A Gestão Democrática na Legislação Educacional Nacional: Avanços, Problemas e Perspectivas - PDF

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Silvio Cesar Nunes Militão, Luciane Silva da Costa Militão

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gestão democrática legislação educacional educação nacional política educacional

Summary

Este artigo analisa as proposições significativas sobre gestão democrática na legislação educacional brasileira pós-1988. A pesquisa qualitativa aponta para a constante postergação da sua efetivação, deixando as formulações sobre regulação/implantação aos sistemas estaduais e municipais de ensino.

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ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 A gestão democrática na legislação educacional nacional: avanços, problemas e perspectivas...

ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 A gestão democrática na legislação educacional nacional: avanços, problemas e perspectivas Silvio Cesar Nunes Militão1 Luciane Silva da Costa Militão2 Resumo Este artigo objetivou analisar as proposições mais significativas relativas à gestão democrática inscritas no conjunto normativo legal educacional nacional editado após o advento da Carta Magna de 1988, a fim de desvelar avanços, problemas e perspectivas para a materialização do referido princípio constitucional nas escolas brasileiras. A pesquisa, de natureza qualitativa, valeu-se de levantamento e análise bibliográfica e documental acerca da temática em questão. Os resultados da pesquisa apontam para uma constante postergação da efetivação da gestão democrática mediante a estratégia de deixar a cargo dos sistemas estaduais e municipais de ensino as formulações concernentes à sua regulação/implantação. Palavras-chave: Gestão democrática; Legislação educacional; Plano Nacional de Educação. Democratic management in national educational legislation: advances, problems and perspectives Abstract This article aims at analyzing the most significant proposals related to democratic management included in the national legal educational legal framework published after the advent of the 1988 Constitution, in order to unveil advances, problems and perspectives for the materialization of this constitutional principle in Brazilian schools. The research, of a qualitative nature, was based on a survey and bibliographic and documentary analysis about the subject matter. The results of the research point to a constant postponement of the effectiveness of democratic management through the strategy of leaving to the state and municipal education systems the formulations concerning their regulation/implementation. Keywords: Democratic management; Educational legislation; National Education Plan. Introdução Até o advento da Constituição Federal de 1988, promulgada em 5 de outubro, o princípio da gestão democrática do ensino público nunca esteve formalizado em nenhuma outra Carta Magna. O princípio da gestão democrática do ensino público, com status constitucional, é fruto de uma paciente e persistente luta dos movimentos sociais e dos educadores pela democratização da sociedade e da escola pública brasileiras. 1 Unesp. Marília. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 EMEF “Profª Edméa Braz Rojo Sola”. Marília. Endereço eletrônico: [email protected]. Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 Conforme aponta Cury (2002, p.166): O golpe de 1964 trouxe consigo a interrupção da gravidez de muitas promessas de democratização social e política em gestação, inclusive da educação escolar e popular no Brasil. O regime militar, por sua forma política de se instalar e de ser, acabou por instaurar, dentro do campo educacional, em comando (gestão?) autoritários de mandamentos legais os quais, por sua vez, se baseavam mais no direito da força do que na força do direito. O temor, a obediência e o dever suplantaram o respeito, o diálogo e o direito. A resistência e contestação ao regime militar por parte da sociedade civil brasileira, que contou com ampla participação de movimentos sociais e do professorado, “foi capaz de derrubar a ordem autoritária e de criar um novo ordenamento jurídico nacional em bases democráticas” (CURY, 2002, p.166). A derrubada do regime militar e a decorrente retomada da democracia foram coroadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – conhecida também como “Constituição Cidadã” – que consagrou o Estado Democrático de Direito como novo regime e estabeleceu a “reconquista de espaços políticos que a sociedade civil brasileira havia perdido” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p.138) durante a vigência da ditadura. No que se refere à educação, especificamente, “[...] não se pode dizer que a Constituição Federal [de 1988] não haja incorporado em seu texto os clamores dos educadores que, exigindo a democratização