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Summary

Este documento fornece uma visão geral da artrite reumatoide, incluindo sua epidemiologia, genética e patogênese. Aborda a prevalência, os fatores de risco, as influências genéticas e as características da resposta imunológica associadas à doença. Explora a inflamação sinovial como fator chave e discute manifestações clínicas variáveis da artrite reumatoide.

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"Eu tenho reumatismo..." Esta é uma frase muito ouvida nos consultórios médicos! Infelizmente, muitos doutores limitam-se a prescrever anti-inflamatórios e analgésicos, para alívio imediato da dor, sem, no entanto, se preocuparem com a pergunta: "qual será a causa da dor articular deste paciente?"...

"Eu tenho reumatismo..." Esta é uma frase muito ouvida nos consultórios médicos! Infelizmente, muitos doutores limitam-se a prescrever anti-inflamatórios e analgésicos, para alívio imediato da dor, sem, no entanto, se preocuparem com a pergunta: "qual será a causa da dor articular deste paciente?" A busca por tal resposta é a essência da Reumatologia! Além de problemas corriqueiros, como tendinites e bursites agudas, existem duas doenças crônicas que estão no dia a dia do reumatologista, ambas com potencial mutilante: a Osteoartrite (OA) e a Artrite Reumatoide (AR). A primeira é a mais frequente, com prevalência em torno de 30% da população, sendo considerada o protótipo do importante grupo das "artropatias por desgaste". A segunda acomete cerca de 1% da população geral, e é o principal representante do grande grupo das "artropatias inflamatórias". Começaremos o bloco de reumatologia por esta última... A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crônica, relativamente comum, que afeta homens e mulheres de todas as idades. Apesar de poder acometer diversos órgãos e sistemas, sua apresentação clínica é caracterizada pelo envolvimento das articulações num processo insidioso que, frequentemente, resulta em deformidades. Seu curso é tipicamente intermitente, marcado por períodos de remissão e atividade, mas sempre seguindo um processo contínuo de lesão tecidual. A patologia afeta especialmente a membrana sinovial e a cartilagem que reveste as articulações diartrodiais (ver mais adiante). O potencial para destruição cartilaginosa e erosão óssea, com posterior deformidade articular, é o marco fundamental da doença. QUADRO DE CONCEITOS I Marco da AR = sinovite crônica levando à formação de erosões ósseas e à deformidade articular. EPIDEMIOLOGIA A AR está presente em todo o globo, porém, em certas regiões, como África e Ásia, ela é menos prevalente (0,2-0,4% da população). O maior impacto é observado em indígenas nativos da América do Norte. No Brasil, estima-se que atualmente existam cerca de 2 milhões de portadores (prevalência ~ 1%)! Curiosamente, pesquisas recentes sugerem que a incidência de AR vem diminuindo nos últimos anos, mas as razões para tal fato ainda são obscuras. De qualquer forma, a despeito de uma possível queda na incidência, as taxas de prevalência continuam as mesmas, pois, com os avanços terapêuticos, esses pacientes têm vivido mais... A doença predomina na faixa etária entre 25-55 anos, e a preferência, assim como acontece em outras moléstias autoimunes, é pelo sexo feminino (proporção de 3:1). É digno de nota que após os 65 anos a diferença de incidência entre os sexos diminui... O tabagismo é considerado um dos fatores de risco mais bem estabelecidos para AR, inclusive se associando à ocorrência de doença "soropositiva" (isto é, presença de fator reumatoide e/ou anti-CCP positivo – ver adiante). Outros fatores de risco são a exposição ocupacional à sílica, ao asbesto e à madeira. GENÉTICA A predisposição genética para a artrite reumatoide é um assunto que vem sendo intensamente investigado nos últimos anos. Embora não explique toda a patogênese (ex.: gêmeos monozigóticos apresentam concordância de apenas 15-30% para a doença), sabemos que existe uma forte associação entre AR e certas variantes do HLA (antígeno leucocitário humano), em particular alguns alelos do gene HLA-DRB1 (que pertence à antiga "família HLA-DR4"). Além do nexo causal, haveria ainda uma correlação entre a presença desses marcadores genéticos e a gravidade do quadro (ex.: artrite mais erosiva)! De um modo geral, história de AR num parente de 1º grau acarreta uma chance 2-10 vezes maior de desenvolver a doença do que a população geral. SAIBA MAIS… Como a genética influencia a patogênese da AR? Esta é uma pergunta ainda sem resposta definitiva, porém, diversos mecanismos bastante plausíveis têm sido propostos... Já citamos a notável associação entre AR e HLA-DRB1. Este gene codifica uma proteína da superfície dos leucócitos envolvida no processo de apresentação de antígenos, isto é, codifica uma das subunidades do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) classe II. A apresentação de antígenos é um dos passos iniciais na elaboração de uma resposta imune "adaptativa" – a resposta orquestrada por linfócitos T-CD4+ direcionada especificamente contra determinado antígeno. Pois bem, certos alelos do HLA-DRB1 (ex.: DRB1*0401, DRB1*0404, entre outros) contêm uma sequência de oito aminoácidos denominada "epítopo compartilhado" (shared epitope). Esta sequência estabeleceria ligações de alta afinidade com certos peptídeos – ditos "artritogênicos" e de identidade ainda incerta – que talvez representem: (1) "pedaços" de micro-organismos com a propriedade de mimetizar moléculas endógenas encontradas no tecido sinovial do hospedeiro; e (2) peptídeos do próprio tecido sinovial do hospedeiro modificados por ação de fatores exógenos, como aqueles cujos resíduos de arginina são citrulinados por efeito do tabagismo... A combinação entre o epítopo compartilhado (fator genético) e os referidos peptídeos (fator adquirido) formaria um complexo molecular dotado de especial capacidade para estimular linfócitos T-CD4+, favorecendo assim o surgimento de uma resposta imune adaptativa (exagerada) que poderia agredir o tecido sinovial. Acontece que o tecido sinovial pertence ao organismo, e o sistema imunológico deveria ser "tolerante" com ele, em vez de atacá-lo... Ora, entrariam em cena, então, fatores genéticos adicionais implicados na imunopatogênese da AR, por exemplo: esses indivíduos também parecem possuir uma subpopulação de linfócitos T autorreativos – células capazes de atacar o próprio organismo que não foram adequadamente eliminadas quando da maturação do sistema imune, por um defeito na seleção linfocitária que ocorre no timo!!! Outras mutações (em genes não HLA) contribuiriam para este último fenômeno, como a que se observa no gene PTPN22 (importante para o processo de seleção linfocitária)... Em última análise, é necessária uma complexa interação entre múltiplos fatores genéticos e ambientais para que a doença adquira expressão clínica, e diferentes pacientes podem expressar um mesmo fenótipo clínico a partir de variadas combinações desses fatores! PATOGÊNESE A lesão histológica básica da AR, que inicia todos os eventos destrutivos articulares, é a inflamação das membranas sinoviais, conhecida como sinovite. Fig. 2: “Epítopo compartilhado” e artrite reumatoide. Mas o que é membrana sinovial? Trata-se de um tecido especializado que reveste a porção interna dos espaços articulares em articulações diartrodiais. Existem três tipos de articulação em nosso organismo: (1) sinartrodiais; (2) anfiartrodiais; e (3) diartrodiais ou "sinoviais". As duas primeiras são formadas por tecido fibrocartilaginoso e são dotadas de pouca mobilidade. É o caso, por exemplo, da sínfise púbica e dos discos intervertebrais. Já as articulações diartrodiais são encontradas unindo os ossos longos e apresentam grande mobilidade. Veja como são formadas... Existe uma cápsula fibrosa que recobre as extremidades ósseas, delimitando uma cavidade fechada: a cavidade articular (Figura 3). Esta cavidade possui um líquido incolor, transparente e viscoso: o líquido sinovial (sinóvia), que é produzido pela membrana sinovial e facilita o deslizamento das superfícies articulares cartilaginosas. Como você pode notar na figura seguinte, uma articulação diartrodial possui: (1) superfície articular cartilaginosa (cartilagem articular); (2) cavidade articular, contendo líquido sinovial e revestido pela membrana sinovial; e (3) cápsula fibrosa. Fig. 3: Uma articulação do tipo diartrose. Voltando à patogênese da AR, o elemento fundamental é a proliferação inflamatória da membrana sinovial (sinovite). O tecido inflamatório sinovial em proliferação é chamado de pannus. Pode-se visualizar o pannus como uma espécie de "manto" que recobre as estruturas intra-articulares e que, por estar cronicamente inflamado, lesa por contiguidade os tecidos vizinhos, no caso a cartilagem articular e o tecido ósseo subjacente. A destruição final da cartilagem, dos ossos, dos ligamentos e dos tendões resulta, entre outros fatores, da produção local de enzimas proteolíticas, como é o caso da colagenase secretada na interface entre o pannus e a cartilagem. Uma vez iniciada, a resposta autoimune – na maioria dos pacientes – não desaparece... Linfócitos T-CD4+ hiperestimulados migram para a membrana sinovial, atraindo e ativando macrófagos e linfócitos B. Ocorre produção desordenada de citocinas, com destaque para o TNF-alfa. Tais substâncias respondem pela autoperpetuação do processo inflamatório sinovial e estimulam a proliferação das células sinoviais, levando a uma expansão progressiva do pannus... A dependência de linfócitos T-CD4+ é exemplificada pelo fato da doença geralmente regredir na imunodepressão avançada pelo HIV! Os linfócitos B se transformam em plasmócitos, células capazes de secretar anticorpos. Assim, o paciente apresenta uma ativação policlonal das células B, podendo produzir uma série de autoanticorpos... Um dos mais encontrados é o fator reumatoide. Trata-se de um autoanticorpo, na maior parte das vezes do tipo IgM (mas que pode ser IgG ou IgA), que reconhece a porção Fc de anticorpos do tipo IgG, formando