O Fim do Milênio Vol. 3 - Manuel Castells PDF

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Summary

Este livro analisa os efeitos da globalização no século XX, especialmente nos aspectos econômicos, sociais e culturais, fornecendo um estudo aprofundado do impacto dessas mudanças na sociedade.

Full Transcript

Manuel Castells FIM DE MILÊNIO Volume III Tradução: Klauss Brandini Gerhardt e Roneide Venancio Majer 6 reímpressão EB PAZ E TERRA © Manuel Castells Translated from End of Millennium: The Info...

Manuel Castells FIM DE MILÊNIO Volume III Tradução: Klauss Brandini Gerhardt e Roneide Venancio Majer 6 reímpressão EB PAZ E TERRA © Manuel Castells Translated from End of Millennium: The Information Age: Economy, Society and Culture, volume III, Second ed., by M. Castells. This edition is published by arrangement with Blackwell Publishing Ltd, Oxford. Translated by Editora Paz e Terra S/A from the original English language version. Responsibility of the accuracy of the translation rests solely with Editora Paz e Terra S/A and is not the responsibility of Blackwell Publishing Ltd. CIP-Brasil. Catalogação-Na-Fonte (Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil) São Paulo: Paz e Terra, 1 999. Ilustração de capa:. L E. Repin, Barge Haulers on the Volga, 1 8 70-1 8 73 State Russian Museum, St Petersburg foto AKG Londres. c344f Castells, Manuel, 1 942 Fim de mi1ênio I Manuel Castells ; tradução Klauss Brandini Gerhardt e Roneide Venancio Majer. - São Paulo : Paz e Terra, 1 999. - (A era da informação : economia, sociedade e cultura ; v.3) Tradução de: End of Millennium Inclui bibliografia e índice remissivo ISBN 978-85-7753-05 1 -9 I. Tecnologia da informação - Aspectos sociais. 2. Tecnologia da informação - Aspectos políticos. 3. Sociedade da informação. 4. Tecnologia e civilização. 5. História social - 1 970-. 6. História econômica - 1 990-. L Título. II. Série. 99- 1 332 CDD 303.483 CDU 3 1 6.422.44 00999 2 1 o 999 007840 Direitos adquiridos pela EDITO RA PAZ E 'fERRA L"T DA. Rua do Triunfo , 1 77 Santa Ifigêni a, São Paulo , SP - CEP O 1 2 1 2-0 I O Tel. : ( 1 1 ) 3337-8399 ven das@pazeterra. co m. b r www. pazeterra. c o m. b r 20 1 2 I m presso no B rasil I Printed in BMziL Sumário Figuras.......................................................................................................... 11 Tabelas.......................................................................................................... 12 Quadros........................................................................................................ 13 Agradecimentos............................................................................................ 15 Tempo d e Mudança....................................................................................... 19 1. A crise do estatismo industrial e o colapso da União S oviética........ 29 O model o extensivo de crescimento econômico e os limites do hiperindustrialismo....................................................................................... 28 A questão tecnológica................................................................................... 45 A abdução da identidade e a crise do federalismo soviético.......................... 57 A última Perestroika...................................................................................... 66 Nacionalismo, democracia e a desintegração do Estado soviético................ 76 As cicatrizes da história, as lições para a teoria, o legado para a sociedade... 82 2. O surgimento do Quarto Mundo : capitalismo informacional, pobreza e exclusão social.................................................................... 95 Rumo a um mundo polarizado? Uma visão global........................................ 1 00 A desumanização da África........................................................................... 1 07 M arginalização e integração seletiva da África subsaariana na economia informacionaVglobal............................................................ 1 08 O apartheid tecnológico da África no despontar da Era da Informação. 1 1 6 O Estado predatório.............................................................................. 120 8 Sumário Zaire: a apropriação pessoal do Estado............................................. 1 24 Nigéria: petróleo, etnia e predação militar........................................ 1 26 Identidade étnica, globalização econômica e formação dos Estados na África.................................................................................................... 1 30 A difícil situação da África................................................................... 1 4 1 A esperança da África? A conexão sul-africana.................................... 148 Adeus à África ou de volta ao continente negro? A política e a economia da autoconfiança................................................................... 1 5 3 O novo dilema norte-americano: desigualdade, pobreza urbana e exclusão social na Era da Informação.......................................................................... 155 As duas faces da América..................................................................... 156 O gueto do centro das cidades como sistema de exclusão social........... 1 64 Quando a subclasse vai para o inferno.................................................. 173 Globalização, superexploração e exclusão social: a perspectiva das crianças................................................................................................... 1 5 5 A exploração sexual de crianças........................................................... 1 83 A matança de crianças : o massacre da guerra e os soldados mirins....... 1 86 Por que se desperdiçam as crianças....................................................... 1 88 Conclusão: os buracos negros do capitalismo informacional........................ 1 9 1 3. A conexão perversa: a economia d o crime global............................ 203 Globalização organizacional do crime, identificação cultural dos criminosos.............................................................................................. 205 A pilhagem da Rússia.................................................................................... 2 1 7 A perspectiva estrutural........................................................................ 22 1 A identificação dos atores..................................................................... 222 Mecanismos de acumulação................................................................. 224 Narcotráfico, desenvolvimento e dependência na América Latina................ 227 Quais são as conseqüências econômicas da indústria da droga para a América Latina?................................................................................... 232 Por que a Colômbia?............................................................................. 234 O impacto do crime global sobre a economia, a política e a cultura............... 239 9 ,;. ·... ·.. 4. Desenvolvimento e crise na região do Pacífico asiático : a g lobalização e o Estado.................................................................. 25 1... A mudança de destino da região do Pacífico asiático..................................... 25 1 O Japão de Heisei: Estado desenvolvimentista versus Sociedade da Informação.................................................................................................... 259 Um modelo social do processo desenvolvimentista japonês............... 26 1.. Sol poente: a crise do modelo japonês de desenvolvimento.................. 272 O fim da "política Nagatacho".............................................................. 283 Hatten Hokka e Johoka Sgakai: uma relação contraditória................... 286 O Japão e a região do Pacífico............................................................... 293 Decapitar o dragão? Quatro tigres asiáticos com cabeça de dragão e suas sociedades civis............................................................................................ 293 A compreensão do desenvolvimento asiático..................................... 