Direito da União Europeia I (2020/2021) PDF

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Universidade de Coimbra

2021

Laura Aires

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European Union law EU history International relations Political science

Summary

This document provides an overview of European Union law, tracing its development from early community initiatives to the current institutions and treaties of the EU. It covers key historical figures, organizations, and treaties that shaped the EU. This includes a summary of the Treaty of Paris, Treaty of Rome, the Treaty of Fusion, the Summit of The Hague, as well as treaties of review.

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Laura Aires Direito da União Europeia I 2020/2021 Professora Alexandra Aragão Doutora Dulce Lopes Introdução ao Direito da União Europeia Da pré história comunitária à história d...

Laura Aires Direito da União Europeia I 2020/2021 Professora Alexandra Aragão Doutora Dulce Lopes Introdução ao Direito da União Europeia Da pré história comunitária à história da União Europeia Antes e depois da 2º Guerra Mundial, houve um conjunto de pensadores importantes que contribui para a formação da atual União Europeia. Ocorreu, então, um conjunto de iniciativas e movimentos para a integração dos estados europeus. Estes pensadores reuniram-se no Comité Internacional de Coordena- ção de Movimentos para a União Europeia em 1947. Neste havia 2 tendências principias: a corrente unionista e a corrente federalista. A corrente unionista defendia a criação de organizações europeias inter- governamentais. Já a corrente federalista defendia a necessidade de um caminho de integração que conduzisse ao federalismo europeu. Por esta altura foram criadas outras organizações intergovernamentais, como a OECE, Organização Europeia para a Cooperação Económica, em 1948, que atualmente ainda existe e tem como finalidade o desenvolvimento da Europa. E o Conselho da Europa em 1949, que visa a promoção e cooperação política na Europa e o respeito pelos direitos fundamentais. É também onde está sediado o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Além disto, criaram-se também organizações internacionais de integração, como a BENELUX, junção da Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos, em 1947, que criando uma união aduaneira serviram de embrião futuro para as restantes comunidades e atual União Europeia. E a Comunidade Europeia do Carvão e Aço, em 1951. Assim, após a 2º Guerra Mundial, os estados ocidentais rapidamente se organizaram para fazer face aos desafios de reconstrução e para se defenderem das ameaças, através da celebração de vários tratados de cooperação militar. Contudo, a necessidade de ir para além de uma mera coordenação de soberanias e a necessidade de refundação das estruturas políticas europeias, impulso dado pelo Congresso Federalista de Haia de 1948 e pelos discursos de Churchill em Zurique, levou Robert Schuman (ministro dos negócios estrangeiros francês) a emitir em maio de 1950, a declaração Schuman, convidando diretamente a República Federal Alemã a Página 1 de 41 Laura Aires constituir com França uma organização a quem fossem conferidos importantes poderes no domínio do carvão e do aço, 2 das mais importantes matérias-primas usadas no esforço da guerra. A história: surgimento e evolução da União Europeia Tratado de Paris A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, constituída através do Tratado de Paris de 1951 (entrada em vigor em 1952), apresentava vários elementos de índole supranacional e era funcionalmente federal. Tinha como objetivo imediato o de superar o antagonismo franco-alemão e um objetivo mediato de criar uma identidade europeia. Os países que integraram a CECA foram a República Federal Alemã, a França, a Bélgica, a Itália, a Holanda e o Luxemburgo. Considerava-se, assim, que a colocação destas matérias-primas, na altura de grande importância económica, sob o controlo de uma autoridade independente, dificultaria o surgimento de um novo conflito e levaria a um crescimento económico harmonioso. Tratado de Roma Em 1955, foi decidido começar as negociações com vista à criação de um mercado comum, o que culminou, em 1957, com a celebração em Roma dos Tratados institutivos das 2 restantes Comunidades Europeias, a então Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (EURATOM). Assim, previu-se um processo de integração por fases, com início numa união aduaneira, que criou uma pauta aduaneira e uma política comercial comum, passando-se pelo estabelecimento de um mercado único, assente na livre circulação de mercadorias, de pessoas (trabalhadores), de capitais, de serviços e ainda de estabelecimentos. O último objetivo era a criação de uma união económica e monetária. O processo de evolução de integração europeia seguiu o método comunitário/funcionalista, “Método dos Pequenos Passos”, com avanços graduais, mas irreversíveis e com avanços com ocasionais recuos táticos. Pretendia-se estabelecer gradualmente uma solidariedade de facto entre os estados membros do mercado comum. Uma convenção anexa ao Tratado de Roma instituiu o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia e o Parlamento Europeu como órgãos comuns às comunidades que formavam o Quadro Institucional Comum Página 2 de 41 Laura Aires (CEE, CECA e EURATOM) e o Comité Económico e Social como órgão comum à CEE e à EURATOM. Tratado de Fusão O Tratado de Fusão, assinado em Bruxelas, em abril de 1965 e que entrou em vigor em 1967, instituiu um Conselho Único e uma Comissão Única das 3 comunidades europeias. Visou instituir instituições únicas para as 3 comunidades europeias. Cimeira de Haia Ocorrida em 1969, previu 3 objetivos essenciais à construção europeia que compõe o tríptico comunitário: Alargamento (artigo 49º do TUE) Trata-se da adesão dos novos estados na comunidade europeia. A ideia é que a união europeia seja potencialmente alargada a todos os estados europeus. 1951- Alemanha, França, Bélgica, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. 1973- Reino Unido, Irlanda e Dinamarca. 1981- Grécia. 1986- Portugal e Espanha. 1995- Áustria, Finlândia e Suécia. 2004- Chipre, Malta, República Checa, Estónia, Hungria; Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia e Eslovénia. 2007- Bulgária e Roménia. 2013- Croácia 2020- Brexit (negociações) = 27 estados em vez de 28. Aperfeiçoamento ou Acabamento Previa aperfeiçoar e melhorar o direito da união europeia. Assim, ocorreu ao ritmo dos tratados de revisão da união europeia, já que caracterizava-se pelas alterações graduais, mas necessárias. Aprofundamento Assiste-se a um alargamento das áreas de competência da união europeia, nomeadamente pelo estabelecimento de objetivos sociais e políticos, e não apenas económicos. Tratava-se do desenvolvimento e do salto qualitativo da união europeia. Página 3 de 41 Laura Aires Ato Único Europeu Assinado no Luxemburgo e na Haia em 1986, entrou em vigor em 1987. Fundamentou e tornou possível a cooperação política europeia, nomeadamente através da instituição do Conselho Europeu, cujas normas deviam ser executadas pela Comissão, com vista à concretização do mercado interno. Já o Parlamento Europeu, passou a estar sujeito a novos procedimentos de decisão, alargando-se as matérias decididas por maioria qualificada. Para além disso, as atribuições comunitárias passaram a incidir sobre a coesão económica, social e fiscal, sobre a Investigação e Desenvolvimento e sobre o ambiente. Por fim, previu-se a criação de um Tribunal de Primeira Instância e de uma União Europeia. Tratado de Maastricht É um tratado de revisão e constitutivo, uma vez que tinha um duplo objetivo, criar a união europeia e alterar os tratados comunitários, foi assinado em 1992 e entrou em vigor em 1993. Assim, alterou profundamente as estruturas da integração europeia, desde logo pela criação da União Europeia como estrutura externa e paralela às restantes Comunidades Europeias e assente em 3 pilares: a CEE que passou a designar-se Comunidade Europeia (CE), a introdução de políticas de cooperação intergovernamental nos domínios da Política Externa e Segurança Comum (PESC) e Justiça e Assuntos Internos (JAI). - Criou-se o Comité das Regiões; - Institui-se o processo de codecisão, isto é, de decisão em pé de igualdade entre o Parlamento e o Conselho; - Definiram-se políticas com vista à proteção dos direitos fundamentais área da saúde, educação…; - Delimitaram-se as competências da comunidade europeia e os estados membros através dos princípios de atribuição, subsidiaridade e proporcionalidade; - Reconheceu-se um estatuto de cidadania da união europeia a quem tiver a nacionalidade de um dos estados membros. Esta compreende os direitos de livre circulação e residência, entre outros. Ainda assim, os critérios de atribuição da nacionalidade são definidos por cada estado membro, pelo que a cidadania europeia é complementar e de sobreposição; Página 4 de 41 Laura Aires - A União Económica Monetária é acompanhada pela previsão de um processo de 3 fases que deveria conduzir à instituição de uma moeda única, em 1999. Para tal, instituíram-se órgãos de competência específica e de natureza decisória como o Sistema Europeu e Bancos Centrais (SEBC) e o Banco Central Europeu (BCE). Este é independente face aos governos nacionais e às instituições europeias, cabendo-lhe competências normativas e consultivas. - Aceitou-se a integração indiferenciada pelas cláusulas de “opting-out”, garantindo ao Reino Unido e à Dinamarca a não vinculação ao Acordo Social e a não adesão à moeda única. Tratado de Amesterdão É um mero tratado de revisão, com uma reforma minimalista (formal) e transitória. Foi assinado em 1999, tendo entrado em vigor em 1999. Alterou os tratados da união europeia e da comunidade europeia. - O Parlamento Europeu passou a ter um papel relevante na designação do presidente da comissão, que passa a ter o papel de condução política desta; - A criação do Alto Representante da Política Externa e Segurança Comum; - Aprofundaram-se as políticas comunitárias relacionadas com a coesão económica e social; - Consagração do direito de acesso aos documentos do Conselho e da Comissão; - Estendeu-se a proibição de discriminação em função de fatores como raça, religião, deficiência, idade ou orientação social, instituindo um procedimento de tutela política, podendo levar à aplicação de sanções ao estado membro infrator, e se necessário a suspensão do direito de voto no Conselho (artigo 7º do TUE); - Instituiu-se mecanismos de decisão comunitária sobre matérias que eram de cooperação intergovernamental, individualizando apenas a cooperação criminal e judiciária apenas em matéria penal; - Definiu-se um modelo mais intensivo ou acelerado de realização dos objetivos da união e das comunidades europeias, ou seja, uma cooperação mais flexibilizada e reforçada. Tratado de Nice Assinado em 2001, entrou em vigor em 2003, visando a preparação da união europeia para a adesão dos países do leste europeu, transferindo as competências da CECA para a CE. - Estabeleceu-se o número máximo de deputados, 732 deputados, no Parlamento europeu; Página 5 de 41 Laura Aires - Limitou-se o número de membros