Resumo - Teoria dos Vestígios Criminais PDF
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Este documento apresenta um resumo da Teoria dos Vestígios Criminais, incluindo conceitos como ciências forenses, investigação criminal e conceito material dos vestígios. O texto também abrange a importância da preservação de vestígios em investigações criminais.
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1. Teoria dos Vestígios Criminais 1.1. Enquadramento Ciências forenses – Consiste no conjunto das aplicações científicas nos domínios de polícia e justiça. Polícia cientifica – Expressão designativa das valências das ciências forenses que organicamente integram as polícias de investigação crimi...
1. Teoria dos Vestígios Criminais 1.1. Enquadramento Ciências forenses – Consiste no conjunto das aplicações científicas nos domínios de polícia e justiça. Polícia cientifica – Expressão designativa das valências das ciências forenses que organicamente integram as polícias de investigação criminal, sem distinção do campo objetivo de atuação. 1.1.1. Investigação Criminal Conceito normativo Conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade, descobrir e recolher provas, no âmbito do processo. - Art º 1 da lei 49 2008 de 27 de Agosto – LOIC Compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação. - N º 1 do art º 262 do CPP relativo à finalidade do inquérito. Conceito material Constitui uma área do conhecimento especializado que tem por objeto de análise o crime e o criminoso e, por objetivo, a descoberta e reconstituição da verdade material dos factos penalmente relevantes e a demonstração da sua autoria. A IC possui um triplo objetivo: Averiguar a existência de um crime; Descobrir os seus agentes e a sua responsabilidade; Descobrir e recolher as provas, ou seja, estabelecer um nexo relacional demonstrável entre ato e autor. Fá-lo através de dois sentidos de atuação concomitantes, que avançam, num quadro de permanente interatividade e integração: O conjunto de procedimentos tendentes à obtenção da prova pessoal (interrogação); O conjunto de procedimentos tendentes à obtenção da prova material (instrumentação) Aderindo parcialmente à sistematização proposta pelo Dr José Braz, consideraremos que o exame ao local/inspeção judiciária se encontra ínsito, aquilo que o ilustre autor designa de estratégia instrumental da investigação criminal. De forma simples e objetiva é um sector de atividade cujo objeto é o crime e cujo resultado da sua atividade se destina à integração num processo-crime. Tem lugar no decurso da investigação e via de regra na fase inicial logo após o recebimento da notícia do crime do OPC que investigará. É uma atividade de cariz policial e constitui se como matriz instrumental da investigação criminal. É fortemente eivada de contributos científicos atenta a natureza procedimental de grande parte da sua intervenção. Do seu objeto nasce a sua finalidade, reconstituir um facto anterior que se presume ilícito criminal visando o mais aproximadamente possível explicar o modo como o crime ocorreu e a identificação de vítimas, autores ou outros intervenientes conexos. Fixa em auto o estado de coisas, lugares ou pessoas no momento dos factos ou com eles relacionados bem e todos os vestígios, indícios ou objetos detetados fazendo o através de todos os meios disponíveis. Materialmente o seu núcleo essencial caracteriza se pela observação, pesquisa, interpretação, documentação e recolha de vestígios a par da interpretação do local. Tem por base a informação de contexto disponível no momento relativo ao facto investigado e deve dirigir a sua atuação técnico científica autónoma à busca da verdade material e às necessidades investigatórias sujeitando se em termos de estratégia e tempestividade a quem dirige a investigação. Encarrega-se designadamente da recolha de prova material e sua custódia até à sua entrega para perícia ou manutenção de apreensão para outras finalidades. Em termos jurídico-processuais é regulada a título principal pelo instituto dos exames e residualmente pelas medidas cautelares e de polícia LIVRO III Da prova TÍTULO I Disposições gerais Artigo 124.º Objecto da prova 1 - Constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. TÍTULO III Dos meios de obtenção da prova CAPÍTULO I Dos exames Artigo 171.º Pressupostos 1 - Por meio de exames das pessoas, dos lugares, dos animais e das coisas, inspecionam-se os vestígios que possa ter deixado o crime e todos os indícios relativos ao modo como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido. 2 - Logo que houver notícia da prática de crime, providencia-se para evitar, quando possível, que os seus vestígios se apaguem ou alterem antes de serem examinados, proibindo-se, se necessário, a entrada ou o trânsito de pessoas estranhas no local do crime ou quaisquer outros actos que possam prejudicar a descoberta da verdade. 