imunocomplexos com estes. Autoanticorpos contra peptídeos citrulinados (ex.: anti- CCP, que se liga a peptídeos citrulinados cíclicos) também são característicos da artrite reumatoide – mais detalhes adiante. As quimiocinas, ou fatores quimiotáxicos, entre eles o leucotrieno B4 e componentes do sistema complemento (C3a, C5a), atraem neutrófilos para o "campo de batalha". Esses leucócitos polimorfonucleares se concentram principalmente no líquido sinovial! Como veremos adiante, a análise do líquido sinovial durante a atividade da AR revela aumento de neutrófilos e baixos níveis de complemento. O mesmo padrão pode ser visto nas serosas acometidas (derrame pleural e pericárdico). Video_01_Reu1 APRESENTAÇÃO CLÍNICA A artrite reumatoide costuma se instalar de maneira insidiosa, com queixas intermitentes de dor e rigidez articular, muitas vezes acompanhadas de sintomas constitucionais, como fadiga, mal-estar, anorexia e mialgia. Com a evolução do quadro (semanas a meses), a doença geralmente assume a sua forma clássica, caracterizada por artrite simétrica de pequenas articulações das mãos e dos punhos. Os pés também podem ser acometidos, principalmente as metatarsofalangianas... Curiosamente, a doença tende a preservar as interfalangianas distais e as pequenas articulações dos pés. Isso é tão importante que, no caso de acometimento das interfalangianas distais, deve-se pensar em diagnósticos alternativos, como artrite psoriásica ou osteoartrite!!! Todavia, a apresentação inicial pode ser bastante variável... Alguns pacientes abrem o quadro com acometimento de uma única articulação, de pequena intensidade, curta duração e com mínimas sequelas articulares (a chamada artrite indiferenciada). Por outro lado, há aqueles que experimentam um quadro fulminante de poliartrite em grandes e pequenas articulações, evoluindo rapidamente com sequelas irreversíveis, às vezes com manifestações extra-articulares (ex.: derrame pleural, nódulos subcutâneos, vasculite necrosante) e altos títulos de fator reumatoide/anti-CCP. Não devemos nunca perder de vista que, qualquer que seja o quadro inicial da AR, à medida que o processo patológico evolui, o paciente apresenta uma deterioração crescente da função das articulações envolvidas. As atividades mais simples da vida diária vão se tornando dificultosas, e o indivíduo acaba por ter seus hábitos alterados, não raro, sobrevindo depressão e perda ponderal. LEMBRETE: febre acima de 38ºC é incomum, e deve suscitar a pesquisa de infecção associada! CONDIÇÕES ASSOCIADAS Nos dias de hoje, a principal causa de óbito em portadores de AR são as doenças cardiovasculares, com destaque para a doença coronariana e a insuficiência cardíaca congestiva (tanto sistólica quanto diastólica), cujas incidências estão aumentadas em relação à população normal. Outras formas de aterosclerose (ex.: doença carotídea) também são mais frequentes no contexto da AR... Sabemos que o estado inflamatório crônico induz um processo de ATEROSCLEROSE ACELERADA, o que também ocorre em outras doenças autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico. De fato, a AR parece ser – assim como o LES – um fator de risco cardiovascular independente (isto é, aumenta o risco mesmo após o controle de fatores tradicionais como HAS, DM, tabagismo, etc.)! Tanto é assim que o aumento de marcadores de inflamação sistêmica (ex.: proteína C-reativa, fibrinogênio) parece ser diretamente proporcional ao risco cardiovascular desses indivíduos. SAIBA MAIS… Como o estado inflamatório crônico promove aterosclerose acelerada? A inflamação sistêmica sustentada aumenta o "estresse oxidativo" no meio interno, isto é, aumenta a carga de radicais livres e outros entes bioquímicos agressivos. Tal fato se associa a uma maior oxidação dos lipídios circulantes, os quais se tornam mais propensos à deposição na camada íntima dos vasos, exacerbando a formação de estrias gordurosas e acelerando a transformação destas em placas de ateroma. Cerca de 30 a 50% dos pacientes com AR desenvolvem osteoporose, o que é particularmente importante considerando o maior risco de queda e fratura de quadril secundário às dificuldades de locomoção impostas pela doença. Citocinas liberadas na circulação sistêmica (IL-1, IL-6 e TNF-alfa) estimulam os osteoclastos determinando o surgimento de osteoporose difusa! Outros fatores que podem contribuir para a perda de massa óssea são a imobilização prolongada (pela limitação funcional) e a terapêutica com glicocorticoides. Vale lembrar ainda que existe uma maior incidência de linfoma em portadores de AR, com destaque para o linfoma difuso de grandes células B. Em geral, o linfoma é observado nos indivíduos com altos índices de atividade de doença, e nos que desenvolvem a síndrome de Felty (mais detalhes adiante). MANIFESTAÇÕES ARTICULARES A dor articular é o principal sintoma da AR, e o aumento do volume articular seu principal sinal. A origem da dor está na cápsula articular, que possui fibras nociceptivas sensíveis ao estresse mecânico. Por este motivo, o paciente tende a manter as articulações em flexão, já que isso aumenta sua capacidade volumétrica e reduz a distensão da cápsula (posição antálgica – mais comum no cotovelo). O aumento de volume é devido ao acúmulo de líquido sinovial + hipertrofia da membrana sinovial + espessamento da cápsula. Com o progredir da doença, a fibrose dos tecidos periarticulares, a anquilose das superfícies ósseas e o surgimento de contratura/atrofia muscular concorrem para que se estabeleçam deformidades fixas. Em boa parte dos casos, o acometimento articular segue uma sequência estereotipada, iniciando pelas mãos (metacarpofalangianas e interfalangianas proximais) e pés (metatarsofalangianas), progredindo em seguida para punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadril e ombros. Logo, os ombros são afetados – em geral – de forma tardia, após todas as demais articulações já terem sido danificadas... As temporomandibulares são afetadas com menos frequência, e as cricoaritenóideas, muito raramente. Observe a Tabela 1. Tab. 1: Articulações mais envolvidas na AR. Pequenas articulações das mãos (metacarpofalangianas e interfalangianas proximais – as IFD costumam ser poupadas). Metatarsofalangianas. Punhos. Cotovelos. Articulação coxofemoral. Ombros. Coluna cervical, ATM* e cricoaritenóideas. *ATM = Articulações Temporomandibulares. Ao contrário das espondiloartropatias (ver adiante), a AR não induz sacroileíte nem doença clinicamente significativa na coluna lombar ou torácica. O envolvimento vertebral pela AR se limita à coluna cervical superior. Rigidez articular, principalmente pela manhã (após o período de inatividade noturna), que melhora com os movimentos, é outra manifestação típica da AR. Rigidez matinal > 1h de duração sugere artropatia inflamatória e ajuda na diferenciação com artropatia não inflamatória. Em geral, quanto maior a duração da rigidez, maior a intensidade do processo inflamatório... O calor local pode ser evidente, especialmente em grandes articulações como o joelho. Por outro lado, o eritema é incomum, e sua presença, na maioria das vezes, sugere artrite infecciosa ou induzida por cristais (ex.: gota, pseudogota). AS MÃOS Inicialmente, o achado mais comum da artrite reumatoide é a tumefação das interfalangianas proximais, que ocorre caracteristicamente de forma simétrica. Com o avançar do processo, a frouxidão dos tecidos moles nas articulações metacarpofalangianas dá origem a um clássico desvio ulnar dos dedos, ao mesmo tempo em que se desenvolvem subluxações e proeminências ósseas (tanto nas metacarpofalangianas quanto nas interfalangianas proximais) – Figura 4. Fig. 4: A "mão reumatoide". As articulações interfalangianas distais costumam ser poupadas, o que é um sinal útil para diferenciar a artrite reumatoide da osteoartrose e da artrite psoriásica. A hiperextensão das interfalangianas proximais, em combinação com a flexão das interfalangianas distais, origina a deformidade tipo "pescoço de cisne" (Figura 5), enquanto a hiperflexão das interfalangianas proximais, com hiperextensão das distais, pode resultar na deformidade em "abotoadura" ou boutonnière (Figura 6). Fig. 5: Deformidade em “pescoço de cisne”. Fig. 6: Deformidade em “abotoadura” (ou em boutonnière). OS PUNHOS O comprometimento simétrico dos punhos deve ser esperado na imensa maioria dos pacientes com AR, podendo haver prejuízo tanto dos movimentos de flexão quanto de extensão. As deformidades dos punhos, junto às metacarpofalangianas, determinam um aspecto peculiar conhecido como punhos em "dorso de camelo" (Figura 7). Fig. 7: Punhos em "dorso de camelo". A hipertrofia sinovial pode determinar a compressão do nervo mediano contra o ligamento transverso do carpo, originando a famosa síndrome do túnel do carpo, que se caracteriza por parestesias do polegar, segundo e terceiro dedos, e da metade radial do quarto dedo (Figura 8). Fig. 8: A síndrome do túnel do carpo. Os sintomas da síndrome do túnel do carpo nesses pacientes podem ser precipitados por duas manobras semiológicas clássicas: as manobras de Tinel (Figura 9) e Phalen (Figura 10). Fig. 9: Manobra (ou sinal) de Tinel. Fig. 10: Manobra (ou sinal) de Phalen. Na manobra de Tinel, os punhos devem ser percutidos sobre o trajeto do nervo mediano (bem no meio do punho), enquanto na manobra de Phalen as mãos devem ser colocadas em flexão forçada por 30 a 60 segundos. A reprodução das queixas de dor e parestesia na distribuição do nervo mediano corrobora a presença da síndrome do túnel do carpo. OS JOELHOS Os joelhos são articulações diartrodiais frequentemente comprometidas pela AR. Derrames articulares podem ser identificados pela compressão da patela (sinal da tecla), realizada com o paciente em decúbito dorsal e joelho estendido. A percepção de "flutuação" patelar (ou seja, a sensação que a patela afunda, toca a superfície femoral e "retorna à superfície") confirma a existência de líquido sinovial em excesso (Figura 11). Fig. 11: Sinal da "tecla de piano". Eventualmente, a membrana sinovial da região poplítea desenvolve uma espécie de