da sociedade e da escola pública brasileiras, buscaram traduzi-los em preceitos legais” (CURY, 1997, p.199). Prova clara disso é que “a gestão democrática da educação, reivindicada pelos movimentos sociais durante o período da ditadura militar, tornou-se um dos princípios da educação na Constituição Brasileira de 1988 [...]” (BASTOS, 2002, p.7). Embora o princípio da gestão democrática figure-se há praticamente três decênios no ordenamento legal educacional nacional, o modelo de gestão escolar que ainda predomina em boa parte das escolas públicas brasileiras é o técnico-científico – ou burocrático (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003; LUCK, 2006; PARO, 1997; SANTOS, 2002). No modelo em questão, a organização escolar é tomada como uma realidade objetiva, Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 neutra, técnica, que funciona racionalmente e, por esta razão, pode ser planejada, organizada e controlada, a fim de alcançar maiores índices de eficácia e eficiência (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003). O modelo técnico-científico de gestão escolar fundamenta-se na hierarquia de funções, na centralização das decisões, nas regras e nos procedimentos administrativos, dando mais ênfase às tarefas do que às pessoas. Trata-se de um modelo que valoriza o poder e a autoridade (exercidos unilateralmente) e enfatiza relações de subordinação, retirando (ou diminuindo nelas) a faculdade de pensar e decidir sobre seu trabalho. As escolas que operam com o modelo técnico-científico de gestão escolar, via de regra, apresentam: decisões centralizadoras no diretor (único responsável pelo êxito das ações do grupo sob seu comando); baixo grau de participação das pessoas (professores, alunos, funcionários, pais); falta de espírito de equipe; ausência de trabalho coletivo; entre outras características. Em contraposição ao modelo descrito anteriormente, tem-se a concepção democrático- participativa de gestão escolar, apontada pelos pesquisadores e estudiosos do tema como a mais profícua para assegurar o bom funcionamento da escola e da sala de aula, tendo em vista a aprendizagem dos alunos, bem como para democratizar a educação e a escola. A concepção democrático-participativa parte do pressuposto de que a escola não é uma estrutura totalmente objetiva, neutra e independente das pessoas. Ao contrário, ela depende muito das experiências subjetivas dos envolvidos e de suas interações sociais, uma vez que é uma construção social levada a efeito pelos professores, alunos, pais, funcionários e integrantes da comunidade. Portanto, defende a necessidade de se enfatizar tanto as tarefas quanto as relações humanas para atingir com êxito os objetivos da escola (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003). A participação, o diálogo e a discussão são características inerentes à concepção democrático-participativa, a qual se baseia numa forma coletiva de gestão em que as decisões são tomadas por todos e não por uma só pessoa. Há de se considerar, contudo, que a gestão democrático-participativa não significa Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 ausência de responsabilidades e de direção. Assim, uma vez tomadas as decisões coletivamente, é preciso que cada membro da equipe assuma sua parte no trabalho e que haja, também, uma ação coordenada e controlada por parte da direção para operacionalização das deliberações. É o que Libâneo, Oliveira e Toschi (2003) chamam de “gestão da participação”. É por isso que a concepção democrático-participativa também: Valoriza os elementos internos do processo organizacional – o planejamento, a organização, a direção, a avaliação – uma vez que não basta a tomada de decisões, mas é preciso que elas sejam postas em prática para prover as melhores condições de viabilização do processo de ensino/aprendizagem (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p.326). Em face do exposto, o presente trabalho visa apresentar e analisar as proposições mais significativas referentes à gestão democrática, inscritas no conjunto normativo das leis que regem a educação nacional, editado após o advento da Carta Magna de 1988 (LDB/96, PNE I/2001 e PNE II/2014), a fim de desvelar avanços, problemas e perspectivas para a materialização da gestão democrática nas escolas brasileiras. Para tanto, este estudo – de natureza qualitativa – ancora-se em levantamento e análise bibliográfica e documental acerca da temática em questão. Gestão democrática escolar: marcos legais em análise Na área educacional, certamente, um dos maiores avanços estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 foi a garantia da gestão democrática do ensino público. O artigo 206 da Constituição vigente expressa princípios inerentes à transmissão do ensino nas redes escolares, viabilizando a adoção de critérios para a participação da população dentro das unidades