3 - Se os vestígios deixados pelo crime se encontrarem alterados ou tiverem desaparecido, descreve-se o estado em que se encontram as pessoas, os lugares, os animais e as coisas em que possam ter existido, procurando-se, quanto possível, reconstitui-los e descrevendo-se o modo, o tempo e as causas da alteração ou do desaparecimento. 4 - Enquanto não estiver presente no local a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal competentes, cabe a qualquer agente da autoridade tomar provisoriamente as providências referidas no n.º 2, se de outro modo houver perigo iminente para obtenção da prova. CAPÍTULO II Das medidas cautelares e de polícia Artigo 249.º Providências cautelares quanto aos meios de prova 1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova. 2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior: a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º 2 do artigo 171.º, e no artigo 173.º, assegurando a integridade dos animais e a manutenção do estado das coisas, dos objetos e dos lugares; b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição; c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adotar as medidas cautelares necessárias à conservação da integridade dos animais e à conservação ou manutenção das coisas e dos objetos apreendidos. 3 - Mesmo após a intervenção da autoridade judiciária, cabe aos órgãos de polícia criminal assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela autoridade. 1.2. Natureza e classificação dos vestígios 1.2.1. Natureza Toda a ação ou omissão que constitui o ilícito criminal contém uma individualidade própria e incircunscritível. Não existem dois factos criminosos materialmente iguais, mas todos eles têm como denominador comum o facto de introduzirem alterações a uma ordem ou realidade pré-existente, constituindo essas alterações o objeto de intervenção da investigação criminal, através da instrumentação. A instrumentação estriba-se em dois postulados fundamentais: O princípio das trocas; O princípio da individualidade. Princípio das trocas O princípio das trocas estabelece que, de um ponto de vista dinâmico, o autor do crime leva consigo algo da vítima e/ou do local onde agiu, dos instrumentos e objetos que utilizou, e deixa nestes, algo de si mesmo. O princípio das trocas (Locard exchange principle ou Locard's theory) foi apresentado em 1925 pelo médico e jurista francês Edmond Locard (1877-1966) Assenta na ideia de que qualquer contacto entre duas superfícies implica inevitavelmente uma permuta de substâncias ou de efeitos. Nas expressivas palavras de Locard que realçam as virtualidade da prova material: “quaisquer que sejam os passos do autor, quaisquer objetos tocados por ele, o que quer que seja que ele deixe, mesmo que inconscientemente, servirá como uma testemunha silenciosa contra ele Não apenas as suas pegadas ou dedadas, mas o seu cabelo, as fibras das suas calças, os vidros que ele porventura parta, a marca da ferramenta que ele deixe, a tinta que ele arranhe, o sangue ou sémen que deixe. Tudo isto, e muito mais, carrega um testemunho contra ele. Esta prova não se esquece” EDMOND LOCARD estabeleceu no início do Sec. XX um princípio base da intervenção no local do crime: “TODO O CONTACTO DEIXA VESTÍGIO” Ou seja, quando dois objetos entram em contacto entre si, ocorre uma troca de matéria entre ambos. Deste conceito nasce o triângulo de correlações. ´ Isto é, quando dois objetos entram em contato um com o outro irá existir uma transferência de pequenas quantidades de matéria entre ambos. Consequentemente, quando o autor de um crime entra em contacto com a vítima e com os diversos objetos existentes no local do crime ele deixa vestígios de si próprio e levará vestígios dos objetos/lugares em que tocou. Assim, verifica se uma interação entre autor, vítima e o próprio local do crime, da qual resultam trocas múltiplas de vestígios e matéria física, cuja localização, referenciação e recolha são o objetivo final. No entanto, o Princípio de Locard, atendendo à evolução técnico científica que ocorreu neste último século carece de uma interpretação atualista, em virtude de não ser obrigatório que uma fonte de matéria necessite de estar em contacto com outra para que seja efetuada a sua transferência. Exemplos: Os fragmentos de um vidro partido podem ser transferidos diretamente para uma camisola sem necessidade de existir contacto entre ambos As partículas metálicas (Bário e Chumbo) que constituem os resíduos de disparo, os resíduos de pólvora e os salpicos hemáticos