bolsa, que pode invadir os planos musculares da panturrilha, dissecando suas fáscias. É o famoso cisto de Baker que, clinicamente, pode simular uma trombose venosa profunda, principalmente quando roto, devido à dor e edema local – ver Figura 12. Todo portador de AR que desenvolve sinais e sintomas sugestivos de TVP em membro inferior deve ser investigado para cisto de Baker, o que é feito inicialmente pela USG-Doppler do membro envolvido. Fig. 12 (A, B e C): Cisto de Baker. (A): observar o aumento de volume da panturrilha. (B): uma radiografia contrastada revelando o trajeto do “cisto”. OS PÉS Assim como as pequenas articulações das mãos, o envolvimento das pequenas articulações dos pés (especialmente das metatarsofalangianas) também é característico da artrite reumatoide. Como os pés sustentam todo o peso corpóreo, suas deformidades têm consequências que vão além da estética ou mesmo da funcionalidade das articulações... A subluxação plantar da cabeça dos metatarsos resulta em dor para caminhar e dificuldade com os calçados. Com frequência, as proeminências ósseas que assim se formam culminam em erosões plantares por traumatismo de repetição. A COLUNA CERVICAL O envolvimento cervical pela AR é potencialmente muito grave, podendo inclusive levar a óbito. A subluxação atlantoaxial (C1 sobre C2) atualmente é encontrada em menos de 10% dos casos. O espaço entre o processo odontoide e o arco do atlas normalmente mede 3 mm (Figura 13). Diz-se que há subluxação atlantoaxial quando esse valor é maior que 3 mm. Embora a rigidez cervical seja comum na AR, a maioria dos pacientes com subluxação atlantoaxial NÃO se queixa de fortes dores no pescoço... Fig. 13 A compressão medular "alta", com manifestações do tipo tetraparesia ou tetraplegia, pode levar à paralisia diafragmática e compressão das artérias vertebrais, resultando em insuficiência respiratória e insuficiência vertebrobasilar (vertigens + síncope), respectivamente. Tais quadros podem se desenvolver agudamente em portadores de subluxação atlantoaxial assintomática após pequenos traumatismos, e constituem verdadeiras emergências neurocirúrgicas. OS COTOVELOS Já vimos que são comuns as contraturas em flexão dos cotovelos (posição antálgica). Mais raramente, pode haver encarceramento dos nervos ulnar e radial, determinando mononeuropatias periféricas de tipo "compressivo" (ex.: ulnar = "mão em garra"; radial = "mão caída"). OS OMBROS Já vimos que o acometimento do ombro nos pacientes com AR, quando existe, faz-se nas fases mais tardias da doença. Além de dor e limitação funcional, podem surgir grandes cistos sinoviais. AS CRICOARITENÓIDEAS O envolvimento dessas articulações é incomum na AR. As cricoaritenóideas estão representadas na Figura 14. Seu envolvimento gera rouquidão, disfagia e dor na região anterior do pescoço. Tais articulações participam dos movimentos de abdução e adução das cordas vocais. Em raros casos, as cordas vocais ficam paralisadas em adução, levando a um quadro de insuficiência respiratória com estridor, necessitando de corticoide sistêmico e traqueostomia. Fig. 14: Articulação cricoaritenóidea (corte horizontal da laringe e do esôfago). AS ARTICULAÇÕES SACROILÍACAS Alterações radiográficas das articulações sacroilíacas, como erosões e osteopenia, podem ser observadas em pacientes com AR avançada. É importante recordar que "... a AR, principalmente em homens, pode coexistir com espondilite anquilosante, psoríase, gota ou mesmo com a osteoartrite..." AS ARTICULAÇÕES TEMPORO​MANDIBULARES Seu envolvimento raramente tem expressão clínica na AR, causando sintomas como a dor à abertura da boca. Não é rara a confusão diagnóstica com distúrbios inflamatórios do ouvido médio... Video_02_Reu1 MANIFESTAÇÕES EXTRA-ARTICULARES É importante reconhecer que a AR é uma doença sistêmica e que, portanto, além de sintomas articulares e constitucionais (fadiga, perda ponderal e anorexia), vários órgãos e tecidos podem ser afetados! As manifestações extra-articulares são geralmente observadas em indivíduos que possuem altos títulos de fator reumatoide e anti- CCP. CUTÂNEAS Nódulos subcutâneos Eritema palmar Infartos acastanhados distais Vasculite necrosante Os nódulos reumatoides subcutâneos parecem derivar de vasculite de pequenas veias, com necrose fibrinoide e proliferação fibroblástica circundante. Ocorrem em 20- 30% dos pacientes, particularmente naqueles que possuem fator reumatoide positivo. Na maioria dos casos, os nódulos refletem o nível de atividade da doença. Pacientes com nódulos e fator reumatoide negativo devem ser investigados para gota tofosa crônica... Os principais locais de surgimento são as áreas submetidas a maior pressão mecânica, especialmente as regiões extensoras dos cotovelos (Figura 15), mãos, pés e calcâneo (tendão de Aquiles). Podem ocorrer, menos comumente, na região occipital. Vale lembrar que os nódulos reumatoides podem ser encontrados em localizações internas como pleura e meninge. Raramente são sintomáticos, mas podem sofrer ruptura ou infecção secundária. Dado curioso é que alguns pacientes tratados com metotrexato evoluem com aumento no número de nódulos! Fig. 15: Os nódulos reumatoides – cedido gentilmente pelo prof. José Ângelo de Souza Papi. Um tipo de lesão cutânea de extrema importância na AR é a vasculite. Existem basicamente dois tipos: (1) vasculite cutânea leucocitoclástica, determinando pequenos infartos acastanhados nas unhas e polpas digitais, que aparecem sob a forma de "lascas" e não têm maiores repercussões; (2) vasculite necrosante, envolvendo pequenas e médias artérias, indiferenciável da vasculite encontrada na poliarterite nodosa clássica (Figura 16). Vale lembrar que esta última pode se tornar uma vasculite necrosante sistêmica, comprometendo diversos órgãos e tecidos! Tais casos costumam cursar com mononeurite múltipla (envolvimento de múltiplos nervos periféricos em sequência), ulceração cutânea, gangrena digital e infarto visceral. A forma limitada de vasculite é mais comum que a difusa, acometendo mais pacientes brancos, com altos títulos de fator reumatoide e anti-CCP. Há consumo de complemento sérico na vasculite necrosante da AR. Fig. 16: Vasculite necrosante na AR – cedido gentilmente pelo Serviço de Reumatologia do HUPE – UERJ. OFTALMOLÓGICAS Síndrome de Sjögren Episclerite Escleromalácia perfurante A Síndrome de Sjögren "secundária" é a manifestação ocular mais comum nos pacientes com AR, ocorrendo em 20-30% dos casos. Pode haver lesão da córnea associada ao ressecamento dos olhos (ceratoconjuntivite seca), muitas vezes acompanhada de xerostomia e aumento das parótidas (Figura 17A). Fig. 17A: Aumento de parótidas em paciente com síndrome de Sjögren. Observar que, no aumento de parótidas, o ângulo da mandíbula encontra-se apagado. Isso pode ajudar na diferenciação com adenomegalias. Fig. 17B: Escleromalácia perfurante. Observar o adelgaçamento da esclera, revelando uma coloração azulada típica. A episclerite (Figura 18B) é uma condição autolimitada, associada a eritema e dor no olho. É semelhante a uma conjuntivite ("olho vermelho"), mas, ao contrário desta, costuma ser uma "vermelhidão" mais localizada e que não produz secreção. A episclera é uma camada localizada entre a conjuntiva e a esclera (Figura 18A). Fig. 18: Episclerite na AR. A esclerite é mais dolorosa e pode resultar em redução da acuidade visual. Caso essa condição evolua com adelgaçamento do tecido da esclera, permitindo a visualização da cor azul da coroide subjacente (vascularizada), recebe a designação de escleromalácia perfurante (Figura 17B). Fig. 17A: Aumento de parótidas em paciente com síndrome de Sjögren. Observar que, no aumento de parótidas, o ângulo da mandíbula encontra-se apagado. Isso pode ajudar na diferenciação com adenomegalias. Fig. 17B: Escleromalácia perfurante. Observar o adelgaçamento da esclera, revelando uma coloração azulada típica. PULMONARES Derrame pleural Nódulos reumatoides no parênquima Cavitação e pneumotórax Fibrose intersticial difusa com pneumonite Bronquiolite constritiva BOOP Síndrome de Caplan O acometimento das pleuras (pleurite e derrame pleural) é uma complicação sistêmica clássica da artrite reumatoide. O derrame pleural reumatoide geralmente é pouco volumoso e oligo ou assintomático, acometendo mais o sexo masculino. O derrame revela-se como um exsudato, com queda do complemento, positividade para o fator reumatoide, e uma característica e acentuada redução dos níveis de glicose (geralmente < 25 mg/dl), além de baixo pH. Pode causar confusão diagnóstica com empiema... Níveis tão baixos de glicose se justificam pelo comprometimento do transporte dessa substância através da pleura inflamada. A despeito dos baixos níveis de complemento no derrame, este costuma ter seus níveis normais no soro. O líquido pleural dos pacientes com artrite reumatoide pode conter os "Ragócitos" ou células RA (de Rheumatoid Arthritis), que representam neutrófilos com pequenas inclusões citoplasmáticas esféricas. MEMORIZAR O derrame pleural da AR... É exsudativo (aumento de LDH e proteínas). O complemento está baixo (embora normal no soro). A contagem de leucócitos costuma ser inferior a 5.000. O fator reumatoide costuma ser encontrado. Os níveis de glicose estão acentuadamente reduzidos. Nódulos reumatoides podem estar presentes no parênquima pulmonar. São encontrados em pacientes soropositivos, com sinovite generalizada e nódulos em outras localizações. Costumam ser assintomáticos, únicos ou múltiplos. Eventualmente: (1) infectam, formando cavidades (Figura 19); ou (2) rompem para a cavidade pleural, resultando em pneumotórax espontâneo ou fístula broncopleural; ou (3) sofrem calcificação. Fig. 19: Nódulos pulmonares reumatoides cavitados. A artrite reumatoide também pode levar à fibrose intersticial difusa, com áreas de pneumonite e faveolamento (honeycomb). Métodos como a TC de alta resolução detectam alterações parenquimatosas em mais de 30% dos casos! Esses pacientes em geral são do sexo masculino, possuem altos títulos de fator reumatoide e uma doença de longa data, invariavelmente exibindo nódulos. Os