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A Arte Médica (I): a formação e as virtudes do médico The Art of Medicine: about the physician's education and virtues Pablo González Blasco Doctor em Medicina. Diretor Científico de SOBRAMFA ­ Educação Médica...

A Arte Médica (I): a formação e as virtudes do médico The Art of Medicine: about the physician's education and virtues Pablo González Blasco Doctor em Medicina. Diretor Científico de SOBRAMFA ­ Educação Médica e Humanismo. www.sobramfa.com.br E­mail: [email protected] RBM Dez 12 69 Especial Oncologia 4 págs.: 9­17 Unitermos: Arte Médica, educação médica, humanismo. Unterms: Art of Medicina, medical education, humanism. Sumary Medicine is Science and art at the very same time, in proportional harmony. For excellence in doctoring a good balance between those two dimensions is required. This balance can't be taken for granted, but a deep reflection is mandatory and this is the goal of this paper. The author points out the importance of scientific update and professionalism, mainly in the undergraduate period so the medical students can build themselves as "good stem cell doctors". The humanistic and anthropological education must be incorporated for construct the personal perspective of doctoring and a patient­centered approach. This education takes time to develop reflective practitioners and should be included in the undergraduate curriculum. Several thoughts about the virtues required to be an outstanding physician comprises culture, prudence, solidarity, commitment, open mind, wisdom of priorities, and humility to contest vanity which is always a threat for excellence. Ethics in relationship with peers and remuneration are also included. To serve is the bottom line in which the doctor's mission is portrayed. Resumo A medicina é ciência e arte em harmonia proporcional. Ser médico é, antes de tudo, equilíbrio dessas componentes que são a razão da existência da medicina. Este equilíbrio não se dá espontaneamente, mas requer uma reflexão que é o objeto do presente artigo. O autor aborda a importância da formação científica e da competência técnica, especialmente relevante no período de graduação dos futuros médicos que deverão ser "bons médicos células­tronco". A formação humanística e antropológica deve ser também incorporada o que implica dedicar tempo e reflexão nesse processo para adquirir uma visão personalizada da enfermidade, uma abordagem médica centrada no paciente. Uma ampla exposição sobre as virtudes requeridas no bom médico passa por aspectos como a cultura, a prudência e bom senso, a solidariedade, a dedicação e trabalho esforçado, um espírito aberto, saber hierarquizar e ter modéstia e humildade para combater a vaidade que sempre está à espreita. Algumas considerações éticas ­ na cobrança de honorários e no relacionamento com os colegas­ encerram estas reflexões que convergem no desejo sincero de servir, característica primordial da missão do médico. Introdução A medicina é ciência e arte. Uma arte científica, se preferirmos. A vertente científica da medicina não cai no esquecimento: os progressos diários da técnica e os avanços diagnósticos e terapêuticos encarregam­se de nos lembrar que os médicos somos, sem dúvida, cientistas. Pior destino tem a outra face da moeda: o cunho artístico. De tanto olharmos um lado só da moeda, aquele que indica o seu valor, esquecemo­nos de virá­la e comprovar o selo de autenticidade. Porque isso pode ser comparada a medicina: um níquel de duas caras que, para ser legítimo, terá obviamente que apontar idêntico valor em ambas as faces. O que se poderia pensar de uma nota que mostrasse, num lado, por exemplo, o número dez e no outro o número cinco? Certamente seria falsa e nada valeria. Poderia servir como um enfeite, mas jamais como dinheiro. Ser médico é, antes de tudo, equilíbrio de forças que legitimam essa função e que são a razão da existência da medicina. Uma harmonia proporcional de ciência e arte, em pesos equivalentes. As anomalias que hipertrofiam um aspecto em detrimento do outro não tem como resultado apenas a baixa qualidade do profissional médico, mas atingem a sua própria essência, destruindo­a. O produto final do desequilíbrio não é um mau médico, visto que aquilo que exerce também não é mais medicina. Ele poderá ser uma espécie de "mecânico de pessoas" ou um "curandeiro", mas nunca um médico. A preocupação pelo equilíbrio, cada vez maior, rendeu outras analogias para explicar o que é simples, intuitivo: a Medicina ­ dizem alguns ­ é como um sofá1. A ciência é uma das pernas da poltrona; as outras três são a sabedoria, a experiência e o trato com o paciente. Não é possível sentar­se num sofá de uma só perna. Moedas e sofás, exemplos distintos para esclarecer o mesmo conceito, de importância capital. Uma analogia que tem grande popularidade nos encontros com estudantes de medicina é a do Rocambole, ilustrada na Figura 1. O núcleo central, de fácil definição, é o conteúdo científico da medicina. O entorno que o abraça, que é o que entra em contato direto com o paciente, é muito mais sutil, de contornos menos definidos, mas igualmente importante. Não é possível separar uma dimensão da outra, quando o que queremos é um MÉDICO de verdade. Vem tudo junto, como quando se fatia o doce que ilustra o modelo. O presente texto é uma reflexão aprofundada dessa realidade, base da atuação médica. Para organizar nossas ideias, dividiremos a abordagem numa dupla perspectiva que, naturalmente, encontra­se entrelaçada na prática: de um lado, a formação do médico; do outro, a postura médica na relação com o paciente que será abordada em outro artigo posterior. Figura 1 Formação científica do médico: competência técnica No início destas linhas traçamos o perfil deste profissional médico que deve ser um artista científico. São, pois, aspectos distintivos a necessidade de um conhecimento aprofundado e atual da medicina interna, dos métodos diagnósticos e terapêuticos. E, por outro lado, apontava­se como imprescindível uma sólida formação humanística, cultural e antropológica com embasamento ético. A atualização científica é nota dominante no cotidiano do médico. Um mínimo contato com o meio universitário cria no profissional o desejo ­ e mesmo a necessidade ­ de manter­se em permanente renovação técnica, ampliando seu cabedal de conhecimentos. Como dizíamos no início, a própria avalanche de novidades desperta em nós o anseio de acompanhar o ritmo do progresso. Não nos demoraremos, pois, comentando esse particular evidente. Dediquemos o maior empenho na análise do aspecto humanístico, que também requer estudo e profundidade. O humanismo em medicina não é uma questão temperamental: é uma atitude científica, ponderada, fruto de um esforço de aprendizado. Mesmo assim, vale a pena tomar consciência de que na dimensão técnica da formação deve primar­se por um conhecimento apurado da medicina interna. O estudo da clínica médica, principalmente nos anos de formação universitária, é um elemento estabilizador para que, depois, com independência da especialidade que se pratique, predomine o bom senso, a visão conjunta do paciente, a perspectiva integral da pessoa doente. É um conhecimento técnico necessário para uma boa atuação profissional. Seria como o passaporte que nos permite atravessar a fronteira da atuação médica para dirigir­nos a uma localidade particular na prática de uma especialidade. Sem passaporte ­ sem conhecimento clínico básico ­ acaba­se praticando certo contrabando de conhecimento científico que, não raramente, desemboca em trapaça deslavada. São chamativas as palavras de um famoso patologista, alguém que, exercendo uma especialidade por assim dizer "exata", científica, com verdades construídas à força de microscópio, reconhece a primazia da medicina interna para conduzir bem o ensino médico universitário e a posterior atuação profissional. "Uma faculdade ­ disse Aschoff ­ é um concerto maravilhoso, em que cada instrumento deve emitir um tom determinado para que haja harmonia no conjunto. Mas a nota pela qual todos devem reger­se é tocada pelo representante da medicina interna. Ainda é válida a frase que aponta a medicina interna como a coluna vertebral de toda faculdade de medicina, a matéria na qual devem confluir todos os conhecimentos teóricos. Quem deve construir o ponto central da faculdade não pode ser um apaixonado, mas alguém que una a uma grande imparcialidade a bondade de querer entender e o amor pela justiça; e, sobretudo, a ausência de egoísmo"2. Competência científica, aspiração à permanente atualização, espírito universitário sempre aberto ao estudo para enfrentar novos desafios. Saber mais e, assim, poder servir melhor o paciente. São objetivos perpétuos para o médico e requer metodologia de estudo, sistemática na leitura de publicações e frequência nas bibliotecas. Uma responsabilidade que cresce especialmente quando passam os anos e vem a tentação de acomodar­se num trabalho profissional suficiente "para dar conta do recado". O médico não pode ser um burocrata da doença, nem se refugiar no setor da sua especialidade, evitando a aventura do progresso. Converter­se em profissional anacrônico, empalhado, é abrir mão da dimensão científica da medicina; e, cedo ou tarde, também da artística. Quem pretendesse defender um humanismo médico sacrificando o progresso, e parasse no tempo, faria a apologia da charlatanice. Essa integração necessária de ciência e arte torna­se especialmente importante no cenário da Educação Médica. Aprender a colocar o doente em primeiro lugar, atuar com perspectiva humanística, melhorar a visão holística da prática clínica, crescer no modo de relacionar­se com o paciente e com a família são valores desejáveis para qualquer médico, independente da especialidade a que venha dedicar­se posteriormente. São valores que fazem parte do despertar vocacional no estudante de medicina e que são incorporados por eles quando os vêm incarnados na figura de um professor, seja qual for a especialidade que esse professor pratica. Alguma vez se comentou