da Comissão, que passaram a ser nomeados pelo Conselho e pelo Parlamento. A possibilidade de demissão de um Comissário pelo Presidente da Comissão; - Fixou-se o Conselho da Europa em Bruxelas, progressivamente; - No Tribunal de Justiça e no Tribunal Internacional de Justiça assistimos a composição igualitária pelos estados membros e à possibilidade de criação de secções jurisdicionais; - Alargou-se a competência do Tribunal Internacional de Justica à maioria das questões que integram o contencioso comunitário; - Expendeu-se o procedimento de co-decisao e das decisões por maioria qualificada. - Refletiu, pela 1º vez, a ideia de personalidade jurídica da união europeia, ainda que de modo implícito. Projeto de Tratado Constitucional Europeu Após a entrada em vigor do Tratado de Nice, registaram-se profundas transformações no seio da união europeia, nomeadamente a adesão de 12 estados-membros, na sua maioria ex-comunistas. Ao longo da construção europeia, a área de atuação da união europeia foi-se alargando e os tratados começaram a ser considerados como uma Carta Constitucional. Neste âmbito, há quem defenda que a união europeia exerce prerrogativas de soberania, pelo que é necessária uma constituição e por outro lado há quem considere que a constitucionalização dos tratados não implica a criação de uma Lei Fundamental. Ora, em 2004, assinou-se em Roma o Projeto de Tratado Consti- tucional Europeu, que alicerçou a união europeia num pilar único e criou símbolos próprios como o hino e a bandeira. Já no plano jurisdicional, afirmou-se o primado do direito comunitário sobre o direito nacional. Relativamente ao âmbito institucional, o Parlamento europeu assumiu-se como legislador e titular da iniciativa constituinte. Em 2005, este projeto foi abandonado após ser chumbado em referendo na França e na Holanda, iniciando-se um período de reflexão. Tratado de Lisboa É o último grande tratado de revisão, também conhecido como Tratado Reformador, que foi assinado em 2007, entrando em vigor em 2009. Veio introduzir melhorias e aperfeiçoamentos importantes. Assim, encontramos alguns traços da constituição europeia presentes neste tratado. Página 6 de 41 Laura Aires - Eliminou-se a dualidade da Comunidade e União Europeia, criando-se a União Europeia, apenas. Atualmente, dotada de personalidade jurídica, desaparecendo os 3 pilares; - Identificou-se os valores da união e renovou-se os seus objetivos; - Definiu-se de melhor forma as competências comunitárias e enunciou-se a dupla legitimidade comunitária, representativa e participativa; - Previu-se a adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a integração na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; - Criação de novas figuras institucionais e verificaram-se mudanças institu- cionais, sobretudo, em matéria de política externa; - Consagração de novas políticas; - Substituiu-se o Ministro dos Negócios Estrangeiros pelo Alto Representan- te para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança (ARUNEPS); - Os parlamentos nacionais passaram a fiscalizar a ação da união europeia. Apesar disto, este tratado não revogou os tratados anteriores. Natureza jurídica da União Europeia O Direito Europeu é um Direito Interno? Não, as normas não se aplicam apenas às instituições europeias, aplicam-se também aos sujeitos dos Estados-membros. Esta é uma característica própria do direito europeu, que distingue esta instituição das outras organizações internacionais. Decorre do próprio Direito Europeu que há normas diretamente aplicáveis aos sujeitos individuais. Assim, as normas do direito europeu produzem efeitos externos - não são mero direito interno. O Direito Europeu é um Direito Estadual? Não, porque quem tem a “competência das competências” são os estados- membros da própria união europeia. Depois porque esta se baseia no princípio da especialidade (artigo 4º do TUE). É verdade que todos somos cidadão da união europeia, mas esta é apenas uma cidadania reflexa - não substitui a cidadania nacional. O Direito Europeu é supranacional ou federal? Não podemos falar de um Estado federal, desde logo porque não é um estado. Um estado implica a existência de população, território e poder político: a união europeia não tem população própria (os cidadãos da união europeia são cidadãos dos seus estados); não tem uma política territorial definida (ainda que hajam políticas de desenvolvimento territorial ou de delimitação das fronteiras); não há um poder político (são os estados os agentes do direito comunitário, pois são eles que o concretizam). Página 7 de 41 Laura Aires Pode ser considerado supranacional porque a união europeia tem direito de celebrar tratados, é responsável civilmente pelos danos causados por ela ou pelos seus órgãos/agentes, tem poder de criação jurídica autónoma, tem poder de revisão autónoma, tem personalidade jurídica própria e tem um sistema de jurisdição obrigatória. O Tribunal aproveitou para definir as características do direito da união através do Acórdão Flaminio Costa contra ENEL, Protocolo nº 6/64. Este debruçou-se sobre muita coisa, tentou caracterizar a união europeia, dizendo que esta é uma entidade supranacional, disse ainda que o direito comunitário é um ordenamento jurídico distinto do direito intern e afirmou o princípio do efeito direto e o princípio do primado (o Estado não pode colocar em causa o Direito da União). Trata-se de uma transferência ou de uma delegação? Tanto a delegação como a transferência de poderes representa uma concessão de autoridade de um estado para uma organização internacional, permitindo que esta adote decisões ou medidas que vinculem aquele Estado. Contudo, o conceito de delegação supõe uma possibilidade de maior controlo por parte do estado sobre a organização internacional e a possibilidade de revisão/recuperação das competências delegadas. A transferência é definitiva, já a delegação representa um vínculo temporário, pois a qualquer momento posso avocar o exercício do poder delegado. O direito da união está, digamos assim, a meio caminho. Os estados não podem avocar a competência, mas também não é uma transferência absoluta - a competência só é da União enquanto o Estado estiver vinculado a isso. Assim, estamos mais próximos da transferência do que da delegação. Cidadania Europeia A cidadania europeia surgiu com o Tratado de Maastricht. Assim, a nacionalidade e a cidadania não se confundem, já que a primeira consiste num vínculo jurídico, genuíno e efetivo a um determinado estado, derivado do local do nascimento, da descendência ou da residência sendo que quem define quem é nacional de um estado é o próprio estado através de normas. A nacionalidade é ainda exclusiva e excludente. Por sua vez, a cidadania dá acesso a um conjunto de direitos que caracterizam as pessoas enquanto sujeitos de uma determinada comunidade/estado e portanto está associada à nacionalidade. Atenção que não podemos confundir estes 2 direitos com os direitos fundamentais. A cidadania da união europeia surgiu para incluir os cidadãos no processo de integração, promovendo a sua participação na vida política da união europeia e o desenvolvimento de uma opinião pública europeia e, Página 8 de 41 Laura Aires portanto, reforçando os laços entre os cidadãos e a Europa e a ideia de uma identidade europeia. Permite ainda proteger os direitos de cada 1, fundando- se na proibição da discriminação em razão da nacionalidade (artigo 18º do TFUE). Esta é atribuída automaticamente a qualquer pessoa que tenha nacionalidade de um estado-membro da união europeia (artigo 20º do TFUE), pelo que, não substitui a cidadania nacional. Parte da doutrina considera que se devia redigir um critério próprio que incluísse a residência legal por um determinado tempo no território de um estado membro da união europeia, de modo a salvaguarda o estatuto dos nacionais de países terceiros residentes na união europeia. Assim, a doutrina tende a criticar que sejam os estados a decidir a cidadania ou não. Imaginemos o exemplo dos filhos de 2º geração de emigrantes, estes, em alguns países tem dificuldades em adquirir a nacionalidade do estado em que residem e que nasceram. Posto isto, não são cidadãos da união europeia. Os direitos que integram a cidadania europeia estão previstos nos artigos 18º a 25º do TFUE e 39º a 46º da CDFUE, bem como na Diretiva 2004/38/CE. Direito de livre circulação e permanência Em primeiro lugar, o direito de livre circulação e permanecer livremente no território de um estado membro, consagrado no artigo 21º do TFUE, é um corolário do princípio da não discriminação em função da nacionalidade e determina que todos os cidadãos da união europeia, e já não apenas os trabalhadores como estava previsto nos outros tratados, podem circular e residir livremente no território de um estado membro, podendo ser atribuído o direito de residência aos seus familiares, de acordo com o princípio da proporcionalidade. Assim, para sair do estado membro basta a apresentação do documento de identificação e para nele entrar pode ser exigido um visto gratuito aos familiares e uma comunicação de presença. Além disto, para residir por mais de 3 meses num estado membro que não o da sua nacionalidade é necessário que o cidadão, de modo não cumulativo: - Exerça nesse estado uma atividade assalariada ou não assalariada; - Frequente um estabelecimento de ensino; - Disponha de um seguro de doença no estado membro de acolhimento e de recursos financeiros suficientes; - Seja familiar de um cidadão que cumpra os requisitos acima descritos. Página 9 de 41 Laura Aires Um cidadão europeu que resida há mais de 5 anos num estado membro adquire o direito de residência permanente, perdendo-o se dele se ausentar por mais de 2 anos. Não obstante ao disposto, os estados membros podem restringir esse direito por razões de ordem, segurança e saúde públicas se se considerar que a pessoa em causa é uma ameaça real, atual e suficientemente grave. Direitos políticos Consagrados no artigo 22º do TFUE, compreendem o direito de eleger e ser eleito nas eleições municipais e para o parlamento europeu do estado membro da sua residência, nas mesmas condições que os nacionais desse estado. As regras aplicáveis a estas eleições são essencialmente definidas no plano nacional. Direito de proteção diplomática e consular Regulado no artigo 23º do TFUE, determina que fora da união europeia, os seus cidadãos têm o direito a proteção diplomática e consular por qualquer estado membro, ou seja, se eu estiver na América Latina e não existir uma embaixo portuguesa, posso dirigir-me a embaixada espanhola e terei o mesmo tratamento que um nacional espanhol teria, consagrando-se um princípio de não discriminação entre nacionais e estrangeiros. As condições de tal proteção são determinadas por acordos interna- cionais, pelo que parte da doutrina considera que este é um direito diretamente invocável e exequível. Direito de petição e queixa Definido no artigo 24º do TFUE, atribui aos cidadãos a possibilidade de petição ao Parlamento Europeu e ao Provedor de Justiça Europeu e de se dirigirem às instituições europeias, enunciadas no artigo 13º do TUE, e ainda aos órgãos, numa das línguas dos tratados e de obterem a resposta na