achados no lavado broncoalveolar variam de alveolite linfocítica a neutrofílica. A biópsia pulmonar pode revelar fibrose, mesmo nos estágios iniciais. A doença se comporta de forma semelhante à fibrose pulmonar idiopática. A fibrose pulmonar da AR pode levar a uma redução da capacidade pulmonar (padrão restritivo). Outra doença pulmonar que pode ser encontrada em pacientes com AR é a Bronquiolite Obliterante com Organização Pneumônica (BOOP). Esta condição sinaliza mau prognóstico! A BOOP é mais comum em pacientes que fizeram uso de D-penicilamina ou sais de ouro para o tratamento da AR. A síndrome de Caplan descreve a combinação de nódulos pulmonares reumatoides + pneumoconiose. Estes pacientes tendem a desenvolver nódulos de forma mais rápida que o habitual, em geral na região periférica de ambas as bases pulmonares. Alguns evoluem com Fibrose Maciça Progressiva (FMP), uma forma letal de pneumoconiose, porém, evidências recentes sugerem que o risco de FMP não está aumentado nestes indivíduos em comparação aos portadores de pneumoconiose isolada. A síndrome de Caplan foi descrita em mineiros de carvão, mas o quadro também se desenvolve no contexto da silicose e da asbestose. Vale lembrar que o encontro de um nódulo pulmonar isolado, no paciente com AR, sempre deve levar à suspeita de câncer de pulmão... CARDÍACAS Pericardite (derrame/tamponamento) IAM por vasculite das coronárias Nódulos reumatoides no miocárdio Distúrbios de condução A pericardite é uma manifestação cardíaca extremamente comum na artrite reumatoide que, embora seja assintomática na maioria das vezes, pode ser demonstrada em até 50% dos casos submetidos ao ecocardiograma ou à autópsia. Os pacientes que desenvolvem pericardite em geral são soropositivos, e costumam apresentar nódulos subcutâneos... Quando ocorre derrame pericárdico, sua análise bioquímica revela aumento de proteínas e LDH, diminuição da glicose e queda do complemento, além da presença de fator reumatoide e imunocomplexos (alterações idênticas às encontradas no derrame pleural reumatoide). Nódulos reumatoides podem surgir no miocárdio ou nas válvulas e determinar distúrbios de condução, arritmias e insuficiência valvar. O processo de vasculite pode afetar as coronárias, sendo uma causa rara de IAM. Já vimos que a inflamação sistêmica crônica que caracteriza a AR representa um fator de risco cardiovascular, e tais pacientes com frequência desenvolvem aterosclerose acelerada e suas complicações (ex.: IAM, AVC, ICC). As doenças cardiovasculares crônicas atualmente são a principal causa de óbito na artrite reumatoide! NEUROLÓGICAS Nódulos reumatoides nas meninges Síndrome do túnel do carpo/tarso Neuropatia cervical (subluxação AA) Vasculite dos vasa nervorum com mononeurite múltipla Vasculite cerebral As neuropatias periféricas "compressivas" podem ser produzidas por uma membrana sinovial em proliferação, causando compressão neural. São comuns as síndromes do túnel do carpo (nervo mediano) e do tarso (nervo tibial anterior). A vasculite reumatoide dos vasa nervorum (pequenos vasos que nutrem os feixes neuronais) pode originar mononeurite múltipla, apresentando-se com perda sensitiva difusa em uma ou mais extremidades. Na maioria das vezes, essa alteração está associada à queda de punho ou pé. O sistema nervoso central costuma ser poupado, embora possa haver vasculite cerebral e nódulos reumatoides nas meninges. A subluxação atlantoaxial pode dar origem a uma neuropatia cervical compressiva, com síndrome medular alta e risco de paralisia diafragmática com tetraparesia ou plegia. RENAIS Nefropatia membranosa associada à AR Nefropatia associada a medicamentos usados para a AR Glomerulonefrite (principalmente mesangial) Amiloidose Diversas anormalidades renais podem ser encontradas em pacientes com AR, sendo causadas tanto pela doença de base quanto pelas drogas utilizadas em seu tratamento. A clássica nefropatia membranosa, em geral, se associa ao uso de alguma dessas drogas: D-penicilamina, sais de ouro ou AINE. Os AINE – muito utilizados como analgésicos e anti-inflamatórios, inclusive sem prescrição médica – podem produzir outras lesões renais, com IRA pré-renal, necrose tubular aguda e nefrite intersticial... É comum a presença de algum grau de glomerulonefrite mesangial na biópsia, desencadeada pela própria artrite reumatoide. Estes pacientes podem apresentar microalbuminúria, que, segundo alguns autores, serviria como marcador de atividade da doença. A artrite reumatoide é uma das principais causas de amiloidose AA na prática médica, entidade que também pode levar à síndrome nefrótica (com rins de tamanho aumentado). Vale lembrar ainda que a vasculite renal pode afetar os rins de forma semelhante à poliarterite nodosa clássica (vasculite de médios vasos). Video_03_Reu1 DIAGNÓSTICO Até o ano de 2010, utilizavam-se os tradicionais "critérios de classificação" do Colégio Americano de Reumatologia (American College of Rheumatology – ACR) para estabelecer o diagnóstico de artrite reumatoide na prática – veja-os na Tabela 2 a seguir. Tab. 2: Critérios revisados "de classificação" da artrite reumatoide – American College of Rheumatology (1987). Os critérios de 1 a 4 precisavam estar presentes há pelo menos 6 semanas. Os critérios de 2 a 5 tinham que ser observados por um médico. Para ser classificado como portador de AR, era preciso possuir quatro ou mais dos sete critérios! No entanto, sempre soubemos que tal conduta apresentava um sério problema: baixa taxa de detecção da doença em suas fases iniciais... Os critérios de 1987 do ACR identificam com precisão somente os casos bem estabelecidos de artrite reumatoide, isto é, aqueles em que a doença já se expressou plenamente (não raro com erosões articulares irreversíveis), o que em geral leva de meses a anos para acontecer. O diagnóstico, por conseguinte, com muita frequência era feito de forma "tardia"! Hoje sabemos que cerca de 80% do dano articular causado pela artrite reumatoide se estabelece nos dois primeiros anos de atividade da doença. Os recentes avanços na terapêutica da AR mostraram que a estratégia ideal é intervir de maneira precoce e agressiva, lançando mão de Drogas Antirreumáticas Modificadoras de Doença (DARMD) antes que se chegue aos estágios mais avançados (com erosão articular). Vale lembrar que essas drogas têm início de ação demorado (6-12 semanas), e por isso devemos começá-las – idealmente – o quanto antes. Então era nítido o dilema... Se por um lado os critérios do ACR – que autorizavam o início do tratamento com DARMD – detectavam de forma acurada somente a doença bem estabelecida, por outro sabíamos que a eficácia das DARMD seria maior na doença inicial, que quase nunca era evidente por aqueles critérios... Assim, muitos doentes com AR inicial jamais se beneficiariam do tratamento precoce e agressivo com as novas terapias, caso os critérios de 1987 continuassem a ser seguidos à risca. Dito de outro modo, constatou-se o quanto era premente a necessidade de um novo conjunto de critérios capaz de permitir o reconhecimento da doença ainda dentro de uma "janela terapêutica" satisfatória! Felizmente, novos critérios vieram a público em setembro de 2010, numa edição do journal Arthritis and Rheumatism, editado pelo próprio ACR. Tais critérios vêm sendo chamados de critérios ACR-EULAR (esta última sigla significa "Liga Europeia Contra o Reumatismo")... Seu objetivo é identificar a artrite reumatoide de maneira precoce, antes que a doença evolua com dano articular irreversível! Desse modo, devemos ABANDONAR os critérios antigos, e utilizar um escore de pontos para embasar o diagnóstico (ver Tabela 3). Com seis ou mais pontos um paciente já pode ser classificado como portador de AR... Tab. 3: Critérios “de classificação” ACR-EULAR para artrite reumatoide (2010). Envolvimento articular Pontos Uma grande articulação (quadril, ombro, joelho, cotovelo, tornozelo). 0 2-10 grandes articulações 1 1-3 pequenas articulações (com ou sem grandes articulações). 2 4-10 pequenas articulações (com ou sem grandes articulações). 3 > 10 articulações (pelo menos uma pequena articulação). 5 Sorologia (pelo menos um dos testes abaixo) Pontos Fator reumatoide negativo e ACPA* negativo. 0 Fator reumatoide ou ACPA positivo em baixos títulos (≤ 3x LSN**). 2 Fator reumatoide ou ACPA positivo em altos títulos (> 3x LSN). 3 Reagentes de fase aguda (pelo menos um teste) Pontos VHS e proteína C-reativa normais. 0 VHS ou proteína C-reativa acima do normal. 1 Duração dos sintomas Pontos < 6 semanas. 0 ≥ 6 semanas. 1 *ACPA = “anticorpos antipeptídeos citrulinados”. O ACPA mais estudado e utilizado é o anti-CCP (antipeptídeo citrulinado cíclico), mas é importante saber que existem outros marcadores dentro deste grupo, por exemplo: anti-MCV (antivimentina citrulinada mutada). **LSN = Limite Superior da Normalidade. População-alvo (em quem o escore deve ser aplicado?): Qualquer indivíduo que apresente artrite em pelo menos uma articulação; Essa artrite não pode ser melhor explicada por outra doença. A exigência de que a artrite esteja presente há pelo menos seis semanas garante a exclusão de certas síndromes articulares, principalmente virais, que, por definição, são autolimitadas (durando em média 2-3 semanas) e podem causar uma poliartrite semelhante à AR, inclusive com positividade para o fator reumatoide... Poliartrites ≥ 6 semanas não podem ser consideradas pós-virais, sendo o diagnóstico de AR muito mais provável em tal contexto. Exceção a esta regra, são raros casos de infecção por Parvovírus, que pode causar uma poliartrite um pouco mais duradoura... Quer dizer então que para a prova de residência eu preciso decorar todos os itens do novo escore? Diríamos que não... Desde 2010 temos visto questões de reumato abordarem o tema "diagnóstico de AR" já levando em conta os conceitos discutidos acima. Evidentemente, você poderia acertar tais questões aplicando o novo escore diagnóstico, mas também poderia acertá-las sem os ter decorado... Mais importante do que decorar é compreender a lógica por trás dos novos critérios, ou seja, como é o JEITÃO de