que esses valores integradores servem para construir durante a graduação "good stem cell doctors­ bons médicos células­tronco" que depois se especializarão de acordo com o seu desejo e habilidades. O equilíbrio é necessário para que as vantagens da técnica emergente não façam perder o sentido de conjunto. Isto implica o sempre requerido balanço da ciência e a técnica: ponderação, humildade no progresso, quarentena das descobertas. E todo e qualquer avanço científico requer, por parte do médico, a perspectiva antropológica precisa para que chegue ao paciente de modo pessoal. Aqui se abre o espaço para a formação humanística em que convergem nossas considerações. Formação humanística do médico. Dimensão antropológica É fácil perceber que para desenvolver a parte científica da medicina não se requerem qualidades especiais. Quando muito, as mesmas exigidas para o exercício de qualquer outra profissão técnica. O mesmo não se pode dizer, porém, no que tange às qualidades dependentes do fator humano. Aqui se localiza o elemento limitante, ou melhor, o elemento que condiciona a possibilidade de um médico ser bom ou fracassar. Pode­se saber mais ou menos, podem­se conhecer as novidades técnicas com defasagem de minutos ou em ritmo mais demorado. Mas o ponto crucial é como se aplica esse conhecimento, como ele chega até o paciente, beneficiando­o. Nesta atitude, nesta postura consiste a arte médica que, embora condicionada pela quantidade proveniente da técnica, encontra na qualidade da pessoa do médico o dispositivo regulador. A repetição de conceitos é proposital nestas considerações: faz parte da assim chamada "psicologia do anúncio",do marketing, com a insistência, feita de maneiras diferentes, nos conceitos fundamentais. Por isso trazemos aqui testemunhos de estudiosos do tema que ilustram nossas reflexões pessoais e dão colorido à nossa experiência. Na verdade, todos insistem na mesma questão com argumentos diversos. Mas vale a pena passear por essa coletânea de lições de vida que solidificam as ideias e nos entusiasmam com elas. Pertence, pois, à qualidade do médico a visão do paciente como um todo e da doença como um evento pessoal e intransferível que se "encarna" em alguém. Considerar sempre, como ponto de partida, o paciente com uma doença e não apenas a doença que, por acaso, assenta­se em alguém impessoal, é mais do que um lugar­comum. Corresponde a uma postura vital do médico, um axioma profissional e, também, a uma atitude perante a vida. Para possuí­la não é suficiente enunciá­la, nem apelar para o senso comum. É necessário trabalhá­la e acolhê­la mediante uma sólida formação ­ tempo de estudo e reflexão ­ na pessoa do médico. As deficiências que encontramos diariamente na prática não são culpa da ciência ­ que deve ser impessoal ­, mas sim das carências do profissional que não soube "humanizá­las". Cabe­lhe ao médico dar ao conhecimento técnico que possui a correta orientação humanística. É preciso vestir a ciência médica com trajes humanos ou, como alguém disse, "dissolver no aconchego humano a técnica e os remédios que o paciente deverá utilizar". Quando tal não acontece, as insuficiências são sempre do profissional e o prejuízo é do paciente, que acaba sofrendo de indigestões científicas nada confortadoras. Como ninguém dá o que não tem, o médico terá necessariamente que se preocupar com esta temática, que não é em absoluto minúcia ou filigrana. E preocupar­se de modo ativo, quer dizer: estudando, refletindo, aprofundando e, sobretudo, analisando o seu comportamento para detectar as falhas e saber apontar os caminhos de seu aperfeiçoamento. Abrir mão desta questão é como receitar um remédio que não é absorvido, reclamando, além do mais, que a moléstia não é vencida a despeito da melhor terapêutica. "Critica­se da medicina atual o fato de que parece favorecer o materialismo, quer dizer, uma concepção do mundo que ignora o espírito. Esta crítica é injusta, já que ninguém tem mais motivos do que o médico para reconhecer a caducidade da matéria e a força do espírito. E se ele não sabe chegar a esta conclusão, a culpa não é da ciência, mas dele, que não aprendeu o suficiente"3. Essas palavras de Viktor Frankl levantam uma questão espinhosa: até que ponto é competente um médico que não sabe fazer chegar a técnica, diluída em humanismo, até os seus pacientes? Basta um curriculum avultado para avaliar a capacidade do profissional? Responder a essas perguntas é já uma reflexão que nos faz adentrar no próprio caminho da formação humanística. Na realidade, essas duas vertentes do médico são inseparáveis. Quando se carece de dimensão humana a própria atuação técnica torna­se imperfeita. Com perspicácia, um estudioso do tema faz ver: "Em várias ocasiões fiz notar, à semelhança de muitos outros clínicos europeus, que um sistema diagnóstico puro, deduzido exclusivamente de dados analíticos, desumanizado, independente da observação direta e entranhável do enfermo, leva implícito o erro fundamental de esquecer a personalidade, que tem tanta importância quanto as etiologias para estipular o prognóstico do paciente e saber o que nós, médicos, podemos fazer para aliviar seus sofrimentos. A personalidade é também uma etiologia"4. As palavras de Gregorio Marañón têm a precisão de quem pensou muito no tema; por isso, seguiremos sua linha de raciocínio que ilustra de modo primoroso o assunto que nos ocupa. Ciência e humanismo, simbiose de atuação necessária para a correta atuação médica. O médico deve zelar por esta unidade, incorporando toda a ciência de que for capaz, aperfeiçoar­se nos conhecimentos antropológicos, meditar neles, extraí­los, diariamente, do contato com o paciente. Somente assim se constrói o médico humanista que, por sinal, é o que o paciente espera encontrar quando a ele recorre, acometido de uma moléstia. É este modelo o verdadeiro arquétipo do médico. As outras imagens ­ a do cientista isento, a do especialista distante ­ são imagens que os médicos fabricam para si mesmos. Um narcisismo médico, no qual o paciente não tem vez. As virtudes do médico É difícil falar da arte médica, mais difícil ainda ensinar a ser artista. Pode­se estudar a musicalidade verbal, a métrica poética e os tipos de rima, mas o virtuosismo na interpretação ou a inspiração poética requerem algo mais do que a simples teoria. O mesmo acontece, analogamente, na medicina, embora, felizmente, o rendimento nesta nossa arte dependa mais do esforço do que da inspiração. "Esta força depende, em último termo, de uma só coisa: do entusiasmo do médico, do seu desejo fervente de aliviar os seus semelhantes; em resumo, do rigor e da emoção com que sente o seu dever. Nisso consiste, se as coisas são convenientemente analisadas, a vocação médica: numa emoção primordial do dever, abrindo mão dos possíveis direitos. Isso é muito mais importante do que o problema da aptidão, na qual as pessoas superficiais localizam a vocação. A aptidão se adquire ­ salvo raras exceções ­ mesmo carecendo­se dela, no calor da emoção ética. Todos os homens servimos para quase tudo, se o quisermos com vontade decidida. A vocação é uma questão de fé, não de técnica"5. Parece, pois, mais conveniente do que delinear o perfil do médico ideal, apontar, a modo de anotações, em pinceladas de quadro impressionista, as virtudes que o médico deverá procurar adquirir. E nessa procura esforçada ­ que requer autocrítica, empenho e retificação de rumos ao longo de toda a vida ­, o profissional poderá esculpir a imagem do médico bem formado, o artista científico. A formação cultural e universal surge como uma necessidade. É natural que, sendo a matéria­prima da profissão médica o próprio ser humano, tudo aquilo que contribua a entendê­lo melhor converte­se em instrumento de trabalho. Daí que o médico não deva limitar­se a saber só medicina; deve procurar um conhecimento amplo, universal, tonalidade universitária na própria vida. Deve tomar cuidado com uma "polarização patológica" nos assuntos médicos que monopolizam a vida, fazendo­lhe perder a perspectiva da totalidade. Sem dúvida, deve o médico manter­se atualizado, mas é preciso pesar com vagar, sem deixar­se governar por obsessões desmedidas para engordar o curriculum a qualquer custo. Isso é comum na época de formação universitária; e, sendo saudável, deveria estar acompanhado por um empenho equivalente no crescimento da formação humanística, cultural, produzindo um correto equilíbrio. Não queremos dizer que o médico tenha de saber de tudo, o que é impossível; mas, sim, que tenha sempre vivo o interesse cultural e que não considere esses elementos como algo alheio à sua profissão. O humanismo para o médico não é enfeite, mas ferramenta de trabalho. Essa visão universal não diz respeito apenas à cultura, mas à própria visão de quem é o paciente. A especialização do médico, por questões de necessidade e eficácia, faz com que, às vezes, quem mergulha em investigações altamente específicas perca o foco do senso comum e deixe de observar o que é óbvio no paciente. Seguindo as considerações sempre sábias de Gregorio Marañón, com frequência deparamos com essa recomendação da formação humanística e universal. "O médico que somente sabe medicina nem sequer medicina sabe. [...] Existe uma fronteira tênue entre os doutores que, por saberem somente medicina, ignoram esta ciência, e aqueles que, pretendendo saber tantas outras coisas, ignoram a medicina elementar e eficaz, a que serve para aliviar fadigas e dores. Por isso, o paciente se acolhe ao clínico humilde que se contenta em conhecer o minimum de prudentes preceitos suficientes para exercer a medicina comum. Porque devemos reconhecer que esta ciência se reduz, usualmente, a problemas fáceis de resolver ou a problemas absolutamente insolúveis, mesmo para o homem mais sábio. O que é fundamental, perante o fácil e o difícil, é a atenção: isto é, que o médico ponha, em qualquer situação, os seus cinco sentidos naquilo que faz, e não pense em outras coisas"6. Falamos em aquisição de cultura e não de erudição inútil, de esbanjamento vaidoso de conhecimentos, o