mesma língua (artigo 227º e 228º do TFUE). Os cidadãos só tem este direito se for uma má aplicação de instituições, organismos e órgãos da união europeia. Em 2000, catalogaram-se estes e outros direitos fundamentais na CDFUE, que adquiriu força jurídica com o Tratado de Lisboa. Apesar disto, apontam-se algumas críticas à cidadania da união, desde logo porque se dirige a um grupo ficcional, o povo europeu, ao qual não são Página 10 de 41 Laura Aires impostos deveres diretos, como o de tributar, face à união europeia. Acresce que a força que os movimentos nacionalistas têm vindo a ganhar é uma forte limitação ao desenvolvimento da cidadania europeia. Por fim, a iniciativa da cidadania europeia visa promover uma democracia participativa e criar então um canal comunicativo direito entre o cidadão e a união europeia. Assim, de acordo com o artigo 11º do TUE, os cidadãos (1 milhão) de 7 estados diferentes podem fazer propostas à Comissão Europeia, funcionando como dispultadores dessa iniciativa. Todavia, a Comissão pode não registar as iniciativas, se for uma iniciativa que não esteja dentro dos seus objetivos, se estiver fora das suas competências e se esta considerar que é inoportuno naquele momento. Contudo, esta tem sempre que fundamentar a sua decisão. Direito Institucional da União Europeia Instituições europeias - Quadro Institucional Único Historicamente, a expressão “Quadro Institucional Único” referia-se à existência de várias organizações internacionais, Comunidade Europeia, União Europeia em sentido estrito, EURATOM e Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, distintas mas compostas pelos mesmos estados e órgãos. Atualmente, a expressão mantém-se adequada por mencionar os órgãos comuns da união europeia e da EURATOM. Neste âmbito, é relevante a distinção entre instituições e órgãos. As instituições são elementos essenciais para a prossecução de finalidades previstas nos tratados através de procedimentos decisórios ou da resolução contenciosa de litígios e estão enunciadas no artigo 13º do TUE. Já os órgãos são secundários e complementares, podendo ser principais (com poderes decisórios) ou auxiliares (com poderes consultivos) e encontram-se mencionados nos tratados, o Comité das Regiões, o Comité Económico e Social, o Provedor de Justiça da União e o Banco Europeu de Investimento. Deste modo, todas as instituições e órgãos europeus são dotados de autonomia interna, organizando-se com base num regulamento interno próprio e podendo criar órgãos subsidiários, e de autonomia externa, por terem personalidade jurídica e, portanto, serem independentes da união europeia. Para além disso, estas respondem apenas perante o Tribunal de Justiça no quadro das competências que lhe são atribuídas pelos tratados. Os seus trabalhadores são considerados funcionários públicos comunitários, pelo que devem atuar de modo imparcial. Página 11 de 41 Laura Aires Classificação dos órgãos: - Órgãos de direção política; - Órgãos de direção, decisão e execução; - Órgãos de controlo; - Órgãos auxiliares. Parlamento Europeu (artigo 14º TUE e artigos 223º a 234º TFUE) Inicialmente, designava-se de Assembleia da CECA e era um órgão de representação indireta, já que integrava representantes escolhidos entre os deputados de cada estado membro. Ao longo do tempo, passou a designar- se Parlamento Europeu, com sede em Estrasburgo. Assim, é um órgão cuja função é representar os cidadãos da união europeia e é composto por representantes dos cidadãos da união (artigo 14º/ 2 do TUE), sendo por isso, atualmente, um órgão de representação democrática direta dos cidadãos. A atual composição do parlamento foi definida e contamos com 736 representantes dos cidadãos europeus*, com o número máximo de 750 deputados (mais 1 presidente = 751), que se agrupam em grupos políticos europeus (artigo 10º/4 do TUE) e que respeitam na íntegra o princípio democrático. Para além dos grupos políticos, o Parlamento possui outros órgãos, como a Mesa do Parlamento, o Presidente, que atualmente é o David Sassoli, os Vice-Presidentes e Comissões Parlamentares. * devido ao Brexit contaremos com 705 deputados. Os votos são convertidos em mandatos de acordo com o critério de proporcionalidade degressiva, determinando-se um mínimo de 6 e um máximo de 96 lugares ocupados por cada estado membro (artigo 14º/2 do TUE). São eleitos por sufrágio universal, livre, secreto e direito, por um mandato de 5 anos (artigo 14º/3 do TUE), devendo este processo ser uniforme em todos os estados membros (artigo 223º do TFUE). O seu mandato é representativo logo devem apresentar uma total independência em relação aos governos e aos parlamentos nacionais. Todavia há elevados níveis de abstenção. As decisões são tomadas numa sessão única, anual e pública (artigo 229º do TFUE), que compreende 12 reuniões ordinárias em plenário e se necessário, sessões extraordinárias. Funciona no âmbito dum quórum constitutivo que é 1/3 dos deputados e o quórum deliberativo que é a maioria absoluta de votos expressos (artigo Página 12 de 41 Laura Aires 231º do TFUE). Em regra, no parlamento vigora a maioria absoluta dos votos expressos. Nas matérias consideradas mais importantes exige-se dupla maioria. Por exemplo, em matéria orçamental exige-se maioria dos votos expressos e maioria dos deputados eleitos. Funções Relativamente as competências, o Parlamento é o órgão cujas competências tem sofrido maior incremento com as revisões dos tratados, baseada no reforço da sua legitimidade democrática. Segundo o artigo 14º/1 do TUE, o Parlamento exerce as funções legislativa, orçamental, de controlo político e consultiva. No que toca à função legislativa, surge no Tratado de Maastricht com a criação do procedimento de co-decisão. O parlamento não dispõe de iniciativa legislativa, salvo em casos excecionais, embora possa suscitá-la perante a Comissão (artigo 225º do TFUE). Geralmente, o Parlamento legisla através do processo legislativo ordinário (artigo 289º do TFUE), em estrita igualdade com a Comissão. Após o exercício da função legislativa, o Parlamento controla a execução dos atos, através da atribuição de poderes delegados à Comissão (artigo 290º do TFUE) ou a definição de regras de execução com o Conselho (artigo 291º/3 do TFUE). Além disto, pode ainda suscitar à Comissão Europeia que lhe apresente propostas concretas (artigo 294º do TFUE). No que se refere à função de controlo político, a Comissão apresenta uma tripla dependência, uma vez que o Presidente da Comissão é eleito pelo Parlamento (artigo 17º/7 do TUE), a Comissão é responsável politicamente perante o Parlamento e o Parlamento pode aprovar uma moção de censura , demitindo assim a Comissão (artigo 17º/8 do TUE). Além disto, designa e pode destituir o Provedor de Justiça (artigo 228º do TFUE). Pode ainda interpor ações perante o Tribunal de Justiça da União Europeia. E por fim, pode constituir comissões de inquérito para analisar infrações ao direito europeu. Finalmente, exerce também poderes consultivos ao emitir pareceres e ao apreciar petições dos cidadãos (artigo 20º/2/d) do TFUE). Conselho Europeu (artigo 15º do TUE e artigo 235º do TFUE) É o principal órgão de direção política da união europeia e tem a sede em Bruxelas. É composto pelos Chefes de Estado ou de Governo dos estados membros, pelo Presidente, que atualmente é Charles Michel, pelo Presidente da Comissão e ainda pelo ARUNEPS, sendo que este último não é membro de pleno direito (artigo 15º/2 do TUE). Contudo, o Presidente só Página 13 de 41 Laura Aires surgiu com o Tratado de Lisboa, altura em que este foi elevado a instituição e é eleito pelo próprio órgão por maioria qualificada e para um mandato de 2 anos e meio, renovável 1x (artigo 15º/5 do TUE). As competências do Presidente estão enunciadas no artigo 15º/6 do TUE, no entanto este não é um verdadeiro presidente da união europeia já que é um mero organizador e dinamizador dos trabalhos do Conselho Europeu. Esta instituição reúne 2x por semestre por convocação do Presidente, sendo as decisões tomadas por consenso, sem haver votação, respeitando- se o princípio da soberania (artigo 15º/4 do TUE). Mas há exceções, em que os tratados prevêem a votação e aplicam-se as regras previstas para o Conselho (artigo 16º/4 do TUE e artigo 235º e 236º do TFUE). Há ainda decisões tomadas por unanimidade (artigo 22º do TUE), por maioria qualificada ou por maioria simples. É o Conselho dos Assuntos Gerais que prepara as reuniões. Os seus atos designam-se “conclusões da Presidência” e podem assumir a forma de declarações, orientações, resoluções ou decisões e não tem que ser publicados. Para além de atos políticos, podem ainda emanar atos jurídicos que são impugnáveis junto do Tribunal e o próprio Conselho Europeu poderá recorrer ao Tribunal se houver uma violação ao direito europeu por omissão (artigo 265º do TFUE). No que toca as relações com outras instituições, com o Conselho que delibera sobre as formações do mesmo e a sua presidência (artigo 236º do TFUE); com o Conselho de Assuntos Gerais que prepara as suas reuniões (artigo 16º/6 do TUE); com a Comissão uma vez que esta determina o número de membros da Comissão, nomeia a Comissão e propõe a personalidade a eleger pelo Parlamento como Presidente da Comissão (artigo 17º/5 e 7 do TUE) e com o Parlamento Europeu uma vez que o Presidente do Conselho Europeu apresenta um relatório ao Parlamento após cada reunião (artigo 15º/6/d) do TUE) e o Presidente do Parlamento Europeu pode ser chamado para ser ouvido pelo Conselho Europeu (artigo 235º/2 do TFUE). Funções Em primeiro lugar, o Conselho Europeu não exerce funções legislativas (artigo 15º/1 do TUE). Assim, tem funções de direção política já que orienta as políticas gerais (artigo 15º do TUE), identificando os interesses estratégicos da união europeia e estabelecendo objetivos e orientações no domínio da PESC (artigo 26º TUE). É ainda um órgão de resolução de litígios entre os estados membros e a união europeia, principalmente nas matérias de segurança social (artigo Página 14 de 41 Laura Aires 48º TFUE), cooperação judiciária em matéria penal (artigo 82º/3 do TFUE) e cooperação operacional em matéria policial (artigo 87º/3 do TFUE). Têm também a função de decisão já que as suas decisões são vinculativas, nomeadamente as que incidem sobre a competência do Conselho. Além disto, nomeia e destitui o ARUNEPS (artigo 18º do TUE) e nomeia o Presidente, Vice-presidentes e Vogais da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (artigo 283º do TFUE). Na função de alteração dos tratados, decide por maioria simples a sua posição face às propostas de alteração aos Tratados no processo de revisão ordinário (artigo 48º/2 e 3 do TUE). É também determinante no processo de revisão simplificado. Por fim, verifica ainda o cumprimento dos valores previstos no artigo 2º do TUE (artigo 7º do TUE) e uma função de avaliação e reflexo no âmbito de temas como o terrorismo (artigo 222º/4 do TFUE) ou o emprego (artigo 148º/ 1 do TFUE). Conselho ou Conselho de Ministros ou Conselho da União Europeia (artigo 16º do TUE e artigo 237º e ss do TFUE) É a instituição que representa os Governos de todos os estados membros, compreendendo um representante ministerial de cada estado, que