um "caso inicial típico" de artrite reumatoide??? Veja: O diagnóstico de artrite reumatoide pode ser feito com razoável grau de certeza num paciente com: (1) sinovite clinicamente evidente em três ou mais articulações periféricas típicas (ex.: mãos, punhos e pés); (2) positividade para fator reumatoide e/ou ACPA; (3) aumento de VHS e/ou proteína C-reativa; (4) exclusão de outros diagnósticos. Entendendo que a artrite reumatoide é uma doença sistêmica caracterizada pela ocorrência de poliartrite de pequenas e grandes articulações periféricas (sem "pegar" o esqueleto axial, com exceção da articulação atlantoaxial), de caráter autoimune e inflamatório (autoanticorpos + marcadores de fase aguda), apresentando curso crônico que, se não tratado, evolui com destruição articular irreversível (erosão articular), e que predomina em pacientes relativamente jovens do sexo feminino, não é difícil perceber o JEITÃO de artrite reumatoide, que em geral transparece nos casos clínicos de prova onde a aplicação dos critérios antigos (1987) não permite o diagnóstico de AR... Vale ressaltar que o próprio documento do ACR-EULAR afirma que os novos critérios foram projetados considerando a possibilidade de acréscimos ou mudanças no futuro, na medida em que a pesquisa de novos marcadores contribuir com informações diagnósticas ainda mais específicas acerca da doença... A razão para termos critérios "de classificação" e não propriamente critérios "diagnósticos" vem do fato de não conhecermos a verdadeira etiologia da doença, o que – tomara – em breve seja um fato do passado. Vejamos agora detalhes específicos sobre alguns marcadores laboratoriais na AR... MARCADORES SOROLÓGICOS O Fator Reumatoide (FR) é um autoanticorpo que "ataca" a porção Fc das moléculas de IgG. Em geral, se trata de um autoanticorpo da classe IgM, mas às vezes o fator reumatoide é uma IgA ou mesmo uma IgG... Pode ser encontrado em 70-80% dos adultos com a doença, e por isso um resultado negativo JAMAIS descarta o diagnóstico (20-30% são "soronegativos")! Seu grande problema, na verdade, é a baixa especificidade, principalmente quando em títulos reduzidos, pois diversas outras condições, autoimunes ou não, também estimulam a produção de FR (ver Tabela 4). Vale ressaltar ainda que ele é positivo em 1-5% da população saudável, cifra esta que aumenta para 10-20% em pacientes > 65 anos, e pode aparecer transitoriamente após vacinação ou hemotransfusão. Tab. 4: Condições associadas a FR positivo. Lúpus eritematoso sistêmico. Endocardite bacteriana subaguda. Síndrome de Sjögren. Mononucleose infecciosa. Macroglobulinemia de Waldenström. Tuberculose. Sarcoidose. Hanseníase. Fibrose pulmonar idiopática. Sífilis. Crioglobulinemia mista essencial (tipo II). Calazar. Hepatite B. Esquistossomose. Hepatite C. Malária. Contudo, a positividade do FR em indivíduos com quadro clínico sugestivo fortalece o diagnóstico de AR, além de possuir valor prognóstico: existe correlação direta entre os títulos de fator reumatoide e a presença de manifestações extra-articulares (ex.: nódulos subcutâneos, vasculite necrosante, síndrome de Felty). De fato, a doença "soropositiva" tende a ser mais agressiva do que a "soronegativa"... O autoanticorpo Anti-CCP (Antipeptídeos Citrulinados Cíclicos) pertence à família dos ACPA (anticorpos antipeptídeos citrulinados) e reage contra diversas proteínas encontradas no tecido conjuntivo. O que essas proteínas têm de especial é que seus resíduos de arginina foram transformados em citrulina por ação da enzima Peptidil-Arginina Deiminase (PAD), num processo conhecido como "deiminização". Elementos como filagrina, vimentina, fibrina, alfaenolase e colágenos tipos I e II são alvos habituais deste processo, que curiosamente ocorre na artrite reumatoide (ainda não sabemos seu real significado fisiopatológico, e parece que o tabagismo aumenta a taxa de "citrulinização" proteica). O anti-CCP possui a mesma sensibilidade do FR (cerca de 70-80%), porém sua grande vantagem é uma elevada especificidade (~ 95%). Quadros iniciais de artrite indiferenciada têm chance maior de serem diagnosticados como AR na vigência de um anti-CCP positivo, principalmente se em altos títulos. Assim como o FR, o anti-CCP também se relaciona diretamente ao prognóstico: quanto maior seu nível sérico, mais elevada será a chance de doença agressiva, inclusive com manifestações extra- articulares. Vale ressaltar que, apesar de haver uma nítida associação entre os títulos de FR e anti-CCP com a gravidade da AR, NÃO se recomenda monitorar a resposta ao tratamento acompanhando os níveis desses marcadores. A variação na atividade de doença NÃO se relaciona de forma consistente com a variação dos títulos de FR e anti-CCP... Além de fator reumatoide e anti-CCP, outros autoanticorpos podem ser encontrados em pacientes com AR, como o FAN (30%) e o ANCA (p-ANCA, também em 30%). MARCADORES DE FASE AGUDA A VHS (Velocidade de Hemossedimentação) aumenta na AR em atividade. Outros reagentes de fase aguda, como a proteína C-reativa e a ceruloplasmina, também se encontram elevados. A eletroforese de proteínas revela aumento das frações alfa-2-globulina presente nos estados inflamatórios em geral, e gamaglobulina, que reflete uma estimulação antigênica inespecífica e policlonal. O acompanhamento seriado da proteína C-reativa e/ou da VHS é útil como marcador de atividade da doença. Uma anemia de doença crônica (efeito de mediadores inflamatórios sistêmicos) costuma ser observada, e sua gravidade também é proporcional à atividade da doença. Outros achados comuns são trom​bocitose e leucocitose. A leucopenia geralmente é secundária ao uso de medicações, mas nos casos de neutropenia + esplenomegalia, principalmente na doença de longa data, temos que pensar numa clássica (e grave) complicação da AR, a síndrome de Felty (ver adiante). Eosinofilia pode ser um achado inespecífico observado em pacientes gravemente enfermos. ARTROCENTESE A análise do líquido sinovial geralmente revela aspecto turvo, com viscosidade reduzida, aumento de proteínas e concentração normal ou baixa de glicose. A leucometria varia entre 5.000 a 50.000/µl, com predomínio de polimorfonucleares (ao contrário da osteoartrite, onde geralmente se tem < 2.000 leucócitos/µl). A pesquisa de FR e anti- CCP costuma ser positiva no líquido sinovial, pois tais marcadores participam da composição de imunocomplexos que se depositam localmente e ativam o complemento (níveis de C3 e C4 reduzidos). A artrocentese não é essencial para o diagnóstico de AR, mas pode ser útil em casos selecionados para descartar artrite séptica e artropatia induzida por cristais. AVALIAÇÃO RADIOGRÁFICA No início do quadro, as radiografias simples revelam apenas aumento de volume de partes moles e derrame articular (aumento do espaço sinovial). Com o progredir da doença aparecem outros achados, embora nenhum seja específico de AR... Em semanas já se pode observar osteopenia justarticular. Alguns meses depois aparecem perda da cartilagem articular (diminuição do espaço sinovial), cistos subcondrais e erosões ósseas marginais. Anquiloses e subluxações são típicas dos quadros mais avançados. A radiografia ajuda: (1) a estimar a extensão da doença; (2) a monitorar o efeito do tratamento; e (3) a avaliar a necessidade de cirurgia em casos selecionados. Perceba que o exame radiográfico não faz mais parte dos critérios de classificação! Modernos métodos de imagem vêm ganhando cada vez mais espaço na prática, com os mesmos objetivos citados anteriormente. A RM, por exemplo, pode detectar inflamação sinovial de forma muito mais precoce que o RX. Outro dado precoce fornecido por este exame é o edema da medula óssea justarticular, uma alteração que precede o surgimento de osteopenia e parece sinalizar um alto risco de evolução para erosão. A USG também é capaz de visualizar as erosões ósseas de forma mais precoce que o RX simples, porém trata-se de um exame muito "operador-dependente" e, por isso, não é considerado obrigatório. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Nas poliartrites de início recente, devemos considerar a possibilidade de síndromes virais autolimitadas, em especial parvovírus, hepatites B e C, rubéola e mononucleose infecciosa (infecção pelo vírus Epstein-Barr). Outras hipóteses seriam lúpus, artrite psoriásica e artrite reativa. Uma boa avaliação clínica (anamnese + exame físico) costuma revelar a presença de manifestações adicionais mais típicas dessas patologias... A gota tofosa crônica pode mimetizar a AR com nódulos. A diferenciação é feita pela detecção de cristais de ácido úrico na artrocentese (cristais com forte birrefringência negativa). A síndrome clínica do hipotiroidismo se sobrepõe a várias manifestações da AR, e é importante perceber que nada impede que ambos coexistam... PROGNÓSTICO Cerca de 50% dos portadores de AR se tornam inaptos para o trabalho após dez anos de doença. Os principais fatores de pior prognóstico são: (1) mais de 20 articulações acometidas; (2) aumento importante da VHS; (3) erosões ósseas na radiografia; (4) presença de nódulos reumatoides; (5) altos títulos de FR e anti-CCP; (6) inflamação persistente; (7) idade avançada no início da doença; e (8) presença de alelos do HLA que contêm o "epítopo compartilhado" (principalmente no gene HLA-DRB1). A esperança de vida tende a se reduzir em 3-7 anos na vigência de AR, e a principal causa de morte, atualmente, são as doenças cardiovasculares... Video_04_Reu1 TRATAMENTO INTRODUÇÃO Atualmente, o objetivo a ser buscado no tratamento da AR é colocar a doença em remissão ou, caso isso não seja factível, deixá-la pelo menos no menor grau de atividade possível... Visando orientar os médicos – e normatizar o conceito de remissão da AR nos estudos científicos – criou-se uma definição do que vem a ser o estado de remissão da artrite reumatoide. Veja: Definição de "remissão da AR" segundo o ACR-EULAR O paciente deve satisfazer TODOS os seguintes quesitos: Ter ≤ 1 articulação dolorosa; Ter ≤ 1 articulação edemaciada; Proteína C-reativa ≤ 1 mg/dl; Autoavaliação por parte do paciente (numa