escolares. Ineditamente, a Carta Magna de 1988 dispõe que: Art. 206 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 I – igualdade de condições para acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988, grifo nosso). Como se pode notar, o princípio da gestão democrática do ensino público recebeu formalização mediante o inciso VI, do artigo 2006, da Constituição Federal de 1988. Sem dúvida, é um grande avanço ter na letra da Lei Maior – a Constituição Federal – o princípio da gestão democrática. No entanto, é fundamental não perder de vista que “[...] a garantia de um artigo constitucional que estabelece a gestão democrática não é suficiente para sua efetivação” (OLIVEIRA, 2007, p.95). O princípio em pauta, posto constitucionalmente, é ratificado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), promulgada em 20 de dezembro de 1996 pelo, à época, Presidente Fernando Henrique Cardoso, reforçando o que já fora posto na Carta Magna. No artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96) estão elencados 11 incisos, sendo oito deles cópia exata dos dispositivos constitucionais neles indicados. Art. 3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 X – valorização da experiência extra-escolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996, grifo nosso). Tal qual a Constituição Federal de 1988, a LDB/96 determina que um dos princípios que deve reger o ensino público no país é o da gestão democrática, garantindo a qualidade em todos os níveis, tornando possível, assim, formar pessoas críticas e participativas. Mas, além de restringir o alcance do princípio da gestão democrática apenas ao ensino público, a LDB/96 – que deveria regulamentar tal princípio constitucional – acaba por postergar a sua efetivação ao remeter para os sistemas de ensino tal tarefa, mediante o emprego das expressões “na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino” (BRANDÃO, 2007, p.25- 26). Também ineditamente, a LDB/96 vem dispensar particular atenção à gestão escolar, detalhando suas incumbências no artigo 12: Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica (BRASIL, 1996). Segundo a LDB (BRASIL, 1996), a elaboração e posterior execução de uma proposta pedagógica (ou projeto político-pedagógico, como é mais conhecida) é a primeira e principal das atribuições da escola, devendo sua gestão orientar-se para tal finalidade. A proposta pedagógica é o norte da escola, definindo caminhos e rumos que determinada comunidade busca para si e para aqueles que se agregam em seu entorno. Cabe à escola, como salienta Vieira (2006), gerir seu patrimônio imaterial (pessoas, ideias e cultura produzida no se interior) e material (prédio, Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 instalações, equipamentos, laboratórios, livros etc.). Para a autora supracitada, além dessas atribuições e acima de qualquer outra dimensão, está a incumbência de zelar pelo que constitui a própria razão de ser da escola – o ensino e a aprendizagem. Assim, tanto lhe cabe velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente, como assegurar o cumprimento dos dias letivos e das horas-aulas estabelecidos, assim como prover os meios para a recuperação dos alunos que apresentam menor rendimento. Outra importante dimensão da gestão escolar consiste na relação com a comunidade. Assim, também é papel da escola articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração entre esta e a sociedade e, ao mesmo tempo, informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica (VIEIRA, 2006). Sabe-se que a relação entre comunidade/família e escola, quando realizada de forma efetiva, tem sido um fator determinante para o sucesso do processo educativo. Deste modo, é positivo que a LDB (BRASIL, 1996) acene para o fortalecimento da participação dos usuários na gestão escolar. É preciso, entretanto, estar atento para não se confundir participação nas decisões com participação somente na execução/colaboração financeira (PARO, 1997). No artigo seguinte, a LDB/96 trata das incumbências docentes no âmbito escolar, os quais têm papel fundamental e decisivo no que se refere à efetivação da gestão democrática. Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (BRASIL, 1996). Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 Além dos deveres e das funções que são inerentes à profissão docente (incisos I ao V), o artigo supracitado destaca que cabe ao professor “colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade” (inciso VI), complementando, assim, “[...] a mesma ideia explicitada pelos incisos VI e VII, do art. 12 da LDB. Esses três incisos, quando realizados de forma coordenada, efetivam a integração da escola com as famílias de seus educandos e com a comunidade em que está situada” (BRANDÃO, 2007, p.55-56), o que é indispensável para a consecução de uma legítima gestão democrática escolar. Tendo em vista que das escolas espera-se uma gestão democrática, a LDB/96 estabeleceu, no seu artigo 14, os princípios que devem norteá-la: Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996). Como se depreende da análise dos dois incisos do artigo 14, a LDB/96 renunciou a uma regulamentação mais precisa e inovadora do princípio constitucional da gestão democrática, pois: (I) participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola é algo óbvio demais, “[...] já que seria um total absurdo imaginar-se que a elaboração [de tal projeto...] pudesse dar-se sem a participação dos profissionais da educação” (PARO, 2007, p.74); e (II) participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes apenas reitera “[...] o que já vem ocorrendo na maioria das escolas públicas do país” (PARO, 2007, p.74). Ao instituir uma tímida e óbvia regulamentação do princípio constitucional da gestão democrática, a LDB/96 deixou sob a incumbência de Estados e municípios a decisão de importantes aspectos da gestão escolar, como a própria escolha dos dirigentes escolares. Nesse sentido, ao comentar o artigo 14 da LDB/96, Brandão assim se expressa: Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 O que esse artigo não trata, e que consideramos de fundamental importância quando se fala em gestão democrática do ensino público, seja na educação básica, seja no ensino superior, é da questão das eleições diretas para diretores de escolas. Torna-se impossível acreditar na ideia de ‘gestão democrática do ensino público’ quando, por exemplo, o cargo de diretor de escola é um ‘cargo de confiança’ do Poder Executivo (governadores, prefeitos) e/ou do Poder Legislativo (deputados, vereadores) como tem sido muito comum no Brasil (BRANDÃO, 2007, p. 57). A propósito, a escolha do diretor pela via da eleição direta e com a participação da comunidade tem sido apontada por número considerável de pesquisadores (LIBÂNEO, 2008; LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003; LUCK, 2006; PARO, 1997; 2007) como a forma mais identificada com a democratização da educação e da escola. Cabe lembrar, todavia, que tais pesquisadores já sabem, também, que a eleição do diretor, por si só, não garante a pretendida democratização. Em 9 de janeiro de 2001 foi instituído, no país, o Plano Nacional de Educação (PNE I), aprovado pela Lei n° 10.172, o qual constituiu-se em uma das principais bases normativas da educação brasileira, com metas e diretrizes educacionais para o decênio 2011-2010. O PNE I dedicou uma seção específica para o tratamento das questões relativas ao financiamento e à gestão da educação, elencando 44 metas, das quais 18 estão direcionadas ao financiamento (da 1 a 18) e 26 à gestão (da 19 a 44). Especificamente sobre a questão da gestão democrática, o PNE I institui a meta 22 – “Definir, em cada sistema de ensino, normas de gestão democrática do ensino público, com a participação da comunidade” (BRASIL, 2001). Tal qual a LDB/96, o PNE I trata de maneira muito tímida da temática da gestão democrática, bem como a restringe ao ensino público e remete aos sistemas de ensino a sua posterior definição/regulamentação. Após cerca de quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, em 25 de junho de 2014, a Presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei n° 13.005, que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE II) para o decênio 2014-2024, o qual – construído depois de amplas discussões ocorridas na I Conferência Nacional de Educação (CONAE), em 2010 – possui 20 metas para todos Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 os níveis e modalidades de ensino a serem alcançadas até o final de 2024, com o objetivo geral de melhorar a qualidade e a oferta da educação brasileira. O novo Plano Nacional de Educação, assim como o antigo (PNE I), também dedica meta exclusiva referente à gestão democrática, acompanhada de oito estratégias para a sua consecução. Textualmente: Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto. Estratégias: 19.1) priorizar o repasse de transferências voluntárias da União na área da educação para os entes federados que tenham aprovado legislação específica que regulamente a matéria na área de sua abrangência, respeitando-se a legislação nacional, e que considere, conjuntamente, para a nomeação dos diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a participação da comunidade escolar; 19.2) ampliar os programas de apoio e formação aos(às) conselheiros(as) dos conselhos de acompanhamento e controle social do Fundeb, dos conselhos de alimentação escolar, dos conselhos regionais e de outros e aos(às) representantes educacionais em demais conselhos de acompanhamento de políticas públicas, garantindo a esses colegiados recursos financeiros, espaço físico adequado, equipamentos e meios de transporte para visitas à rede escolar, com vistas ao bom desempenho de suas funções; 