295.. Cingapura: construção nacional pelo Estado via empresas multinacionais..................................................................................... 296. Coréia do Sul: a produção estatal do capitalismo oligopolista........... 300... Taiwan: capitalismo flexível sob a égide de um Estado inflexível....... 304. Modelo econôrnico versus realidade em Hong Kong: empresas de pequeno porte em uma economia mundial e a versão colonial do Estado do bem-estar social.................................................................... 309 A criação dos tigres: semelhanças e diferenças no processo de desenvolvimento econômico................................................................ 3 15 O Estado desenvolvimentista na industrialização do Leste Asiático: conceito de Estado desenvolvimentista.................................. 322.............. O surgimento do Estado desenvolvimentista: da política de sobrevivência ao processo de construção nacional............................... 324 O Estado e a sociedade civil na reestruturação do Leste Asiático: como o Estado desenvolvimentista obteve êxito no processo de desenvolvimento................................................................. 329................. Caminhos divergentes : os tigres asiáticos na crise econômica.............. 333 10 Sumário Democracia, identidade e desenvolvimento no Leste Asiático na década de 90..................................................................................... 340 O nacionalismo desenvolvimentista chinês com características socialistas.. 348 A nova revolução chinesa.................................................................... 348. Capitalismo guan.xi? A China na economia global................................ 354 Os Estados desenvolvimentistas regionais da China e os empresários burocráticos (capitalistas).................................................................... 358 Superando as dificuldades? A China na crise econômica asiática....... 362.. Democracia, desenvolvimento e nacionalismo na nova China............. 365 Conclusão: a globalização e o Estado............................................................ 373 5. A unificação da Europa: globalização, identidade e o Estado em rede.............................................................................. 385... A unificação européia como uma seqüência de reações defensivas: uma perspectiva de meio século.................................................................... 386 Globalização e integração européia............................................................. 393. A identidade cultural e a unificação européia................................................ 40 1 A institucionalização da Europa: o Estado em rede....................................... 405 Identidade européia ou projeto europeu?.............................................. 407........ Conclusão : depreendendo nosso mundo......................................... 4 1 1.... Gênese de um novo mundo.......................................................................... 4 1 2. Uma nova sociedade..................................................................................... 4 1 6 O s novos caminhos d a transformação social................................................. 428 Depois deste milênio.................................................................. 430................... O que deve ser feito?..................................................................................... 436 Final.............................................................................................................. 437 Resumo do índice dos volumes I e II.................................................. 44 1. Bibliografia.................................................................................. 443....... Indice remissivo.................................................................................. 4 7 1 Figuras 1.1 Renda nacional soviética, 1 928-87: estimativas alternativas............... 33 1.2 Renda nacional soviética: papel dos insumos no crescimento da produção......................................................................................... 33 1.3 Taxas de crescimento do PNB soviético, 1 95 1-80............................... 35 2. 1 Índice do PIB per capita em uma amostragem de 5 5 países................ 1 04 2.2 Conectividade internacional............................................................... 119 2.3 Produção de alimentos per capita....................................................... 1 43 2.4 Número de casos de AIDS por milhão na África, 1 990........................ 1 45 2.5 Crescimento anual da renda familiar da classe média, 1 947-94........... 1 5 8 2.6a Salários pagos por hora (homens) de acordo com percentil de salário, 1 973-95.............................................................................. 1 5 8 2.6b Salários pagos por hora (mulheres) de acordo com percentil de salário, 1 973-95.................................................................................. 1 59 2. 7 Variação anual média na renda familiar, 1 947-94................................ 1 60 2.8 Porcentagem de trabalhadores que recebem salários da linha de pobreza, 1 973-95............................................................................ 1 64 2. 9 Taxas de encarceramento nos EU A, 1 850- 1 99 1.................................. 174 2. 1 O Número de detentos em penitenciárias federais ou estaduais ou em prisões locais nos EUA, 1 985-95.............................................. 175 4. 1 Valores do Japão em ações e terrenos em bilhões de ienes, 1 976-96.... 276 Tabelas 1.1 Evolução da renda nacional soviética, 1 928-87: estimativas alternativas.................................................................. 29 1.2 Crescimento da produção e índices de inflação na União Soviética, 1 928-90............................................................... 31 1.3 Insumos e produtividade na União Soviética, 1 928-90................... 32 1.4 Taxas de crescimento do PNB , força de trabalho e capital soviéticos, com índices de investimento/PNB e produção/capital.. 37 1.5 Saldo do intercâmbio de produtos e recursos entre as repúblicas, 1 987......................................................................... 64 1.6 Composição étnica das repúblicas autônomas da Rússia, 1 989...... 65 2. 1 PIB per capita em uma amostragem de 55 países........................... 101 2.2 PIB per capita das economias em desenvolvimento, 1980-96........ 1 09 2.3 Valor das exportações mundiais, países subdesenvolvidos e África subsaariana, 1 950-90........................................................... 110 2.4 Composição das exportações (% ), 1 990......................................... 111 2.5 Porcentuais de participação da África subsaariana em exportações mundiais de grandes categorias de produtos............... 112 2.6 Relações comerciais de países africanos selecionados, 1 985-94.... 113 2. 7 Taxas de crescimento setorial (porcentagem média anual da variação do valor agregado), 1 965-89............................................ 1 14 2.8 Estimativa de soropositivos adultos ( 1 5 a 49 anos) nas cidades e áreas rurais em países africanos selecionados, c. 1 987................... 146 4. 1 Investimento estrangeiro contratado na China pela fonte, 1 979-92 356 Quadros 4. 1 Modelo social do desenvolvimento japonês, 1 955-85...................... 263 4.2 Estrutura e processo de desenvolvimento econômico em Hong Kong, 1 950-85........................................................................ 