Saúde e doença em periodontia Unidade 3 PDF
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Este documento contém informações sobre saúde e doença em periodontia, incluindo um convite ao estudo, uma situação clínica de uma paciente e um diálogo aberto sobre o exame clínico em periodontia e a classificação das doenças periodontais. Explora conceitos como periodontite, gengivite, e características clínicas relevantes para diagnóstico.
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Unidade 3 Saúde e doença em periodontia Convite ao estudo Caro aluno, agora vocês irão acessar o conteúdo de periodontia desta disciplina. A periodontia é uma área da odontologia que lida com as alterações patológicas das estruturas que sustentam o dente na boca, o periodonto. Nesta unida...
Unidade 3 Saúde e doença em periodontia Convite ao estudo Caro aluno, agora vocês irão acessar o conteúdo de periodontia desta disciplina. A periodontia é uma área da odontologia que lida com as alterações patológicas das estruturas que sustentam o dente na boca, o periodonto. Nesta unidade você será capaz de sugerir um diagnóstico periodontal a partir de uma dada condição clínica descrita. Para isso, faz- se importante conhecer todas as etapas de um exame clínico periodontal e a classificação das doenças periodontais para, assim, definir um provável diagnóstico e o tratamento adequado (Seção 3.1). Iremos discutir também as alterações sistêmicas que alteram o curso e o tratamento oferecido aos pacientes bem como as bases epidemiológicas para o diagnóstico periodontal (Seção 3.2). Por fim, na Seção 3.3, iremos discutir as indicações e os protocolos para otimizar o uso dos agentes antimicrobianos no tratamento das doenças periodontais. Para você começar a se familiarizar com esses assuntos, vamos iniciar com a seguinte situação clínica: a Sra. Jéssica da Silva, 32 anos, portadora de diabetes tipo 1, compareceu ao consultório odontológico do Dr. Felipe Santos com queixa de dor e coceira na gengiva. Além disso, apresentava sangramento gengival com o uso do fio dental. A paciente também mostrou incômodo com o afastamento entre as coroas dos incisivos centrais superiores. O exame clínico periodontal mostrou presença de profundidade de sondagem maior que 6 mm (com nível de inserção clínica de 9 mm por palatino) nos elementos 11,12 e 21 e na região de molares superiores (mobilidade grau I). Para sua surpresa, a quantidade de placa/ biofilme bacteriana acumulada nas superfícies dentárias não era grande, desproporcional à quantidade de inflamação e perda óssea presente. Assim, considerando a situação clínica descrita acima, qual seria o seu diagnóstico para essa paciente? Em relação ao tratamento proposto: junto à realização da terapia periodontal básica (raspagem e alisamento radicular), qual a terapia medicamentosa proposta? Fique tranquilo! Sim, nesta unidade você será capaz de identificar o quadro clínico periodontal desta paciente. Para se fazer o diagnóstico periodontal, primeiramente, deve-se determinar a presença ou não da doença; em seguida, fazer a identificação do tipo, extensão, distribuição e gravidade e, então, oportunizar um entendimento dos processos patológicos implícitos e suas causas. Para se determinar o diagnóstico periodontal é necessária uma análise minuciosa do histórico do caso e uma avaliação dos sinais e sintomas clínicos bem como do resultado de vários testes (p. ex., avaliação da mobilidade, sondagem, radiografias, testes sanguíneos e biópsias). Uma vez que você já assimilou o exame clínico, realizou o diagnóstico corretamente e elaborou o plano de tratamento, poderá surgir uma dúvida sobre a necessidade de uso de antimicrobianos. Já se sabe que várias doenças periodontais são causadas por infecção bacteriana. As bactérias se aderem aos dentes logo após a limpeza mecânica (escovação) e há, então, a formação de novo biofilme. Numa bolsa periodontal, os periodontopatógenos formam um biofilme altamente estruturado e complexo; portanto, é lógico tratar as bolsas periodontais por meio da remoção mecânica dos fatores locais, e a terapia antimicrobiana sistêmica (antibióticos de uso oral) pode reduzir a infecção bacteriana no periodonto. Por fim, uma vez que o tratamento foi realizado e bem-sucedido, qual seria o intervalo de tempo para o retorno da paciente ao consultório? A importância