que também atrapalha. "O enciclopedismo pedante é obstáculo para o verdadeiro saber. O humanismo, ambicioso e ao mesmo tempo humilde, serve para amadurecer, para firmar e fazer prudente e eficaz o instrumento da profissão. Deve­se fugir daquele que exibe os seus títulos acadêmicos como garantia de suficiência e se dedica a cultivar suas aptidões expositivas para surpreender os ingênuos com o seu enciclopedismo fastuoso. E deve­se confiar naquele que dedica à investigação o tempo necessário e, depois, dedica o seu descanso a outras inquietudes que mantêm viva a tensão do espírito e aprimoram a eficácia do instrumento profissional. O melhor especialista será, afinal, aquele que tiver uma cabeça mais universal"7. O progresso científico deve ser assimilado convenientemente, sem que nunca se perca de vista que o objeto do atuar médico é o paciente como um todo, como pessoa. Não podemos confiar ao progresso ­ frio, técnico, impessoal ­ a tarefa de cuidar do paciente. A figura do médico é necessária para "traduzir" em moldes humanistas a ciência impessoal, que deve ser aplicada, com prudência, a cada caso particular. "O médico, cuja humanidade deve estar sempre alerta dentro do espírito científico, tem de contar, primeiramente, com a dor individual; e mesmo que cheio de entusiasmo pela ciência, deve estar disposto a adotar a paradoxal postura de defender o indivíduo, cuja saúde lhe é confiada, contra o próprio progresso científico"8. Palavras que fazem pensar e desmascaram atitudes erradas, porém frequentes: as daqueles que sacrificam ao progresso o bem­estar do paciente. É necessário servir o progresso e contribuir para a melhora da ciência, sem esquecer de dar a cada paciente o que de melhor temos e, obviamente, carinho e atenção. Um enfermo nunca é um degrau insensível para subir no conhecimento científico; pode ser, quando tratado com humanidade e respeito, um excelente colaborador. Prudência, bom senso. O médico deve julgar, em cada caso, e fazer pelo paciente o que de melhor é possível. Não se iluda ou justifique sua falta de atuação porque não há possibilidades de fazer o que seria ideal. O médico deve fazer o que pode, com dedicação e sentido profissional, de modo científico e humanístico, em permanente simbiose. Os médicos parecem, cada vez mais, carecer dessa sensatez, que é realismo e bom senso, modéstia e boa vontade para cuidar do paciente. Cuidar do paciente e não apenas "brincar com a técnica", contexto em que o paciente passa ao segundo plano. O papel do médico é, na verdade, saber orientar a vida do enfermo, desordenada pela doença, aliviá­lo, utilizando a ciência possível, e suprindo com a melhor dedicação a ineficácia dessa mesma técnica quando não há mais recursos ou estes não estão disponíveis. Fazer o que é possível sem lamentar­se de não poder fazer o ideal, ou, pior ainda, abandonar o paciente. "Sempre disse àqueles que trabalham ao meu lado que nunca devem esquecer que os médicos devem procurar adquirir com toda a exatidão possível os conhecimentos disponíveis, mas sem perder de vista o seu valor provisório. O vazio que surge entre a imperfeição da verdade que possuímos e a verdade que almejamos conseguir deve ser preenchido com entusiasmo, boa fé e, acima de tudo, com doses abundantes de modéstia"9. Solidariedade é virtude imprescindível que o médico deve aprender a desenvolver. Uma sensibilidade profissional, que é confluência de ciência e humanismo. A solidariedade com o ser humano que sofre ­ o paciente ­ é conquista importantíssima, verdadeira competência profissional, que nos situa diante do doente na perspectiva correta. Com maior motivo nos tempos atuais de culto à técnica, esta vertente solidária ­ que é cordialidade, concórdia, "coração com coração" no dizer de Ortega y Gasset10 ­ assume transcendência especial. Tudo isto é conhecido, mas, infelizmente, pouco praticado. O verdadeiro médico sente sua ação junto ao paciente como um sacerdócio, como um serviço divino [...]. O bom médico está formado cientificamente, mas possui também um coração grande, que sofre com os enfermos, mesmo com aqueles que nem conhece ainda [...]. A atitude do médico é próxima da atividade maternal: inquirir com atenção o paciente, escutá­lo com paciência e ajudá­ lo"11. Esta postura solidária se encarrega de lembrar ao médico os limites da sua profissão e os objetivos da mesma: às vezes curar, melhorar com frequência e confortar sempre. Permitamo­nos um parêntese que o tema da solidariedade traz à tona; mesmo fora de hora, é algo que não queremos deixar escapar. Curiosamente, é fácil perceber que aqueles que menos importância dão, na prática ­ porque não vivem desse modo ­ à solidariedade, são os mesmos que levantam bandeiras impessoais, "advogados de causas alheias" quando se trata de decidir sobre o valor da vida humana, ou se vale a pena continuar vivendo com baixa qualidade. Apoio ao aborto ou à eutanásia dados por quem, no dia­a­dia, não demonstra um mínimo de cordialidade com o paciente, é um contrassenso. São os teóricos da felicidade dos outros ou, talvez, do próprio comodismo fantasiado com máscaras altruístas. "Forçoso é reconhecer ­ aponta Viktor Frankl ­ que o médico não foi chamado a julgar do valor ou não valor de uma vida humana. A sociedade humana apenas o destinou a prestar ajuda, onde puder, e a aliviar as dores onde tiver que fazê­lo, a curar os homens, na medida em que isso estiver ao seu alcance, e a cuidar deles, quando tal já não lhe for possível"12. Somente neste clima solidário podemos tomar consciência da importância, também profissional, do médico diante do sofrimento, particularmente em circunstâncias em que a técnica nada mais tem a fazer. Novamente V. Frankl, o psiquiatra que advoga pelo sentido da vida como terapia de base em qualquer tratamento, resume bem a questão: "O labor médico não consiste apenas em prevenir e tratar, mas também na assistência aos enfermos incuráveis. Quando o médico já não pode ajudar, deve aprender e ensinar algo essencial: render a honra devida ao paciente que se encontra à beira da ruína da existência. Uma pessoa nessa situação, internada durante muito tempo num hospital, embora não seja útil à sociedade, conserva sempre a dignidade humana"13. A solidariedade corre paralela à dedicação, que é trabalho esforçado. A abnegação do médico é também credencial para conquistar a confiança do paciente. O doente sabe avaliar a dedicação do médico, mesmo sem nada saber das suas técnicas. E isso, porque o paciente, "leigo" em questões médicas, é perito em tudo o que se refere ao trato humano: o próprio sofrimento que a doença lhe traz é escola que ensina a valorizar, com minúcia, o detalhe humano, a afabilidade, o carinho. Diríamos que o paciente desenvolve uma especial sensibilidade, pelo fato de estar doente, para estas questões e, naturalmente, julga­as no médico que lhe atende. As palavras de Marañón nos introduzem num tema, apaixonante pela sua atualidade: "Alguns médicos, eleitos pela Providência, encontrarão novos caminhos da ciência. Mas a maioria tem um dever mais modesto, mas não menos importante: fazer da medicina uma profissão e uma ciência cheia de simplicidade, de seriedade, de profunda humanidade; uma ciência e uma profissão isentas da presunção que quer fazer da nossa verdade uma verdade definitiva; uma medicina sem superstições científicas; uma medicina, enfim, clara, cordial e modesta; e, se quisermos, antidogmática"14. Um espírito aberto a mudanças, humildade profissional, é virtude que devemos perseguir na formação do médico. Não somos donos da verdade. Por isso, é normal discutir os casos com os colegas, trocar opiniões e pedir ajuda, quando o benefício do paciente o requer. Pôr a vaidade profissional acima da atenção ao paciente é um dos piores vícios ­ infelizmente muito frequente ­ e uma deformação do bom agir médico. É preciso estar disposto a retificar a opinião; uma atitude que não supõe nenhum demérito, mas sim a procura humilde, com consciência de missão, do bem­estar do paciente. Também isso é humanismo: personalizar o progresso técnico, ilustrado com as opiniões de quem tem mais experiência, levadas até o paciente com trajes humanos, compreensíveis. "O perigo dos dogmas na ciência não é que sejam melhores ou piores, mas simplesmente que queiram ser dogmas. Um dogma encaixado no espírito do naturalista tira­lhe a possibilidade de adaptar­se às mudanças variadas e permanentes da realidade. A observação e a criação se tornam impossíveis. O dogmatismo do médico supera todos os conhecidos na gravidade do seu pecado essencial: pretender dar categoria de infalível àquilo que não é".15 Neste contexto, é fácil perceber como as brigas e rixas profissionais, na ânsia de querer levar avante uma opinião ­ mais por vaidade do que por rigor científico ­ prejudicam o paciente, deslocando o objetivo primordial da profissão médica. Seria, pois, um bom exercício para o médico um par de perguntas sistemáticas, a modo de exame de consciência, que obtém uma fotografia da sua atuação: Neste momento, estou mesmo defendendo os interesses do paciente? O que pretendo com esta minha atitude? Conservar a hierarquia e proporções da sua missão. O médico é sempre a favor do paciente, "deve jogar no mesmo time dele". E isso está por cima da sua própria realização profissional, e mesmo da salvaguarda do seu prestígio, que o bom médico chega a por em risco para defender o paciente. Não pode o médico ter medo do que os outros médicos vão opinar, e preocupar­se tanto com a própria segurança ­ com a "plateia médica e leiga" ­ que acaba lesando o paciente. O desejo de ser brilhante e seguro, de "querer acertar a qualquer custo", leva muitos médicos a não se conduzirem do modo que seria mais saudável para o paciente. O medo sempre paralisa e gera atitudes inconvenientes que, mesmo com o apoio científico, carecem de senso comum e de humanismo. Daí a importância da modéstia, num combate sistemático à vaidade. "O pecaminoso é a verdade que muitos médicos dizem por vaidade profissional, pelo gosto de acertar, à custa da dor do seu enfermo. Eu