tem poderes para o vincular (artigo 16º do TUE) e que tem sede em Bruxelas e Luxemburgo. A presidência é rotativa (artigo 16º/9 do TUE) por 6 meses, sendo as reuniões públicas e convocadas pelo Presidente em diferentes formações conforme a matéria a debater (artigo 237º do TFUE). Os estados sucedem-se na sua presidência, sendo que Portugal irá assumir a presidência no próximo semestre (janeiro de 2021 a junho de 2021). A composição do Conselho é tradicionalmente variada, já que os ministros dos vários estados estão em constante mudança. O Conselho dos Assuntos Gerais será a sua formada base, à qual os tratados atribuem funções de coordenação e acompanhamento das atividades do Conselho. Em regra, as decisões são tomadas por maioria qualificada, não podendo a vontade da maioria ser bloqueada apenas por 1 estado. Todavia, os tratados prevêem exceções. Em primeiro lugar, a maioria simples, vigorando o sistema 1 estado = 1 voto (artigo 238º/1 do TFUE). Em segundo lugar, a unanimidade, sendo que não pode haver votos contra mas pode haver abstenções (artigo 238º/4 do TFUE e artigo 31º TUE). E em último lugar, a maioria qualificada que veio substituir a regra da maioria simples, que prevê que os estados membros maiores têm maior peso absoluto. Página 15 de 41 Laura Aires Assim, falta ao Conselho a continuidade e permanência da sua ação pelo que se desenvolveram mecanismos institucionais que garantem a unidade e a coerência da sua ação. Temos, então, o Livro Branco de Governança Europeia. A primeira estratégia para assegurar esta coerência foi a criação do Conselho dos Assuntos Gerais ao qual cabia assegurar a coerência dos trabalhos nas várias formações (artigo 16º/6 do TUE) e a preparação dos trabalhos por Comité de Representantes Permanentes dos Governos dos Estados Membros (COREPER) (artigo 16º/7 do TUE). Funções O artigo 16º/1 do TUE veio enunciar como competências do Conselho a função legislativa, a função orçamental, a função de definição das políticas de coordenação, a função de vinculação internacional da união europeia, função de alteração de tratados (artigo 48º/2 do TUE), função de iniciativa e função de controlo. O Conselho sempre foi o órgão legislativo por excelência na Comunidade Europeia e União Europeia. No entanto, apesar de o continuar a ser, tem-se assistido a uma crescente partilha do poder legislativo com o Parlamento, nomeadamente no processo legislativo ordinário (artigo 289º do TFUE). O Conselho celebra ainda acordos internacionais e é determinante na celebração dos mesmos com países terceiros e organizações internacionais (artigo 216º do TFUE). Na fase de negociação, deve ouvir o Parlamento Europeu sempre que tal seja exigido e, durante o processo, seguir as recomendações da Comissão ou Alto Representante. Quanto à função de iniciativa, em regra, a iniciativa cabe à Comissão, mas o Conselho pode solicitar-lhe estudos e propostas, com vista à realização dos objetivos dos tratados (artigo 241º do TFUE). Por fim, tem ainda a função de controlo e goza de legitimidade processual ativa para intentar ações de controlo da legalidade dos atos e das omissões das instituições e órgãos da união europeia (artigo 263º e 265º do TFUE). Comissão Europeia (artigo 17º do TUE e 244º e ss do TFUE) É um órgão colegial e não governamental que, de modo imparcial relativamente aos governos dos estados membros, garante a prossecução do interesse geral da união europeia (artigo 17º do TUE), que poderá ser diferente dos interesses dos estados e dos próprios cidadãos da união europeia. Tem a sua sede em Bruxelas. Página 16 de 41 Laura Aires O processo de nomeação da Comissão é complexo e compreende as seguintes fases (artigo 17º/7 do TUE): - Aprovação do Presidente: proposta pelo Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada e tendo em conta os resultados eleitorais das eleições para o Parlamento e depois aprovação pelo Parlamento; - Aprovação dos Comissários: proposta pelos estados membros e a aprovação pelo Conselho e pelo Presidente; - Aprovação da Comissão: pelo Parlamento; - *Designação do ARUNEPS: pelo Conselho Europeu (artigo 18º do TUE); - Nomeação da Comissão: pelo Conselho Europeu. É, assim, notória a dependência política da Comissão face ao Conselho Europeu e ao Parlamento. O mandato da Comissão é de 5 anos (artigo 17º/3 do TUE) e termina após o início de cada legislatura do Parlamento. Os seus membros são escolhidos de entre os nacionais de cada estado membro, embora não representem os interesses do seu estado. A cessação de funções individual pode ocorrer por demissão voluntária ou compulsiva, renúncia ou morte (artigo 246º/1 do TFUE). Já a cessação de funções coletiva pode ocorrer por termo do mandato, demissão coletiva voluntária ou aprovação de uma moção de censura pelo Parlamento (artigo 234º do TFUE). A Comissão organiza-se em Presidente, Vice-presidentes (um dos quais o Alto Representante), direções gerais e serviços equiparados. Esta delibera colegialmente, sob proposta de algum dos membros, por maioria dos seus membros (artigo 250º do TFUE). Este é também o seu quórum constitutivo. As reuniões não são públicas, mas as ordens de trabalho e atas são divulgadas. É a Comissão que organiza o seu próprio funcionamento através da redação de um regulamento interno (artigo 249º/1 do TFUE). Esta compreende diversas comissões encarregues de missões específicas e que devem coordenar as suas atividades. Funções Primeiramente, a Comissão tem uma função legislativa, sendo que o Tratado de Lisboa consagrou, o monopólio de iniciativa legislativa da Comissão. No entanto, continuam a existir matérias em que a Comissão não dispõe de iniciativa ou a partilha com os estados membros (artigo 289º/4 do TFUE). Esta função não se esgota aqui já que a Comissão realiza consultas, formula recomendações, cria instâncias preparatórias ou auxiliares e executa políticas. Página 17 de 41 Laura Aires Além disto, tem associada a função de iniciativa para a programação anual e plurianual da união europeia, para a redação de atos legislativos com base nos interesses globais da união e para a alteração dos tratados nos processos ordinário e simplificado (artigo 48º/2 e 6 do TUE). No que respeita à função executiva, a Comissão têm competência para adotar atos gerais delegados (artigo 290º do TFUE) e estabelecem as disposições de execução (artigo 291º do TFUE). A comissão dispõe de extensos poderes de administração e gestão. A dimensão executiva manifesta-se ainda na relação com os restantes órgãos: responsabilização política face ao Parlamento e obrigações de apresentações de relatórios e outros. Contudo, esta competência executiva é partilhada com o Conselho, falando-se até de um executivo bicéfalo. Relativamente à função de representação da união europeia, cabe à Comissão a representação externa da união, salvo no domínio do PESC, que é assegurado pelo ARUNEPS. Por último, tem ainda a função de guardiã dos tratados que é a sua competência originária, controlando, assim, a atuação dos estados e das pessoas que estejam incluídas na sua área de atuação, no respeito pelo direito da união europeia. Para tal, a Comissão tem direito de ação de todo o contencioso da união europeia, podendo intentar ações de incumprimento do direito da união europeia contra os estados membros (artigo 258º do TFUE). ARUNEPS (Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança) (artigo 18º do TUE) É uma figura híbrida por estar ligada a várias instituições europeias: é um dos Vice-presidentes da Comissão (artigo 17º/6/c) do TUE), é nomeado e destituído pelo Conselho Europeu (artigo 18º/1 do TUE), podendo intervir nas suas deliberações (artigo 15º/2 do TUE) e ainda preside ao Conselho dos Negócios Estrangeiros. Este representa a união europeia externamente, nomeadamente em conferências internacionais ao conduzir a PESC (artigo 18º/2 do TUE), executando-a em conjunto com os estados membros. Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 19º do TUE e artigo 251º e ss do TFUE) O sistema jurisdicional da união europeia organiza-se: Página 18 de 41 Laura Aires - Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 19º/1 do TUE) que inclui o Tribunal de Justiça (em sentido estrito), o Tribunal Geral e os Tribunais Especializados (por exemplo, o Tribunal de Função Pública). - Órgãos jurisdicionais nacionais (artigo 19º/1 do TUE e artigo 274º do TFUE). Assim, o Tribunal de Justiça da União Europeia é o órgão jurisdicional da união europeia, garantindo a correta interpretação e aplicação do direito da união europeia e que está sediado no Luxemburgo. A jurisdição do Tribunal de Justiça é atribuída pelos Tratados e, portanto, obrigatória, não sendo facultativa. É também exclusiva, já que nenhum outro tribunal pode solucionar litígios relacionados com os Tratados. Acresce que é tendencialmente completa, já que abrange quase todas as questões contenciosas no âmbito da união europeia, e definitiva, formando caso julgado quando não se admitem recursos. É também um tribunal de última instância. Deste modo, não há qualquer relação hierárquica entre o Tribunal de Justiça e os tribunais nacionais, ainda que o juiz nacional seja também comunitário quando estão em causa matérias que envolvam o direito da união europeia. O Tribunal de Justiça da União Europeia acaba por controlar o cumprimento do direito da união europeia pelas autoridades nacionais e pelas instituições e órgãos da união europeia. Também garante a uniformidade da jurisprudência o que, no plano da cooperação com os tribunais nacionais, ocorre mediante o reenvio prejudicial. O Tribunal de Justiça é composto por 27 juízes, 1 por cada estado membro, e por 8 advogados gerais (artigo 19º/2 do TUE), nomeados pelos Governos, após consulta de um Comité (artigo 255º do TFUE), para um mandato de 6 anos. Estes são escolhidos por critérios de independência e qualidade técnica, e tem de garantir exclusividade (artigo 253º do TFUE). A designação dos mesmos é feita pelos estados membros (artigo 255º do TFUE). Assim, reúne-se em secções (3 ou 5 juízes), numa grande secção (13 juízes) ou em pleno. Os Advogados-Gerais apresentam propostas de decisões fundamen- tadas (artigo 252º do TFUE), que o Tribunal de Justiça deve considerar, ainda que não sejam vinculativas. Se não as seguir, o Tribunal de Justiça deve refutá-las fundamentadamente. Assim, este cargo existe para alicerçar os argumentos justificativos das decisões dos acórdãos e para auxiliar os juizes na tomada de decisão, uma vez que não se admite o voto vencido. Página 19 de 41 Laura Aires Já o Tribunal Geral integra 1 ou 2 juízes de cada estado membro, funcionado com um juiz singular, em secções ou em grande secção. O âmbito da sua jurisdição encontra-se descrito no artigo 256º do TFUE. Este corresponde ao anterior Tribunal de Primeira Instância, contudo nem sempre é um Tribunal de Primeira Instância. Funções O tribunal desempenha funções de jurisdição internacional, no âmbito de apreciar a responsabilidade dos estados membros; funções de jurisdição constitucional (artigo 263º e 267º do TFUE), controlando a validade dos atos e interpretando-os em função do tratado - princípio do primado; funções de jurisdição administrativa (artigo 263º do TFUE), aferindo a validade dos