da terapia periodontal de suporte será outro assunto a ser abordado na Seção 3.3. Seção 3.1 Abordagem do processo de saúde e doença em periodontia: exame clínico e classificação da doença periodontal Diálogo aberto Vamos voltar ao nosso caso clínico acima, mas ampliando os resultados da análise clínica. A Sra. Jéssica da Silva, 32 anos, portadora de diabetes tipo 1, compareceu ao consultório odontológico do Dr. Felipe Santos com queixa de dor e coceira na gengiva; além disso, apresentava sangramento gengival com o uso do fio dental e mostrou incômodo com o afastamento entre as coroas dos incisivos centrais superiores. O exame clínico periodontal realizado pelo dentista mostrou presença de profundidade de sondagem maior que 6 mm (com nível de inserção clínica de 9 mm por palatino) nos elementos 11,12 e 21 e na região de molares superiores (mobilidade grau I). O exame clínico mais detalhado mostrou profundidade de sondagem de 7 mm com sangramento à sondagem por vestibular nos elementos 36 e 46 e de 6 mm por lingual nesses mesmos elementos, sendo que o elemento 46 apresentava lesão de furca grau II (vestíbulo-lingual). Ao realizar uma pressão lateral nesse elemento, ele observou a presença de exsudato purulento. O nível clínico de inserção estava de 8 mm na face vestibular e 7 mm na face lingual desses dois elementos. Ambos apresentavam mobilidade grau II. Para sua surpresa, a quantidade de placa/biofilme bacteriana acumulada nas superfícies dentárias não era grande, desproporcional à quantidade de inflamação e perda óssea presente. Para que você consiga estabelecer um correto diagnóstico, é necessário o entendimento sobre conceitos importantes no exame clínico. Qual seria o seu diagnóstico? Como você poderia ajudar o Dr. Felipe a entender como você chegou a esse diagnóstico? U3 - Saúde e doença em periodontia 95 Não pode faltar Exame clínico e diagnóstico em periodontia: Então, apesar de parecer difícil, existem elementos importantes nessa descrição que o permitirão fechar o diagnóstico corretamente. Para isso, você precisa aprender a realizar um correto exame clínico periodontal. O exame periodontal deve ser considerado obrigatório em uma avaliação completa da saúde bucal dos pacientes dentados que buscam atendimento odontológico. Vamos considerar que você receba um paciente com dor e coceira na gengiva. Ainda que a sondagem seja o único método mais fidedigno para detecção das bolsas, os sinais clínicos, como alterações na cor (gengiva marginal vermelho-azulada estendendo-se da margem da gengiva para a gengiva inserida); uma margem “arredondada” separando a margem gengival da superfície do dente ou uma gengiva edematosa aumentada podem sugerir a presença de doença periodontal. Nesse caso clinico, por exemplo, há a informação de profundidade de sondagem superior a 6 mm nos incisivos e primeiros molares. Qual seria a importância dessa informação? A bolsa periodontal trata-se de um sulco gengival patologicamente aprofundado, e a profundidade de sondagem é a medida da margem gengival ao fundo do sulco/bolsa periodontal. A avaliação das bolsas periodontais precisa conter sua presença e distribuição em cada superfície dentária, profundidade da bolsa, nível de inserção da raiz e tipo de bolsa (Takei & Carranza, 2016). A sondagem das bolsas é executada em vários momentos para diagnosticar e monitorar o curso do tratamento e a manutenção. Esse exame é realizado com a sonda periodontal milimetrada. A sonda deve ser inserida paralelamente ao eixo vertical do dente e “caminhar” circunferencialmente em torno de cada superfície do dente para detectar áreas de penetração mais profunda (Figura 3.1). Essas bolsas podem envolver uma, duas ou mais superfícies do dente e ter diferentes profundidades e tipos em diferentes superfícies do mesmo dente e sobre superfícies próximas ao mesmo espaço interdental. Isso caracteriza o desenvolvimento de uma doença sítio-específica; portanto, neste caso descrito acima, não são todos os elementos acometidos por essa profundidade de sondagem superior a 6 mm. 96 U3 - Saúde e doença em periodontia Figura 3.1 | Trajetória da sonda para explorar a totalidade da bolsa Fonte: Takei e Carranza (2016, p.344). Um outro dado descrito foi o nível de inserção de 9 mm na face palatina desses elementos e de 7 e 8 mm nos molares. O nível de inserção clínica (NIC) é a