resultantes do disparo de uma arma de fogo A saliva pode ser transferida diretamente para qualquer local pelo simples ato de falar ou tossir; Os cabelos através da sua queda, etc. Princípio da individualidade (não é objetivo da UC) O princípio da individualidade estabelece a inexistência de dois objeto absolutamente iguais. O reconhecimento destes dois princípios fundamentais reconduziu, historicamente, o esforço da investigação criminal, no quadro da instrumentação, para uma área de atuação fundamental a identificação, análise e interpretação de vestígios, ou seja, das referidas alterações e sinais deixados pelo autor do ato criminoso, aos quais Edmond Locard chamou “as testemunhas mudas do ato criminoso” Karl Zbiden define o conceito de vestígio como toda a modificação física e psíquica provocada por conduta humana de ação ou missão, que permite tirar conclusões quanto ao acontecimento que a causou o ato criminoso. As palavras deste autor sintetizam a importância da identificação e interpretação dos vestígios, através de procedimentos diferenciados e com o recurso frequente a métodos científicos: “Uma vez encontrados e fixados os vestígios, impõe-se interpretá-los. Averiguar a sua proveniência e estabelecer as conclusões que o vestígio concreto permite tirar, na sua qualidade de indício, em relação ao ato que o deixou” 1.2.2. Classificação dos vestígios De um ponto de vista sistemático, os vestígios podem ser classificados de diferentes formas, conforme a sua natureza, apresentação e valor, sendo frequentes e comuns as seguintes classificações: Vestígios físicos quando são materialmente individualizáveis; Vestígios psíquicos ou imateriais quando se revelam por condutas, comportamentos, distúrbios mentais ou da personalidade (não é objetivo da UC) Físicos ou materiais Vestígios Psíquicos ou comportamentais Vestígios físicos: Os vestígios físicos podem ser: Orgânicos ou biológicos Vestígios Inorgânicos ou físicos não biológicos Latentes Moldados Morfológicos Visíveis Impressos Latentes 1.2.2.1. Vestígios orgânicos ou biológicos Orgânicos ou biológicos (saliva, sémen, material fetal, fezes, urina, secreções, pêlos e cabelos, unhas, estupefacientes orgânicos, fibras vegetais, etc) o Os vestígios de natureza biológica são vestígios identificadores e extremamente comuns o A sua recolha deve ser efetuada após a interpretação dos acontecimentos ocorridos e consequente a valoração deste tipo de vestígios (exemplo diversas pontas de cigarro no chão de um local publico, por si só, não implica necessariamente a sua recolha) o Diversos tipos de vestígios biológicos ex sangue, sémen, saliva, cabelos/ pêlos ossos, etc o São vestígios extremamente frágeis, encontrando se normalmente num estado precário, devendo os mesmos no mais curto espaço de tempo: § Ser preservados de eventuais contaminações § Ser preservados das condições climatéricas adversas; § Ser recolhidos o mais rapidamente possível (via de regra os primeiro vestígios a ser recolhidos) § No pós recolha, preservar corretamente para evitar a sua degradação o Os vestígios biológicos contêm características identificadoras, logo deve ser efetuada a recolha a suspeitos, vitimas e nos indivíduos conexos com os factos ou locais (por exemplo que frequente ou legitimamente utilizavam o local) para posterior comparação dos perfis de ADN com os dos vestígios recolhidos. § Para o efeito – recolha de células da mucosa bucal através de zaragatoas bucais – amostra referência. § Podemos estender a recolha a intervenientes institucionais o Sangue: § A presença de vestígios de natureza hemática é muito comum, não só nos locais de crime, mas também nos utensílios que o autor utilizou para executar o mesmo § Os vestígios hemáticos podem ser analisados também com a finalidade de determinar a sua origem humana ou animal § Estes vestígios podem ser encontrados, por exemplo: No autor e diversos pertences; na vítima e diversos pertences; no vestuário; no local do crime; no utensílio envolvido no crime; na viatura utilizada pelo autor; o Unhas e raspado subungueal § As unhas e a zona entre as mesmas e a ponta dos dedos (zona subungueal) podem ser uma boa fonte de material de prova (material biológico, fibras, verniz, etc.) do agressor e/ou da vítima. § As unhas/fragmentos de unhas, por si só, possibilitam a identificação por análise de ADN o Cabelos/Pelos § Os cabelos e os pêlos do corpo humano são vestígios de natureza biológica bastante comuns no local do crime e contém material genético válido para identificação pessoal (análise de ADN) § Algumas possibilidades periciais: Análise de ADN das células da raiz do cabelo/ pêlo e do ADN mitocondrial do corpo do cabelo/ pêlo Exames toxicológicos Exames