atos, atuando como um tribunal administrativo; funções de responsabilidade cível, avaliando a responsabilidade da união europeia em matéria cível e ainda funções de jurisdição laboral, julgando os atos praticados pelos funcionários e agentes no exercício das suas funções. Banco Central Europeu (artigo 282º e ss) O Banco Central Europeu e os Bancos Centrais dos estados membros que adotam o euro, integram o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) (artigo 282º do TFUE). Tem a sua sede em Frankfurt. Tem como função autorizar a emissão de notas, sendo que os seus poderes são lhe atribuídos pelos tratados, pelo que é independente e goza de personalidade jurídica (artigo 282º/3 do TFUE). Acresce que é fundamental para a integração económica, já que promove a estabilidade de preços, conduz a política monetária da Zona Euro e confere à união europeia 1 só voz no sistema financeiro internacional. Tribunal de Contas (artigo 285º e ss do TFUE) Fiscaliza as contas da união (artigo 285º do TFUE) e exerce poderes de controlo, de modo a assegurar a boa gestão financeira, apresentando um relatório anual de exercício às demais instituições. Deste modo, todos os seus membros são totalmente imparciais, visando o interesse geral da união europeia. É composto por 1 nacional de cada estado membro, por ele proposto com base na sua competência técnica, depois aprovado pelo Conselho após consulta do Parlamento Europeu, para um mandato de 6 anos renovável. O Presidente é eleito pelos restantes por um período de 3 anos. Página 20 de 41 Laura Aires Provedor de Justiça Europeu (artigo 228º do TFUE) É um órgão personalizado e uma figura de mediação institucional, eleito pelo Parlamento Europeu após a sua eleição e pelo período da sua legislatura (artigo 228º/3 do TFUE). Assim, o Parlamento exerce um poder de controlo sobre este que se traduz na obrigação do Provedor apresentar anualmente um relatório ao Parlamento (artigo 228º/1 do TFUE), no poder do Parlamento de demissão do Provedor, por pedido ao Tribunal de Justiça (artigo 228º/2 do TFUE) e o poder do Parlamento estabelecer as condições gerais do exercício das funções do provedor (artigo 228º/4 do TFUE). O Provedor recebe queixas dos cidadãos da união europeia ou das pessoas singulares ou coletivas residentes num estado membro, analisando a atuação das instituições e órgãos comunitários. Desta forma, exerce funções de controlo, através de inquéritos e apresentando ao Parlamento essas mesmas respostas, que são pareceres e recomendações, não tendo portanto efeito vinculativo. É importante salientar que não podem haver queixas contra o Tribunal de Justiça, a menos que este esteja a atuar nas suas funções administrativas (artigo 228º/1 do TFUE). *Dirigem-se mais queixas à Comissão Europeia, já que esta tem poderes executivos. Comité Económico Social (artigo 301º e ss do TFUE) É um órgão consultivo dos órgãos deliberativos da união europeia (Parlamento, Conselho e Comissão) (artigo 13º/4 do TUE). É composto por representantes da sociedade civil, principalmente nos domínios socio- económico, cívico, profissional e cultural. Os membros dispõem de independência funcional face aos restantes órgãos (artigo 300º/4 do TFUE). O Comité é, assim, um órgão de consulta com poder de participação no processo legislativo (artigo 304º do TFUE). Comité das Regiões (artigo 305º e ss do TFUE) O Comité das Regiões é igualmente um órgão consultivo e que assiste as 3 instituições acima referidas (artigo 13º/4 do TFUE). É composto por representantes das autarquias locais e regionais. Os seus membros são dotados de legitimidade democrática e o mandato destes cessa automatica- mente com o termo do mandato no estado membro. Os tratados prevêem ainda um conjunto de comités que contribuem para a preparação técnica e formação da vontade dos órgãos da união europeia. Página 21 de 41 Laura Aires O ordenamento jurídico da União Europeia Fontes formais de Direito da União Europeia No direito da união europeia há uma dicotomia subjacente entre direito originário ou primário e direito derivado ou secundário. Direito originário ou primário É o direito criado pelos estados membros através de tratados internacionais, constituídos por normas que criaram a união europeia, conferindo-lhes as suas atribuições e regulando a sua organização e funcionamento internos, bem como por aquelas normas que vêm modificando e completando o sentido dos tratados originários. Assim, é de origem convencional em sentido amplo. Deste modo, o direito originário integra vários documentos que devem ser considerados no seu conjunto, não existindo qualquer hierarquia entre eles, pelo que devem ser compatibilizados através dos princípios gerais aplicáveis a regras com idêntico valor jurídico. O direito originário inclui: - Tratados institutivos e de revisão - são o TUE, TFUE e a CDFUE, nos quais está consolidada a evolução do processo de integração europeia; - Tratados de adesão - convenções internacionais mediante as quais os estados membros aderiram a união europeia no âmbito de processo de alargamento da comunidade. Por exemplo, o Tratado de Lisboa de 1985 através do qual aderimos a CEE; - Acordos de revisão parcial - institucionais, financeiros e orçamentais; - Protocolos anexos aos tratados (artigo 51º do TUE); - Acordos previstos nos tratados (artigos 341º, 253º e 254º do TFUE); - Princípios fundamentais de direito da união europeia - expressam os valores da ordem jurídica europeia, conformando-a. Ainda assim, o poder de construção destes princípios está limitado pelo princípio das atribuições e pelo respeito à margem de conformação e discricionariedade dos órgãos comunitários. O direito originário ocupa o topo da hierarquia do direito da união europeia, desde logo porque a união europeia só pode intervir com base nos objetivos e atribuições definidos nos tratados (isto é, no direito originário). Assim, o direito derivado tem que ser inferior ao direito originário, sendo que este último é fundamento e limite do direito derivado. Para além disso, o direito primário é parâmetro de validade do direito derivado, sendo Página 22 de 41 Laura Aires inválidos os atos que não são fundamentados por ele (artigo 296º do TFUE). Deste modo, o direito primário não poder ser considerado inválido pelo Tribunal de Justiça, mas apenas interpretado por ele, sendo visto como a carta constitucional da UE. O direito originário pode ser alvo de revisões (artigo 48º/1 do TUE), existindo um processo de revisão ordinário (artigo 48º/2 a 5 do TUE) e processos de revisão simplificados (artigo 48º/6 e 7 do TUE). Este processo de revisão passa por várias fases, tanto nacionais como europeias. Estamos perante um poder constituinte duplamente derivado, por um lado, pretende alterar-se os tratados que estruturam a união europeia e por outro lado, essa alteração será efetuada segundo processos regulados pelos tratados. Integração de lacunas Geralmente, as disposições de direito originário definem expressa- mente as competências e poderes de cada instituição e órgão (princípios da especialidade e das competências de atribuição, artigo 5º/1 e 2 do TUE). No entanto, nem sempre tal ocorre, casos em que se pode recorrer à alteração do próprio direito primário através da revisão dos Tratados. Ou por outro lado, podem pôr-se em prática os mecanismos de integração de lacunas pre- vistos no Tratado de Lisboa que permitem reconhecer novas competências sem se alterar os tratados: unidade de sentido dos tratados, princípio das competências implícitas e o mecanismo subsidiário do artigo 352º do TFUE. Princípio da unidade de sentido dos tratados (via jurisdicional) Uma vez que todos os tratados da união europeia vinculam os mesmos Estados e visam o mesmo objetivo, é possível extrair um sentido comum a todos eles. Deste modo, por vezes, o próprio Tribunal de Justiça recorre a disposições de um tratado para suprir omissões de outro. Ainda assim, a questão omissa deve ser substancialmente semelhante à disposição do outro tratado utilizada para a preencher, pelo que este mecanismo não é aplicável a políticas específicas. Princípio das competências implícitas (via doutrinal) De acordo com a qual uma organização internacional dispõe de todas as competências necessárias ou convenientes à prossecução das suas atribuições. Assim, se os Tratados atribuem certos objetivos à união, esta deve dispor das competências necessárias para os prosseguir, mesmo que não lhe sejam expressamente atribuídas. Página 23 de 41 Laura Aires Daqui extraiu-se ainda o princípio do paralelismo de competências, segundo o qual, sempre que tal for necessário à realização dos objetivos que levaram à atribuição de uma competência interna à UE, esta pode exercitar a competência externa na mesma matéria (artigos 3º/2 e 216º do TFUE). Mecanismo subsidiário do artigo 352º (via normativa) Permite criar instrumentos de ação apropriados à realização dos objetivos da união europeia em caso de ausência de competências específicas ou suficientes. Desde o Tratado de Maastricht que este mecanismo só pode ser utilizado verificados certos requisitos procedimentais, sendo que os parlamentos nacionais devem ser alertados para a sua utilização, em obediência ao princípio da subsidiariedade (artigo 352º/2 do TFUE) e todas as instituições devem estar envolvidas, de modo a gerar um consenso na matéria. Assim, a Comissão propõe a sua utilização, depois consentida pelo Parlamento Europeu e por decisão unânime do Conselho de Ministros (artigo 352º/1 do TFUE). Contudo, são impostos limites à utilização deste mecanismo, designadamente o respeito pelo núcleo fundamental e portanto, só se pode lançar mão deste mecanismo quando o tratado tenha plasmado os objetivos e faltem apenas os poderes para agir e a impossibilidade de fundar-se num salto qualitativo, que se traduz numa revisão, sendo que este serve para completar e não para alterar tratados. Além do mais, contam-se alguns requisitos substanciais que já foram suprareferidos e ainda que não pode ser utilizado para a prossecução dos objetivos da PESC. Relação com os tratados Página 24 de 41 Laura Aires Outra questão equacionada é a do relacionamento entre os tratados e os demais compromissos internacionais assumidos pelos estados membros. Em relação aos acordos celebrados entre estados membros, estes apenas subsistem na estrita medida em que sejam compatíveis com os tratados comunitários. Já quando consideramos os acordos concluídos entre estados membros e outros estados ou organizações internacionais estabelece- se que a assinatura dos tratados ou a adesão não pode prejudicar os direitos e obrigações que os estados membros tenham assumido anteriormente. No que toca as convenções anteriores, rege o artigo 351º do TFUE, que se aplica a qualquer convenção suscetível de ter influencia sobre a aplicação do tratado. Relativamente as convenções posteriores, vigora um princípio de cooperação leal que impõe que os estados membros se autolimitem internacionalmente, de modo a não prejudicar as competências da união. Por fim, a competência da união europeia para celebrar acordos internacionais com outros estados ou organizações internacionais resulta do artigo 216º do TFUE, sendo que o procedimento geral de vinculação