cumpri muitas vezes com a minha obrigação, ocultando a verdade, mesmo sabendo que pouco depois apareceria como erro o meu juízo, em detrimento disso que chamam "reputação". Não tem a têmpera de médico aquele que não sabe, desde o início da sua atuação profissional, que talvez uma das suas missões principais é a de saber sacrificar a reputação perante a dor do próximo, todas as vezes que for preciso"16. Mas nem tudo é defesa da reputação. As teimosias profissionais são, como já dizíamos anteriormente, simples fruto da vaidade que encontra no âmbito médico terreno fértil para desenvolver­se quando falta suficiente humildade ­ que é realismo ­ para anulá­la. A vaidade é sempre um entrave para o trabalho bem­ feito. "O médico dogmático vive escravo da sua reputação, ignorando que esta serve, não para que a sua família se envaideça, mas para arriscá­la sempre que for preciso, para manter alto o moral dos pacientes. O moral alto é quase sempre o melhor remédio e, às vezes, o único que podemos receitar"17. Estes aspectos da virtude do médico devem ser necessariamente complementados com algumas considerações relativas ao período de formação acadêmica. Cabe ao professor detectar entre os alunos aqueles que têm, dentro de si, verdadeiro potencial para serem médicos; não apenas cientistas ou técnicos que, falando com propriedade, pertencem a outra profissão. Com este diagnóstico precoce poderá orientar convenientemente o aluno para a melhor saída profissional. Colocar um paciente nas mãos de um médico incapaz ­ não ignorante, mas desconhecedor de todo este universo humanista ­ é prestar um péssimo serviço, primeiramente ao enfermo, e depois à própria medicina. ComentaMarañón a este respeito: "Sempre tive facilidade em reconhecer, entre a multidão dos estudantes, aqueles distraídos que não são poucos em cada turma; percebe­se neles a impaciência inequívoca com a qual passam diante do cadáver ou junto da cama do enfermo. Falta­lhes aquele deleite crescente, moroso até, que dá o contato com a natureza e que se encontra na verdadeira vocação. É inútil para eles o bom mestre, o abundante material, o curriculum apurado, já que apenas aspiram a passar como cometas pela etapa acadêmica para tomar posse de um título que trocarão logo depois ­ isso é o que eles imaginam ­ pelo triunfo social que, naturalmente, nunca chegará"18. Também dos honorários fala Marañón nas considerações sobre a arte médica. "O médico deve viver da sua profissão e, conforme o critério liberal, a remuneração justa será maior ou menor de acordo com a sua capacidade de trabalho e sua arte para curar; mas sempre dentro de limites adequados. O essencial é que o médico não faça nunca nada, jamais, pensando no dinheiro que sua ação pode representar"19. Mesmo escritas há mais de 50 anos, e com a atualização que estas palavras requerem, o núcleo é permanente e serve de ponto de apoio para avaliar este tema. O médico deve procurar viver da medicina, com bom senso, liberalidade e consciência profissional. Dar ao paciente o melhor de si não pode fazer esquecer ao médico que é esse o seu meio de vida, não outro. A medicina, que nunca deverá ser negócio, tem de ser recurso para que os que a ela dedicam seu trabalho vivam honestamente. Dentro destes parâmetros gerais, a prudência do médico deve estabelecer suas normas de conduta para receber os honorários profissionais. Podemos encerrar este passeio pelas virtudes do médico com o tema importantíssimo da ética com os colegas. É um sinal de imaturidade, às vezes frequente naqueles que se iniciam na profissão, a tendência a criticar a atuação de outro colega. Isto deve ser superado; não por fazer da medicina e da classe médica uma corporação fechada, variante de maçonaria médica, mas por uma questão de justiça com o paciente, com o colega, com a própria medicina. Diante do paciente, a crítica do médico ao colega faz com que perca a credibilidade "nos médicos", já que a pessoa insatisfeita facilmente transfere para todo o universo da classe os erros de um elemento da mesma. É uma injustiça com o colega porque, via de regra, desconhecemos as circunstâncias e os motivos de uma determinada conduta, podendo ser que, com risco do próprio prestígio ­ como vimos anteriormente ­, o colega tenha procurado fazer o melhor possível naquele momento. Finalmente, é uma injustiça com a medicina porque o ascendente "mágico" que o médico tem sobre o paciente não o deve à sua pessoa, mas à condição de médico. Do prestígio "mítico" da medicina usufruímos todos os médicos e seria uma ingratidão deteriorá­lo. Além do mais, esse aspecto mágico da medicina é um elemento terapêutico eficaz, como veremos posteriormente. Criticar um colega levianamente é inutilizar um instrumento de trabalho polivalente para todos os médicos. "A medicina vive da sua realidade, da sua eficácia, cada dia maior, mas vive também e atua beneficamente sobre os homens através do seu prestígio, um pouco mítico, mas necessário. Cuidar desse prestígio é obrigação primordial dos médicos, sem outras limitações que aquelas de ordem natural; a saúde do paciente e a própria consciência. Desautorizar a atuação de outro profissional pode ser útil ao interesse imediato daquele que a criticou; mas logo a pedra arremessada voltará e cairá sobre a sua própria cabeça, mesmo que estando com a razão, e sobre a cabeça da própria ciência"20. Esta perspectiva oferecida pela rápida enumeração de algumas "virtudes médicas" é completada por muitas outras que emergem durante a própria atuação médica diante do paciente. Essa relação é também formativa: o médico se aperfeiçoa no contato com o paciente, pule as arestas, enfrenta novos desafios, procura, enfim, tornar­se melhor médico galgando os degraus da virtude profissional. A modo de conclusão Tratar da arte médica é, em suma, falar do que é ser médico. Cabe aventurar a hipótese de que a figura do médico, tal como pretendemos delinear neste livro, assume importância especial nessa tentativa de recuperar aquilo que sempre esteve presente no atuar médico e constitui o modo particular de ser médico. Algo que os avanços da técnica ­ louváveis e necessários ­ têm feito cair no esquecimento: "Se esquecermos o conceito sacerdotal do médico, a supremacia da vocação para exercer nossa arte, então não teremos direito a queixar­nos quando nos exigirem responsabilidades por algum erro no exercício profissional que, na realidade, somente se podem resolver no ambiente do mútuo amor em que se desenvolvia a medicina de outrora. O médico atual não pode comparar­se em eficácia profunda com o velho médico de família, que fazia também o que podia para aliviar a dor dos seus doentes, mas que também era chamado como conselheiro, confidente e consolador nos lares que o solicitavam. O conselho leal não tem preço. [...] Devemos lutar com empenho heroico para conservar, enquanto for possível, algo deste espírito, adaptando­nos às necessidade dos nossos dias. Assim, faremos tanto pelo prestígio da medicina como queimando as pestanas com os livros ou no ocular do microscópio"21. Amparado pela técnica florescente, deve o médico, uma vez e outra, voltar­se sobre si mesmo para imprimir em todas suas ações científicas a marca do humanismo, realidade em que se enraíza grande parte do seu poder terapêutico, da sua arte de curar. Mas, para isso, é preciso desenvolver a humildade, a dedicação abnegada, e querer fazer pelo paciente tudo o que está ao seu alcance. Numa palavra: servir. O serviço que é ­ no dizer de Ortega22 ­ característica da criatura superior que encontra, servindo, sua verdadeira utilidade. E o médico descobre, desse modo, o verdadeiro motivo da sua existência, as raízes e a grandeza da sua vocação. Bibliografia 1. Mendel D. Proper Doctoring. (Ref.Ed. Espanhola: ’El Buen hacer Médico’. EUNSA. Pamplona 1991. 2. Aschoff L. (citado em Buchner F: Cuerpo y espírito en la medicina actual Rialp, Madrid, 1969). 3. Frankl VE. Psicoterapia al alcance de todos" Herder. Barcelona. 1986. 4. Marañón G. La medicina y nuestro tiempo Espasa Calpe. Madrid.1954. 5. Marañón G. Los deberes olvidados. En Obras Completas, vol. III Espasa Calpe Madrid, 1966. 6. Marañón G. La medicina y nuestro tiempo Espasa Calpe. Madrid.1954. 7. Ibidem 8. Ibidem. 9. Ibidem. 10. Ortega y Gasset J. Estudios sobre el Amor. Revista de Occidente. Madrid. 1980. 11. Mindszenty J. Memorias. Luis de Caralt Editor. Barcelona, 1974. 12. Frankl VE. Psicoterapia e sentido da vida Quadrante. São Paulo. 1973. 13. Frankl VE. Psicoterapia al alcance de todos" Herder. Barcelona. 1986. 14. Marañón G. La medicina y nuestro tiempo Espasa Calpe. Madrid.1954. 15. Ibidem 16. Gregorio Marañón. Vocación y ética. Buenos Aires, 1946, Espasa Calpe, pág. 73. 17. Marañón G. La medicina y nuestro tiempo Espasa Calpe. Madrid.1954. 18. Marañón G. Vocación y Ética. Espasa Calpe. Austral. Madrid. 1961. 19. Marañón G. La medicina y nuestro tiempo Espasa Calpe. Madrid.1954. 20. Marañón G. Vocación y Ética. Espasa Calpe. Austral. Madrid. 1961. 21. Marañón G. Vocación y Ética. Espasa Calpe. Austral. Madrid. 1961. 22. Ortega y Gasset J. La rebelión de las masas. Revista de Occidente. Madrid. 