morfológicos ( medula do cabelo/ pêlo queratina, cabelo/ pêlo caído, cabelo/ pêlo arrancado, etc Determinação da espécie animal do cabelo/ pelo o Saliva § A saliva é um fluido orgânico que não contém ADN, no entanto, transporta células da mucosa bucal que contêm ADN e, por isto, possui um valor probatório elevado. Normalmente encontrados em: Pontas de cigarro; copos e gargalos de garrafas; tecidos, almofadas, mascaras faciais e passa-montanhas; pastilhas elásticas; selos e envelopes; lenços de tecido/papel; invólucros de estupefacientes; marcas de mordeduras e rastos de lambidelas no corpo humano o Sémen e secreções vaginais § Sémen e secreções vaginais estão normalmente associados a crimes de natureza sexual; § Estes vestígios contêm um excelente potencial de identificação por ADN e, por isto, possuem um alto valor probatório o Vestígios de contacto/transpiração da pele § O suor é um fluido biológico que não contém ADN Nas situações em que se torna possível a obtenção de um perfil de ADN nuclear em áreas que contenham suor (volantes de viaturas, etc) o mesmo é atribuído à presença de células de fricção/contacto da pele com esses materiais § Este tipo de vestígios poderá ter um elevado valor probatório, podendo ser localizado normalmente em: Vestuário e calçado; luvas; gorros; chapéus ou máscaras; volante, manípulo de mudanças e outras zonas similares em veículos § Este tipo de vestígios pode ser localizado, excecionalmente, em: Armas utilizadas no cometimento do crime ( arma de fogo, pedra), ferramentas (chave de fenda, pé de cabra etc ou outros objetos); Pele (por ex no pescoço da vítima nas situações de estrangulamento); Cápsulas deflagradas e Munições; Zonas de enrolamento manual de fios elétricos; Braçadeiras plásticas; Engenhos incendiários ou Engenhos explosivos; Embrulhos de estupefacientes; Envelopes de papel; Cartas; Impressões digitais Sangue Unhas e raspado subungueal Cabelos/pêlos Vestígios biológicos Sémen e secreções vaginais Saliva Vestígios de contacto/transpiração da pele 1.2.2.2.Vestígios inorgânicos ou não biológicos Inorgânicos ou não biológicos (fragmentos, poeiras, terras, vidros, gases inorgânicos, manchas de substâncias inorgânicas, explosivos inorgânicos, metais, etc) 1.2.2.3. Vestígios morfológicos Morfológicos (impressões digitais, palmares e plantares, pegadas, rastos, marcas de objetos, ferramentas, pneumáticos, mãos, dentes, vestígios balísticos, escrita, chaves e fechaduras, etc). o Os vestígios morfológicos, consoante o modo como se apresentam podem ser visíveis ou latentes; § Os vestígios morfológicos visíveis podem ainda ser: moldados ou impressos; Orgânicos ou biológicos Vestígios Inorgânicos ou físicos não biológicos Latentes Moldados Morfológicos Visíveis Impressos Latentes o Vestígios lofoscópicos § Por efinição, os vestígios lofoscópicos são formados por transferência para as superfícies de contacto de uma mistura de secreções originadas nas glândulas das regiões dermopapilares e que por serem pouco perceptíveis se designam como latentes § Noutras situações, a formação dos vestígios lofoscópicos e sobretudo a sua visualização ocorre por deformação da superfície de contacto e não pela transferência dos seus constituintes naturais, designando se como moldados § A maioria dos vestígios lofoscópicos é constituída por uma mistura sebácea e aquosa. Muitos dos seus componentes persistem nos vestígios por períodos muito longos enquanto outros se decompõem rapidamente, se evaporam e se dissipam. § Fatores como a temperatura, a exposição à luz e à água e a humidade relativa alteram a composição física e química dos vestígios. § Pelas suas características e mecanismos de produção e duração, os vestígios lofoscópicos podem ser produzidos por todos os indivíduos que manuseiam ou tocam objetos e superfícies nos locais que frequentam e, por sua vez, todas as superfícies e objetos podem ser submetidos à aplicação de técnicas de deteção de vestígios desta natureza o Marcas de luvas § Cada vez é mais comum a utilização, pelo autor de um crime, de luvas, de forma a tentar evitar a deposição das suas impressões digitais aquando dos seus movimentos no interior do local do crime. No entanto, as mesmas poderão ser uma boa fonte de informação, existindo diversas técnicas que permitem efectuar a ligação entre as luvas, o local do crime e o autor § As luvas produzem impressões quando a estrutura da superfície da própria luva entra em contacto com um material de suporte. o Pegadas, marcas de calçado e pneumáticos § Trata-se de um tipo de vestígios muito volátil, de difícil preservação e que pela sua natureza é a primeira “de uma qualquer intervenção seja policial ou de outra natureza no local do crime § Por