internacional da união consta do artigo 218º do TFUE. Direito secundário ou derivado Consiste no conjunto de regras criadas diretamente pelas instituições e órgãos da união europeia, no desenvolvimento das competências que os tratados lhes conferem. No entanto, nem todos os atos adotados pelos órgãos da união têm a mesma natureza e alcance jurídicos. O artigo 8º/3 da CRP permite que o direito europeu derivado seja considerado diretamente a nível interno, prevendo-se uma aplicabilidade direta dos atos jurídicos, ou seja, estes vigoram automaticamente. O artigo 112º da CRP define diferentes tipos de atos normativos em Portugal. Desta forma, o artigo correspondente na união europeia é o artigo 288º do TFUE em que está previsto um elenco de atos normativos típicos mas que não é taxativo nem fechado, não impedindo que as instituições europeias adotem outros tipos de atos (atos atípicos), com outras designa- ções e forças jurídicas, mas só quando o tratado não diga previamente qual é o ato a adotar. Atos atípicos São atos que não estão previstos no artigo 288º do TFUE e em regra, são não vinculativos e são soft law. No entanto, isso não significa a ausência Página 25 de 41 Laura Aires de juridicidade. É então possível encontra-los em normas dispersas de direito originário ou derivado ou resultam espontaneamente da incitava do próprio órgão. Para aferir a força jurídica dos atos atípicos é necessário uma análise, que depende do contexto, da instituição, do tema e do conteúdo. Entre os atos atípicos com relevo jurídico, consideramos apenas os regulamentos internos do Conselho Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia (artigos 235º/3, 240º/3 e 249º/1 do TFUE). Além disto, estes regulamentos têm valor jurídico interno, embora não vinculem terceiros. Por outro lado, há atos com reduzido ou inexistente valor jurídico, como as resoluções (adotadas pelas organizações internacionais), as conclusões (artigo 148º do TFUE), as comunicações, os relatórios (artigos 249º/2 e 161º do TFUE), as diretrizes (artigo 207º/3 do TFUE), as declarações (artigo 287º do TFUE), as cartas de arquivamento e ainda as propostas e projetos. Por fim, distingue-se os atos preparatórios (propostas e projetos) dos atos definitivos (resoluções e diretrizes). Atos típicos Atos não vinculativos Temos como atos não vinculativos as recomendações e os pareceres, que influenciam diretamente o direito derivado da união europeia. As recomendações são de iniciativa própria, isto é, do órgão que as formula e podem dirigir-se a estados membros ou a órgãos comunitários e prevêem a adoção não obrigatória e medidas ou comportamentos. Já os pareceres são de iniciativa externa e surgem, geralmente, no âmbito de um procedimento de decisão e explicitam a posição técnico jurídica de um determinado órgão ou instituição acerca da questão em causa. A não vinculatividade é tendencialmente verdadeira, sobretudo no que toca às recomendações. Mas, quanto aos pareceres existem alguns de entre eles dos quais resultam importantes consequências jurídicas, tanto no âmbito de um processo judicial como na produção de atos legislativos. Atos vinculativos Os atos vinculativos são os regulamentos, diretivas e decisões. Página 26 de 41 Laura Aires Regulamentos Os regulamentos, segundo o artigo 288º, têm carácter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e são diretamente aplicáveis a todos os estados membros (aplicabilidade direta). É considerado o ato que exprime o verdadeiro poder da união europeia. Assim, é um ato geral no sentido estrito do termo, ou seja, tem uma generalidade de destinatários que são indeterminados e portanto, todas as pessoas que se encontrem no seu âmbito de aplicação estão por ele vinculadas. Para além disso, usufruem de aplicabilidade direta, isto é, produzem efeitos e incorporam-se na legislação interna de cada estado membro automaticamente, após verificadas as condições de vigência e validade, resultantes direta, imediata e exclusivamente da norma da união. Deste modo, o regulamento dispensa qualquer ato da ordens jurídicas nacionais de receção, sendo proibida a sua reprodução. Carecem apenas de execução nacional, executando apenas o que está previsto no regulamento. Em caso de colisão entre o direito nacional e um regulamento da união europeia, os tribunais nacionais devem desaplicar o primeiro (princípio do primado do direito da união europeia). Por fim, os regulamentos são integralmente obrigatórios, ou seja, os seus destinatários não podem adaptar o seu conteúdo e o sentido das suas prescrições ao ordenamento jurídico interno. Assim, os regulamentos são normativamente auto-suficientes. Decisões A decisão é a última categoria de ato típico interno e vinculativo. Como estabelece o artigo 288º do TFUE, a decisão é obrigatória em todos seus elementos, mas quando designa destinatários, só é obrigatória para estes. Podem ter um alcance geral, como sucede no domínio do PESC, sendo que os seus destinatários tanto podem ser estados como particulares. A identificação dos destinatários pode ser expressa, devendo ser notificados e aplicando-se o efeito direto ou implícita ou concludente, isto é, ter por base o seu conteúdo. Finalmente, as decisões são atos aptos para gerar efeitos diretos, ou seja, são suscetíveis de ser invocadas pelos interessados perante os órgãos jurisdicionais nacionais, sendo pacífico o reconhecimento do efeito direito de decisões dirigidas a particulares. Página 27 de 41 Laura Aires Diretivas As diretivas estão previstas no artigo 288º do TFUE e vinculam o estado membro destinatário quanto ao resultado de alcance mas permitindo às instâncias nacionais o desenvolvimento da forma e dos meios. Assim, são o ato jurídico mais comum no seio da união europeia e são também o mais importante, já que permitem um maior consenso entre as várias instituições pois é apenas estabelecida a orientação de como o estado deve legislar. Estas, apesar de poderem conter uma disciplina geral, têm como destinatários imediatos e direitos apenas os estados membros. Em princípio, a diretiva permite a possibilidade de diferenciações normativas do regime jurídico a estabelecer nacionalmente. Desde que respeitem o resultado previsto, os estados membros gozam de alguma liberdade de conformação normativa, podendo adaptar o texto da diretiva à realidade jurídica, económica e social do estado. Para além da liberdade quanto aos meios, os estados membros também gozam de liberdade quanto à forma, podendo escolher o tipo de ato jurídico para transpor a diretiva. Enquanto que o regulamento goza de aplicabilidade direta, a diretiva necessita de um ato nacional de incorporação para poder gerar direitos e obrigações na esfera jurídica dos particulares. Não obstante, essa incorporação, que implica um ato de transposição, deve ser completa, exata, clara e publicitada, de modo a que se garanta a segurança jurídica. Em Portugal, só pode ser transposta por lei ou decreto-lei, desde 1997 (artigo 112º/8 da CRP). Assim, ainda que o direito da união europeia exige apenas a transposição mediante uma lei em sentido material a CRP exige que este ato seja material e formalmente legislativo. Acresce que a transposição não pode ser realizada através de uma mera remissão, já que nem sempre as diretivas são publicadas no Jornal Oficial da União Europeia. Finalmente, a diretiva produz efeitos a partir da sua entrada em vigor, mesmo que o estado membro ainda não a tenha transposto por ainda não ter terminado o prazo pelo que o direito nacional deve ser desde logo interpretado em conformidade com ela. Neste âmbito, vigora a proibição da adoção de atos que dificultem ou inviabilizem a transposição, evitando a criação de obstáculos à transposição da diretiva, durante o prazo de transposição (cláusula stand still). Página 28 de 41 Laura Aires O que que ocorre se a diretiva não é transposta, é transposta mas incompletamente ou é mal transposta? Em primeiro lugar, qualquer uma das situações leva à responsabili- dade internacional do estado perante a união europeia, sendo que é a Comissão Europeia, como guardiã dos tratados, que tem a missão de verificar o cumprimento (artigo 258º do TFUE). Além do mais, também o Tribunal de Justiça da União Europeia, se considerar que o estado não cumpriu o previsto, pode força-lo a adequar o seu ordenamento jurídico a união europeia (artigo 260º do TFUE). Contudo, o Tribunal de Justiça encontrou uma melhor solução, mais eficaz e eficiente, com vista à resolução destas situações. É a doutrina do efeito direto que prevê que os beneficiários daquelas normas (cidadãos dos estados membros em causa) podem invocar contra os seus estados os direitos e deveres que dela decorrem, de modo claro, preciso e incondicional. Pressupostos para se verificar o efeito direto de uma diretiva: - Decurso do prazo de transposição - em princípio, só podemos invocar o efeito direito depois de decorrido o prazo. - Situação de falta de transposição, transposição incompleta ou incorreta; - Diretivas que criam direitos para os particulares; *se estas criarem obrigações, os cidadãos não vão querer recorrer. - Diretivas invocadas contra os estados*; - Norma clara, precisa e incondicionada. * As diretivas tem como destinatários os estados membros, por isso, os particulares podem recorrer contra o estado membro nos tribunais nacionais. Assim, distinguem-se os efeitos verticais, possibilidade de invocar uma diretiva num tribunal nacional contra as entidades públicas, sendo que esta estava vinculada ao respeito, dos efeitos horizontais, possibilidade de invocar mas entre os particulares. Em princípio, só existem efeitos verticais e não horizontais. Esta questão dos efeitos direitos horizontais das diretivas é diversa e controversa doutrinalmente. Mesmo que uma diretiva não produza efeito direto horizontal, pode produzir aquilo a que se chama efeito indireto que pressupõe que o juiz ao aplicar direito nacional, vai tentar atingir o objetivo da diretiva, isto é, vai interpretá-lo no sentido mais próximo do direito europeu, desde que o sistema de interpretação do direito nacional o permita. Trata-se do princípio da interpretação conforme. Temos como exemplos o caso Von Colson, caso Kolpinghuis e o caso Marleasing. Página 29 de 41 Laura Aires Por outro lado, o Tribunal de Justiça também se debruçou sobre os efeitos horizontais incidentais das diretivas. Ao invocar a diretiva contra o estado numa relação triangular, atinge-se o mesmo resultado que se obteria se as diretivas produzissem efeitos diretos horizontais. Imaginemos como exemplo, que a Medicamentos Bons pode exigir ao Estado o seu direito a que não existam empresas farmacêuticas dirigidas por não farmacêuticos. Exerce o efeito direito vertical das diretivas. Ao fazê-lo numa relação triangular (pede ao Estado que faça x a outro particular), os efeitos da diretiva acabam por coincidir com os efeitos horizontais. Temos como exemplos o caso Ruiz Bernaldez e o caso Oceano Salvat. Assim, por razões de justiça e igualdade, uniformidade de aplicação e unidade da ordem jurídica, parece apontar-se para a necessidade de reconhecer efeitos horizontais, sendo que a jurisprudência tem desenvolvido algumas técnicas de horizontalização. Por sua vez, caso um