1930. A Arte Médica (II): a relação com o paciente The Art of Medicine (II): the doctor­patient relationship Pablo González Blasco Doutor em Medicina. Diretor científico de SOBRAMFA ­ Educação Médica e Humanismo. www.sobramfa.com.br. E­mail: [email protected] RBM Oncologia Mar 14 V 71 n esp a1 págs.: 13­21 Unitermos: arte médica, relação médico­paciente, educação médica, humanismo Unterms: art of medicine, doctor­ patient relationship, medical education, humanism Sumary For constructing a good Doctor Patient relationship, physicians need to incorporate several attitudes leading to demonstrate real care for patients. Patients are always the main role in the clinical interview. The physician’s external aspect, distinct and pleasant, facilitates the relationship. Doctors need to learn how to observe patients and how to listen them with patience for supporting a positive relationship. The physical exam, almost a liturgical proceeding, reinforces the clinical connection. The doctor’s words, impregnated of enthusiasm, are an useful resource to develop a therapeutic and efficient relationship. The physician’s mistakes are, frequently, the result of humanistic deficiencies because of missing some of de advices pointed out in this paper. Evidences show that doctors don’t allow enough time for listening their patients. If they learn how to accomplish this, consultations would be more efficient without elongate the agenda. Resumo Construir um bom relacionamento com o paciente requer do médico uma séria de disposições que se podem resumir no interesse real pelo paciente: ter presente que o paciente é sempre o protagonista do encontro clínico. A aparência externa do médico, apresentação agradável, discreta e transparente, facilita o relacionamento. A observação, a capacidade de escutar com paciência e abertura são também elementos imperativos para construir uma relação positiva que se reforça no momento do exame físico, elemento indispensável na liturgia do encontro médico­paciente. As palavras do médico, impregnadas de entusiasmo e convicção, são recurso também imprescindível para a construção de uma relação eficaz e terapêutica. Os erros médicos são, na maior parte das vezes, fruto da insuficiência humana por não ter sabido colocar em prática os conselhos aqui comentados. Publicações apontam evidências mostrando que, na prática, o médico não disponibiliza tempo suficiente para escutar o paciente. Aprender a fazê­lo não alongaria as consultas, mas as tornaria mais eficazes. Introdução Uma boa relação médico­paciente requer do médico disposições prévias, que já foram comentadas anteriormente neste mesmo espaço1. Parecia conveniente, antes de abordar o tema que agora nos ocupa, deter­se para refletir sobre a formação do médico e as virtudes que lhes são próprias. Essas atitudes, facilitadas pelas virtudes que são lapidadas através de formação continua, costumam convergir numa expressão, simples, direta, clara: ter interesse real pelo paciente. O interesse pelo paciente Com um linguajar poético, Marañón compara o prefácio de um livro ao capacho que é colocado às portas para a limpeza do calçado. Não apenas como um instrumento higiênico, mas como elemento de um verdadeiro ritual que, além de limpar os sapatos, dispõe o espírito de quem adentra no lar alheio. O mesmo ritual de preparação é requerido quando nos aproximamos de um paciente para atendê­lo: é preciso limpar o ânimo de outras distrações, para mergulhar na função que nos é atribuída. "Como médico, tive de pisar pela primeira vez em centenas de lares desconhecidos e nunca, posso afirmar com certeza, bati a uma porta sem emoção. Cada casa é um mundo diferente do mundo externo; e em qualquer uma pode a nossa alma encontrar uma faceta nova para sua vida e, talvez, para o seu destino. Sempre pensei isto enquanto deslizava os meus pés com unção, tivessem ou não barro, no capacho do umbral que nos prepara para a intimidade" 2. O paciente procura o médico em busca de ajuda. Não podemos esquecer disso; não é uma consulta "sobre algo impessoal", simples curiosidade espicaçada pela "cultura médica de divulgação", tão frequente nos nossos dias. Se o paciente está na nossa frente é porque algo o aflige ­ mesmo que não o demonstre ­ e requer nossa ajuda para resolver seu problema. Por isso o médico deve perguntar a si mesmo, durante toda a entrevista: "De que tipo de ajuda ele precisa? Por que este paciente me procurou?" Parece uma questão óbvia, mas não poucas vezes é esquecida. O médico se perde quando entra na rotina da consulta realizada sem uma preparação do seu espírito que consiste, entre outras coisas, em focalizar corretamente a situação com que se vai deparar. Neste sentido, pode ser que um paciente procure o médico porque se sente mal ou porque costuma procurá­lo anualmente, ou porque o médico pediu que assim o fizesse, ou porque alguém lhe recomendou que consultasse o médico, ou, ainda, porque está assustado com a notícia de que um parente morreu de tal doença. São motivos diferentes que requerem soluções diferentes, modalidades diferenciadas de ajuda. Na sua obra Proper Doctoring, um verdadeiro tratado sobre o bom senso da postura médica, o dr. David Mendel aborda também este tema com oportunidade, com comentários práticos e repletos de humor: "Os pacientes querem ser escutados e ver que há interesse por eles; querem que o médico procure entender o que pensam, o que sentem, mesmo que não saibam expressá­lo. O médico tem de saber se o paciente está ou não satisfeito com os serviços prestados. Este tipo de relação é impossível se o médico está convencido de ser uma estrela e que, ao paciente, caberia apenas admirá­lo. Todos temos a inclinação de pensar que somos o centro do Universo"3. Por esse motivo, o médico precisa preparar seu espírito, munir­se das disposições prévias necessárias: "Tratar os pacientes começa muito antes de entrar em contato com eles. Começa com muito estudo, mas, sobretudo, com uma correta atitude profissional para com eles. Não estamos julgando neste momento a importância do médico. O paciente é a verdadeira estrela e o médico está lá para servi­lo. Desde o momento em que o paciente entra no consultório, o médico deve pôr em jogo toda sua sabedoria e toda sua ciência, como se estivesse tratando da pessoa mais querida e próxima. Pôr em jogo o melhor de nós mesmos significa tocar cada nota como deve ser, com a ênfase correta, com o tom e o impulso necessário. E isto não apenas numa primeira vez, mas em todas as consultas posteriores" 3. A atitude externa do médico: a aparência que ajuda Este é um aspecto que dificilmente se toca no período de formação universitária. Talvez o medo de cair em formalismos ou de pensar que "o hábito não faz o monge" leva a guardar silêncio sobre algo que não é indiferente ao paciente, nem a nenhum ser humano: o visual externo. Mendel3 discorre sobre o tema com um estilo desenfadado mas repleto de recados. Afirma que o médico deve saber interpretar bem o seu papel: "Não me refiro apenas a colocar o avental, embora isso certamente ajude. [...] O médico deve estar corretamente vestido, e assim como no teatro de Shakespeare um vestuário ou figurino moderno distrairia o público, uma camisa colorida prejudicará a credibilidade do médico, embora a camisa não tenha relação direta com a sabedoria do médico. O mesmo acontece com o mau hálito ou com esse cheiro desagradável da última comida que se ingeriu. Se um médico está sujo ou descuidado, mesmo sendo um excelente médico, perderá pontos diante do seu paciente. Um cirurgião que se cortou ao barbear­se produzirá uma certa inquietação em quem precisar de seus serviços. É possível que estes detalhes não afetem todos os pacientes mas, se incomodam a um deles, já representa uma quota suficiente. Quanto mais jovem é o médico menos direito tem de se vestir como quiser [...]. O estudante, por exemplo, deve saber que mesmo tendo todo o tempo do mundo para aprender, o paciente jamais deve ter a sensação de estar sendo cuidado por mãos inexperientes. [...] Para que o aluno seja considerado médico ­ nos hospitais universitários ­ deve parecê­lo. A roupa e os penteados excêntricos não têm vez num hospital. Se usar avental, este deve estar limpo. O cabelo não só não deve parecer esquisito, mas deve estar bem arrumado. A maioria das pessoas se sente mal ao ver na pessoa que o examina cabeleiras despenteadas. Mesmos limpas dão impressão de descuido". E continua descendo a detalhes como as mãos, que devem estar limpas, as unhas cuidadas, "limpas, curtas, não para serem admiradas por uma manicure, mas para não atrapalhar o trabalho. Quando se examinam pacientes, é preciso sacrificar as unhas compridas, por mais bonitas e elegantes que sejam". De todo este repertório, verdadeiro elenco de boas maneiras, pode­se concluir que o médico deve ser, sobretudo, transparente: quer dizer, não deve chamar a atenção, seja pelo descuido da aparência, seja pela excessiva arrumação visual. Podem distrair e até incomodar esse estar "muito à vontade" e as familiaridades e também a sensação de que o médico está "desfilando" na passarela. Transparência, sem opacidades ­ da sujeira ou do perfume estonteante, tanto faz ­ para que o paciente veja sempre no médico o profissional que o serve, que lhe traz o conforto da medicina, ciência transformada em humanismo. O médico deve passar despercebido, atuando como a calçadeira que ajuda o paciente a introduzir seu pé no sapato. Despercebido como o coração: quando funciona corretamente ninguém repara. O contato com o paciente A observação do paciente é a condição inicial que deverá acompanhar toda a consulta e o horizonte do relacionamento. O bom médico é, sobretudo, um bom observador. Não apenas um observador técnico, mas alguém que possui uma intuição especial, que chega mais longe do que a simples constatação de fatos quantificáveis. Médicos experientes, com muitas horas de voo, sem dispensar nenhum dos passos necessários da consulta médica, intuem o diagnóstico e a evolução do paciente quando o cumprimentam na sala de espera, no momento em que o veem entrar no consultório. Intuição que é preciso desenvolver com conhecimento científico e, também, com dedicação e afeto. É a representação prática da solidariedade. "Nosso primeiro e mais nobre ofício é o de tomar completamente a sério o ser humano como organismo, mas também abranger o ser humano por inteiro, no meio dessa forma de ser. Primeiro, amar o ser humano como organismo e observar, cheios de amor e atenção ­ como uma mãe observa a respiração e o palpitar do filho adormecido ­, a circulação sanguínea, a respiração, a temperatura do corpo, as secreções do subconsciente; tudo o que nos foi encomendado. O encontro com o corpo humano, levado verdadeiramente a sério, é, muitas vezes, o modo do nosso encontro existencial com o ser humano e, no trabalho do médico, a forma de expressão do supremo humanismo"4. Também em medicina funcionam, de modo admirável, o que Pascal chamava "as razões do coração". A atenção