distância entre a base da bolsa e um ponto fixo na coroa, como a junção esmalte-cemento (JEC). Mudanças no nível de inserção podem ser resultado de ganho ou perda de inserção e proporcionam uma melhor indicação do grau de destruição periodontal (ou ganho) (melhor correlacionado à perda óssea radiográfica). Mas é importante considerar os dados de sondagem (profundidade) e nível clínico de inserção concomitantemente, pois podemos ter uma mesma profundidade de sondagem com níveis clínicos de inserção diferentes (Figura 3.2) e o inverso também pode ocorrer, conforme a Figura 3.3 Figura 3.2 | Mesma profundidade de sondagem com diferentes níveis de inserção. A e B diferentes posições de margem gengival, porém, A mostra uma bolsa gengival. Na imagem C observa-se a perda clínica de inserção com retração da margem gengival Fonte: Takei e Carranza (2016, p.272). U3 - Saúde e doença em periodontia 97 Figura 3.3 | Diferentes profundidades de sondagem, porém, o mesmo nível de inserção Fonte: Takei e Carranza (2016, p. 272). Exemplificando Atenção! Quando a margem gengival coincide com a JEC, a perda de inserção iguala-se à profundidade da bolsa e a perda de inserção é igual a zero. Uma outra informação descrita no caso acima refere-se ao sangramento à sondagem. A inserção de uma sonda na base da bolsa causará sangramento se houver inflamação gengival e o epitélio da bolsa estiver atrófico ou ulcerado. Regiões não inflamadas raramente sangram. Na maior parte dos casos, o sangramento à sondagem é um sinal mais precoce de inflamação do que a mudança de cor da gengiva. Como um teste simples, o sangramento à sondagem é um indicador ruim de perda progressiva de inserção, no entanto, a sua ausência é um ótimo indicador de estabilidade periodontal. Agora, vamos analisar a informação sobre a lesão de furca no elemento 46. O termo envolvimento de furca refere-se à invasão da bifurcação e trifurcação de dentes multirradiculares pela doença periodontal (Figura 3.4). Os envolvimentos de furca foram classificados nos graus I, II, III e IV, conforme a quantidade de destruição tecidual. O grau I é uma perda óssea incipiente, o grau II é uma perda óssea parcial (fundo-de-saco) e o grau III é uma perda óssea total com uma abertura de lado a lado da furca. O grau IV é similar ao grau III, mas com retração gengival expondo a furca à visualização direta. É importante ressaltar, que saber a extensão do envolvimento de furca é imprescindível para se estabelecer o 98 U3 - Saúde e doença em periodontia diagnóstico e o prognóstico da doença bem como elaborar um plano de tratamento. Figura 3.4 | Importância do uso da sonda de Nabers para análise de lesão de furca Fonte: Takei e Carranza (2016, p.345). Neste mesmo elemento 46, observou-se a presença de exsudato purulento ao realizar pressão digital da gengiva contra a coroa do dente (Figura 3.5). A presença de um número abundante de neutrófilos e células mortas no fluido gengival o transforma em um exsudato purulento. Figura 3.5 | Exame da presença de exsudato purulento Fonte: Takei e Carranza (2016, p.348). Neste caso, você também pode observar a queixa do paciente em relação à alteração da posição dos dentes anteriores superiores e molares inferiores, que, no exame clínico periodontal, mostraram mobilidade graus I e II, respectivamente. A mobilidade é graduada clinicamente segurando-se o dente firmemente entre os cabos de dois instrumentos metálicos ou entre um instrumento metálico e um dente (Figura 3.6). Um esforço U3 - Saúde e doença em periodontia 99 é realizado para mover o dente em todas as direções, e essa mobilidade pode ser graduada em: Mobilidade normal Grau I: ligeiramente maior que a normal. Grau II: moderadamente maior que a normal. Grau III: mobilidade grave vestibulolingual e/ou mesiodistal combinada com deslocamento vertical. Figura 3.6 | Aferição da mobilidade dentária Fonte: Takei e Carranza (2016, p. 339). Alterações na posição dos dentes, como afastamento das coroas de incisivos superiores, devem ser avaliadas cuidadosamente, particularmente visando a identificação de forças anormais, o hábito de empurramento lingual ou outros hábitos que possam ser fatores contribuintes (Figura 3.7). A migração patológica dos dentes anteriores em pessoas jovens pode ser um sinal de periodontite agressiva localizada devido à perda de inserção característica desse tipo de quadro clínico. Figura 3.7 | Vista frontal e vista lateral da migração para vestibular dos incisivos centrais superiores Fonte: Takei e Carranza (2016, p. 291). 