19.3) incentivar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a constituírem Fóruns Permanentes de Educação, com o intuito de coordenar as conferências municipais, estaduais e distrital bem como efetuar o acompanhamento da execução deste PNE e dos seus planos de educação; 19.4) estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se- lhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representações; 19.5) estimular a constituição e o fortalecimento de conselhos escolares e conselhos municipais de educação, como instrumentos de participação e fiscalização na gestão escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação de conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento autônomo; 19.6) estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos(as) e seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares, Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares; 19.7) favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino; 19.8) desenvolver programas de formação de diretores e gestores escolares, bem como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos, cujos resultados possam ser utilizados por adesão (BRASIL, 2014). Embora também deixe a cargo dos Estados e municípios a iniciativa da implantação (ou não) da gestão democrática escolar, a meta 19 do PNE II avança ao estipular um prazo de dois anos para que os sistemas de ensino assegurem as condições para a efetivação da gestão democrática, inclusive mediante recebimento de recursos e apoio técnico da União. Como forma de “incentivar” os governantes/dirigentes estaduais e municipais a implantarem a gestão democrática, a primeira estratégia da meta 19 (19.1) determina a priorização do repasse de recursos voluntários da União na área da educação aos Estados e Municípios que já tenham aprovado, em legislação específica, a regulamentação desta matéria. Avalia-se tal estratégia como positiva, uma vez que se sabe “[...] que só com ‘boa vontade’ os governantes e os gestores dos sistemas de ensino (secretários estaduais e municipais de educação) não se sentem na obrigação de executar essa proposta [...]” (BRANDÃO, 2014, p.88). A estratégia 19.1 inova e avança, ainda, ao determinar que a legislação específica regulamentadora da matéria em âmbito estadual e/ou municipal considere, para a nomeação dos dirigentes escolares, critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a participação da comunidade escolar, combatendo a tão nefasta prática da indicação política. Do conjunto de estratégias estabelecidas para a consecução da meta 19 do PNE II, seis delas (19.2, 19,3, 19.4, 19.5, 19,6 e 19.7) apenas reafirmam elementos já previstos em legislações e dispositivos educacionais anteriores, não representando qualquer inovação em prol da efetivação da gestão democrática. A última estratégia (19.8), por sua vez, constitui-se uma novidade ao propor aplicação de prova nacional específica para gestores escolares, no intuito de subsidiar “[...] a elaboração de futuros concursos para o provimento dos cargos de gestão [...]” (BRANDÃO, 2014, p. 89). Periódico Horizontes – USF – Itatiba, SP-Brasil – e019007 ARTIGO DOI: https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.614 Considerações finais Há três decênios o princípio da gestão democrática figura no ordenamento legal da educação nacional. Ainda que se tenha a consciência de que a lei, por si só, não muda a realidade, sem dúvida, o advento da gestão democrática como princípio constitucional e educacional é algo inovador e que reforça a crença no desenvolvimento de uma educação de qualidade social para todos, configurando-se enorme avanço. Sem dúvida, se constitui enorme avanço o fato de o tópico da gestão democrática sistematicamente comparecer de modo explícito, desde 1988, no âmbito da legislação educacional federal, conferindo ao tema uma notável importância. Entretanto, ao se cotejar os principais normativos legais afetos à gestão democrática, constata-se que, desde a sua inscrição como preceito constitucional, vem sendo uma constante a postergação de sua implantação mediante a clara estratégia de deixar a cargo dos sistemas estaduais e municipais de ensino as formulações concernentes à sua regulação/implantação. Outra tônica constatada refere-se à recorrente abrangência limitada do princípio da gestão democrática, restrito ao ensino público e à educação básica, não abarcando nem o ensino privado, nem o ensino superior. Se por um lado o PNE II, atualmente em vigor, avança ao priorizar o repasse de verbas federais não vinculadas à educação aos sistemas estaduais/municipais de ensino que tenham regulamentado a implantação da gestão democrática, num claro incentivo à sua materialização no país; por outro, em nada inova ao apenas “requentar” velhas determinações concernentes à temática. Referências BASTOS, J. B. 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