estado-membro não tenha tomado as medidas de execução necessárias ou tenha adotado medidas não conformes com a diretiva, o Tribunal reconheceu, sob determinadas condições, o direito dos particulares invocarem uma diretiva contra o estado membro faltoso. O Tribunal de Justiça seguiu aqui uma conceção ampla quanto a consideração de Estado, incluindo nesta noção, desde logo, também a administração pública, e em geral todas as entidades que estejam sujeitas ao controlo do estado ou que disponham de poderes exorbitantes nas relações entre particulares. Exemplo disto são os casos Marshall e Foster, em que o Tribunal de Justiça considerou aquelas entidades paraestaduais. Considera- mos um alargamento do efeito direto vertical já que reconhece-mos um sentido mais amplo ao Estado. Procedimentos de decisão Forma dos atos jurídicos típicos Desde o Tratado de Lisboa que há uma nova hierarquia entre os atos jurídicos, surgindo um novo critério de hierarquia entre os atos legislativos e os atos não legislativos. Esta diferenciação radica no tipo de procedimento adotado. Assim, são atos legislativos os que são adotados mediante um procedimento legislativo especial ou ordinário. Por sua vez, são atos não legislativos, os que integram o direito terciário, os atos adotados por outros procedimentos. Sendo que, os primeiros são hierarquicamente superiores aos segundos, já que usufruem de uma base democrática mais ampla. Pode ocorrer que os regulamentos sejam atos legislativos ou atos não legislativos, tal como pode ocorrer com diretivas e com decisões. Página 30 de 41 Laura Aires Para escolher o tipo de ato, as instituições devem escolher a forma mais adequada, respeitando o princípio da proporcionalidade (Artigo 296º do TFUE). O Tratado de Lisboa insistiu ainda as delegações legislativas (artigo 290º do TFUE). Assim, a delegação de poderes à Comissão é realizada através de um ato legislativo, que transfere para esta o poder de emitir atos não legislativos que alterem ou completem certos elementos não essenciais do mesmo. O ato de delegação deve delimitar os objetivos, conteúdo e âmbito de aplicação e período de vigência da delegação. Há assim um grande controlo por parte do Parlamento e do Conselho. Procedimentos normativos Procedimento legislativo ordinário ou processo de co-decisão Em regra, é este processo que é adotado. A adoção de um regulamento, de uma diretiva ou de uma decisão pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho é realizada através de um processo legislativo ordinário (artigo 289º do TFUE), descrito no artigo 294º do TFUE. Exemplos: artigos 14º, 15º/3, 24º, 43º/2, 46º, 50º, 133º e 178º do TFUE. O princípio da exclusividade da iniciativa legislativa formal da Comissão é mitigado, já que a iniciativa pode partir do Conselho (que depois apresenta a proposta à Comissão), dos estados membros, de recomendações do Banco Central Europeu ou de um pedido do Tribunal de Justiça da União Europeia (artigo 289º/4 do TFUE). Estes atos são depois assinados pelos Presidentes do Parlamento Europeu e do Conselho (artigo 297º do TFUE). Procedimento legislativo especial Por vezes, os Tratados impõem um processo legislativo especial para a adoção de determinados atos legislativos. Nestes casos, o procedimento centra-se num único órgão, ou no Parlamento Europeu ou no Conselho, abandonando-se a codecisão. Sendo que a decisão final é apenas do Parlamento Europeu após aprovação ou consulta do Conselho, ou vice- versa. O ato é depois assinado pelo Presidente da Instituição que o adotou (artigo 297º/1 do TFUE). Ainda assim, nestes casos, o Conselho Europeu ou o Conselho podem, por unanimidade, fazer aplicar o processo legislativo ordinário através de uma cláusula-ponte (artigo 48º/7 do TUE). Exemplos: artigos 19º, 22º, 64º, 223º do TFUE Página 31 de 41 Laura Aires Procedimento não legislativo Bases jurídicas que prescrevem a observância do anteriormente designado procedimento comum de decisão. Exemplos: artigos 74º, 103º e 129º do TFUE Bases jurídicas que prescrevem a adoção do ato por uma única instituição. Exemplos: artigos 96º e 106º do TFUE Exceção do PESC A União Europeia assenta em vários pilares, sendo que o pilar mais fraco é o do PESC (artigo 24º do TUE). Desde logo, porque não está submetido a controlo judicial e também devido aos procedimentos específicos. Além disso, a deliberação é feita por unanimidade e apenas se adotam atos de natureza política, sendo que as decisões são tomadas pelo Conselho ou pelo Conselho Europeu, não se admitindo a intervenção de quaisquer outras instituições que não aquelas que representam os Estados. Em suma, em todos os processos normativos existem 3 momentos procedimentais: - Iniciativa (artigo 17º/2 TUE) - apenas a Comissão é que tem a proposta de iniciativa, ou seja, esta é que tem o monopólio da iniciativa legislativa, salvo exceções: artigo 293º (a comissão europeia pode alterar a sua proposta sempre mas o conselho só pode alterar por unanimidade), artigo 225º (o parlamento europeu pode solicitar por maioria, todas as propostas ade-quadas), artigo 241º (ocorre o mesmo com o conselho, a comissão não está obrigada a tal a menos que justifique segundo o princípio da subsidia-riedade), artigo 289º/4 (é possível a iniciativa de um grupo de estados membros ou do Parlamento Europeu) do TFUE e artigo 11º/4 do TUE (iniciativa dos cidadãos, de convidar a Comissão Europeia a apresentar uma proposta adequada em matérias sobre as quais esses cidadãos considerem necessário um ato jurídico da União Europeia). - Concertação (artigo 294º do TFUE) - Aprovação (artigo 294º do TFUE) Independentemente do processo legislativo, estes atos são publicados no Jornal Oficial da União Europeia e entram em vigor na data por eles fixada ou no 20º dia seguinte à publicação. Princípios do Direito da União Europeia Princípios fundamentais comuns às ordens jurídicas internas dos estados- membros Página 32 de 41 Laura Aires Para um estado aderir à união europeia tem que garantir o cumprimen- to de alguns princípios do seu ordenamento jurídico, inerentes a um Estado de Direito. A maior parte dos princípios expressos está elencada no artigo 2º do TUE, sendo que os valores descritos dão origem aos princípios (por exemplo, o respeito pela dignidade humana implica o direito à vida, à habitação, à alimentação…). Ainda podemos referir outro princípio, o princí- pio da responsabilidade extracontratual da união europeia, previsto no artigo 340º do TFUE. Quanto aos princípios implícitos, estes não estão definidos nos tratados, mas respondem a casos concretos. Podem ser, o princípio da segurança jurídica, principalmente na área do direito do consumidor; o princípio da confiança legítima, nomeadamente na área da atribuição de subsídios agrícolas; o princípio da não retroatividade, aceite nos ordenamen- tos jurídicos com alguns limites; o princípio do enriquecimento sem causa, que visa proibir que alguém venha a ter grandes benefícios monetários em detrimento de outrem e o princípio da hierarquia das normas jurídicas, pois temos normas de carácter superior e outras de valor inferior. Princípios fundamentais de Direito Internacional Público O direito da união europeia enquadra-se dentro do campo do direito internacional público, sendo que o primeiro deve seguir os princípios que vigoram no segundo. Assim, esses princípios são: a proibição do recurso à força armada; a resolução pacífica de controvérsias; a não ingerência nos assuntos internos e a legítima defesa. Princípios fundamentais da União Europeia (gerais) Os princípios gerais são: princípio da liberdade económica, que pressupõe a existência duma política de concorrência e uma liberdade de circulação de produtos; princípio da igualdade material entre os estados membros (no entanto, em função da densidade dos estados, estes podem ou não ter mais deputados a representa-los); princípio da igualdade dos agentes económicos; princípio da coesão económica, social e territorial; princípio da legalidade e o princípio do equilíbrio constitucional, com um equilíbrio entre as 3 instituições fundamentais da união europeia. Princípios fundamentais da União Europeia (democráticos) Página 33 de 41 Laura Aires São, sobretudo, princípios virados para os cidadãos e, dessa forma visaram reforçar as relações da união europeia com os cidadãos e da união europeia com os parlamentos nacionais. Surgiram com o Tratado de Lisboa, com a publicação de um Relatório da Comissão Europeia, em 2011, designado de Livro Branco. A necessidade de incorporar novos princípios surgiu do facto dos cidadãos estarem cada vez mais distantes da união europeia, culpando-a de vários problemas. Ao mesmo tempo que os cidadãos não confiavam nos governos nacionais, também não confiavam nas instituições e órgãos da união europeia. Leva, assim, a um paradoxo na união europeia, já que os cidadãos esperam que a união europeia tomem decisões mas também não confiam nas suas instituições e órgãos. Princípios da Governança Europeia, segundo o Livro Branco: - Princípio da abertura (artigo 15º/1 do TFUE) - as instituições da união europeia devem ser recetivas aos contributos dos cidadãos, incorporando- os no processo de decisão, e permitindo que estes influeciem a sua produção normativa. Este princípio está intimamente ligado ao princípio da participação. - Princípio da transparência - Transparência procedimental (artigo 15º/2 do TFUE) - as sessões do Parlamento Europeu são públicas, já as do Conselho, apenas as reuniões em que se delibere e vote sobre um projeto de ato legislativo podem ser assistidas. - Transparência documental (artigo 15º/3 do TFUE) - prevê que os cidadãos tem acesso à generalidade dos documentos, mas pode haver exceções nos documentos preparatórios ou internos. Articulada com outros princípios, estabelece que além da publicação dos atos jurídicos finais, é necessária também a publicação da fundamentação do ato, justificando a competência da união naquela matéria e a articulação daquela medida e as restantes políticas. Quanto ao direito derivado, existem documentos preparatórios que devem ser concedidos aos cidadãos dentro de um determinado prazo. - Princípio da participação (artigos 10º e 11º do TUE) - define a democra- cia representativa, sendo que a representação dos cidadãos ocorre no Parlamento Europeu, a dos estados no Conselho Europeu e no Conselho de Ministros (representação indireta). - Princípio da eficácia (artigo 3º TUE e artigo 352º do TFUE) - a união europeia assume os seus grandes fins e portanto, está obrigada a prossegui-los através de políticas. Apesar do princípio da atribuição de competências, o artigo referido permite estender as competências da união europeia. Página 34 de 41 Laura Aires - Princípio da coerência (artigo 7º do TFUE e artigos 13º,16º,21º e 29º do TUE). - Princípio da responsabilização (artigos 266º e 197º do TFUE e artigo 4º/ 3 do TUE). Princípios fundamentais sobre as relações entre o Direito Europeu e o Direito Nacional Articulam 2 ordens jurídicas (europeia e nacional). E portanto é possível a existência de conflitos entre o direito europeu e o direito nacional porque antes do estado entrar na união europeia já tinha expressamente previstas as suas normas. - Princípio da cooperação