princípio deverão existir sempre, pois “ninguém anda pelo ar”, contudo tal é aplicado tanto aos autores dos crimes, como de igual modo a todos os intervenientes no local, sejam familiares, curiosos, polícias, paramédicos, jornalistas e um número indeterminado de personagens que, legítima ou ilegitimamente acabam por surgir nos locais de crime § As impressões de rastos de calçado e/ou pneumáticos, não sendo uma prova pessoal direta, podem servir para reconstituir o crime, procurar um autor (calçado) ou veículo envolvido § Podem igualmente servir como prova de que um suspeito esteve presente no local do crime, se forem detetadas concordâncias de características individualizadoras (entre o sapato ou pneu e o vestígio no local de crime), para estabelecer correlações entre vestígios e o crime e estabelecer ligações entre possíveis autores através de bases de dados. o Fechaduras e chaves § As fechaduras e as chaves poderão ter valor probatório em situações de arrombamento ou tentativa de arrombamento através dos vestígios deixados nas mesmas pelos materiais utilizados no seu forçamento. Os vestígios existentes nas mesmas poderão efetuar a ligação entre um determinado local do crime e o seu autor através das chaves ou ferramentas utilizadas no referido arrombamento § Fechaduras e chaves podem ser examinadas para se verificar se existiu forçamento mecânico ou adulteração da sua textura e morfologia original § Se for utilizada uma gazua para tentar abrir uma fechadura, podem ser descobertas marcas e arranhões anómalos no seu mecanismo, distintos das marcas de desgaste resultante do uso normal § Se a chave utilizada for uma cópia, a mesma é suscetível de, após utilização, poder conter estrias e outras imperfeições (que não existem nas originais sujeitas ao mesmo uso), o que indicia tratar se de cópia. o Fragmentos diversos § Permitem o estabelecimento de um nexo causal entre um objeto ou instrumento e o resultado de uma ação criminosa § Os fragmentos de um determinado objeto ou item podem ser desincorporados ou separados devido a utilização violenta ou imprópria, deixando no objeto de origem danos sob a forma de fendas/fraturas, cortes ou outros sinais dessa separação § Para além da sua conformidade morfológica, a análise e comparação dos materiais constituintes dos fragmentos pode fornecer informação adicional, que em determinadas situações poderá ter um alto valor probatório (por ex no caso de existirem superfícies de fratura complementares) Vestígios lofoscópicos Marcas de luvas Pégadas, marcas Vestígios de calçado e Morfológicos pneumático Fechaduras e chaves Fragmentos diversos o Consoante a sua dimensão os vestígios físicos podem ser: § Macroscópicos § Microscópicos Macroscópicos Vestígios Microscópicos Do ponto de vista da sua autenticidade e ligação ao evento criminoso, os vestígios podem ainda ser: Verdadeiros; Falsos – são vestígios falsos os sinais e modificações que, não obstante de se encontrarem no local do crime, não resultam da ação criminosa nem com ela estabelecem qualquer relação. o Os vestígios falsos podem assumir a natureza de: § Vestígios simulados - são sinais ou modificações introduzidas intencionalmente no local do crime, com o objetivo de induzir falsas interpretações e conclusões à Inspeção Judiciária, dificultando a descoberta da verdade material § Pseudo-vestígios - são sinais ou modificações pré existentes no local do crime ou nele involuntariamente introduzidos por negligência ou por má prática profissional Verdadeiros Vestígios Simulados Falsos Pseudo- vestígios 1.3. Princípios de ação prática, regras básicas de atuação no local de crime e a problemática das contaminações e alterações. 1.3.1. Princípios de ação prática Exames (art. 171º a 173º) Os exames podem ser feitos em pessoas, lugares e coisas, e destinam-se a inspecionar e registar os vestígios do crime e os indícios relativos ao modo, ao como e ao lugar onde foi praticado, às pessoas que o cometeram ou sobre as quais foi cometido. Uma vez realizado o exame, pode ser necessária a realização de perícia acerca do significado dos vestígios encontrados. 