100 U3 - Saúde e doença em periodontia Classificação das doenças periodontais I e II: Assim, diante do conhecimento sobre o exame clínico periodontal, você precisará estabelecer um diagnóstico. Todos os diferentes tipos de periodontites descritos têm em comum características histopatológicas, como alterações teciduais na bolsa periodontal, mecanismos de destruição tecidual e mecanismos de cicatrização. Eles diferem, entretanto, na sua etiologia, história natural, progressão e resposta à terapia. A classificação das doenças periodontais é útil para ajudar no estabelecimento do diagnóstico, determinar o prognóstico e facilitar o plano de tratamento. Diferentes classificações das doenças periodontais utilizadas ao longo dos anos foram substituídas assim que novos conhecimentos melhoraram nossa compreensão sobre a etiologia e a patologia das doenças do periodonto. A classificação apresentada nesta unidade é baseada no mais recente e internacionalmente aceito consenso de opinião sobre as doenças e condições que afetam os tecidos do periodonto e que foi apresentado e discutido em 1999 no International Workshop for the Classification of the Periodontal Diseases, organizado pela American Academy of Periodontology (AAP) (Holmstrup, 1999). Vamos então pensar sobre os três grandes grupos de doenças periodontais: 1. As doenças gengivais. 2. Os vários tipos de periodontite. 3. As manifestações periodontais decorrentes de doenças sistêmicas. As doenças gengivais são caracterizadas clinicamente pela presença de algum dos seguintes sinais clínicos: tecido gengival vermelho e esponjoso, sangramento a um estímulo, alterações no contorno da gengiva e presença de cálculo ou placa sem evidências radiográficas de perda óssea na crista alveolar. Pode ser do tipo gengivite recorrente, que reaparece após ser eliminada pelo tratamento ou desaparecer espontaneamente, e do tipo gengivite crônica, que tem início lento e longa duração. Pode ser localizada (confinada à gengiva de um único dente ou grupo de dentes) ou generalizada (envolve toda a boca). Assim, as doenças gengivais são divididas por dois grandes grupos: doenças gengivais induzidas pela placa dental e lesões gengivais não induzidas por placa (Quadro 3.1). A doença gengival induzida pela placa é o resultado de uma interação U3 - Saúde e doença em periodontia 101 entre os microrganismos encontrados no biofilme e os tecidos e células inflamatórias do hospedeiro (Figura 3.8) (Takei & Carranza, 2016). Quadro 3.1 | Doenças Gengivais Doenças gengivais induzidas por placa Lesões gengivais não induzidas por placa Essas doenças podem ocorrer em um I. Doenças gengivais de origem bacteriana periodonto sem perda de inserção ou em um específica periodonto com perda de inserção que está A. Neisseria gonorrhoeae. estável e não progredindo. B. Treponema pallidum. I. Gengivite associada à placa dental C. Espécies estreptocócicas. A. Sem fatores locais contribuintes. D. Outras. B. Com fatores locais contribuintes. II. Doenças gengivais de origem viral II. Doenças gengivais modificadas por fatores A. Infecções por herpes vírus sistêmicos 1. Gengivoestomatite herpética primária. A. Associadas ao sistema endócrino 2. Herpes oral recorrente. 1. Gengivite associada à puberdade. 3. Varicela zoster. 2. Gengivite associada ao ciclo menstrual. B. Outras. 3. Associada à gravidez. III. Doenças gengivais de origem fúngica a. Gengivite. A. Infecções por espécies de Candida: b. Granuloma piogênico. candidíasegengival generalizada. 4. Gengivite associada ao diabetes melito. B. Eritema gengival linear. B. Associada a discrasias sanguíneas. C. Histoplasmose. 1. Gengivite associada à leucemia. D. Outras. 2. Outras. IV. Lesões gengivais de origem genética III. Doenças gengivais modificadas por medicamentos A. Fibromatose gengival hereditária. A. Doenças gengivais influenciadas por B. Outras. drogas V. Manifestações gengivais de condições 1. Crescimento gengival influenciado por sistêmicas drogas. A. Lesões mucocutâneas. 2. Gengivite influenciada por drogas. 1. Líquen plano. a. Gengivite associada a 2. Penfigóide. contraceptivos orais. 3. Pênfigo vulgar. b. Outras. 