314 Agradecimentos Este volume encerra 1 2 anos de trabalhos de pesquisa tendo em vista ela­ borar uma teoria da Era da Informação de cunho sociológico, intercultural e fundada em bases empíricas. Ao final desta jornada, que marcou e, em certa medida, exauriu, minha vida, gostaria de consignar publicamente meus agra­ decimentos a diversas pessoas e instituições cuj a contribuição foi decisiva para a conclusão desta obra, escrita em três volumes. Expresso a mais profunda gratidão à minha mulher, Emma Kiselyova, cujo amor e apoio me deram o fervor e a energia necessários para escrever este livro, e cujo trabalho de pesquisa se mostrou essencial em vários capítulos, especialmente no capítulo 1 sobre o colapso da União Soviética, fenômeno pes­ quisado por ambos, na Rússia e na Califórnia. Esse capítulo j amais poderia ter sido desenvolvido sem seus conhecimentos pessoais da experiência soviética, sua análise das fontes em idioma russo e suas correções dos diversos erros que cometi em versões sucessivas do texto. Emma também foi a principal pesqui­ sadora para a elaboração do capítulo 3 sobre a economia do crime global. O capítulo 4, acerca do Pacífico Asiático, dependeu em grande parte da contribuição e dos comentários de três colegas que, ao longo dos anos, têm sido incansáveis fontes de consulta para minhas idéias e informações sobre as socie­ dades asiáticas : professor You-tien Hsing da Universidade de Colúmbia Britânica; professor Shuj iro Yazawa, da Universidade Hitotsubashi de Tóquio; e professor Chu-joe Hsia, da Universidade Nacional de Taiwan. O capítulo 2, que trata da exclusão social, não poderia existir sem a extraordinária assistên­ cia em pesquisa de meu colaborador Chris Benner, aluno de doutorado em Berkeley no período 1 995-7. V árias pessoas, além das acima referidas, prestaram sua generosa contri­ buição, na forma de informações e idéias, ao trabalho de pesquisa apresentado neste volume. Meus sinceros agradecimentos a Ida Susser, Tatyana Zaslavs­ kaya, Ovsey Shkaratan, Svetlana Natalushko, Valery Kuleshov, Alexander 16 Agradecimentos Granberg, Joo-Chul Kim, Carlos Alonso Zaldivar, Stephen Cohen, Martin Carnoy, Roberto Laserna, Jordi Borj a, Vicente Navarro e Alain Touraine. Gostaria ainda de agradecer aos colegas que teceram comentários sobre as primeiras versões deste volume, ajudando-me a corrigir alguns de meus erros : Ida Susser, Tatyana Zaslavskaya, Gregory Grossman, George Breslauer, Shujiro Yazawa, You-tien Hsing, Chu-j oe Hsia, Roberto Laserna, Carlos Alon­ so Zaldivar e Stephen Cohen. Durante todos esses anos, diversas instituições de pesquisa prestaram-me apoio indispensável para o trabalho aqui apresentado. Agradeço aos diretores e aos colegas dessas instituições que me ensinaram muito do que sei a respeito das sociedades em todo o mundo. Uma das mais importantes dessas instituições é minha residência intelectual desde 1 97 9 : a Universidade da Califórnia em Berkeley, e mais especificamente as unidades acadêmicas em que trabalho: o Departamento de Planej amento Regional e Urbanístico, Departamento de Sociologia, Centro de Estudos sobre a Europa Ocidental, Instituto de Desen­ volvimento Regional e Urbano, e a Mesa Redonda de Berkeley sobre Econo­ mia Internacional. Outras instituições que prestaram todo o apoio para a realização de meu trabalho acerca dos temas abordados neste volume durante a última década incluem: o Instituto de Sociologia de Nuevas Tecnologias, e Programa de Estudios Rusos, Universad Autonoma de Madrid; Associação Russa de Sociologia; Centro de Estudos Avançados de Sociologia, Instituto da Juventude, Moscou; Instituto de Economia e Engenharia Industrial, Academia Soviética (e, posteriormente, Russa) de Ciências, Novosibirsk; Universidade da Califórnia, Programa de Pesquisas sobre a Bacia do Pacífico; Faculdade de Ciências S ociai s, Universidade Hitotsubashi, Tóquio; Universidade Nacional de Cingapura; Universidade de Hong Kong, Centro de Estudos Urbanos; Uni­ versidade Nacional de Taiwan; Instituto Coreano de Estudos de Colônias de Povoamento ; Instituto de Tecnologia e Economia Internacional, Conselho Estatal, Pequim; Centro de Estudios de la Realidad Economica e Social, Cochabamba, B olívia; Instituto Internacional de Estudos do Trabalho da Orga­ nização Internacional do Trabalho, Genebra. Reservo uma menção especial a John Davey, ex-diretor editorial da Blackwell Publishers. Por mais de vinte anos ele tem me orientado em técnicas de redação e comunicação, além de prestar valiosos serviços de assessoria em editoração. Sua contribuição pessoal na forma de comentários sobre a conclu­ são deste volume foi decisiva. Meu trabalho escrito j amais pode ser dissociado de minha interação intelectual com John Davey. - -Agradecimentos 17 Gostaria também de citar o nome de algumas pessoas que desempenha­ ram papel fundamental no meu desenvolvimento intelectual global durante os últimos trinta anos. Seu trabalho e seu pensamento encontram-se, de diversas formas, presentes nesta obra, estando contudo sob minha inteira responsabili­ dade. São eles: Alain Touraine, Nicos Poulantzas, Fernando Henrique Cardoso, Emílio de Ipola, Jordi B orj a, Martin Carnoy, Stephen Cohen, Peter Hall, Vicente Navarro, Anne Marie Guillemard, Shujiro Yazawa e Anthony Giddens. Tive a sorte de crescer, em uma rede global, em meio a uma geração excepcio­ nal de intelectuais comprometidos tanto com a compreensão como com a trans­ formação do mundo, ao mesmo tempo mantendo a distância necessária entre a teoria e a prática. Fina1l mente, cabe-me ainda consignar agradecimentos a meus cirurgiões, Dr. Peter Carroll e Dr. James Wolton, e a meu médico, Dr. James Davis, todos do Centro Médico de São Francisco da Universidade da Califórnia, cujos cui­ dados e profissionalismo deram-me o tempo e a energia necessários para a con­ clusão desta obra. Maio de 1 997 Berkeley, Califórnia O autor e os editores agradecem também a autorização concedida para a reprodução do material apresentado abaixo: Carmen Balcells Literary Agency e Farrar Straus & Giroux Inc. : excerto de "Too Many Names" de Extravagaria de Pablo Neruda, traduzido para o inglês por Alastair Reid (Farrar Straus & Giroux, 1 97 4 ), copyright © da tradu­ ção 1 97 4 de Alastair Reid; Blackwell Publishers: tabela 1.4, Padma Desai ( 1 987) ; Carfax Publishing Company, PO Box 25, Abingdon, Oxon OX 1 4 3UE: tabelas 1. 1 , 1.2 e 1.3 e figuras 1. 1 e 1.2, Mark Harrison: Europe-Asia Studies 45 ( 1 993) ; The Economist: figuras 2.3 e 4.5, copyright © The Economist, Londres 1 996; Random House UK Ltd: linhas de um dos poemas de Pablo Neruda, de Collected Poems (Cape, 1 970) ; M.E. Sharpe Inc. , Armonk, NY 1 0504: figuras 2. 5 , 2.6a, 2.7 e 2. 8 , Lawrence Mishel, Jared Bernstein e John Schmitt ( 1 996); 18 Agradecimentos V.H. Winston & Son Inc. : tabela 1.6, D.J.B. Shaw: Post-Soviet Geogra­ phy ( 1 993), © V.H. Winston & Son Inc. , 360 South Ocean Boulevard, Palm B each, FL 33480. Todos os direitos reservados. Foram envidados todos os esforços para encontrar e entrar em contato com os detentores dos direitos de reprodução antes da publicação. Se notifica­ da a editora terá imensa satisfação em corrigir quaisquer erros ou omissões nos casos em que não tenha sido possível fazê-lo. Tempo de Mudança Costuma-se pensar que a virada de um milênio sej a uma época de mudan­ ças. Mas nem sempre isso é verdade: o fim do primeiro milênio, de forma geral, não apresentou novidades. Quanto ao segundo, aqueles que estiverem esperan­ do algum tipo de raio fatal terão de preocupar-se em acertar os relógios de for­ ma correta, visto que, em termos estritamente cronológicos, o segundo milênio termina à meia-noite do dia 3 1 de dezembro do ano 2000, e não de 1 999 como a maioria das pessoas comemorarão ou terão comemorado. Ademais, estamos mudando de milênio apenas com base no calendário gregoriano do cristianis­ mo, religião em minoria destinada a perder a primazia no multiculturalismo que caracterizará o próximo século. No entanto, este representa de fato um tempo de mudanças, independen­ temente de como o calculemos. Nos últimos vinte e cinco anos deste século que se encerra, uma revolução tecnológica com base na informação transformou nosso modo de pensar, de produzir, de consumir, de negociar, de administrar, de comunicar, de viver, de morrer, de fazer guerra e de fazer amor. Constituiu­ se uma economia global dinâmica no planeta, ligando pessoas e atividades importantes de todo o mundo e, ao mesmo tempo, desconectando das redes de poder e riqueza as pessoas e os territórios considerados não pertinentes sob a perspectiva dos interesses dominantes. Uma cultura de virtualidade real, cons­ truída em torno de um universo audiovisual cada vez mais interativo, permeou a representação