1.3.1.1.A primeira abordagem ao local Compete aos primeiros intervenientes policiais assegurarem o início da intervenção policial propriamente dita, bem como obter dos não institucionais toda a informação inicial que permitirá averiguar as circunstâncias da ocorrência e avaliar da sua eventual natureza criminal. Assim, logo após um momento inicial em que, frequentemente, os primeiros intervenientes policiais têm de gerir situações caóticas e assegurar a reposição da ordem pública nos locais onde ocorreram crimes, inicia se aquilo que podemos denominar como a primeira abordagem ao local. Esta primeira abordagem ao local não comporta uma intervenção de natureza investigatória e inspetiva, mas sim, de natureza preventiva e protetiva, tendo exclusivamente por fim, assegurar de forma rigorosa e tempestiva, a integridade e a preservação do local, dos vestígios nele existentes e dos meios de prova, através de medidas cautelares adequadas Deste modo, a primeira abordagem ao local do crime, prossegue três objetivos centrais: Caracterização sumária do evento; Isolamento, preservação e controlo do local do crime; Recolha de informação Caracterização sumária do evento o Recolha de elementos informativos que permitam a caracterização do evento: o quê, onde, quando, quem e com o quê - Os elementos recolhidos na caracterização sumária do evento servirão de base à comunicação dos factos ao órgão de polícia criminal competente para a sua investigação. Isolamento, preservação e controlo do local do crime o O principal objetivo da primeira abordagem ao local do crime consiste em isolá-lo e delimitá-lo através da colocação de fita policial, bem como identificar acessos e locais secundários. Recolha de informação o Compete ainda ao 1 º interveniente policial recolher toda a informação disponível e desenvolver medidas cautelares relativamente à prova pessoal 1.3.1.2. Aproximação ao local do crime O local do crime é, de entre várias versões possíveis, o espaço físico no qual uma ocorrência de cariz eventualmente criminosa teve lugar, podendo existir num mesmo evento mais do que um local A experiência irá demonstrar, que nem todos os eventos “local de crime”, tem de facto origem criminosa, como por exemplo acidentes de natureza diversa, suicídios, etc. Não é possível estabelecer regras imutáveis e inflexíveis para atuação no local de um crime cada caso é um caso, sendo diferente em algo do seguinte e do anterior cada caso tem a sua natureza própria e cada caso tem os seus aspetos especiais. 1.3.1.3. A integridade do local e os acessos Ter em conta o objetivo do trabalho de local de crime passa pela recolha de vestígios no seu estado mais primitivo possível. Ter em consideração o efeito que as nossas ações vão produzir na integridade dos vestígios e no seu valor interpretativo. O processamento de um local de crime implica a movimentação de recursos humanos e materiais para o interior do local o que obriga à adoção de medidas de controle da integridade do local. Neste contexto, devem ser utilizados os canais e caminhos de acesso. Estabelecidos os canais de acesso e o perímetro, devem ser estabelecidas as zonas de trabalho e apoio. De um modo geral o local é então subdividido em duas ou três zonas, dependendo das circunstancias dos factos e da própria natureza e dimensões do local, correspondentes a diferentes graus de importância e controle A escolha do ponto de entrada deve ter fundamentalmente em conta os seguintes fatores: Quais os trajetos de entrada, circulação e saída utilizados pelo autor? O ponto de entrada é demasiado exposto a observação por parte de curiosos e dos meios de comunicação social? Que pontos de entrada estão disponíveis, ou que alternativas temos? 1.3.1.4.Classificação do local do crime por Zonas Zona de grau 1 – A branco nos esquemas, é a zona externa e a de maior exposição, sendo fundamental a sua integridade pois trata-se da barreira pública, na qual normalmente se estabelecem as tensões e os eventuais conflitos, sejam com curiosos, comunicação social, vitimas ou relacionados com as vitimas, suspeitos ou relacionados com suspeitos etc.. O estabelecimento e manutenção do perímetro externo, e consequentemente da zona de grau 1, é habitualmente da responsabilidade da polícia de proximidade. Trata-se de uma zona onde não existem vestígios a recolher. Zona de grau 2 – A amarelo no esquema, trata-se de uma zona intermédia, nem sempre presente, deve, contudo, ser implantada sempre que possível, servindo de “tampão” e de base logística. Nos trabalhos mais complexos ou que obriguem a uma movimentação de meios materiais e, ou pessoais de maiores dimensões, a criação desta zona não deve ser descurada. Os vestígios retirados do local do crime são encaminhados para esta zona, sendo então processados e preparado o seu transporte em discrição e sem fugas de informação. A preparação da equipa bem como toda a comunicação deve igualmente ser efetuada nesta zona. Trata-se de uma na qual a presença de vestígios é escassa ou mesmo inexistente. Zona de grau 3 – A vermelho nos esquemas anteriores, trata-se da zona central ou principal do local do crime (para alguns autores, a zona primária), na maioria dos casos o local no qual o mesmo foi cometido. No caso de existir um cadáver é a zona na qual se encontra o mesmo, sendo esta a zona dos