4. Eritema multiforme. IV. Doenças gengivais modificadas por 5. Lúpus eritematoso. desnutrição 6. Induzidas por drogas. A. Gengivite por deficiência do ácido 7. Outras. ascórbico. B. Reações alérgicas B. Outras. 1. Materiais restauradores odontológicos a. Mercúrio, Níquel, Acrílico. b. Outros. 2. Reações atribuídas a: a. Pastas de dente ou dentifrícios. b. Enxaguatórios orais. c. Aditivos nas gomas de mascar. d. Alimentos e aditivos. 3. Outras. VI. Lesões traumáticas (factícias, iatrogênicas ou acidentais) A. Lesão química, física ou térmica VII. Reações a corpo estranho VIII. Não especificadas de outra maneira Fonte: adaptado de Holmstrup (1999) e Marioti (1999). 102 U3 - Saúde e doença em periodontia Figura 3.8 | A- Gengivite relacionada à placa, mostrando inflamação marginal e papilar com 1 a 4 mm de profundidade de sondagem e generalizada perda de inserção clínica igual a zero, exceto pela retração no dente 28. B- Imagens radiográficas do paciente Fonte: Takei e Carranza (2016, p. 314). Agora que você conheceu o grande grupo das lesões gengivais, vamos falar sobre as periodontites. A periodontite é definida como “uma doença inflamatória dos tecidos de suporte dos dentes (periodonto), causada por microrganismos específicos ou grupos de microrganismos específicos, resultando em uma destruição progressiva do ligamento periodontal e osso alveolar, com formação de bolsa, retração ou ambas”. A característica clínica que distingue a periodontite da gengivite é a presença da perda de inserção clinicamente detectável (OPPERMAN e RÖSING, 2013). Reflita A periodontite é sempre antecedida pela gengivite, mas nem toda gengivite progride para periodontite. O que leva um indivíduo a desenvolver a periodontite? É possível prever clinicamente qual seria o paciente com essa predisposição à periodontite? O que isso interfere na condução clínica dessas alterações periodontais? Isso geralmente é acompanhado pela formação de bolsa periodontal e alterações na densidade e altura do osso alveolar. Em alguns casos, a retração da gengiva marginal pode acompanhar a perda de inserção, mascarando a progressão da doença, se as medidas de profundidade da bolsa forem realizadas sem a verificação dos níveis de inserção clínica. Conforme já citado anteriormente, os sinais clínicos de inflamação, como alterações na cor, contorno, consistência e sangramento à sondagem, não necessariamente U3 - Saúde e doença em periodontia 103 são indicadores positivos da progressão da perda de inserção. Entretanto, se houver sangramento continuo durante a sondagem, em visitas subsequente, este pode ser um indicador confiável da existência de inflamação e do potencial para uma sequente perda de inserção no sítio com sangramento. Assimile A diferença entre gengivite e periodontite está na perda do periodonto de sustentação do dente, mas ambas têm como origem biológica a interação biofilme-hospedeiro. A classificação das diferentes formas de periodontite foi simplificada para descrever três manifestações clínicas gerais da periodontite: periodontite crônica, periodontite agressiva e periodontite como manifestação de doenças sistêmicas. Quadro 3.2 | Diferentes tipos de periodontite Periodontite Crônica Periodontite Agressiva As seguintes características são As seguintes características são comuns em pacientes comuns em pacientes com com periodontite agressiva: periodontite crônica: Ocorre também em pacientes clinicamente Maior prevalência em adultos, mas saudáveis. pode ocorrer em crianças. Rápida perda de inserção e destruição óssea. Quantidade de destruição Quantidade de depósitos microbianos inconsistentes consistente com fatores locais. com a gravidade da doença. Um padrão microbiano variável. Agregação familiar dos indivíduos doentes. Cálculo subgengival As seguintes características são comuns, mas não frequentemente encontrado. universais: Progressão lenta a moderada, com Áreas doentes infectadas com aggregatibacter possíveis períodos de progressão actinomycetemcomitans. rápida. Anormalidades na função fagocitária. Possivelmente modificada ou Macrófagos hiper-responsivos, causando aumento associada a: de prostaglandina E2 (PGE2) e interleucina-1β Doenças sistêmicas, como diabetes (IL-1β) melito e infecção por HIV. Em alguns casos, uma auto-interrupção na Fatores locais predisponentes à progressão da doença. periodontite. Fatores ambientais, como cigarro e estresse