mental e a comunicação em todos os lugares, integrando a diversidade de culturas em um hipertexto eletrônico. O espaço e o tempo, bases materiais da experiência humana, foram transformados à medida que o espaço de fluxos passou a dominar o espaço de lugares, e o tempo intemporal passou a substituir o tempo cronológico da era industrial. Expressões de resistência social à lógica da informacionalização e da globalização são construídas em torno de identidades primárias, criando comunidades defensivas em nome de Deus, da localidade, da etnia ou da família. Ao mesmo tempo, instituições 20 Tempo de Mudança sociais básicas importantes, como o patriarcalismo e o Estado-nação, são ques­ tionadas sob a pressão conjunta da globalização da riqueza e informação e da localização de identidade e legitimidade. Esses processos de mudança estrutural, analisados nos dois volumes anteriores desta obra, levam a uma transformação fundamental dos contextos macropolíticos e macrossociais que definem e condicionam a ação social e a experiência humana em todo o mundo. Este volume examina algumas dessas macrotransformações e procura explicá-las como resultado da interação entre os processos que caracterizam a Era da Informação : informacionalização, glo­ balização, atividades em rede, construção de identidades, crise do patriarcalis­ mo e do Estado-nação. Embora não afirme que todas as dimensões importantes da transformação histórica estejam representadas neste volume, acredito que as tendências documentadas e analisadas nos capítulos seguintes logram consti­ tuir um novo cenário histórico, cujas dinâmicas provavelmente terão efeitos duradouros em nossa vida e na vida de nossos filhos. Não é por acaso que o volume começa com uma análise do colapso do comu­ nismo soviético. A Revolução Russa de 1 9 1 7 e o movimento comunista interna­ cional que ela promoveu representaram o fenômeno político e ideológico predominante no século XX. O comunismo e a União Soviética, juntamente com as reações contrárias por eles desencadeadas em todo o mundo, marcaram de for­ ma decisiva sociedades e pessoas durante o século. E, assim mesmo, esse império poderoso, com sua forte mitologia, desintegrou-se em apenas alguns anos, consti­ tuindo um dos exemplos mais extraordinários de inesperada mudança histórica. Defendo que as raízes desse processo, que caracteriza o fim de uma época histó­ rica, residem na inabilidade demonstrada pelo estatismo ao administrar a transi­ ção para a Era da Informação. O capítulo 1 busca oferecer base empírica a essa tese. O fim do comunismo soviético e a apressada adaptação do comunismo chinês ao capitalismo global deixaram apenas uma nova marca de capitalismo mais enxuto e mais mesquinho, pelo menos em seu alcance planetário. A rees­ truturação do capitalismo nos anos 70 e 80 demonstrou a versatilidade de suas regras operacionais e sua capacidade de utilizar a lógica do sistema de redes da Era da Informação com eficiência para promover um enorme avanço nas forças produtivas e no crescimento econômico. No entanto, ela também expôs a lógi­ ca excludente do capitalismo, à medida que milhões de pessoas e grandes regiões do planeta estã!J sendo excluídas dos benefícios do informacionalismo, tanto no mundo desenvolvido como nos países em desenvolvimento. O capítu­ lo 2 documenta essas tendências, relacionando-as à natureza não controlada das redes capitalistas globais. Além disso, à margem do capitalismo global, surge Tempo de Mudança 21 um novo ator coletivo que poderá mudar as regras das instituições econômicas e políticas nos próximos anos: o crime global. Na verdade, aproveitando-se do caos mundial que se seguiu à desintegração do império soviético, manipulando populações e territórios excluídos da economia formal e utilizando os instru­ mentos do sistema de redes globais, atividades criminosas proliferam pelo pla­ neta e interligam-se para constituir uma economia emergente do crime global que penetra os mercados financeiros, o comércio, os negócios e os sistemas polí­ ticos de todas as sociedades. Essa conexão perversa representa uma caracterís­ tica significativa do capitalismo informacional global. Uma característica cuj a importância e m geral é reconhecida n a mídia, mas não integrada e m análise social, falha teórica que tentarei corrigir no capítulo 3 deste volume. Concomitantemente, tem havido extraordinária expansão capitalista, o que inclui centenas de milhões de indivíduos no processo de desenvolvimento, sobretudo na região do Pacífico asiático (capítulo 4). O processo de incorpora­ ção de regiões dinâmicas da China, Índia, bem como do Leste e Sudeste Asiáti­ co - na esteira do desenvolvimento j aponês - em uma economia global interdependente muda a história e estabelece base multicultural de interdepen­ dência econômica. Tudo isso sinaliza o fim do domínio ocidental que caracte­ rizou a era industrial desde seu início. Também aponta a interdependência das crises econômicas surgidas em continentes diferentes. Diante do turbilhão da globalização e com o abalo dos alicerces culturais e geopolíticos do mundo na forma em que se apresentavam, os países europeus uniram-se - não sem problemas - no processo de unificação da Europa que, simbolicamente, visa unificar suas moedas e, portanto, as economias por volta da virada do milénio (capítulo 5 ). Entretanto, as dimensões culturais e políti­ cas, essenciais para o processo da unificação européia, ainda se apresentam ins­ táveis. Com isso, o destino da Europa, em última < ;:: Argentina 4.987 7.970 7.6 1 6 52 48 35 -4 -13 -8 -26 "' "'' II Brasil 1.673 3.9 1 3 4.637 17 24 22 6 -2 35 -9 "'o o -I Chile 3.827 5.028 7.238 40 30 34 -10 3 -24 22 -2..., Colômbi a 2.089 3.539 5.025 21 23 2 9 4. 1 89 5. 1 1 2 22 25 24 3 -2 16 -6 li I México 2.085 Peru 2.263 3.953 2. 854 24 24 13 o - -44 Venezuela 7.424 1 0.7 1 7 9. 1 63 78 65 43 -13 -22 -17 -34 Média 3.478 5.6 1 6 5. 949 36 34 28 -3 -6 -7 -18 I O países asiáticos Bangladesh 55 1 478 720 6 3 3 -3 o - 50 16 Burma 393 589 748 4 4 3 -I o -14 -2 China 614 I. I 86 3.098 6 7 14 I 7 II 101 o "' Coréia do Sul 876 2. 840 1 0.0 1 0 9 17 46 8 29 87 1 72 ".., Filipinas 1.293 1.956 2.2 1 3 14 12 10 -2 -2 -I3 -13 rr.s. a (1) Índia 597 853 1.348 6 5 6 -I I -I 8 22 o Indonési a 874 1.5 3 8 2.749 9 9 13 o 3 I 38 õ o. o Paquistão 650 98 1 1.642 7 6 8 -1 2 -13 29 I 1.590 10 " Taiwan 922 3. 669 10 22 54 12 32 1 29 1 43 O> ;::; Tailândia 848 1.750 4.694 9 II 22 2 II 19 1 07 o " o M éd i a 762 1.5 84 3.88 1 8 10 18 2 8 20 89 o. ? () O> §. I O países africanos "E. África do Sul 2.25 1 3. 844 3.45 1 24 23 16 o -7 -2 -3 I :;;· a Costa do Marfi m 859 1.727 1. 1 34 9 10 5 I -5 16 -49 o Egito 517 947 1.927 5 6 9 o 3 6 57 Etiópia 277 412 300 3 2 I o -1 -14 -44 3O> " Gana 1. 1 93 1.260 1.007 12 8 5 -5 -3 -39 -38 õ" o Marrocos 1.6 1 I 1. 65 1 2. 327 17 lO II -7 I -4 1 9 Nigéria 547 1. 1 20 1. 1 52 6 7 5 I -1 -2 1 "' -I 18 o O" Quênia 609 947 1.055 6 6 5 -I -10 - 14 @ N Tanzânia 427 655 60 1 4 4 3 -I -I -12 -29 O> (1) Zaire 636 757 353 7 5 2 -2 -3 -3 I -64 (1) >< () [ "'' Média 893 1. 332 1.33 I 9 8 6 -I -2 -14 -23 o "' o §.: " Fonte : Maddison ( I 995), calculado a partir dos dados da tabela 1.3 õ u.> 1 04 O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social 100 +------+---1....._ EUA 90 r-------r- --_J 3 países considerados ocidentais 70 1 6 países da Europa Ocidental 60 50 40 7 países latino-americanos 30 7 países da Europa Oriental 20 =--- ==f:::::. I O países asiáticos F J 10 ___ ___ O +-----t--1.....____ 1 0 países africanos 1950 1 973 1 992 Figura 2.1 Índice do PIB per capita em uma amostragem de 55 países (EUA = 1 00) Fonte : gráfico elaborado a partir da tabela 2. 1 da OCDE e o restante do planeta, representando a esmagadora maioria da popu­ lação, ainda é abissal. Assim, utilizando as estatísticas econômicas históricas levantadas por Maddison, 11 Benner e eu elaboramos a tabela 2. 1 , graficamente representada na figura 2. 