vestígios mais importantes, normalmente com maior valor científico e probatório. Apesar da forma apresentada em termos teóricos e explicativos, a maioria dos casos reais não permite uma delimitação geométrica dos locais. Devemos agir com flexibilidade mental adaptando os recursos ao meio e condições existentes, avaliando casuisticamente o que melhor se adapta à situação visando maximizar as potencialidades probatórias e minimizar a destruição ou contaminação de vestígios. De todo o modo os princípios subjacentes devem estar sempre presentes – a adaptabilidade necessária não implica a não observância dos princípios básicos de atuação, pelo que teremos sempre Mutatis mutandis. Princípios da ação Prática: O que é normal? O que deve ser observado? O que (não) deve ser valorado? A informação é orientadora e não perturbadora da objetividade A interpretação e valoração de vestígios e/ou eventos no local do crime depende da sua observação direta e objetiva 1.3.2. Problemática das contaminações e alterações Face ao exposto podemos classificar as alterações no local do crime na seguinte forma: Adição de vestígios Alterações no Destruição de local do crime vestígios Movimentação de vestígios Através da adição de vestígios o O que implique adicionar algo que seja considerado vestígios ao local pré-existente no seu estado primitivo pós cometimento do crime o A entrada de elementos sem o equipamento apropriado no local do crime leva à adição de novos vestígios no mesmo que poderão alterar de modo significativo a interpretação dos acontecimentos ocorridos; o Exemplos: § Os primeiros intervenientes policiais assistência médica ou paramédica de emergência, bombeiros e os curiosos que entram legitimamente ou não, num local do crime adicionam material e novos vestígios ao mesmo (impressões digitais, fibras, vestígios biológicos, etc) § A utilização de equipamento não descontaminado pela equipa de inspeção judiciária Através da destruição de vestígios o O que implique destruir algo que seja considerado vestígio no local pré-existente no seu estado primitivo pós cometimento do crime o A entrada de elementos no local do crime sem os conhecimentos apropriados, o mau tratamento dos vestígios, a má definição da(s) zona(s) que se consideram como fazendo parte do local do crime e o espaço de tempo que leva entre a ocorrência do crime e chegada da equipa de inspeção judiciária ao local, leva à destruição/alteração de vestígios pelo que todas estas ações devem ser sempre efetuadas tendo em consideração a precariedade em que os mesmos se encontram em qualquer local de crime. o Exemplos: § A entrada no local do crime dos primeiros intervenientes policiais dos paramédicos, bombeiros, etc § A colocação de um corpo com a roupa vestida num saco Post Mortem sem serem acautelados os padrões de sangue no vestuário § A atribuição de grande importância à zona primária (Zona 1 do local do crime não se acautelando possíveis zonas secundárias (Zonas 2 3 etc) o Notas: A entrada dos primeiros elementos no local do crime, para efetuarem a avaliação do mesmo, deve ser sempre realizada de forma a que a destruição dos vestígios lá existentes seja a mínima possível sendo que, por outro lado, devem proceder à proteção dos vestígios, que irão visualizando, protegendo os de eventuais contaminações ou mesmo da sua destruição o A equipa de Inspeção judiciária ao chegar ao local do crime deve recolher informação, junto dos primeiros intervenientes policiais e se necessário junto das testemunhas dos factos, acerca das pessoas que entraram no mesmo após o referido crime ter sido cometido por forma a avaliar/valorar os vestígios que lá for encontrar o Exemplos: Se já entraram no local do crime diversas pessoas sem a proteção de calçado apropriado as marcas de calçado existentes nos corredores de passagem poderão não ter qualquer valor para a investigação. Se existem pessoas que estiveram a fumar no local do crime e deitaram as beatas para o chão, as beatas que existem nesse local passam a ter um valor bastante relativo Através da movimentação de vestígios o A ação que implique movimentação de vestígios/ objetos no local alterando a configuração inicial pós facto e que possa de alguma forma condicionar a correta interpretação de acontecimentos sob investigação o A entrada de elementos no local do crime, sem os conhecimentos apropriados, pode levar à movimentação de objetos/itens o que pode deturpar e alterar significativamente as interpretações a efetuar. Quando existem objetos que não se enquadram corretamente no local devemos ter sempre em mente a possibilidade de os mesmos não se encontrarem no seu local de origem após a ocorrência do crime o Exemplos: § Nos casos de possível suicídio a posição da arma por vezes é de extrema importância para o esclarecimento e dissipação de eventuais dúvidas (suicídio ou homicídio) pelo que devemos ter sempre em consideração quais as ações efetuadas pelos elementos que estiveram no local antes da nossa chegada por forma a avaliar da possibilidade de a referida arma ter sido deslocada do local onde se encontrava após o facto ter ocorrido; § Um caso mais comum é a alteração do estado em que se encontrava uma porta, janela, luz, etc..