escala padronizada de 0-10) ≤ 1. OU Índice simplificado de atividade de doença (SDAI) ≤ 3,3. Existem diversos escores que avaliam de forma quantitativa ou semiquantitativa o "grau de atividade" da artrite reumatoide, levando em conta múltiplas variáveis distintas (ex.: SDAI, CDAI, DAS 28, só pra citar os principais). Eles foram desenvolvidos com o intuito de padronizar a documentação da resposta terapêutica em estudos epidemiológicos, porém cada vez mais têm sido incorporados à prática diária dos reumatologistas, auxiliando na tomada de decisões clínicas. Todavia, foge do escopo desta apostila um detalhamento mais aprofundado desse assunto... Por muitos anos, o tratamento da AR foi baseado numa "pirâmide terapêutica", onde se iniciavam drogas anti-inflamatórias para controle da dor e, posteriormente, drogas imunomoduladoras e/ou imunossupressoras caso o paciente não melhorasse... A experiência mostrou que a maioria dos indivíduos NÃO melhorava com esta conduta, e o tempo que levava para se iniciar um tratamento mais eficaz, em geral, era longo o bastante para o surgimento de danos articulares irreversíveis! LEMBRE-SE: cerca de 80% do dano articular da artrite reumatoide ocorre nos dois primeiros anos de doença. Desse modo, a abordagem moderna, visando a remissão da doença, estabelece como dogmas os seguintes conceitos: (1) o tratamento deve ser "precoce" e "agressivo"; (2) deve ser reavaliado a intervalos curtos (ex.: a cada 3-5 semanas), reajustando as medicações conforme necessário; e (3) deve ser individualizado, buscando a melhor resposta para determinado paciente com o menor custo e toxicidade... Por precoce queremos dizer: início logo após o diagnóstico. E por agressivo queremos dizer: uma DARMD sempre deve ser utilizada (DARMD = Droga Antirreumática Modificadora de Doença). É válido citar que na maioria das vezes acabam-se associando dois ou mais DARMD... Devido a tais peculiaridades, recomenda-se que o tratamento SEMPRE seja conduzido por um reumatologista! A atual taxa de sucesso (indução de remissão da doença) gira em torno de 40-50%. QUADRO DE CONCEITOS II O tratamento da artrite reumatoide deve ser iniciado logo após o diagnóstico, e desde o início deve incluir uma DARMD (sendo o metotrexato a droga de primeira escolha). O paciente deve ser reavaliado com frequência, e o esquema medicamentoso deve ser modificado conforme a necessidade (em geral, acabam se associando dois ou mais DARMD). O objetivo é a remissão da doença, o que se consegue em 40-50% dos casos. No restante, a doença deve ser colocada no menor grau de atividade possível! MEDIDAS GERAIS O paciente e seus familiares devem ser esclarecidos sobre a natureza crônica e incapacitante da doença. Um acompanhamento multidisciplinar é recomendável, sendo a avaliação psicológica extremamente importante devido à presença frequente de comorbidades psiquiátricas. O repouso articular representa uma medida terapêutica essencial durante os surtos agudos da doença! Nesse contexto, pode ser necessário o uso de talas para manter a articulação em posição de menor estresse e evitar deformidades (Figura 20). Fig. 20 O uso preventivo de colar cervical é de grande importância nos pacientes com indícios de subluxação atlantoaxial, e deve ser indicado, principalmente, durante viagens de automóvel, ônibus ou metrô (desacelerações bruscas podem resultar em lesão raquimedular). A fisioterapia é muito importante e se baseia na realização de exercícios isométricos e dinâmicos (para fortalecer a musculatura periarticular), além de exercícios de relaxamento para manter o condicionamento físico, a postura corporal e o arco de movimento das articulações. Todos os portadores de AR devem receber as vacinas antipneumocócica (a cada cinco anos) e anti-influenza (anualmente). Pacientes candidatos à terapia com drogas hepatotóxicas também devem ser vacinados contra a hepatite B. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO AINE Apesar de não alterarem o curso da doença (não evitam o surgimento de erosões ósseas), os AINE são drogas adjuvantes no tratamento sintomático da AR, promovendo analgesia e desinfla​mação imediata do tecido osteoarticular. Seu uso em longo prazo deve ser evitado, devido à grande probabilidade de efeitos colaterais potencialmente graves (ex.: gastro e nefrotoxicidade, além de aumento no risco cardiovascular). GLICOCORTICOIDES Glicocorticoides em doses "baixas" a "intermediárias" (prednisona ≤ 7,5 mg/dia, ou > 7,5 e ≤ 30 mg/dia, respectivamente) fornecem rápido alívio sintomático na maioria dos pacientes, sendo considerados úteis como "ponte" até o início de ação das DARMD (o que leva de semanas a meses). Também são úteis, por curtos períodos, para o controle dos surtos agudos de atividade da doença (os chamados flares) em pacientes que já vinham em uso de uma DARMD. Atualmente sabemos que, em longo prazo, essas doses de glicocorticoides também são capazes de retardar a progressão das erosões ósseas! No entanto, assim como acontece com os AINE, seu uso prolongado deve ser evitado, pois a ocorrência de efeitos colaterais é essencialmente inevitável. Infelizmente, alguns doentes (não respondedores às DARMD) de fato necessitam manter doses baixas de prednisona como parte essencial de seu esquema terapêutico... No caso de manifestações sistêmicas graves, com risco iminente de morte (ex.: vasculite necrosante), a pulsoterapia com altas doses de metilprednisolona torna-se necessária. Esta abordagem consegue melhorar os sintomas enquanto as DARMD são iniciadas ou têm suas doses otimizadas. Injeções intra-articulares de glicocorticoides "de depósito" (ex.: triancinolona) são indicadas nos casos de artrite limitada a poucas articulações (ex.: persistência de atividade inflamatória em apenas um joelho). Contudo, é importante salientar a necessidade de se descartar artrite séptica antes de ministrar corticoides por esta via... Estude as principais orientações para o emprego de Glicocorticoides (GC) na AR: Evitar o uso de GC sem o uso de uma DARMD. A doença articular raramente necessita de uma dose ≥ 10 mg/dia de prednisona ou equivalente. Tentar utilizar a menor dose possível. Usar a terapia como "ponte" até que as DARMD iniciem seus efeitos. Profilaxia da osteoporose (se doses ≥ 5 mg/dia de prednisona ou equivalente, por ≥ 3 meses, fazer bisfosfonado + cálcio + vitamina D). DARMD CONVENCIONAIS O grupo das DARMD "convencionais" inclui substâncias quimicamente distintas, que apresentam em comum a propriedade de atrasar ou evitar a progressão das lesões estruturais induzidas pela AR... Diversas drogas fazem parte deste grupo, porém a DARMD de primeira escolha é o Metotrexato (MTX). As DARMD convencionais possuem efeitos anti-inflamatórios e analgésicos diretos mínimos, e demoram de 6 a 12 semanas para alcançar seu benefício terapêutico, justificando o uso concomitante de AINE ou glicocorticoides para alívio imediato dos sintomas. A melhora clínica com essas drogas, observada em até 2/3 dos pacientes, geralmente se acompanha de melhora sorológica e radiológica. MEMORIZAR DARMD convencionais utilizadas na terapêutica da AR. Metotrexato (primeira escolha). Leflunomida. Cloroquina e hidroxicloroquina. Sulfassalazina. DARMD pouco utilizadas nos dias de hoje (maior toxicidade e eficácia inconsistente nos estudos): sais de ouro, D-penicilamina e minociclina. A ausência de resposta, ou o desenvolvimento de toxicidade a uma determinada DARMD, não contraindicam a classe como um todo. Em tais casos, ainda é possível obter sucesso terapêutico simplesmente trocando uma DARMD por outra... Até o momento, não há como predizer a resposta clínica à determinada droga! METOTREXATO (HYTAS®) Como vimos, o MTX é a DARMD de primeira escolha no tratamento da AR, devido a sua comprovada eficácia e segurança, além de um início de ação relativamente mais rápido que o das demais DARMD. Seu mecanismo farmacológico é a inibição da enzima di-hidrofolato redutase, o que interfere no metabolismo de purinas e pirimidinas nas células do sistema imune. A maneira pela qual este fenômeno se traduz em redução da atividade da AR, no entanto, ainda não foi completamente esclarecida. Outras vantagens do MTX incluem seu baixo custo, possibilidade de escalonamento da dose e associação com qualquer outra DARMD, tanto "convencional" quanto "biológica" (ver adiante) – desse modo, o MTX é considerado a droga "âncora" nos esquemas de associação!!! Seus principais efeitos adversos são: estomatite (mucosite), intolerância gastrointestinal, hepatotoxicidade (incluindo fibrose hepática), nefrotoxicidade (em altas doses), pneumonite por hipersensibilidade e mielotoxicidade. O risco de infecções, particularmente herpes-zóster, está aumentado em usuários de MTX. A suplementação com ácido fólico (1 mg/dia ou 5 mg/semana) ou ácido folínico (2 mg/semana) reduz a toxicidade do MTX sem interferir, aparentemente, em sua eficácia! O MTX é contraindicado na gravidez (teratogênico), sendo que mulheres em idade fértil devem utilizar um método anticoncepcional seguro. Antes de se iniciar o tratamento, é recomendável pesquisar a existência de infecção crônica por HBV e HCV, além de avaliar função renal, hemograma e hepatograma, e realizar um RX de tórax (exames que servirão de "base" para comparações futuras). Hemograma, hepatograma e função renal devem ser monitorados a cada 2-3 meses. Uma elevação persistente das aminotransferases, ou hipoalbuminemia, demanda a realização de biópsia hepática para avaliar a presença de fibrose hepática induzida por MTX. A dose inicial é de 7,5 mg/semana (via oral) com incrementos semanais de 2,5 mg, caso não haja resposta após quatro semanas. A dose máxima é de 25 mg/semana, sendo que em doses elevadas o MTX pode ser ministrado por via SC ou IM, a fim de se reduzir a toxicidade gastrointestinal. LEFLUNOMIDA (ARAVA®) A leflunomida é um inibidor da síntese de pirimidinas, exercendo um efeito imunomodulatório ainda pouco compreendido sobre as células do sistema imune. Sua eficácia e início de ação parecem semelhantes aos do metotrexato, sendo capaz de retardar a progressão radiológica da