1 , demonstrando a evolução do índice de PIB per capi­ ta para um grupo de países selecionados, classificados com base no valor rela­ tivo de seus índices comparados aos Estados Unidos, entre 1 950, 1 973 e 1 992. O Japão logrou sucesso em atingir praticamente a condição de paridade duran­ te as últimas quatro décadas, enquanto a Europa Ocidental melhorou sua posi­ ção relativa, ficando, contudo, abaixo dos EUA por uma margem de diferença considerável. Durante o período compreendido entre 1 973 -92, segundo a amostragem dos países latino-americanos, africanos e da Europa Oriental estu­ dados por Maddison, a queda do valor relativo do PIB foi ainda maior. Quanto aos dez países asiáticos, inclusive os milagres econômicos da Coréia do Sul, China e Taiwan, registrou-se uma melhoria substancial em sua posição, mas em termos absolutos, em 1 992, eram ainda mais pobres do que qualquer região do mundo à exceção da África, representando, ao todo, apenas 1 8% do nível de riqueza dos EUA, embora isso se deva sobretudo à população da China. O surgimento do Quarto Mundo: c apitalismo informacional, pobreza e exclusão social 1 05 No entanto, embora continue a haver discrepâncias na distribuição de riqueza entre países, de modo geral as condições de vida da população mundial, em média, apresentaram melhoria lenta e constante ao longo das últimas três décadas, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Isso se deve fundamentalmente a melhores oportunidades educacio­ nais e elevação dos padrões de saúde e assistência médica, traduzido pelo expressivo aumento na expectativa de vida, que nos países em desenvolvimen­ to subiu de 46 anos na década de 60 para 62 anos em 1 993, em especial no que concerne às mulheres. 1 2 A evolução da desigualdade na distribuição de renda apresenta um perfil distinto se avaliado sob uma perspectiva global ou se observarmos sua trans­ formação em determinados países sob uma perspectiva comparativa. No mun­ do, durante as últimas três décadas tem havido crescente desigualdade e polarização na distribuição da riqueza. Segundo o Relatório sobre Desenvolvi­ mento Humano elaborado em 1 996 pela UNDP, apenas US$5 trilhões dos US$23 trilhões de PIB global originaram-se dos países em desenvolvimento, embora estes respondam por quase 80% do total da população mundial. Os 20% mais pobres viram sua parcela de participação na renda global cair de 2,3% para 1 ,4% nos últimos trinta anos. Ao mesmo tempo, a fatia dos 20% mais ricos cresceu de 70% para 85%. Com isso, a razão da participação no "bolo" do PIB entre os países mais ricos e os mais pobres dobrou, de 30: 1 para 6 1 : 1. Os bens dos 358 maiores bilionários do mundo (em US$) superam a soma das ren­ das anuais de países com nada menos que 45% da população mundial. A dife­ rença em termos de renda per capita entre os mundos industrial e em desenvolvimento triplicou, de US$5.700 em 1 960 para US$ 1 5.000 em 1 993. 13 "Entre 1 960 e 1 99 1 , todos, exceto os 20% mais ricos [da população mundial] viram sua parcela de participação na renda global encolher, de modo que, por volta de 1 99 1 , mais de 85% da população mundial recebia apenas 1 5 % da ren­ da total - outro indício de um mundo ainda mais polarizado". 14 Por outro lado, há uma disparidade considerável na evolução da desigual­ dade interna de distribuição de renda em diversas regiões do mundo. Nas últi­ mas duas décadas, a desigualdade na distribuição de renda cresceu nos Estados Unidos 15, Reino Unido, 16 Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Peru, Tailândia e Rússia; 17 e, nos anos 80, no Japão, 18 Canadá, Suécia, Austrália, Alemanha19 e México/0 apenas para citar alguns exemplos relevantes. Contudo, a desigual­ dade na distribuição de renda diminuiu de 1 960 a 1 990 na Índia, Malásia, Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do SuF1 Além disso, de acordo com dados levantados por Deininger e Squire, se compararmos o nível de desigualdade na I 06 O surgimento do Quarto Mundo : capitalismo informacional, pobreza e exclusão social distribuição de renda, medido pelo coeficiente de Gini , por regiões do mundo, entre os anos 90 e os anos 70, em 1 990 tal desigualdade era bem maior na Europa Oriental, um pouco mais elevada na América Latina, porém menor em todas as demais regiões, se analisada em nível altamente agregado.22 Parece provável que tal disparidade na evolução da desigualdade entre as regiões do mundo estej a associada a dois principais fatores. Para os países em desenvol­ vimento, essa disparidade corresponde à taxa de migração do campo para a cidade, uma vez que o principal fator referente à desigualdade na distribuição de renda é a diferença abissal entre os níveis de renda verificados nas áreas rurais e nas aglomerações urbanas, mesmo considerando-se a pobreza urbana generalizadaY Quanto aos países industrializados, a questão central reside no diferencial de desenvolvimento dos respectivos Estados do bem-estar social, bem como nas faixas salariais e benefícios sociais concedidos, o que está dire­ tamente relacionado ao poder de negociação dos sindicatos dos trabalhadores. 24 Contudo, se a evolução da desigualdade interna de um determinado país no nível de distribuição de renda apresenta variações, o que parece ser umfenô­ meno global é o avanço da pobreza, e principalmente da pobreza extrema. Com efeito, a aceleração do processo de desenvolvimento desigual e a inclusão e exclusão simultâneas das pessoas no processo de crescimento, que considero característico do capitalismo informacional, traduzem-se na polarização, bem como na propagação da miséria entre um contingente cada vez maior de pes­ soas. Dessa forma, segundo relatório do UNDP: Desde 1 980, tem havido uma aceleração muito grande no processo de cresci­ mento econômico em cerca de 15 países, resultando em um aumento rápido nos níveis de renda para muitos dos seus 1 ,5 bilhão de habitantes, o que repre­ senta mais de um quarto da população mundial. Durante boa parte desse perío­ do, contudo, a retração ou estagnação econômica afetou nada menos que cem países, causando redução nos níveis de renda de 1 ,6 bilhão de pessoas, o que também representa mais de uma quarta parte da população mundial. Em setenta desses países os níveis médios de renda são inferiores aos de 1 980 - e em 43, menores que os registrados em 1 970. [Além disso] , durante o perío­ do de 1 970 a 1 985 o PIB global aumentou em cerca de 40%, mas o número de pobres cresceu aproximadamente 1 7 %. Enquanto duzentos milhões de pes­ soas tiveram uma queda em seus níveis de renda entre 1 965 e 1 980, o mesmo aconteceu para mais de um bilhão de pessoas de 1 980 a 1 993.25 Em meados de 1 990, considerando como a linha de pobreza extrema um nível de consumo equivalente a um dólar por dia, 1 ,3 bilhão de pessoas, quer dizer, 3 3 % da população do mundo em desenvolvimento, encontram-se em O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social 1 07 estado de miséria. Dessas pessoas, 550 milhões viviam no sul da Á sia, 2 1 5 milhões na África subsaariana e 1 50 milhões n a América Latina. 26 Em estima­ tiva semelhante, partindo-se do limite de um dólar como a linha divisória da pobreza extrema, a OIT calcula que a porcentagem da população situada abai­ xo dessa linha tenha aumentado de 5 3 , 5 % em 1 985 para 54,4% em 1 990 na África subsaariana; de 23% a 27,8% na América Latina; e tenha diminuído de 6 1 , 1 % para 59%, no sul da Á sia, e de 1 5,7% para 1 4,7%, no Leste e Sudeste Asiático (excluindo-se a China).27 De longe, a pobreza está eminentemente concentrada nas áreas rurais: em 1 990, a proporção de pessoas pobres entre a população rural era de 66% no Brasil, 72% no Peru, 43 % no México, 49% na Í ndia e 54% nas Filipinas. 