que o paciente merece não é algo teórico, mas tem sua demonstração prática. O modo como se recebe o paciente requer arte e intuição. Saber fazê­lo corretamente, com amabilidade, com prudência: dando a cada um aquilo de que precisa e o que pode absorver, seja um sorriso, uma leve brincadeira ou uma palavra amável que deixa o paciente à vontade. Não é possível estabelecer uma metodologia única, pois cada paciente é diferente: cabe à sensibilidade do médico alcançar este desempenho que foge de normas "por atacado". Em qualquer caso, o paciente deve sentir ­ do contrário o médico terá fracassado logo de início ­ que ele é a realidade mais importante com o que o médico se ocupa naquele momento. Não se trata de um caso a mais, não é "o próximo", lamentável modo de chamar quem possui nome, identidade, personalidade própria. Utilizar o nome do paciente, olhar seu rosto, olhos nos olhos ­ espelho da alma ­ é personalizar a entrevista médica, dar importância ao paciente e fazer com que perceba que o seu problema nos absorve por inteiro naquela hora. Por isso, é preciso ouvir o paciente, deixá­lo falar, sabendo que o modo e a ordem em que conta as coisas é pista diagnóstica. Nesse momento, o médico deve saber responder à seguinte pergunta: "qual o motivo desta consulta?" E isto somente se consegue escutando o paciente, lendo nas entrelinhas, avaliando o tom de sua voz e a importância que é dada a cada sintoma. Não se quer dizer com isso que o médico tenha de "embarcar" em diagnósticos pré­fabricados ou populares; mas, com habilidade, deve abstrair do periférico para captar o essencial a que sempre o paciente acaba fazendo referência. E quando o paciente não sabe ao certo por que está consultando o médico? Também isso é um diagnóstico: alguma aflição o trouxe até a consulta e, desnorteado, o paciente veste a moléstia indefinida de sensações que relata desordenadamente. Mas, no fundo, tem a expectativa de que o médico saberá ler, por trás dessas generalidades, e descobrirá aquilo que nem ele mesmo sabe bem o que é. "O que o paciente pode contar é ouro puro, às vezes misturado com ganga de fantasia, mas mesmo assim é sempre fascinante. O objetivo do médico é extrair dele cada dado, cada sentimento que possa influenciar no diagnóstico e, consequentemente, no tratamento. É uma tarefa difícil, e pareça mais divertido auscultar com o estetoscópio, Com o tempo, vamos reparando que muito mais importante é auscultar o próprio paciente" 3. Ouvir sem assustar­se com nada. Não é o momento de julgar. Mesmo os atos e comportamentos errados do paciente devem ser ouvidos com serenidade, sem que o médico dê a impressão de criticá­lo. O que o paciente faz ou diz nunca pode ser interpretado como uma ofensa pessoal ao médico. Haverá tempo, depois, para voltar a essas questões, no âmbito terapêutico, e convencer o paciente a que nos deixe cuidar dele, ou que desista de uma determinada atitude prejudicial. O clima deve ser de confiança. Quando o paciente oculta dados ao médico, é porque tem medo dele, é porque o profissional não soube conquistar sua confiança com espaço para uma sinceridade total. Ouvir sem pressa. Estar com pressa ­ melhor dizendo, ter um acúmulo de tarefas que gera essa pressa ­ é algo que parece acompanhar o médico durante toda sua vida profissional; mas demonstrá­la é sinal de imaturidade. O paciente tem de sentir que, naquele momento, o médico nada tem a fazer senão cuidar dele. Para tanto, não se trata de dedicar muito tempo, mas de dedicar­ se com intensidade no tempo disponível. É, uma vez mais, questão de sensibilidade artística. Ouvir muito e falar pouco. Não é o momento de dar conselhos, de inundar o paciente de recomendações: estas devem ser feitas na hora certa, quando já se conquistou a confiança; e isso acontece depois que se examinou o paciente, que se estudou o seu caso ­ mesmo que se trata de um caso conhecido ou que o diagnóstico seja óbvio ­, depois que o médico mostrou realmente uma atitude científica para com o paciente. Querer dar muitos conselhos, "não dar ponto sem nó", é má administração de recursos. Também aqui vale o velho ditado, pleno de sabedoria para os que educam e formam pessoas: "um conselho ajuda, dois confundem, três atrapalham". É preciso escolher a dedo o conselho e dá­lo no momento oportuno. O exame físico Poucos momentos têm tanto a ver com a função artística do médico como o do exame físico. Naturalmente, um conhecimento acurado da propedêutica se torna necessário para encontrar no exame os sinais que o organismo nos dá. Mas, estabelecida essa base mínima, o resto fica por conta da genialidade do artista; uma genialidade que tem suas diretrizes clássicas. Dispensar o exame ou fazê­lo de modo sumário, para recorrer logo a exames laboratoriais e propedêutica armada, é abrir mão de uma das melhores armas terapêuticas de que os médicos dispomos. Como fruto de uma formação excessivamente especializada e tecnológica, encontramos hoje muitos médicos que mal conhecem semiologia e, neste caso, não é apenas uma abdicação da arte, mas grosseira incompetência. A experiência ensina uma lição clara: não existe relação médico­paciente eficaz se não se examina o paciente. Como dizem alguns estudiosos do tema, "o médico que não toca o paciente não capta sua confiança". Muitos pacientes se queixam, o que também deveria ser lição para nós médicos: "estive no dr. Fulano e ele nem me examinou". E o pior é que realmente muitos médicos não examinam mesmo. O ensinamento é claro: mesmo que o exame físico não acrescente dados ao diagnóstico ou à evolução do caso documentado, o paciente requer esse contato para que a confiança se crie e mantenha. É como a bolsa de valores: se falha a credibilidade, as ações despencam. Mesmo que se trata de um mero boato... Exame físico detalhado, na medida do possível completo em função dos recursos disponíveis. O relato do paciente não dispensa o médico de procurar sintomas "em outro lugar". Máxime quando o paciente, como já comentamos, chega ao médico setorizado: "Doutor, da sua parte ­ quer dizer, da sua especialidade ­ é somente isso o que eu sinto". O exame físico é, sempre, uma invasão da intimidade e o médico deve estar ciente disso enquanto examina o paciente. Respeitar e compreender o pudor, a vergonha do paciente, requer também sensibilidade. Voltamos à imagem do médico transparente, daquele que atua como se não estivesse lá: conversar com o paciente, atuar com delicadeza e pedindo licença, saber desviar a tensão do momento com uma conversa que agrade o doente, são todos meios de tornar­se "transparente", de não centrar em si próprio a atenção do paciente que está sendo examinado. Atitude que deve obedecer a uma rotina quase litúrgica do médico, independentemente de que o paciente se incomode ou não com o exame. A elegância e a classe de um bom médico não pode depender das expectativas da plateia ­ muitas vezes insensíveis e até desavergonhadas ­, mas do convencimento interior da dignidade do ser humano que se tem à frente, mesmo que o próprio paciente pareça não se importar com "esses detalhes". Novamente, o conselho permanente: ouvir muito e falar pouco; no caso, examinar com vagar, não ir dando opiniões a cada achado semiológico. Um exame físico não é uma adivinhação nem "uma busca do tesouro", de modo que o médico que vai "cantando, como se de bingo se tratasse", a cada novo sinal que encontra, demonstra uma tremenda imaturidade. Examinar com vagar, coletando os dados, sabendo conversar de outros assuntos com o paciente, para depois integrar os achados num quadro único, estudado: essa é a atitude sensata do médico se não quer deixar o paciente ansioso "com um fígado aumentado, um sopro carotídeo, ou um pulso pedioso diminuído". Afinal, o problema é do médico, e dele se requer uma opinião profissional e uma conduta, não um elenco de sinais e de possibilidades com as quais o paciente nada pode fazer. Com maior motivo, não cabe ventilar as dúvidas em voz alta, durante o exame físico: se o paciente nada pode fazer com os dados alterados, menos ainda poderá lidar com as ignorâncias do médico. O que o médico pode e deve fazer é destacar os detalhes positivos após o exame físico: "Felizmente, o seu coração está em ordem; parece que a sua pressão está controlada; não encontrei nada anômalo no seu abdome". Falar das coisas que "funcionam normalmente" também aumenta o ânimo do paciente. As palavras do médico Arte para situar­se, para ouvir o paciente, para examinálo. E, no seu momento, arte especialíssima para falar. Se o médico deve interpretar um papel, é no momento de falar que o set de rodagem chega ao clímax. Mais do que numa filmagem, o médico se encontra no palco teatral, pois sua intervenção é direta, sem possibilidades de reeditar a cena e com o público presente, na expectativa. O público, naturalmente, é o paciente, que possui um sexto sentido para descobrir a atitude interior do médico, suas dúvidas e inseguranças, pacientes e da própria sociedade, que não aceitará seu erro com generosidade mas espreitará suas falhas, perseguindo­o onde quer que esteja"6. Tema candente pela sua atualidade, um tema de difícil solução se o problema não for dimensionado convenientemente, em equações humanísticas. Afinal, a que médico não lhe morrem pacientes? A morte é a única coisa certa do acontecer humano, e o médico, querendo ou não, está no caminho dessa saída obrigatória. Toda a sua perícia estará em saber "diluir a técnica que possui" em veículo humanitário para que todos ­ paciente, família, e ele mesmo ­ possam digerir, com sentido e transcendência, a natural contingência da vida, para a qual a ciência mais apurada será sempre insuficiente. Concluindo com algumas evidências Quando, há quase vinte anos, ocorreu­me abordar este tema por escrito, recebi uma sugestão: colocar no meio deste discurso filosófico elementos procedentes da medicina baseada em evidências. Não segui o conselho, por parecer­me, naquele momento, fora de lugar. Mas hoje, voltando sobre o assunto, é fácil apurar resultados que se transformam em evidências, que apoiam a postura