doença, melhorando os sintomas e a capacidade funcional do paciente. Pode ser indicada como monoterapia ou em esquemas de associação, na dose de 10-20 mg/dia (via oral). Apesar de um perfil igualmente favorável, a literatura preconiza o MTX como droga de primeira escolha... A diarreia é seu principal efeito colateral, mas o uso de leflunomida também pode causar alopecia, leucopenia, hepatotoxicidade, HAS e neuropatia periférica. Assim como no caso do MTX, antes de se iniciar o tratamento é recomendável avaliar a presença de infecção por HBV e HCV, além de solicitar hemograma, hepatograma e função renal. O monitoramento laboratorial também é feito a cada 2-3 meses. Devido a sua longa meia-vida e potencial teratogênico, é contraindicada durante a gestação, sendo que mulheres que desejem engravidar devem ter os níveis séricos de leflunomida dosados antes da concepção, mesmo que a droga tenha sido suspensa há alguns anos... A colestiramina pode ser útil na remoção da leflunomida do organismo! CLOROQUINA E HIDROXICLOROQUINA Estes antimaláricos possuem efeito imunomodulatório, porém o mecanismo de ação é largamente desconhecido. Em monoterapia, sua eficácia é inferior à do MTX e da leflunomida, mas, devido a sua menor toxicidade e boa tolerabilidade, muitos autores consideram que pacientes com AR "leve" e "precoce" podem iniciar o tratamento com antimaláricos em monoterapia! O paraefeito mais grave é a toxicidade retiniana, uma complicação dose-dependente que tende a ser menos frequente com a hidroxicloroquina (que, por isso, é o antimalárico de escolha). Deve-se realizar uma avaliação oftalmológica basal antes de iniciar o tratamento, repetindo-a, daí em diante, de 6/6 meses ou anualmente. Alterações retinianas iniciais podem ser revertidas após a suspensão da droga... Outros efeitos colaterais comuns são: intolerância gastrointestinal e hiperpigmentação cutânea. As doses são: 200-400 mg/dia para hidroxicloroquina e 250 mg/dia para a cloroquina. Hoje sabemos que os antimaláricos, na realidade, NÃO reduzem a progressão das erosões ósseas. Logo, apesar de ainda serem classificados dentro deste grupo, não representam DARMD verdadeiras! Como vimos, a hidroxicloroquina atualmente é empregada em monoterapia somente nos casos de AR leve e precoce, ou então como terceira droga no esquema de associação "MTX + hidroxicloroquina + sulfassalazina", que representa uma das opções para os casos refratários ao MTX isolado. SULFASSALAZINA (AZULFIN®) Trata-se de um composto formado pela associação de sulfapiridina + ácido 5-aminossalicílico (5-ASA). Apenas 10-20% da droga é absorvida intacta pela mucosa intestinal, sendo o restante metabolizado por bactérias colônicas, liberando sulfapiridina e 5-ASA isolados... Este último parece ser o princípio ativo no tratamento da colite ulcerativa (ação tópica). Por outro lado, acredita-se que a sulfapiridina (ou a própria sulfassalazina intacta) seja a substância ativa na AR! O mecanismo de ação é desconhecido... A dose vai de 0,5-3 g/dia (dividida em duas tomadas), pela via oral. A sulfassalazina é utilizada em combinação a outras DARMD, como no esquema que associa MTX + hidroxicloroquina + sulfassalazina, em pacientes refratários ao MTX isolado. Os efeitos adversos mais comuns são: hipersensibilidade à sulfa, cefaleia e intolerância gastrointestinal. Granulocitopenia (com aumento no risco de infecções bacterianas) e anemia hemolítica (em portadores de deficiência de G6PD) são paraefeitos raros e graves. Antes de iniciar o tratamento recomenda-se pesquisar deficiência de G6PD, bem como realizar hemograma e hepatograma de base. O hemograma deve ser monitorado a cada 2-4 semanas, nos primeiros três meses de tratamento, devendo ser revisto a cada três meses daí em diante. Ao contrário do que tem sido constatado em relação aos antimaláricos, a sulfassalazina é sim uma DARMD verdadeira, pois comprovadamente reduz a progressão radiográfica das erosões ósseas associadas à AR. DARMD MENOS UTILIZADAS NA ATUALIDADE Sais de ouro. O ouro oxidado, ligado ao radical sulfidrila, exerce efeito imunomodulador. O mecanismo de ação é desconhecido, mas acredita-se que sais como o aurotiomalato se liguem ao DNA, inibindo a transcrição de genes relacionados à resposta imune... As formas injetáveis são o aurotiomalato e a aurotioglicose. A dose é de 10-50 mg IM 1x/semana, até completar a dose cumulativa de 1 g (geralmente em seis meses). O sal de ouro oral é a auranofina, na dose de 3 mg VO 12/12h. O benefício terapêutico é lento, demorando entre 3-6 meses. Os principais efeitos adversos são: intolerância gastrointestinal, dermatite, glomerulopatia (membranosa) e mielotoxicidade. D-penicilamina. Trata-se de um quelante de metais com ação imunomoduladora por mecanismos desconhecidos. Já foi a segunda droga mais utilizada no tratamento da AR, mas, nos dias de hoje, só é utilizada, basicamente, na doença de Wilson. Sua dose para AR varia de 250 a 750 mg/dia VO. É bastante teratogênica e contraindicada na gestação. Minociclina. Evidências inconsistentes mostram que a dose de 100 mg 2x/dia pode ser efetiva no tratamento da AR, principalmente em fases iniciais da doença. Pode levar à hiperpigmentação cutânea se usada por longos períodos (> 2 anos). DARMD BIOLÓGICAS A melhor compreensão da rede de citocinas envolvida no processo patogênico da artrite reumatoide permitiu o desenvolvimento de uma classe de fármacos que revolucionou o tratamento dessa doença na última década: as DARMD "biológicas", proteínas recombinantes (sintetizadas por engenharia genética), capazes de neutralizar citocinas solúveis específicas ou seus receptores... Os agentes anti-TNF-alfa foram os primeiros biológicos aprovados para uso clínico. Atualmente, dispomos também de bloqueadores do receptor de IL-1, bloqueadores do receptor de IL-6, análogos do CTLA-4 (inibidor de linfócitos T) e neutralizadores do CD 20 (marcador de superfície de linfócitos B). Vamos ver agora os principais conceitos acerca de cada uma dessas medicações. AGENTES ANTI-TNF-ALFA Existem cinco drogas nesta classe. Três são anticorpos monoclonais que neutralizam o TNF-alfa circulante: 1. Infliximabe (Remicade®) – imunoglobulina "quimérica" (subunidades humanas e de ratos); 2. Adalimumabe (Humira®) – imunoglobulina totalmente humanizada; 3. Golimumabe (Simponi®) – imunoglobulina totalmente humanizada. O certolizumabe pegol (Cimzia®) é composto por fragmentos Fab isolados (porção dos anticorpos que se liga aos antígenos), derivados de imunoglobulinas monoclonais humanizadas, que também neutralizam o TNF-alfa circulante. Esses fragmentos são peguilados, isto é, submetidos a um processo de polimerização artificial (através de ligação ao PEG, ou polietilenoglicol). Já o etanercepte (Enbrel®) é uma "proteína de fusão" formada pela ligação covalente entre o receptor de TNF-alfa e a porção Fc das IgG (Fc = Fração constante, aquela reconhecida por células fagocíticas do sistema reticuloendotelial). Este último fármaco também neutraliza o TNF-alfa solúvel, aumentado seu clearance da circulação. Todos os agentes anti-TNF-alfa são eficazes em controlar os sinais e sintomas de inflamação articular, e comprovadamente reduzem a progressão radiográfica da doença, melhorando a funcionalidade e a qualidade de vida do paciente. Podem ser usados em monoterapia (ex.: intolerância às DARMD convencionais), mas seu emprego preferencial é nos esquemas de associação (ex.: MTX + agente anti-TNF-alfa). Idealmente, sempre que possível, seu acréscimo ao MTX deveria ser o próximo passo quando da falência ao tratamento com MTX isolado... O grande efeito adverso dos agentes anti-TNF-alfa é o surgimento de infecções oportunistas, com destaque para infecções fúngicas invasivas e, principalmente, reativação da tuberculose latente. Em vista desta última possibilidade, é mandatório submeter o paciente à prova tuberculínica (antigo "PPD") antes de começar o tratamento. Diante de uma PT > 5 mm devemos: (1) investigar a presença de TB "ativa"; (2) tratar a TB ativa, se for o caso; e (3) em pacientes sem indícios de TB ativa, tratar a ILTB (Infecção Latente por Tuberculose) com isoniazida por seis meses... Outro efeito colateral clássico é a indução de anticorpos anti-DNA, o que raramente se associa ao surgimento de lúpus eritematoso sistêmico. Video_05_Reu1 Jamais devemos associar dois agentes anti-TNF-alfa ao mesmo tempo! O risco de infecções fulminantes é extremamente elevado com esta conduta. De um modo geral, pelo mesmo motivo, também não devemos associar outras DARMD biológicas em pacientes que já estejam em uso de um agente anti-TNF-alfa. BLOQUEADORES DO RECEPTOR DE IL-1 A substância dentro deste grupo aprovada para uso clínico se chama anakinra (Kineret®). Trata-se da forma recombinante de um antagonista natural do receptor de IL- 1... Atualmente, seu emprego no tratamento da AR foi bastante reduzido, tendo em vista que estudos randomizados demonstraram benefício terapêutico modesto, na melhor das hipóteses, e nitidamente inferior ao dos agentes anti-TNF-alfa! Contudo, existem certas doenças autoimunes em que a IL-1 parece ser a principal citocina patogênica e, nestas entidades, o anakinra é uma droga bastante eficaz... Citamos como exemplo: doença inflamatória multissistêmica neonatal, síndrome de Muckle- Wells, urticária familiar "fria" e doença de Still. Antes de prescrever anakinra, também devemos realizar a prova tuberculínica. BLOQUEADORES DO RECEPTOR DE IL-6 O tocilizumabe (Actemra®) é um anticorpo monoclonal humanizado que se liga ao receptor de IL-6, bloqueando-o. Assim como o TNF-alfa, a IL-6 parece ser particularmente importante no processo patológico da AR... Pode ser usado tanto em monoterapia (ex.: intolerância às DARMD convencionais e aos agentes anti-TNF-alfa) como em esquemas de associação (ex.: MTX + tocilizumabe). Seus principais efeitos adversos são: aumento no risco de infecções, neutropenia, trombocitopenia e aumento do LDL colesterol. Antes de prescrever tocilizumabe, também devemos realizar a prova tuberculínica. ANÁLOGOS DO CTLA-4 O abatacepte (Orencia®) é uma "proteína de fusão" formada