28 Portanto , de modo geral, a ascensão do capitalismo info rmacional global caracteriza -se, indubitavelmente, pelo desenvolvimento e subdesen­ volvimento econômico simultâneos, inclusão social e exclusão social, em um processo que se reflete, grosso modo, em estatísticas comparativas. Há polarização na distribuição de riqueza em âmbito global, evolução diferen­ cial na desigualdade de distribuição de renda interna nos países e crescimen­ to substancial da pobreza e da miséria no mundo inteiro e na maioria dos países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento. Contudo, os meca­ nismos de exclusão social, bem como os fatores respons áveis por esses mecanismos, exigem uma análise qualitativa dos processos pelos quais são ocasionados. A desumanização da África29 O surgimento do capitalismo informacional/global no último quarto do século XX coincidiu com o colapso das economias africanas, a desintegração de muitos dos seus Estados e a dissolução da maioria de suas sociedades. Como conseqüência, fome, epidemias, violência, guerras civis, massacres, êxodo em massa e caos social e político constituem, neste final de milénio, tra­ ços característicos da terra que assistiu ao nascimento do fóssil Lucy, talvez o ancestral comum da humanidade. Sustento a idéia de que a causalidade social e estrutural e stá vinculada a essa coincidência histórica. Tentarei ainda demonstrar, nas próximas páginas, a complexa interação entre economia, tec­ nologia, sociedade e política no desenvolvimento de um processo que nega a condição de humanidade ao povo africano, bem como a todos nós, em nosso ser mais profundo. 1 08 O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social Marginalização e integração seletiva da África subsaariana na economia informacional/global Nas duas últimas décadas, enquanto uma economia global e dinâmica se instaurava em boa parte do mundo, a Á frica subsaariana experimentava um processo de significativa deterioração de sua posição relativa no comércio, investimentos, produção e consumo em relação a todas as demais áreas do globo, e concomitantemente seu PIB per capita sofreu uma queda durante o período de 1 980 a 1 995 (tabela 2.2). No início da década de 90, a receita con­ junta de exportação de seus 45 países, com uma população de cerca de quinhen­ tos milhões de habitantes, atingiu apenas US$36 bilhões em valores atuais, registrando queda em relação aos US$50 bilhões auferidos em 1 980. Essa cifra corresponde a menos da metade das exportações de Hong Kong no mesmo período. Sob uma perspectiva histórica, de 1 870 a 1 970, durante a incorpora­ ção da África à economia capitalista, sob o período neocolonialista, as expor­ tações africanas tiveram crescimento acelerado, com sucessivos aumentos da participação no total de exportações dos países em desenvolvimento. Em 1 950, a África respondia por mais de 3 % das exportações mundiais; em 1 990, contu­ do, por cerca de 1 , 1 %.30 Em 1 980, a África era o destino de 3 , 1 % do total das exportações mundiais; em 1 995, esse número caiu para 1 ,5 %. As importações de produtos africanos sofreram redução de 3,7% em 1 980 para 1 ,4% em 1 995.31 Além disso, as exportações africanas mantiveram-se restritas a commo­ dities primárias (92% do total de exportações) e principalmente agrícolas (res­ ponsáveis por cerca de 76% da receita de exportação em 1 989-90). Há também uma tendência de aumento na concentração da exportação de produtos agríco­ las, limitando-se a algumas poucas culturas, como o café e o cacau, que respon­ deram por 40% da receita de exportação em 1 989-90. A razão entre exportação de bens manufaturados sobre total das exportações caiu de 7,8% em 1 965 para 5 ,9% em 1 985, ao mesmo tempo em que aumentou de 3% para 8,2% no oeste da Á sia, de 28,3% para 5 8,5% no sul e Sudeste Asiático e de 5 ,2% para 1 8,6% na América Latina.3 2 Uma vez que os preços das commodities primárias têm sofrido sucessivas quedas desde meados da década de 70, a deterioração das relações comerciais, resultante da composição das exportações, causa enormes dificuldades ao crescimento da África dentro de um modelo econômico volta­ do para o exterior. Com efeito, segundo Simon et al., as políticas de ajuste, ins­ piradas pelo FMI/Banco Mundial e destinadas a melhorar o desempenho das exportações, acabaram na verdade aumentando o grau de dependência de com­ modities primárias como algodão e cobre, o que minou os esforços de alguns Tabela 2.2 PIB per capita das economias em desenvolvimento, 1 9 80-96 Taxa anual de crescimento PIB per capita do PIB per capita (%) (dólares de 1 988) o tn - 1 98 1 -90 1 99 1 -95 1 995" 1 996b 1 980 1 990 1 995" 1 996b õ Países em desenvolvimento 1 ,0 2,9 3,3 4,0 770 858 988 1.028 0.. o América Latina -0,9 0,8 -0,9 0,75 2. 1 48 2.008 2.092 2. 1 06 - I ,3 ê Á frica -0,9 0,0 1 ,5 72 1 700 657 667 Oeste da Á sia -5,3 -0,6 0,4 0,25 5.736 3.423 3.328 3.335 a:: Sul e Sudeste Asiático 3,9 4,0 5,0 6,0 460 674 817 865 c "' China 7,5 1 0,2 9, 1 8,0 202 41 1 664 716.§ (") Pafses subdesenvolvidos -0,5 -0,9 0,4 1 ,75 26 1 249 238 243 [ §' " Estimativas prel iminares. b Previsão. :r Fonte: ONU/DESIPA Õ' õ" ? "' '"d [ N "" (1) (") Leste da Á sia e Pacífico 13 18 22 47 19 õ P- 0 Sul da Á sia 6 24 5 65 33 0 c: g Europa 9 16 27 47 16 Oriente Médio e Norte da África 75 12 I 15 4 América Latina e Caribe 38 29 II 21 3 s:: c: ::> Países de baixa e média renda 31 20 15 35 12 "' Países de baixa renda 27 20 9 45 21 -9. O s percentuais referem-se às exportações das respectivas regiões; dados ponderados pelo volume dos fluxos comerciais ; toda a ASS está classifica­ @ s· da como de baixa renda, à exceção dos seguintes países: (a) de baixa a média renda - Zimbábue, Senegal , Costa do Marfim, Camarões , Congo, B ot­ 3"' Õ' suana, Angola, Namíbia; (b) de média a alta renda: Á frica do Sul, Gabão; países de baixa renda incluem a Índia e a China. "' Fonte: Banco Mundial ( 1 992) World Development Report 1 992 ; elaborada por Simon et ai. ( 1 995) õ' ::> "" o a- @ N "' "' "' :>< "' [ "'' o "' o E (') 1 12 O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social Tabela 2.5 Percentuais de participação da África subsaariana em exportações mundiais de gran- des categorias de produtos Participação da Participação da Participação da categoria do África categoria do Categorias produto nas subsaariana produto nas de exportaçõoes nas exportações exportações da Produtos mundiais mundiais ASS 1 9 70 1 988 1 9 70 1 988 1970 1 988 Petróleo cru (SITC 3 3 1 ) 5,3 6,0 6,5 6,9 1 4,0 34,5 Produtos não relacionados a petróleo (SITC 0-9 menos 33 1 ) 94,7 94,0 2,2 0,8 86,0 65,5 Commodities primárias' (não relacionadas a petróleo) 25,9 1 6,3 7,0 3,7 73,8 50,4 Produtos agrícolas 7,0 2,8 6,3 3,6 1 2,3 8,2 Minerais e minérios 7,5 3,8 9,7 4,2 30,0 14,6 18 commodities' segundo classificação do IPC 9, 1 4,3 1 6, 1 1 0,0 59, 1 35,6 ' SITC Standal;lf International Trade Classification (Classificação Internacional Padrão de Comér­ cio) O, 1 , 2-(233 , 244, 266, 267), 4, 68 e item 522.56. = ' 0 que a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) denomina IPC (Dados Integrados sobre Commodities, supostamente de maior importância aos países em desenvolvimen­ to) : bananas, cacau, café, algodão e fio de algodão, fibras e produtos duráveis, juta e manufaturados de juta, carne bovina, borracha, açúcar, chá, madeira de florestas tropicais, óleos e sementes vegetais, bauxita, cobre, minério de ferro, manganês, fosfatos e estanho. ASS, África subsaariana. Fontes: Tabela elaborada com base nos dados da UNCTAD de 1 984, 1 986, 1 98 8 e 1 989: várias tabe­ las; UNCTAD, 1 980; tabelas 1. 1 e 1.2; elaboradas por Simon et al. ( 1 995) doadores humanitários, tornou-se um elemento essencial para a economia afri­ cana. Em 1 990, a África recebeu 30% do montante destinado ao auxílio finan­ ceiro no mundo todo. Em 1 994, a ajuda financeira internacional representou 1 2,4% do PNB da Á frica, comparada a 1 , 1 % para os países de baixa e média renda tomados em conjunto. 