leal; - Princípio da atribuição de competências; - Princípio da subsidiariedade; - Princípio da proporcionalidade; - Princípio da aplicabilidade direta; - Princípio da efetividade: - Princípio do efeito direito; - Princípio da interpretação conforme; - Princípio da uniformidade de aplicação; - Princípio do primado. Princípio da cooperação leal Este princípio está positivado no artigo 4º/3 do TUE e integra deveres de lealdade em sentido estrito, ou seja, deveres de agir em boa fé e deveres de solidariedade, baseando não só obrigações de abstenção (dever de stand still) como ainda obrigações de ação. Os estados membros, de acordo com o princípio do bom funciona- mento e efetividade da união europeia, devem respeitar as obrigações resultantes do direito originário e derivado, implicando a adoção de medidas gerais, por exemplo, a adaptação do ordenamento jurídico, e medidas específicas, por exemplo, sanções e controlo. Deste modo, este é um princípio recíproco que justifica igualmente o estabelecimento de obrigações da união europeia relativamente aos estados membros e dos estados membros em si. Do mesmo passo, há obrigações recíprocas entre os estados membros que se fundam, pelo menos parcialmente, no princípio da cooperação leal, como a obrigação de reconhecimento de decisões públicas praticadas pelos demais estados. Página 35 de 41 Laura Aires Princípio da atribuição de competências Está estabelecido nos artigo 4º/1 do TUE. Há competências exclusivas da união europeia e outras exclusivas dos estados membros. Há, porém, um leque de competências concorrentes. Competências exclusivas da união europeia (artigo 3º do TFUE) Trata-se de uma categoria excecional e limitada, no âmbito da qual só a união pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos. Assim, os estados intervêm apenas em caso de inoperância radical por parte das instituições europeias, ou se a união europeia os autorizar. Para além disso, os estados podem realizar atos de execução dos praticados pela união europeia neste âmbito (artigo 2º/1 do TFUE). Competências exclusivas dos estados membros Como a nacionalidade, a fiscalidade direta, a defesa da ordem pública ou a segurança nacional. Decorrem do respeito pela estadualidade, ainda que a união europeia possa complementar estes atos, colocando-os ao serviço das finalidades europeias. Não obstante, estas competências devem ser exercidas em respeito pelo direito da união europeia. Competências partilhadas ou concorrentes Pertencem à união europeia e aos estados membros simultaneamente e estão previstas no artigo 4º/2 do TFUE. Neste âmbito vale o princípio da vinculação pelos fins dos tratados, de acordo com o qual o exercício das competências por parte dos estados não pode contrariar o disposto nos tratados nem os princípios gerais do direito da união europeia. Vigora ainda o princípio da preempção, em virtude do qual à medida que a união exerce estas competências, os estados membros vão sendo desapropriados delas, até as perderem totalmente, passando a ter uma atuação meramente complementar e executiva (artigo 2º/2 TFUE). Competências paralelas Admite-se uma atuação paritária e concertada da união europeia e dos estados membros sem preempção (artigo 4º/3 e 4 do TFUE). São exemplos as áreas da investigação e desenvolvimento tecnológico e da ajuda humanitária. Página 36 de 41 Laura Aires Competencias de coordenação e complementação Permitem à união europeia apoiar, coordenar a complementar a ação dos estados membros nas matérias enunciadas no artigo 6º do TFUE, em obediência ao princípio da integração de políticas e ações da união europeia (artigo 7º do TFUE). Princípio da subsidiariedade (artigo 5º/3 do TUE) Vincula todas as instituições europeias, incluindo as jurisdicionais, e determina que as competências concorrente ou de coordenação são, em regra, exercidas pelos estados, pelo que a união europeia só pode intervir em caso de ineficiência da ação estadual e se essa intervenção for uma mais valia tendo em conta a sua dimensão e efeitos na soberania dos Estados e nos direitos dos particulares. Tornou-se, então, um princípio geral e transversal a toda a união europeia, no sentido de dar prioridade à ação dos estados membros. Assim, este princípio preserva as prerrogativas de soberania dos estados, combatendo a excessiva centralização das competências na união europeia, mas, ao mesmo tempo, destaca as vantagens da intervenção comunitária. Deste modo, um dos critérios de repartição de competências é a realização dos objetivos, em que teremos que atender à finalidade de uma determinada ação europeia, atendendo a uma interpretação teológica das normas. Além disto, estas políticas da união europeia terão de ser suficientemente realizadas e o mais bem alcançados. Relativamente aos indicadores de competências, são 2: a dimensão da ação da união europeia e o alcance dos efeitos. Estes dados acabam por permitir antecipar se a política é melhor a nível nacional ou supranacional. Nota: O controlo do princípio da subsidiariedade pode ser realizado ex post, invalidando-se ou mesmo anulando-se os atos comunitários emanados em violação do mesmo, ou ex ante, podendo, no prazo de 8 semanas da receção das iniciativas legislativas comunitárias, os Parlamentos Nacionais emitir um parecer acerca da observância ou violação do princípio. Caso um terço dos Parlamentos nacionais entenda pela violação, o projeto é reanalisado pela Comissão, podendo ser mantido, alterado ou abandona- do. Em caso de manutenção, a Comissão deve emitir um parecer que mostre a verificação do princípio da subsidiariedade. Página 37 de 41 Laura Aires O limite da subsidiariedade é o princípio da proporcionalidade. Princípio da proporcionalidade (artigo 5º/4 do TUE) Assim, a ação pode partir da União, mas esta deve respeitar a soberania dos estados membros, adotando a forma menos onerosa e menos afrontosa para os respetivos estados, não excedendo o necessário para alcançar os objetivos. Tinha por base 3 subprincípios: - Adequação - adoção da medida mais idónea para a prossecução do fim em causa; - Necessidade - adoção da medida menos onerosa em termos financeiros e de ingerência na soberania dos Estados (por exemplo a preferência das diretivas sobre os regulamentos); - Proporcionalidade em sentido estrito - adoção de uma medida com mais benefícios do que custos. Princípio da aplicabilidade direta (artigo 288º do TFUE) A aplicabilidade direta pertence aos regulamentos. Para serem incorporados na ordem jurídica interna dos estados membros, não necessitam de qualquer ato de transposição (artigo 8º/3 do CRP). As normas emanadas do Parlamento Europeu e do Conselho vigoram diretamente na ordem interna (self executing) desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados constitutivos. Princípio da efetividade (efeito útil) Este princípio enquadra os subprincípios do efeito direto, da interpre- tação conforme, da uniformidade de aplicação e do princípio do primado. Assim, é um princípio muito utilizado na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo que a sua atuação é mais abrangente no Direito da União Europeia do que no Direito Internacional Público. Além de servir como princípio de interpretação, serve também como integração de lacunas. Por sua vez, este é também convocado para resolver conflitos de normas (resolução de antinomias normativas). Princípio do efeito direto O princípio do efeito direto não se aplica apenas às diretivas, uma vez que tem um âmbito de aplicação mais amplo. Aplica-se sempre que estejamos perante normas claras, precisas e incondicionadas, que criem Página 38 de 41 Laura Aires direitos para os sujeitos, sendo que ao invocarmos o efeito direito devemos analisar norma a norma. Assim, todas as normas podem ser invocadas em relações verticais e horizontais, excepto as diretivas que apenas podem ser invocadas verticalmente, embora o TJUE tenha agrado o efeito direito e tenha horizontalizado um pouco através do reconhecimento dos efeitos indiretos e dos efeitos incidentais. Temos como exemplos de normas de tratados, os artigos 101º/1 e 28º do TFUE (norma clara, precisa e incondicional. Pode ser invocada por um particular contra outro particular. As normas dos tratados não tem que ser transpostas e portanto são diferentes das diretivas. Goza do efeito direito e pode ser invocada em tribunal, seja por um privado seja por outra empresa). Por outro lado, o artigo 47º do TFUE define que pelo seu carácter genérico e condicionado (depende da criação de condições concretas por entidades do estado membro) não tem efeito direto, e portanto não pode ser invocada em tribunal se alguém assim o desejar. Princípio da interpretação conforme Conduz a uma interpretação teleológica, que obriga a atender à finalidade das normas, ou seja, as normas devem ser interpretadas de acordo com a finalidade visada pela norma. Trata-se da interpretação mais conforme visada pela lei (diretiva), ou seja, as normas do ordenamento jurídico nacional interno devem ser interpretadas conforme o sentido da diretiva. Deste modo, encontra-se consagrado em numerosos acórdãos do Tribunal de Justiça, nomeadamente o Marleasing. Os seus fundamentos são: - Princípio da boa fé - se os estados membros aceitaram renunciar parte da sua soberania a favor da união europeia têm de aceitar que assim o seja; - Princípio da proibição do abuso do direito - o estado membro tem de adequar o seu ordenamento jurídico ao direito da união europeia; - Princípio venire contra factum proprium; - Princípio da cooperação leal (artigos 4º/3 do TUE e 291º/1 do TFUE). Princípio da uniformidade de aplicação O direito da união europeia tem mecanismos especiais para garantir a uniformidade de aplicação do mesmo. Assim, este é aplicado em toda a união europeia da mesma forma, sem distinções. Contudo, temos a exceção do Tratado Orçamental que apenas é aplicado aos estados que aderiram à zona Euro. Página 39 de 41 Laura Aires É exemplo deste o reenvio prejudicial (artigo 267º do TFUE) que foi desenvolvido pelo Tribunal de Justiça e trata-se de um mecanismo de cooperação entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça strictu sensu. Princípio do primado Apesar de não estar escrito, tem um impacto significativo na união europeia. Surgiu num Acordão do Tribunal de Justiça, o caso Costa VS Enel. Se houver um conflito entre uma norma europeia e uma lei interna, o juiz deve desaplicar a norma nacional e aplicar a norma europeia. Se assim não fosse, comprometer-se-ia a efetividade, autoridade e autonomia do direito da união europeia. Ainda assim, este princípio é aplicado nos casos concretos, não implicando a invalidade ou revogação da norma nacional em causa. Este princípio enfrenta algumas críticas, nomeadamente, por não se encontrar expressamente consagrado nos tratados. Para além disso, o artigo 53º da CDFUE determina a prevalência das regras mais protetoras em matéria de direitos fundamentais, sejam elas nacionais ou comunitárias. Não obstante, os estados membros têm revisto as suas constituições antes da adesão, de modo a evitarem conflitos de grande dimensão, e os Tribunais Constitucionais recorrem ao mecanismo do reenvio prejudicial. Acresce que

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