pela ligação covalente entre uma parte do CTLA-4 (inibidor de linfócitos T) e uma parte da molécula de IgG... Na resposta imune normal, o CD28 encontrado na superfície de linfócitos T se liga às moléculas CD80 e CD86, encontradas na superfície de células apresentadoras de antígenos. Esta ligação promove uma coestimulação recíproca entre linfócitos T e células apresentadoras de antígenos. O CTLA-4, uma molécula naturalmente expressa na superfície de linfócitos T inibitórios, mimetiza o CD28 e neutraliza o CD80 e o CD86, modulando o processo de estimulação recíproca entre o linfócito T e a célula apresentadora de antígenos... Logo, o abatacepte interfere nos passos iniciais da resposta imune "celular"... Foi aprovado como droga de associação ao MTX ou à leflunomida, em casos refratários à monoterapia com estes últimos. Comprovadamente reduz a atividade de doença, bem como atrasa o surgimento de erosões ósseas em portadores de AR. De um modo geral é bem tolerado, sendo seu principal efeito adverso um risco aumentado de infecções. Antes de prescrevê-lo, também devemos realizar a prova tuberculínica. NEUTRALIZADORES DO CD20 O rituximabe (Mabthera®) é um anticorpo monoclonal "quimérico" que se liga a um marcador de superfície encontrado especificamente em linfócitos B maduros (a molécula CD20). A ligação do rituximabe ao seu alvo promove depleção de linfócitos B, o que se associa a uma redução da resposta inflamatória por mecanismos ainda pouco compreendidos... O rituximabe foi aprovado como droga de associação ao MTX em pacientes refratários à terapêutica isolada com este último, e que também não responderam a dois agentes anti-TNF-alfa (mais detalhes adiante, em "Guidelines"). Sabe-se que seus efeitos terapêuticos são maiores em pacientes com fator reumatoide positivo, em comparação aos "soronegativos". Os efeitos adversos mais frequentes são reações leves/moderadas durante a infusão, mas a grande preocupação é com o risco de leucoencefalopatia multifocal progressiva (infecção desmielinizante do SNC causada pelo vírus JC). No entanto, o risco absoluto de LMP parece baixo nos portadores de AR de um modo geral, se o paciente já foi exposto a outras drogas imunossupressoras potentes... Não se orienta a realização de prova tuberculínica antes do uso de rituximabe! "PEQUENAS MOLÉCULAS INIBIDORAS" O mais recente acréscimo ao armamentário terapêutico contra a AR consiste de pequenas moléculas de uso oral, que inibem vias de sinalização intracelular ativadas pela estimulação de receptores de citocinas pró-inflamatórias. Tais drogas promovem a inibição de células imunes, como os linfócitos B e T. Um fármaco deste grupo já aprovado para a AR refratária aos biológicos padrão é o tofacitinibe (Xeljanz®), um inibidor seletivo das isoformas 1 e 3 da enzima Janus Kinase (JAK1 e JAK3). Tais enzimas são imprescindíveis para o efeito de mediadores como IL-2, -4, -7, -9, -15 e -21, bem como IFN-gama e IL-6. Seus principais efeitos colaterais são: aumento de infecções, hepato e nefrotoxicidade, neutropenia e hipercolesterolemia. IMUNOSSUPRESSORES Desde o advento das DARMD biológicas, imunossupressores como azatioprina, ciclofosfamida, ciclosporina e clorambucil não têm sido mais empregados no tratamento da artrite reumatoide. GUIDELINES PARA O TRATAMENTO DA AR Tanto o ACR quanto a EULAR publicaram recomendações para o tratamento da AR. Segundo essas entidades, a estratégia atual deve se pautar na duração e na gravidade dos sintomas. Por definição, considera-se como doença precoce aquela que teve início há < 6 meses, e como doença persistente aquela ainda presente após seis meses do início do tratamento... Em relação à gravidade, a AR pode ser classificada como leve, moderada ou grave, valendo-se de parâmetros clínicos, laboratoriais e radiográficos. Observe a Tabela 6, que resume os referidos guidelines. Tab. 5 Observações: (1) O paciente sempre deve ser reavaliado 3-5 semanas após o início do tratamento, para verificar a resposta terapêutica e a ocorrência de efeitos adversos. (2) A leflunamida pode ser usada no lugar do MTX em pacientes intolerantes a este último. (3) Na ausência de resposta ao esquema inicial, podemos lançar mão de: (A) esquema triplo, isto é, MTX + hidroxicloroquina + sulfassalazina; (B) MTX + leflunamida; (C) MTX ou leflunamida + biológico, com preferência pelos agentes anti-TNF. (4) Em pacientes que não respondem a um agente anti-TNF, recomenda-se trocar por um agente anti-TNF diferente, em vez de trocar o tipo de DARMD biológica. (5) Em pacientes que não respondem ao MTX/leflunamida e a DOIS agentes anti-TNF, recomenda-se fazer MTX ou leflunamida + abatacepte ou rituximabe. TERAPIA CIRÚRGICA Em portadores de AR avançada, que apresentam dor articular intratável ou deformidades incapacitantes, a cirurgia pode trazer grandes benefícios... A sinovectomia e a tenossinovectomia, com ressecção de proeminências ósseas potencialmente lesivas aos tendões, são indicadas com o intuito de aliviar a dor articular intratável nas articulações do punho, cotovelo e metacarpofalangianas. A artrodese (fusão articular) é indicada para corrigir a subluxação atlantoaxial grave, bem como para aliviar a dor e/ou proporcionar estabilidade em articulações como punho, metatarsofalangianas, talocrural e talocalcaneonavicular. A sinovectomia não retarda a destruição óssea, tampouco a evolução natural da doença, embora possa fornecer alívio dos sintomas em curto prazo. Outras abordagens são as artroplastias totais, através do emprego de próteses articulares (quadril, joelho, ombro e cotovelo). Tendões rompidos podem ser reconstruídos... A programação cirúrgica deve levar em conta a capacidade funcional geral do paciente, isto é, a cirurgia deve realmente permitir a execução de tarefas antes impossíveis (ex.: deambular). Caso não se tenha esta perspectiva, não há motivo para submeter o paciente ao risco desses procedimentos... SÍNDROME DE FELTY A síndrome de Felty é classicamente definida pelo surgimento, em portadores de AR, de esplenomegalia + neutropenia (contagem absoluta de neutrófilos < 2.000/ µl). Alguns casos também cursam com anemia, trombocitopenia, febre, hepatomegalia e adenomegalia. Essa síndrome costuma ocorrer em fases mais tardias da artrite reumatoide, no contexto de uma doença erosiva associada a altos títulos de fator reumatoide/anti-CCP, além de outras manifestações extra-articulares. O risco de desenvolver Felty sempre foi estimado em torno de 1%. No entanto, estudos recentes demonstram que a incidência desta complicação vem caindo nos últimos anos, fato provavelmente relacionado a um melhor controle da artrite reumatoide com as novas drogas disponíveis. Infecções bacterianas recorrentes representam o principal problema clínico, com predomínio das infecções respiratórias e cutâneas causadas por patógenos habituais. O risco de infecção é diretamente proporcional ao grau de neutropenia, e a presença dos seguintes fatores aumenta ainda mais esse risco: (1) úlceras cutâneas; (2) uso de glicocorticoides; (3) altos índices de atividade da doença. SAIBA MAIS… Apesar da descrição original de Felty consistir numa "tríade" (AR + neutropenia + esplenomegalia), hoje sabemos que a ESPLENOMEGALIA pode estar ausente em até 10% dos casos! Num paciente com AR de longa data, associada a altos títulos de FR/ anti-CCP, que apresenta múltiplas manifestações extra-articulares e que cursa com neutropenia persistente associada a infecções bacterianas de repetição, o diagnóstico de síndrome de Felty deve ser considerado independentemente do tamanho do baço... Acredita-se que o mecanismo da neutropenia seja multifatorial, envolvendo um ou mais dos seguintes fatores: 1. Fagocitose (no baço) de neutrófilos opsonizados por anticorpos antineutrófilo; 2. Aumento da adesão de neutrófilos à parede vascular (fenômeno da "marginação"); 3. Parada de maturação da série granulocítica na medula óssea; 4. Ação de linfócitos citotóxicos na medula óssea, destruindo os neutrófilos recém-formados; 5. Autoanticorpos contra o GM-CSF (fator de crescimento de granulócitos/macrófagos). O esfregaço de sangue periférico é essencial na suspeita de Felty: alguns pacientes apresentam predomínio de linfócitos granulares e de tamanho aumentado, tendo como "pano de fundo" uma ausência quase total de neutrófilos... Esta condição é conhecida como síndrome dos grandes linfócitos granulares e se acredita que seja uma variante da leucemia de células T. No contexto da AR, ela possui prognóstico razoável e pode responder à terapia com metotrexato. O tratamento da síndrome de Felty consiste na administração de DARMD, com o objetivo de melhorar a neutropenia. A droga de escolha é o metotrexato. Em caso de refratariedade a segunda escolha recai sobre os glicocorticoides, devendo-se ter o cuidado de não administrar tais drogas na vigência de franca infecção... Os sais de ouro são citados como especificamente úteis na síndrome de Felty, porém, são inferiores ao MTX no tratamento da AR, e podem causar mielotoxicidade. Se houver refratariedade medicamentosa e história de infecções recorrentes, está indicada a esplenectomia. Os análogos do GM-CSF (ex.: Granulokine®) são reservados para as bacteremias refratárias ou ameaçadoras à vida, bem como no preparo pré-operatório antes da esplenectomia. A ARTRITE "IDIOPÁTICA" JUVENIL INTRODUÇÃO O termo Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) se refere a um grupo heterogêneo de doenças características da infância que têm a artrite crônica (aquela com duração ≥ 6 semanas) como manifestação essencial. A exata etiopatogenia das diferentes formas de AIJ é desconhecida, porém, múltiplas linhas de evidência corroboram a noção de que a gênese de todas elas necessita da interação entre fatores de predisposição genética (ex.: certos alelos do HLA) e fatores ambientais desencadeantes (ex.: certas infecções virais e bacterianas). Cumpre ressaltar que a AIJ, enquanto grupo, representa a doença reumática mais comum da infância, além de ser uma das principais doenças crônicas em pediatria...

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