36 Em vários países, essa ajuda responde por uma parcela substancial do PNB (por exemplo, 65 ,7% em Moçambique e 45,9% na Somália).37 O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social 1 13 Tabela 2.6 Relações comerciais de países africanos selecionados, 1 985-94 Relações comerciais (1 987= 100) Países 1 985 1 994 Burkina Passo 1 03 103 Burundi 1 33 52 Camarões 113 79 Congo 1 50 93 Costa do Marfim 1 09 81 Etiópia 1 19 74 Gâmbia 1 37 III Madagascar 1 24 82 Malawi 99 87 Mali 1 00 1 03 Moçambique 1 13 1 24 Níger 91 101 Nigéria 1 67 86 Quênia 1 24 80 Ruanda 1 36 75 Senegal 1 07 1 07 Serra Leoa 1 09 89 Tanzânia 1 26 83 Tchad 99 1 03 Togo 1 39 90 Uganda 1 49 58 Zimbábue 1 00 84 Fonte: B IRD ( 1 996), tabela 3, p. 1 92 Na década de 80 houve um ingresso maciço de empréstimos externos (a maioria proveniente de governos e instituições internacionais, ou avalizados por essas instituições) para salvar as economias africanas do colapso. Em con­ seqüência, a Á frica se tomou a região mais endividada do mundo. Em termos de porcentagem do PNB, a dívida externa total saltou de 30,6% em 1 980 para 78,7% em 1 994;3 8 e como porcentagem do valor das exportações, aumentou de 97% em 1 980 para 324% em 1 990.39 Cientes da impossibilidade de a África saldar essa dívida, os credores do governo e as instituições internacionais valeram-se dessa dependência finan­ ceira para impor políticas de ajuste sobre os países africanos, exigindo subser­ viência em troca do perdão parcial da dívida ou de sua renegoci ação. Discutirei Tabela 2.7 Taxas de crescimento setorial (porcentagem média anual da variação do valor agregado), 1 965-89 Agricultura Indústria Serviços -- o "' Grupo de países 1 965- 73 1 9 73-80 1 980-89 1 965-73 1973-80 1 980-89 1 965- 73 1 973-80 1 980-89 c Economias de baixa renda 2,9 1 ,8 4,3 1 0,7 7,0 8,7 6,3 5,3 6, 1 · :::s §" õ Economias de renda média 3,2 3 ,0 2, 7 8,0 4,0 3, 2 7,6 6,3 3, 1 Economias de renda média altamente endividadas 3, 1 3,6 2, 7 6,8 5 ,4 1,0 7,2 5 ,4 1, 7 Á frica subsaariana 1,8 o 2,2 -0,3 1 3,9 4,2 -0,2 4, 1 3,1 1,5 Leste da Ásia 3,2 2,5 5,3 1 2,7 9,2 1 0,3 1 0,5 7,3 7, 9 c :::s Sul da Ásia 3, 1 2,2 2,7 3,9 5,6 7,2 4,0 5,3 6, I 2, 5 1, 1 1, 7 (') América Latina e Caribe 3,0 3,7 6,8 5, 1 7,3 5 ,4 -9. § Os números em itál ico nas colunas de 1 980-89 não correspondem à década inteira. Fonte: Banco Mundial ( 1 990) World Development Report 1 990, p. 1 62; elaborada por Simon et al. ( 1 995) s· 3 8' - 0 :::s l t;l " " "" (') 2'.,. V> o o o V> E g Conecti vidade internacional Fonte: copyright © 1 995 La.Ty Landweber e Internet Society Figura 2.2 \!) 1 20 O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social dominado por multinacionais que, em geral, garantem que fazem a manutenção dos equipamentos. A maioria dos sistemas é de prateleira, o que quer dizer que se dispõe de algum conhecimento local sobre como operá-los, mas não sobre sua programação ou conserto. As poucas empresas locais de software só são capazes de executar pequenas tarefas de programação.56 A dependência e subdesenvolvimento tecnológicos, em um período de transformação tecnológica acelerada no resto do mundo, literalmente impossi­ bilita a África de competir no mercado internacional em serviços relacionados à indústria e à tecnologia avançada. Outras atividades que também dependem de um processamento de informações eficiente, como a promissora indústria do turismo, acabam caindo nas mãos de operadoras e agências de turismo inter­ nacionais, que , por controlarem as informações do mercado, ficam com a "parte do leão" das receitas geradas pelos turistas em visita aos leões africanos. Até mesmo as exportações agrícolas e de minério, que representam o maior volume das exportações africanas, estão se tomando cada vez mais dependen­ tes do gerenciamento de informações sobre operações internacionais, bem corno sobre equipamentos eletrônicos e insumos químicos/biotecnológicos para a produção agrícola avançada. Dada a incapacidade de os países africanos produzirem/utilizarem know-how e equipamentos tecnológicos avançados, sua balança comercial toma-se insustentável, à medida que o valor agregado de bens e serviços produzidos e prestados mediante o uso de alta tecnologia con­ tinua a aumentar em relação ao valor de matérias-primas e produtos agrícolas, limitando a capacidade de importação de insumos necessários ao funciona­ mento de seus sistemas de produção de mercadorias. Em conseqüência, há uma espiral descendente em termos de competitividade, pois a cada avanço tecno­ lógico, a África marginaliza-se e distancia-se mais da economia inforrnacio­ nal/global. A desinformação da Á frica já nos primeiros estágios da Era da Informação pode ser o golpe de efeitos mais duradouros desferido no continen­ te pelos novos parâmetros de dependência, agravados pelas políticas pratica­ das pelo Estado predatório. O Estado predatório Parece haver convergência entre as opiniões de um número crescente de africanistas quanto ao papel destrutivo dos Estados-nação africanos em suas economias e sociedades. Frimpong-Ansah, ex-presidente do B anco Central de Gana, entende que o controle restrito sobre o capital não constitui obstáculo ao O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social 121 desenvolvimento. O ponto mais crítico seria a capacidade institucional do país em mobilizar sua poupança, e essa capacidade vem sendo gravemente compro­ metida desde meados dos anos 70 em conseqüência do uso inadequado do capi­ tal pelo "Estado-vampiro" , isto é, um Estado totalmente transformado em patrimônio pelas elites políticas, em benefício dessas elites.57 Sob uma perspec­ tiva diferente, Basil Davidson, um dos mais renomados africanistas, acredita que a "crise da sociedade na África decorre de muitos reveses e conflitos, mas a raiz do problema é diferente... Basicamente, trata-se de uma crise institucio­ nal. E de que instituições? Temos de voltar a atenção para o nacionalismo que gerou os Estados-nação da África que acabara de adquirir sua independência após o período colonial : para o nacionalismo que se tornou estatismo-nação".5 8 Fatton sustenta a tese de que o "governo predatório" que caracteriza a maioria dos Estados africanos resulta de um processo de individualização das classes dominantes: "Os membros dessas classes tendem a ser mercenários, pois sua permanência nas posições de privilégio e poder está à mercê dos caprichos de um líder absoluto."59 Esta tese parece aplicar-se a regimes ditatoriais sangren­ tos, como o de Mobutu no Zaire ou do "Imperador" Bokassa na República Cen­ tro-Africana, como também às pseudodemocracias benevolentes, por exemplo, o regime de Houphouet-Boigny na Costa do Marfim. Conforme observa Colin Leys: "Poucos teóricos de qualquer uma dessas vertentes (marxistas, defenso­ res da teoria da dependência) esperavam que os Estados do período pós-colo­ nial de todos os matizes ideológicos pudessem ser corruptos, vorazes, insuficientes e instáveis, como quase sempre têm sido."60 Jean-François B ayart interpreta a penúria africana como resultado de uma longa trajetória histórica dominada pela "política da barriga" praticada pelas elites com nenhuma outra estratégia senão ceifar as riquezas provenien­ tes de seus países e também das relações internacionais desses países. 61 Ele pro­ põe uma tipologia de mecanismos de apropriação privada de recursos, valendo-se de posições de autoridade no Estado: Acesso a recursos de "extraversão" (conexões internacionais), inclusi­ ve recursos diplomáticos, militares e culturais, bem como know-how do Ocidente. Empregos no setor público, que garantem um salário regular, conside­ rado um bem fundamental, independente do valor dos vencimentos pagos. Cargos que permitem a prática da predação, usando o poder para obter bens em espécie, dinheiro ou mão-de-obra; "Ao menos nas áreas rurais, 1 22 O surgimento do Quarto lundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social a maioria dos altos funcionários administrativos e líderes políticos age dessa forma. "6 2 Prebendas obtidas sem uso ou ameaça de violência, bastando para isso demonstrar-se receptivo a uma série de propinas e doações provenien­ tes por conta dos mais diversos interesses, constituindo uma "economia estatal informal" generalizada. A maioria das decisões técnicas e admi­ nistrativas que envolvam potenciais beneficiários já tem seu preço pre­ viamente fixado para os interessados. B ayart cita o caso de uma autoridade regional da rica província de Shaba no Zaire, em 1 974, que recebia um salário mensal de US$2.000, complementados por cerca de US$ 1 00.000 em prebendas. 