antropológica aqui proposta. É curioso como a ciência tem de mostrar­nos ­ com números, quantitativamente ­ o que nossa intuição reputa como verdadeiro. Mas é talvez o único modo de nos convencermos e, certamente, de colocá­lo em prática. Perguntar ao paciente se existe alguma coisa mais que ele gostaria de relatar, não requer grande ciência; requer sim a coragem de estar disposto a ouvir. Coragem que muitas vezes falha porque pode se pensar que isso alongará a consulta sem necessidade, e o tempo é de fato escasso. Aqui é onde entra a ciência embasada em evidências, para nos dizer que a consulta não se alonga e que, além de não complicar os horários do médico, pode facilitar enormemente seu papel, potencializando a resolutividade da consulta. Assim, num breve artigo publicado há quase dez anos9 (por tanto dez anos depois daquela sugestão que não acolhi), recolhe­se uma primorosa série de referências para dar um recado surpreendente. Descreve­se uma pesquisa10 com 335 entrevistas gravadas onde a resposta à pergunta do médico "o que lhe trouxe a esta consulta hoje" é cronometrada. O tempo médio em que um paciente consegue falar sem interrupção do médico é de 92 segundos. Por outro lado, 77% dos pacientes utilizam dois minutos para contar "todos os problemas" e somente 2% falam por mais de cinco minutos. Esta pesquisa conclui que 80% dos casos consegue em dois minutos apontar os motivos que lhe trouxeram até a consulta. Em outras duas referências, o foco da pesquisa é o médico. Numa delas11 aponta­se que o médico interrompe o paciente em média em....18 segundos!!!, desistindo, o paciente de continuar a referir os motivos que lhe trouxeram a consulta. Outra pesquisa, conduzida por médicos de família12, mostra que o tempo de redirecionamento da consulta ­ isto é, interromper o paciente para lhe perguntar outra coisa ­ é de 23 segundos. Em resumo: temos de aprender a ouvir o paciente. Sabemos disso, mas na prática não o vivemos. Quem sabe, na base de ler evidências, nos animemos a colocar isto na prática. Talvez seja até necessário um relógio de xadrez para respeitar o tempo do paciente, deixar ele mover as peças sem interferência. Se o relógio for interior ­ disciplina, postura, virtudes do médico ­ e se acompanhar de um sorriso que parece dizer "tenho todo o tempo do mundo para lhe escutar", estaremos dando os passos certos no fascinante caminho do relacionamento com o paciente. Bibliografia 1. Blasco PG. A Arte Médica (I): A Formação e as Virtudes do Médico. RBM. Revista Brasileira de Medicina (Rio de Janeiro), v.69, p.9 ­ 17, 2012.2. 2. Marañón G. Prólogo a mis prólogos. Espasa Calpe Madrid, 1966. 3. David Mendel. El buen hacer médico. EUNSA. Pamplona, 1991 4. Buchner F. Cuerpo y espíritu en la medicina actual. Rialp. Madrid, 1969. 5. Henri Bergson. La risa. Buenos Aires,1939, Ed. Losada, pág. 45. 6. Marañón G. Vocación y ética. Espasa Calpe Buenos Aires, 1946. 7. Marañón G. La medicina y nuestro tiempo. Espasa Calpe. Madrid, 1954. 8. Ortega y Gasset J. Meditación del pueblo joven. Revista de Occidente. Madrid.1981. 9. Lussier MT, Richard C. Doctor­patient communication. Time to talk. Can Fam Physician 2006 52: 1401­1402. 10. Langewitz W, Denz M, Keller A, Kiss A, Ruttimann S, Wossmer B. Spontaneous talking time at start of consultation in outpatient clinic: cohort study. BMJ 2002; 325:682­3. 11. Beckman HB, Frankel RM. The effect of physician behavior on the collection of data. Ann Intern Med 1984; 101:692­6. 12. Marvel MK, Epstein RM, Flowers K, Beckman HB. Soliciting the patient’s agenda: have we improved? JAMA 1999; 281(3)283. COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS Priorize o uso dos botões para percorrer o recurso de maneira linear Créditos Coordenação do Projeto Educacionais da UNA-SUS/UFMA CGGAP/SAPS Ana Emilia Figueiredo de Oliveira Elza Bernardes Monier Rosany Ferreira Rios Fonseca Coordenação Geral da DTED/ Coordenação de Tecnologia da SGETS/MS UNA-SUS/UFMA Informação da UNA-SUS/UFMA Carolina Vaccari Simaan SGETS/ Ana Emilia Figueiredo de Oliveira Mário Antonio Meireles Teixeira MS Gestão de projetos da UNA-SUS/ Coordenação de Comunicação Validadora pedagógica UFMA da UNA-SUS/UFMA Paola Trindade Garcia João Pedro de Castro e Lima José Henrique Coutinho Pinheiro Revisora textual Baesse Professora-autora Camila Cantanhede Vieira Coordenação de Produção Milena Rodrigues Agostinho Rech Designers instrucionais Pedagógica da UNA-SUS/UFMA Validadoras técnicas do Mizraim Nunes Mesquita Paola Trindade Garcia Ministério da Saúde Designer Gráfico Coordenação de Ofertas Erika Rodrigues de Almeida Carlos Haide Sousa Santos Como citar este material: RECH, Milena Rodrigues Agostinho. Comunicação de más notícias. In: UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. Acolhimento com classificação de risco na Atenção Primária em Saúde. Situações relacionadas ao atendimento à demanda espontânea na Atenção Primária. São Luís: UNA-SUS; UFMA, 2021. © 2021. Ministério da Saúde. Sistema Universidade Aberta do SUS. Fundação Oswaldo Cruz & Universidade Federal do Maranhão. É permitida a reprodução, a disseminação e a utilização desta obra, em parte ou em sua totalidade, nos termos da licença para usuário final do Acervo de Recursos Educacionais em Saúde (ARES). Deve ser citada a fonte e é vedada sua utilização comercial, sem a autorização expressa dos seus autores, conforme a Lei de Direitos Autorais-LDA (Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998). Apresentação Olá, aluna(o)! No cuidado integral dos usuários da APS, uma má notícia pode envolver desde um resultado positivo para câncer, até o diagnóstico de uma condição crônica que requer cuidados e modificações no estilo de vida, como hipertensão e diabetes. Essa comunicação pode influenciar na maneira que o usuário enfrentará a condição, na adesão ao tratamento, bem como na manutenção do vínculo de apoio com sua equipe de referência. Você já teve que comunicar uma má notícia para um paciente? Como se preparou para isso? Ao final da leitura deste material, você será capaz de entender a comunicação de más notícias, identificando componentes, preparação e posturas a serem evitadas nesse processo; além de reconhecer a competência cultural e a orientação familiar como atributos secundários da Atenção Primária à Saúde na comunicação de más notícias. Preparando-se para comunicar a má notícia Preparando-se para comunicar a má notícia Em situações em que seja possível, idealmente, deve-se garantir um ambiente privado e tranquilo para que ocorra a conversa, onde não haja interrupções. Além disso, deve-se dedicar tempo suficiente para que a pessoa expresse suas dúvidas e sentimentos sobre a situação. Às vezes, em situações de emergência, as circunstâncias não possibilitam esse ambiente, porém a habilidade de comunicação e empatia com a situação podem amenizar as cargas envolvidas com a má notícia. Por isso, prepare-se para o processo: Em caso de pessoa com incapacidade de receber a notícia, considera-se uma abordagem conjunta com uma pessoa de referência (como cuidador legal ou pessoa com procuração durável). Preparando-se para comunicar a má notícia Além disso, se você não se sente confortável ou segura(o) para comunicar a situação, pode solicitar que outra pessoa mais experiente o faça, contudo, é importante que alguém da equipe de referência (médico ou enfermeiro) esteja presente, fortalecendo o vínculo e a coordenação do cuidado. Entre as características importantes ao comunicar uma má notícia, estão: A pessoa pode querer outras informações sobre sua condição ou de seu familiar, por isso, é importante revisar o prontuário da pessoa e se preparar para ter um conhecimen- to adequado sobre o assunto, com informações básicas sobre prognóstico e opções terapêuticas, quando o assunto assim necessitar. Preparando-se para comunicar a má notícia Quando chegar o momento de comunicar a má notícia, olhe no rosto da pessoa, converse de modo claro e devagar. Atenção Primária com alta qualidade: Competência cultural e Orientação Familiar Entre os atributos derivados da Atenção Primária à Saúde (APS), a competência cultural e a orientação familiar são altamente relevantes em se tratando da comunicação de más notícias. É importante compreender as normas culturais relacionadas aos cuidados de saúde daquela pessoa em particular, conhecer tradições e expectativas culturais representadas por aquela pessoa. Da mesma forma, o profissional de saúde deve evitar estereótipos de pacientes com base em sua cultura. Além disso, deve conhecer, no contexto familiar, como o assunto é abordado e definir cuidadores e apoio, quando a situação assim demandar. Atenção Primária com alta qualidade: Competência cultural e Orientação Familiar Uma maneira simples de conduzir a conversa é por meio de diálogos como este: Deixe que a pessoa ou sua família explique seu ponto de vista. Caso a linguagem seja uma barreira, é necessário um tradutor que auxilie nessa comunicação e, por vezes, deve-se modificar termos médicos por termos de maior compreensão, como dizer “massa” em vez de “câncer”. Atenção Primária com alta qualidade: Competência cultural e Orientação Familiar Clique nos botões para conhecer mais sobre os atributos essenciais e derivados definidores da APS1. A Unidade de Saúde é a porta de entrada do indivíduo no sistema de saúde. É marcada também pela acessibilidade e utilização do serviço de saúde como fonte de cuidado a cada novo problema ou novo episódio de um mesmo problema de saúde, exceto para as verdadeiras emergências e urgências médicas¹. Pressupõe alguma forma de continuidade, seja por parte do atendimento pelo mesmo profissional, seja por meio de prontuários médicos, ou ambos, além do reconhecimento de problemas abordados em outros serviços e a integração deste cuidado no cuidado global do paciente. O provedor de atenção primária deve ser capaz de integrar todo cuidado que o paciente recebe por meio da coordenação entre os serviços¹. O cuidado da pessoa é contínuo ao longo do tempo. A relação entre a população e a equipe deve ser