emocional. A periodontite agressiva pode ainda ser classificada nas formas localizada e generalizada, com base nas características em comum descritas aqui e nas seguintes características específicas: 104 U3 - Saúde e doença em periodontia A periodontite crônica pode ser, Forma localizada ainda, subclassificada nas formas Início da doença na fase da puberdade. localizada e generalizada e Doença localizada no primeiro molar ou incisivo, caracterizada como leve, moderada com perda de inserção proximal em pelo menos dois ou grave, baseada nas características dentes permanentes, sendo um o primeiro molar. em comum descritas anteriormente e nas seguintes características Grave resposta de anticorpos sorológicos aos específicas: agentes infecciosos. Forma localizada: < 30% dos sítios Forma generalizada envolvidas. Geralmente afetando pessoas abaixo dos 30 anos de Forma generalizada: > 30% dos idade (contudo, podem ser mais velhas). sítios envolvidas. Perda de inserção proximal generalizada atingindo Leve: 1 a 2 mm de perda de pelo menos três dentes, que não sejam os primeiros inserção clínica. molares e incisivos. Moderada: 3 a 4 mm de perda de Pronunciada natureza episódica da destruição inserção clínica. periodontal. Grave: ≥ 5 mm de perda de Pouca resposta de anticorpos sorológicos aos inserção clínica. agentes infecciosos. Periodontite como manifestação de Doenças Periodontais Necrosantes doenças sistêmicas A periodontite pode ser observada Doenças Periodontais Necrosantes como manifestação das seguintes doenças sistêmicas: Gengivite ulcerativa necrosante (GUN) 1. Distúrbios hematológicos - doença aguda. a. Neutropenia adquirida. - lesões características são depressões semelhantes b. Leucemias. a crateras na crista das papilas interdentárias, c. Outras. estendendo-se subsequentemente para a gengiva marginal e, raramente, para a gengiva inserida e a mucosa oral. A superfície das depressões 2. Distúrbios genéticos gengivais é recoberta por epitélio necrosante a. Neutropenia familiar ou cíclica. pseudomembranoso acinzentado, demarcado do b. Síndrome de Down. restante da mucosa gengival por uma região de c. Síndrome de deficiência de adesão eritema linear pronunciado. leucocitária. - hemorragia gengival espontânea ou sangramento d. Síndrome de Papillon-Lefèvre. intenso após mínima estimulação. e. Síndrome de Chédiak-Higashi. - odor fétido e aumento da salivação. f. Síndromes de histiocitose. Periodontite ulcerativa necrosante (PUN) g. Doença do armazenamento do - pode ser uma extensão da gengivite glicogênio. ulcerativa necrosante (GUN). h. Agranulocitose genética infantil. -necrose e ulceração da porção coronal da papila i. Síndrome de Cohen. interdental e da margem gengival, com uma gengiva j. Síndrome de Ehlers-Danlos (tipos marginal dolorosa de coloração vermelho-brilhante e IV e VIII AD). que sangra facilmente. k. Hipofosfatasia. - progressão destrutiva da doença, incluindo as perdas óssea e de inserção. l. Outras. - profundas crateras ósseas interdentais. 3. Não especificadas de outra forma U3 - Saúde e doença em periodontia 105 Abscessos do periodonto Abscesso gengival. Abscesso periodontal. Abscesso pericoronário. Periodontite associada a lesões endodônticas Lesão endodôntico periodontal. Lesão periodontal endodôntica. Lesão combinada. Fonte: adaptado de Flemming (1999); Kinane (1999); Tonetti e Mombelli (1999). Quadro 3.3 | Demais classificações Deformidades e Condições de Desenvolvimento ou Adquiridas Fatores localizados Relacionados aos Deformidades e Condições Mucogengivais Dentes que Modificam ou Predispõem a em Rebordos Edentados Doenças Gengivais Induzidas por Placa ou 1. Deficiência vertical e/ou horizontal do Periodontite rebordo. 1. Fatores anatômicos dentários. 2. Ausência de gengiva ou tecido 2. Restaurações ou próteses dentárias. queratinizado. 3. Fraturas radiculares. 3. Aumento gengival ou de freios e bridas. 4. Reabsorção radicular cervical e fraturas 4. Posição inadequada do freio ou músculo. cementárias. 5. Profundidade vestibular diminuída. 6. Coloração anormal. Deformidades e Condições Mucogengivais Trauma Oclusal ao Redor dos Dentes 1. Trauma oclusal primário. 1. Retração gengival ou de tecido mole. 2. Trauma oclusal secundário. a. Superfície vestibular ou lingual. b. Interproximal (papilar). 2. Ausência de gengiva queratinizada. 