(aberta ou fechada) o que pode alterar significativamente a interpretação dos acontecimentos pelo que devemos sempre recolher a informação por forma a saber se existiu alteração da posição das mesmas após o crime ter sido cometido Notas adicionais: Se existirem vestígios em perigo de serem destruídos (condições climatéricas, corredor de passagem, etc) estes devem ser recolhidos omais depressa possível de forma a não os perder definitivamente Devemos também proceder à avaliação/valoração de todos os vestígios existentes no local do crime de forma a recolher primeiro aqueles mais susceptíveis de serem contaminados. Exemplo: Se no local do crime existir uma arma de fogo e se for necessário proceder à recolha de resíduos de disparo primeiro efetua se a recolha de resíduos de disparo e depois recolhe se a arma de fogo (sopesadas as questões da segurança) Devemos também ter sempre em consideração a possível contaminação entre vestígios e entre vestígios e a equipa de inspeção judiciária, quer através do equipamento utilizado para a sua recolha, quer através das embalagens em que os mesmos vão ser acondicionados. Equipamento a utilizar na generalidade dos locais do crime: 1.4. Cadeia de custódia da prova Na Inspeção Judiciária procura-se identificar, recolher e processar no local do crime, vestígios com interesse criminalístico, ou seja, modificações físicas e psíquicas provocadas por conduta humana de ação ou omissão que possuam potencial probatório relativamente à autoria de um crime. A Inspeção Judiciária não se esgota na recolha da prova material, mas esta constitui-se, indubitavelmente, o seu objetivo central. Para que os vestígios possam, no plano processual penal, constituir prova, demonstrando de forma inequívoca a existência ou a veracidade dos factos, é necessário que, a todo o momento, se possa igualmente demonstrar a sua genuinidade e integridade material. É o processo usado na investigação criminal para manter e documentar a história cronológica de um vestígio, garantindo a sua integridade e a possibilidade de permanente escrutínio do potencial probatório que o mesmo contém. Cadeia de custódia da prova Para que os vestígios possam, no plano processual penal, constituir prova, demonstrando de forma inequívoca a existência ou a veracidade dos factos, é necessário que, a todo o momento, se possa igualmente demonstrar a sua genuinidade e integridade material. Todos os procedimentos e operações desenvolvidas desde a identificação e recolha à perícia, passando pela sua preservação, acondicionamento, armazenamento e transporte, devem ser minuciosamente descritas de acordo com um protocolo procedimental normalizado (modelos). É desde logo fundamental registar com elevada precisão e minúcia o momento (tempo) e o local (espaço) em que o vestígio foi encontrado. Todas as operações de manipulação e tratamento do vestígio devem ser descritas, explicitando-se as técnicas utilizadas para o efeito. A prevenção da contaminação faz parte da custódia da prova enquanto garante da sua integridade. O acondicionamento, armazenamento e transporte do vestígio devem ser sempre feitos em condições que garantam o seu isolamento e inviolabilidade, utilizando recetáculos e sistemas de fecho e de etiquetagem adequados. Toda e qualquer operação que envolva a abertura/encerramento do recetáculo que contém o vestígio e a sua manipulação ou tratamento deve ser sempre descrita, registando-se o momento (tempo) e o local (espaço) em que a mesma ocorreu e identificando-se por quem. Constitui um protocolo contínuo, que assegura a memória cronológica de todas as fases do processo, a sua permanente reconstituição e demonstração, sendo por isso fundamental para garantir a integridade do vestígio e o seu correspondente valor probatório. A preservação do local do crime, que se quer desde o primeiro momento e enquanto decorrer o exame do local, visa assegurar a integridade de quaisquer elementos de prova que ali se encontrem. Implica portanto que, as ações iniciais de controlo e preservação do local do crime por parte dos primeiros intervenientes policiais, concorrem já para as ações futuras conexas com os elementos de prova que possam ser recolhidos na quele local de crime