente, possuindo como objetivos assegurar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No âmbito do Sistema de Justiça Criminal, o Ministério Público é o titular da ação penal pública, nas palavras de Lopes Jr (2023, p. 94), “o Ministério Público exerce uma pretensão acusatória (ius ut procedatur), ou seja, o poder de proceder contra alguém quando exista a fumaça da prática de um crime (fumus commissi delicti)”. A sua relação com o Poder Judiciário é ampla, pois é o MP quem “bate” às portas do Judiciário (lembre-se que ele precisa ser provocado, para agir) para que a pessoa que cometeu um fato típico, ilícito e culpável (definição de crime) seja processado e julgado. Visualiza-se, pois, o exercício de dois poderes distintos, o do Promotor de Justiça, de acusar; e o do Juiz de Direito, de punir. São interessantes, para a compreensão do tema, os ensinamentos de Lopes Junior (2023, p. 95): Ao acusador não compete o poder de castigar, mas apenas de promover o castigo (Carnelutti). Por isso, no processo penal o acusador exerce uma pretensão acusatória (ius ut procedatur), o poder de proceder contra alguém, que é uma condição indispensável para que, ao final, o juiz exerça o poder de punir. A Constituição Federal, ao estabelecer o Ministério Público como órgão privativo competente para dar início à ação penal pública, buscou impedir a vingança privada, primando por uma atuação pautada por valores racionais, pela impessoalidade e legalidade. Órgãos essenciais à Justiça: Defensoria Pública Conforme dispõe o art. 134 da CF: A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. Desse modo, as Defensorias Públicas são responsáveis pela concretização do acesso à justiça pelos necessitados, por meio da prestação de assistência jurídica de forma gratuita e integral. 3.2.3 Sistema de Execução Penal No Sistema de Justiça Criminal, a pessoa que comete um delito, e que tem a sua liberdade restringida por conta de uma pena definitiva imposta a ela, pelo Estado, por meio do Poder Judiciário, irá cumpri-la em uma casa prisional. Neste sentido, a execução da pena fica a cargo dos estados, que organizam o sistema penitenciário conforme as leis nacionais e locais. Na esfera federal, órgãos do Poder Executivo são responsáveis por definir a política penitenciária, bem como fiscalizar a aplicação nos estados. Vale destacar que o Poder Judiciário, tem ampla participação no Sistema de Execução Penal, ficando a cargo das Varas de Execuções Criminais, em conjunto com o Ministério Público, o Conselho Penitenciário, o Conselho da Comunidade e os departamentos penitenciários locais a execução da pena, conforme determina a Lei de Execução Penal (LEP). (FERREIRA, FONTOURA; 2008). O juiz da vara de execução penal é o responsável por todas as determinações e acompanhamento relativos ao cumprimento da pena pelo condenado, tomando decisões referentes a: progressão e regressão de regimes, soma ou unificação de penas, remição, livramento condicional, saídas temporárias, revogação de medidas de segurança, conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, inspeção periódica dos estabelecimentos penais, entre outras competências delineadas na LEP. (FERREIRA, FONTOURA; 2008, p. 26). De maneira superficial, resta dizer que o principal objetivo do sistema de execução penal é evitar a reincidência, por meio da promoção do tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social dos apenados. Polícia Penal No ano de 2019, o Congresso Nacional aprovou Emenda Constitucional que cria a Polícia Penal, órgão responsável pela segurança do sistema prisional federal, estadual e do Distrito Federal. Desse modo, agentes penitenciários foram equiparados aos membros das demais polícias brasileiras, com atribuições específicas que precisarão ser reguladas em lei. De acordo com o novo texto constitucional, a Polícia Penal estará vinculada ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencer. No Rio Grande do Sul, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) é o órgão do Governo responsável por planejar e executar a política penitenciária do Estado. A rede prisional administrada pela Susepe compreende unidades classificadas por albergues, penitenciárias, presídios, colônias penais e institutos penais, acolhendo presos dos regimes aberto, semiaberto e fechado. 3.3 Finalidade do Sistema de Justiça Criminal Por fim, após ter conhecido os principais órgãos que fazem parte do sistema de justiça criminal, faz-se oportuno destacar que o objetivo final de sua existência, é a prevenção. Para uma melhor compreensão desse pressuposto, é preciso esclarecer que as ações do sistema de justiça criminal podem ser analisadas sob a ótica da prevenção, ou seja, por meio da “punição” buscam-se dois resultados, quais sejam a prevenção geral e a prevenção especial. O primeiro, direciona-se à todos os indivíduos de um Estado de maneira geral. A finalidade é defender e reforçar as leis, a partir do momento que existe um fato tipificado como crime e é determinada uma possível pena (sanção negativa) para quem vier a cometer o ilícito, os infratores e a sociedade em geral são informados de que as infrações às leis são reprovadas e de que o Estado se encarrega de puni-las, dissuadindo o cometimento de novos crimes. Verifica-se, assim, a ideia da intimidação ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem, quer dizer que a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer delitos. (FILHO, 2023). O segundo dirige-se exclusivamente ao infrator em particular, objetivando que este não volte a delinquir. A prevenção especial refere-se ao resultado almejado com a aplicação da pena, qual seja a reinserção do infrator na sociedade. É, pois, voltada apenas aquele indivíduo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais. A prevenção especial, por seu turno, também pode ser vista sob dois prismas, no primeiro, existe uma espécie de neutralização do autor do delito, que se materializa com a segregação no cárcere. No segundo, verifica-se o caráter ressocializador e pedagógico da pena. As penas, no Brasil, visam ao tratamento daquele que cometeu o crime, de modo que ele não volte a delinquir e que sua vida em sociedade se guie pelo respeito às leis. (FILHO, 2023). REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 23ª Ed. São Paulo: Método, 2015. BITTAR, E. C. B. Introdução ao estudo do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book. COSTA, Rafael Monteiro. Decisões das ADINs 70014426563 e 70010738607 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS. 2008. Disponível em: https://www.feneme.org.br/decisoes-das-adins-70014426563-e-70010738607- do-tribunal-de-justica-do-estado-do-rio-grande-do-sul-tjrs-garantia-da-lavratura-do- termo-circunstanciado-de-ocorrencia-pela-brigada-militar-e-ma/ Acesso em: 23 jun. 2023. FERREIRA, Helder; FONTOURA, Natália de Oliveira. Sistema de Justiça Criminal no Brasil: quadro institucional e um diagnóstico de sua atuação. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. mar. 2008. Disponível em: https://carceraria.org.br/wp- content/uploads/2012/07/IPEA_Justica_Criminal_e_Seguraca_Publica.pdf Acesso em: 20 jun. 23. FILHO, N. S. P. Manual Esquemático de Criminologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book. LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book. LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book. MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 12. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. MAZZA, A. Manual de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E- book. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.