63 Os vínculos ao comércio e investimento internacionais representam fontes básicas de acumulação privada de riquezas, pois as tarifas alfan­ degárias e regulamentações protecionistas podem ser perfeitamente burladas em troca de uma contribuição à cadeia de burocratas encarre­ gados de sua cobrança e devido cumprimento da lei que lhes é aplicável. O auxílio internacional para o desenvolvimento, inclusive sob a forma de gêneros alimentícios, é canalizado através de interesses privados, chegando aos necessitados ou ao programa de desenvolvimento a que se destina - quando chega - somente após desvios substanciais dos órgãos governamentais e dos funcionários encarregados de sua distri­ buição e/ou implantação. Os funcionários de Estado e as elites políticas de modo geral empregam parte dessa riqueza na aquisição de propriedades e no investimento na agricultura e nos transportes em seus países, sempre buscando oportu­ nidades para conseguir aplicações financeiras lucrativas e ajudando-se mutuamente para assumir, de forma coletiva, o controle sobre toda e qualquer fonte de lucro que venha a surgir no país. Contudo, uma par­ cela substancial dessa riqueza é depositada em contas bancárias no exterior, correspondendo a uma porcentagem significativa do capital acumulado em cada país. Citando Houphouet-Boigny, o "chefão" da Costa do Marfim, "quem no mundo não depositaria parte de seu dinhei­ ro na Suíça?"64 A fortuna pessoal de Mobutu em 1 984, também deposi­ tada em bancos estrangeiros e investida no exterior, era estimada em US$4 bilhões, valor que equivale aproximadamente à dívida externa total do Zaire. 65 Por volta de 1 993, embora o Zaire estivesse em proces­ so de desintegração, a fortuna de Mobutu no exterior era estimada em cerca de US$ 1 O bilhões. 66 O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional. pobreza e exclusão social 1 23 Com base em sua análise da Nigéria, Lewis estabelece uma interessante distinção entre prebendalização e predação67 A prebendalização, em essência, não difere da patronagem política e da corrupção sistemática no governo, prati­ cada na maioria dos países do mundo. Lewis argumenta, de forma convincente, que foi só no final dos anos 80 e início dos 90 na Nigéria, sob o governo de B abangida, que a política de predação passou a predominar, reproduzindo o modelo "Zaireanização" da oligarquia estatal dominada pelos militares. Embo­ ra Lewis não se estenda além da Nigéria em sua análise, parece plausível, com base em informações sobre outros países, 68 que essa transição para o regime pre­ datório somente ocorreu em um estágio mais avançado da crise africana, ini­ ciando-se em épocas diferentes, dependendo da realidade de cada país. Esta argumentação contrapõe-se à reconstrução histórica de Bayart segundo a qual há uma continuidade do processo de pilhagem da África por suas próprias elites políticas desde o período pré-colonial. Comparado à prebendalização, o regime predatório é caracterizado pela concentração de poder na cúpula do governo e pela personalização das redes de delegação desse poder. O regime se impõe mediante o uso de impiedosa repressão. "Comissões" aos funcionários do governo, bem como corrupção e suborno generalizados, tornam-se o meio de vida da administração pública. Esse padrão de comportamento leva à erosão das instituições políticas enquanto sistemas estáveis, substituídos por círculos bem amarrados de lealdades pessoais e étnicas: o Estado inteiro transforma-se em um meio informal, enquanto o poder e as redes de poder são personalizadas. Embo­ ra possa ser debatida a idéia de que a predação já era a regra nos tempos pré-colo­ niais ou nos primeiros estágios do nacionalismo africano após a independência (Bayart é defensor da primeira hipótese, porém, é contestado por Davidson, Leys, Lewis e Fatton, entre outros), o que realmente importa para compreender os atuais processos de exclusão social é que o modelo predatório, e não apenas a prebendalização, parece caracterizar a maioria dos Estados africanos da déca­ da de 90, à exceção da África do Sul e alguns poucos exemplos possíveis. Desse exercício de poder predatório que caracteriza a maioria dos Esta­ dos africanos, resultam três grandes conseqüências. Primeiro, sej am quais forem os recursos, de fontes externas ou internas, que cheguem a essas econo­ mias dominadas pelo Estado, são tratados de acordo com a lógica da acumula­ ção pessoal de riqueza, amplamente desvinculada da economia do país. O que parece inconcebível do ponto de vista do desenvolvimento económico e da estabilidade política do país é absolutamente aceito como compreensível sob a perspectiva de seus governantes. Segundo, o acesso ao poder do Estado equi­ vale ao acesso à riqueza, como também às fontes de futuras riquezas. Decorre 1 24 O surgimento do Quarto Mundo: capitalismo informacional, pobreza e exclusão social desse processo um padrão repetitivo de confrontos violentos e alianças instá­ veis entre diferentes facções políticas lutando pela oportunidade de praticar a pilhagem, resultando, em última análise, na instabilidade das instituições do Estado e no papel decisivo exercido pelos militares na maior parte dos Estados africanos. Terceiro, obtém-se apoio político por meio de redes de clientelismo que estabelecem a relação entre os detentores do poder e alguns segmentos da população. Como a maior parcela da riqueza do país encontra-se nas mãos da elite política I militar e dos burocratas do Estado, o povo precisa submeter-se à rede de patronagem para ter acesso à distribuição de empregos , serviços e pequenos favores em todos os níveis do Estado, desde os órgãos voltados às relações exteriores até a benevolência dos governos locais. Nesse sistema de patronagem, diversas elites, em diferentes níveis do governo, em última análi­ se ligadas à cúpula do poder estatal, incumbem-se de fazer cálculos e traçar estratégias complexas : como maximizar o apoio, consolidar clientelas e, ao mesmo tempo, minimizar o valor dos recursos necessários à obtenção desse apoio. Uma complicada combinação de critérios, compreendendo etnia, terri­ torialidade e economia, contribui para a formação de redes de geometria variá­ vel, que constituem a realidade da política na maior parte da África. Embora análises empíricas detalhadas não estej am previstas no escopo deste capítulo, darei um exemplo da dinâmica dos Estados predatórios da África fazendo uma breve referência aos dois maiores países da região: o Zaire (Congo, em 1 997) e a Nigéria. Zaire: a apropriação pessoal do Estado Ao menos no período anterior ao ano de 1 997, o Zaire tornou-se a epíto­ me da política predatória, bem como um sinal de advertência sobre as conse­ qüências da desintegração social e política e também das tragédias humanas (epidemias, saques, massacres e guerras civis) resultantes desse tipo de políti­ ca. 69 O Estado do Zaire organizava-se ao redor da ditadura pessoal do sargento Mobutu, apoiado pela França, Bélgica e Estados Unidos à época da política da Guerra Fria. Em 1 993, Norman Kempster, redator do Los Angeles Times, fez uma síntese da trajetória de Mobutu: Mobutu é um ex-sargento do exército colonial belga que tomou o poder com o apoio dos EUA e do Ocidente em 1 965, colocando um ponto final a uma rivalidade caótica entre facções pró e anticomunistas. Durante três décadas, ele colocou seu vasto país, o segundo maior da África subsaariana, à disposi­ ção da CIA e de outras agências do Ocidente, que utilizaram o Zaire como base O surgimento do Quarto Mundo : capitalismo informacional, pobreza e exclusão social 1 25 para diversas atividades em todo o co·1tinente. Em troca, recebeu carta bran­ ca para agir em seu país como bem entendesse, desviando bilhões de dólares da riqueza proveniente da exploração de minérios para uso próprio e deixan­ do a maioria do povo na pobreza.70 Mobutu sustentava-se em um sistema de poder bastante simples. Con­ trolava a única unidade operacional do exército, a guarda presidencial, dividin­ do cargos políticos, militares e governamentais entre diferentes grupos étnicos. Exercia a patronagem sobre todos eles, mas também estimulava confrontos vio­ lentos entre esses grupos. 7 1 Concentrava suas atenções no controle da indústria da mineração, principalmente de cobalto, diamantes para uso industrial e cobre, por intermédio de empresas estatais, associando-se a investidores estrangeiros, em benefício próprio. A "Gaireanização" de empresas estrangeiras também colocou todos os bens de valor existentes no p

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