3. Profundidade vestibular diminuída. 4. Posição inadequada do freio ou músculo. 5. Excesso gengival. a. Pseudobolsa. b. Margem gengival irregular. c. Exposição gengival excessiva. d. Crescimento gengival. e. Coloração anormal. Fonte: adaptado de Blieden (1999); Halmon (1999) e Pini (1999). Bom, como você pode observar, são inúmeros os tipos de alterações que podem acontecer no periodonto. Vamos, agora, analisar uma sequência de imagens que refletem algumas das condições explicadas acima: 106 U3 - Saúde e doença em periodontia Figura 3.9 | A- Imagem clínica de periodontite crônica moderada relacionada à placa, com 3 a 4 mm de perda de inserção num homem fumante de 53 anos de idade. B- Imagens radiográficas do paciente Fonte: Takei e Carranza (2016, p.54). Vamos a este outro caso: Figura 3.10 | A- Imagem clínica de periodontite agressiva grave relacionada à placa, com 3 a 13 mm de PS e 7 a 15 mm de perda de inserção clínica em um homem de 32 anos de idade. B- Imagens radiográficas do paciente Fonte: Takei e Carranza (2016, p.56). Os dois casos apresentados são de periodontite, no entanto, no primeiro caso (Figura 3.9) o paciente tem idade mais avançada e a quantidade de depósitos bacterianos (cálculo salivar) é compatível com o padrão de destruição, sendo, assim, um quadro de periodontite crônica moderada generalizada. Já no segundo caso, temos um paciente jovem, com um padrão de destruição óssea U3 - Saúde e doença em periodontia 107 avançado, e clinicamente não há uma quantidade de cálculo que remeta à sua condição de perda óssea avançada. Classificação das doenças periodontais - Lesões agudas No que diz respeito às doenças periodontais necrosantes, a gengivite ulcerativa necrosante - GUN e a periodontite ulcerativa necrosante, pode-se observar no Quadro 1.2 que ambas compartilham quadros clínicos parecidos (porém, a perda de inserção é vista somente na periodontite), definidos por necrose e ulceração da porção coronal da papila interdental e da margem gengival, com uma gengiva marginal dolorosa de coloração vermelho-brilhante e que sangra facilmente, conforme as imagens que seguem (Figuras 3.11 e 3.12) (TAKEI e CARRANZA, 2016). Figura 3.11 | A- Gengivite ulcerativa ilustrando a necrose da gengiva marginal. B- Microscopia de contraste de fase revela espiroquetas na amostra do biofilme subgengival Fonte: Takei e Carranza (2016, p. 60). Figura 3.12 | Paciente branco, do sexo masculino, HIV-negativo, com 45 anos de idade, apresentando periodontite ulcerativa necrosante. A- Visualização vestibular da região de caninos e pré-molares superiores. B- Visualização palatina da mesma área. C- Visualização vestibular da região mandibular anterior. Observe as profundas crateras associadas à perda óssea Fonte: Takei e Carranza (2016, p. 307). 108 U3 - Saúde e doença em periodontia Pesquise mais Para melhor compreensão das doenças que podem acometer o periodonto, com as lesões gengivais não associadas à placa e às periodontites como manifestações de doenças sistêmicas, sugiro a leitura do capítulo sobre a classificação das doenças periodontais, do livro de Periodontia Clínica (Carranza e Newman, 2016). TAKEI, N; CARRANZA, K. Carranza - Periodontia Clínica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. Caro aluno, tenho certeza de que você ficou fascinado com os conteúdos dessa seção, então, anime-se e busque mais conhecimentos, debata com seus amigos e professores. Amplie seus conhecimentos!! Sem medo de errar Vamos agora voltar à situação da Jéssica: foi observada perda óssea avançada em molares e incisivos, conforme observação da própria paciente pelo afastamento entre as coroas dos incisivos centrais superiores e pelo exame clínico periodontal realizado pelo dentista. Observe a informação de que quantidade de placa/ biofilme bacteriana acumulada nas superfícies dentárias não era grande, desproporcional à quantidade de inflamação e perda óssea presente nesses elementos. Após conhecer o caso de Jéssica, você acredita que está diante de um quadro de gengivite ou periodontite? Sem dúvida, por apresentar, perda de inserção, elementos com mobilidade, grandes profundidades de sondagens e migração patológica dos incisivos, estamos diante de um quadro de periodontite (e não de gengivite). Agora, resta-nos então descrever o diagnóstico com base nas possibilidades de periodontites. Em sua opinião, qual