interpessoal, expressando a confiança mútua entre os usuários e os profissionais de saúde¹. A integralidade constitui o leque de serviços disponíveis e prestados pelo serviço de atenção primária. São ações que o serviço de saúde deve oferecer para que os usuários recebam atenção integral, tanto do ponto de vista do caráter biopsicossocial do processo saúde-doença como ações de promoção, prevenção, cura e reabilitação adequadas ao contexto da APS, mesmo que algumas ações não possam ser oferecidas dentro das unidades de APS. Incluem-se os encaminhamentos para especialidades médicas focais e hospitalares¹. Na avaliação das necessidades individuais para a atenção integral, deve-se considerar o contexto familiar e seu potencial de cuidado e, também, de ameaça à saúde, incluindo o uso de ferramentas de abordagem familiar¹. Reconhecimento, por parte do serviço de saúde, das necessidades em saúde da comunidade por meio de dados epidemiológicos e do contato direto com a comunidade; sua relação com ela, assim como o planejamento e a avaliação conjunta dos serviços¹. Adaptação do provedor (equipe e profissionais de saúde) às características culturais especiais da população para facilitar a relação e a comunicação¹. Aprenda mais sobre esses conceitos no Manual do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária à Saúde: PCATool-Brasil – 2020, disponibilizado pelo Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Seis passos na comunicação de más notícias Seis passos na comunicação de más notícias Existem diversas maneiras de abordar sistematicamente a discussão, permitindo desenvolver o assunto com comentários e dúvidas levantadas pela pessoa. Você conhece alguma dessas maneiras? Sabe como proceder ao comunicar más notícias? Uma das maneiras sistemáticas de conduzir a discussão de uma má notícia é a abordagem conhecida como Seis passos na comunicação de más notícias, que é composta pela sequência que você verá a seguir. Seis passos na comunicação de más notícias 1. Avalie a compreensão Antes de fornecer explicações, pesquise o que a pessoa já conhece. Você pode começar perguntando: Essas perguntas permitem avaliar a percepção da pessoa sobre a sua condição ou de seu familiar e auxiliam a determinar um ponto de partida. De acordo com a resposta da pessoa, considere relatar um breve resumo sobre a condição, para que todos tenham uma percepção em comum. Seis passos na comunicação de más notícias 2. Forneça um aviso Essa mensagem de aviso prepara a pessoa ou o familiar para a notícia que será fornecida. Fale algo como: Então, dê uma pausa. Nesse momento, o ambiente costuma ficar em silêncio. Seis passos na comunicação de más notícias 3. Informe a má notícia Comunique de maneira sucinta a notícia, utilizando palavras que a pessoa irá compreender e de maneira clara. Evite jargões médicos para que não haja má interpretação. Use palavras mais simples, como “câncer” ou “massa” (em se tratando da informação do diagnóstico de uma neoplasia maligna). Muitas vezes, após o peso da informação, a(o) paciente pode não ouvir as informações que serão dadas. É importante dar tempo para que a pessoa possa absorver o que lhe foi comunicado e trazer dúvidas. Caso necessário, pergunte se a pessoa compreendeu o que foi dito. Seis passos na comunicação de más notícias 4. Fique em silêncio e ouça Espere que a pessoa fale e mostre sua reação. Evite interromper esse momento. Se não houver uma reação após um silêncio prolongado, você pode gentilmente dizer algo como: Espere emoções de raiva, medo e tristeza, e esteja preparada(o) para reações como descrença, negação ou culpa. A mnemônica TERNA aponta posturas que auxiliam a aceitar e responder às emoções do paciente. Veja a seguir. Fonte: Adaptado de BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea: queixas mais comuns na Atenção Básica. 1. ed.; 1. reimp. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Seis passos na comunicação de más notícias 5. Forneça informações adicionais quando solicitado É melhor fornecer informações conforme a necessidade da pessoa e aos poucos. Respeite o tempo e o que a pessoa gostaria de saber naquele momento. A postura pode variar de “não me esconda nada ” a “não quero saber nada, resolva com meu familiar”. Se a família pedir para que não seja revelado ao paciente alguns aspectos sobre a condição de saúde ou seu prognóstico, pergunte ao paciente: “O quanto você gostaria de saber sobre sua condição?”. Se a pessoa não quiser saber, informe aos familiares que não contará ao paciente sobre as informações enquanto ele não quiser saber. Seis passos na comunicação de más notícias 5. Forneça informações adicionais quando solicitado Traga informações realistas e não “falsas esperanças”. Isso permite que a pessoa se prepare de maneira mais adequada. Muitos pacientes colocam suas esperanças em milagres. Existe uma linha tênue entre tirar a esperança da pessoa, o que não deve ser feito pelo profissional de saúde, e fornecer uma esperança falsa. Lembre-se: prognósticos sobre expectativa de tempo de vida são muito imprecisos e devem ser evitados. Seis passos na comunicação de más notícias 6. Seguimento Não deixe o paciente se sentir abandonado. A pessoa e a família terão novas dúvidas após terem pensado sobre a notícia. Forneça o acolhimento necessário para esse momento. Evite frases que geram distanciamento, como: “Não há nada mais a ser feito pelo paciente”. Embora não se possa trazer determinada cura, sempre há algo a ser feito pela pessoa e sua família. Posturas a serem evitadas ao comunicar más notícias Posturas a serem evitadas ao comunicar más notícias Algumas posturas devem ser evitadas ao comunicar más notícias, para prevenir que o vínculo com a pessoa seja quebrado, ou mesmo que a pessoa se sinta desassistida. Veja, a seguir, algumas das situações que devem ser evitadas na comunicação de más notícias. pessoa não quiser saber, informe aos familiares que não contará ao paciente sobre as informações enquanto ele não quiser saber. Bloqueio Palestra Diante de uma pergunta que gera Explicações muito longas e cheias grande preocupação no usuário ou de termos técnicos, sem abertura em seu familiar, o profissional pode a perguntas por parte do usuário, tender a ser evasivo ou mudar de podem dar uma falsa impressão assunto sem responder o que foi de compreensão, quando, na questionado². verdade, a pessoa não foi capaz de acompanhar o raciocínio e fica inibida em lançar questões². IMPORTANTE É importante lembrar que prognósticos sobre expectativa de tempo de vida são muito imprecisos e devem ser evitados. Colusão Ocorre quando tanto o paciente quanto o familiar evitam falar sobre o assunto e o profissional evita, portanto, trazê-lo à tona. A pessoa pode assumir que se mais algo importante deveria ser dito, o profissional o faria, enquanto este assume que se o usuário precisasse de mais informações teria perguntado. Assim, temas muito importantes podem deixar de ser trabalhados². Resposta prematura Ocorre quando, pela “falta de tempo”, o profissional se adianta em dar resposta a alguma pergunta sem explorar ou manifestar sua compreensão sobre a angústia por trás da questão. Assim, o usuário pode sentir que não teve atenção suficiente, ou que existem mais informações que não foram reveladas, gerando novas procuras aos serviços de saúde². Posturas a serem evitadas ao comunicar más notícias Não se preocupe! As habilidades de comunicação são desenvolvidas ao longo do tempo, sendo aperfeiçoadas a cada experiência. O importante é que você saiba que pode se preparar para esse momento, além de contar com o suporte dos demais membros da equipe e de outros membros da equipe multiprofissional (como psicólogo, assistente social, psiquiatra etc.) que prestam apoio à ESF por meio da equipe ampliada, do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) ou de outros equipamentos sociais da Rede de Atenção à Saúde (Centros de Atenção Psicossocial, Centro de Referência de Assistência Social etc.). Esse apoio multiprofissional é especialmente relevante em situações que envolvem um maior sofrimento (por exemplo, ao comunicar o diagnóstico de um câncer avançado que necessita de tratamento de suporte ou paliativo; o óbito de um familiar jovem ou em situação de violência) ou quando a equipe percebe que o processo de elaboração da notícia não está adequado. Posturas a serem evitadas ao comunicar más notícias A equipe deve manter um diálogo aberto e construtivo quando se identifica que algum profissional poderia melhorar sua maneira de abordar determinado assunto ou quando se percebe que o profissional está com dificuldades de se manter imparcial por causa de suas próprias vivências e interpretações culturais/familiares. Sugere-se que a equipe busque um contínuo aperfeiçoamento nas habilidades de comunicação de más notícias e que o assunto seja abordado em ações de educação permanente e/ou reuniões. Considerações finais A comunicação de más notícias é um assunto de extrema relevância para a equipe que atua na APS e uma das situações mais difíceis de serem realizadas. As habilidades de comunicação, atitude e empatia da pessoa que irá comunicar a má notícia têm um papel importante na capacidade de enfrentamento da condição ou do luto da pessoa e sua família. Esperamos que este material possa ajudar você a entender a comunicação de más notícias na APS, reconhecendo ferramentas e estratégias recomendadas para esse momento e identificando posturas que precisam ser evitadas. Até a próxima! Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária à Saúde: PCATool-Brasil – 2020. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: https://www. ufrgs.br/telessauders/documentos/20200506_Pcatool_versao_Final.pdf.pdf BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea: queixas mais comuns na Atenção Básica. 1. ed.; 1. reimp. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Disponível em: http://www.saude.sp.gov. br/resources/humanizacao/biblioteca/documentos-norteadores/cadernos_de_atencao_ basica_-_volume_ii.pdf.

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