seria seu diagnóstico? Periodontite agressiva ou periodontite crônica, considerando que sistemicamente a paciente é portadora apenas de diabetes do tipo 1 controlada, (o que exclui a periodontite como manifestação de doenças sistêmicas). Ao avaliarmos a classificação descrita acima, observamos elementos que sugerem uma periodontite agressiva, pois ocorreu perda de inserção rápida, destruição óssea e quantidade de depósitos U3 - Saúde e doença em periodontia 109 de microrganismos incoerentes com a gravidade da doença. Assim, continuando o diagnóstico, podemos sugerir que se trata de uma periodontite agressiva localizada, pois: - Início da doença na fase da puberdade (portanto, acomete pacientes jovens). - Doença localizada no primeiro molar ou incisivo, com perda de inserção proximal em pelo menos dois dentes permanentes, sendo um deles o primeiro molar. - Grave resposta de anticorpos sorológicos aos agentes infecciosos. Avançando na prática Periodontite associada a lesões endodônticas Descrição da situação-problema Um paciente chegou à Clínica de Odontologia da Faculdade Pitágoras com queixa de dor e mobilidade no elemento 36. Agora, você, ao executar um exame clínico periodontal constata uma sondagem de 10 mm na raiz distal (profundidade) e uma lesão de furca de 2 mm. Ao ampliar o exame, você percebe que há outros elementos dentários com perda de inserção e sangramento à sondagem. A presença de cálculo supra e subgengival estava evidente em diversos elementos. A pressão lateral sobre o tecido gengival do elemento 36 mostrou presença de secreção purulenta. Ao realizar uma radiografia periapical, foi observada que a perda óssea periodontal estava extensa na raiz distal, bem próxima ao ápice radicular. O teste de vitalidade pulpar foi negativo, o que sugere quadro de necrose pulpar. Diante disso, qual o provável diagnóstico específico para esse elemento? Resolução da situação-problema Trata-se de uma lesão periodontal-endodôntica. A infecção por bactérias da bolsa periodontal correlacionada à perda de inserção e exposição radicular pode penetrar nos canais acessórios, tendo como resultado a necrose pulpar. No caso de uma doença periodontal avançada, a infecção pode alcançar a polpa pelo forame apical. 110 U3 - Saúde e doença em periodontia Faça valer a pena 1. Um sinal importante na avaliação da doença periodontal é a mobilidade dentária. É graduada clinicamente segurando o dente firmemente entre os cabos de dois instrumentos metálicos ou entre um instrumento metálico e um dente (QUESTÃO CERTA, 2015). Ela é classificada, segundo a literatura em: a) Grau I − Mobilidade da coroa do dente de 0,2 a 1 mm no sentido horizontal. Grau II − Mobilidade da coroa do dente excedendo 1 mm no sentido vertical. Grau III − Mobilidade da coroa no sentido vertical. b) Grau I − Mobilidade da coroa do dente de 0,2 a 1 mm no sentido vertical. Grau II − Mobilidade da coroa do dente excedendo 1 mm no sentido horizontal. Grau III − Mobilidade da coroa excedendo 3 mm no sentido horizontal. c) Grau I − Mobilidade da coroa do dente de 0,2 a 1 mm no sentido horizontal. Grau II − Mobilidade da coroa do dente excedendo 1 mm no sentido horizontal, Grau III − Mobilidade da coroa nos sentidos vertical e horizontal. d) Grau I − Mobilidade da coroa do dente de 0,2 a 1 mm no sentido vertical. Grau II − Mobilidade da coroa do dente excedendo 1 mm no sentido vertical. Grau III − Mobilidade da coroa nos sentidos vertical e horizontal. e) Grau I − Mobilidade da coroa do dente de 0,2 a 1 mm no sentido horizontal. Grau II − Mobilidade da coroa do dente excedendo 1 mm no sentido horizontal e vertical. Grau III − Mobilidade da coroa nos sentidos vertical e horizontal. 2. (UFG - 2017) No exame clínico de um paciente adulto jovem, verificam-se infecção gengival aguda, destruição da papila interdental e sangramento espontâneo. No exame microscópico, verifica-se uma película ou pseudomembrana que contém células epiteliais mortas, células inflamatórias e espiroquetas que são vistas invadindo o tecido conjuntivo subjacente. No exame radiográfico não foram observadas perdas ósseas. Este quadro é característico de: a) Gengivite Ulcerativa Necrosante. b) Periodontite Ulcerativa Necrosante. c) Periodontite Agressiva. d) Gengivite associada ao ciclo menstrual. e) Gengivite Induzida por placa. U3 - Saúde e doença em periodontia 111