Desporto e Género PDF
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Instituto Superior de Ciências Educativas
2011
Maria Teresa Espeçada
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This document is a presentation or report on the topic of 'Sport and Gender'. It explores the social construction of gender roles and their impact on sports practices, drawing on theoretical frameworks and research from sociology and feminist perspectives. It analyzes the historical and contemporary aspects of gender and sport.
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Desporto e Género Maria Teresa Espeçada [email protected] Janeiro/2011 Ficha do Projecto Título: Desporto e Género Área(s) de Formação: Ciências do Desporto Resumo: A prática desportiva é, como qualquer outra prática social, instituída culturalmente e estruturada através de hábitos, r...
Desporto e Género Maria Teresa Espeçada [email protected] Janeiro/2011 Ficha do Projecto Título: Desporto e Género Área(s) de Formação: Ciências do Desporto Resumo: A prática desportiva é, como qualquer outra prática social, instituída culturalmente e estruturada através de hábitos, rotinas e representações presentes na sociedade onde está inserida. O conhecimento e reconhecimento das dinâmicas e mecanismos subjacentes ao seu desenvolvimento e envolvimento são essenciais para a compreensão de determinados fenómenos constituintes da mesma. Palavras-chave: Género; desporto; masculinidade/feminilidade; divisão sexual do trabalho; práticas desportivas. AMÂNCIO, L. (1998). “Masculino e Feminino – A Construção Social da Diferença”. (2ª ed.). Porto: Edições Afrontamento. BIRRELL, S. (2002). "Feminist Theories for Sport". In Coakley, J. & Dunning, E. (orgs.) (2002). Handbook of Sport Studies. London: Thousand Oaks & New Deli. BOURDIEU, P. (1999). A Dominação Masculina. Oeiras: Celta. MARIVOET, S. (2002). Aspectos Sociológicos do Desporto. Lisboa: Livros Horizonte. Desporto e Género Objec&vos: - Promover a compreensão das dinâmicas e mecanismos subjacentes às práticas desenvolvidas em sociedade, baseadas na divisão sexual do trabalho social e que se projectam na dimensão desportiva. Desporto e Género Estrutura e Desenvolvimento Programático: 1. Uma questão cultural 2. O género e a sociedade 2.1. Construção social da diferença 2.2. A socialização e os papéis sociais 2.3. Perpetuação da diferença 2.4. Precedência e permanência da diferença 3. Género e Desporto 3.1. As teorias feministas no desporto 3.2. O feminismo como teoria Desporto e Género 1. Uma questão cultural Como qualquer outro hábito praticado num grupo, ou sociedade, a prática desportiva é culturalmente instituída. É estruturada através de hábitos e rotinas activados socialmente e, após a sua interiorização, via socialização, passa a estruturante. Isto é, só se efectiva se, no grupo ou sociedade onde emerge, existirem valores que a referenciem e a valorizem e se os membros desse grupo, ou sociedade, aderem a esses mesmos valores. Desporto e Género A adesão aos valores instituídos numa sociedade, neste caso os de cultura física, como em qualquer outra área, não é homogénea e é directamente influenciada pelas variáveis sexo, idade, classe social, nível de escolarização e estado civil. Ao aderir a um tipo específico de hábito ou rotina, o ser humano passa a adquirir um determinado tipo de conduta ou comportamento simbiótico entre os valores que transportava e os novos valores. Desse modo, alguns estereótipos e relações sociais já cristalizadas na sua conduta são transpostos para novas dimensões do espaço social. Desporto e Género 2. O género e a sociedade Ao longo do tempo e do espaço, as sociedades sofrem mutações porque estão constantemente em evolução de conhecimento e de desenvolvimento tecnológico. Actualmente, e com o impulso e a dinâmica dos meios de comunicação globais, já muito raras são aquelas que se mantêm inalteradas durante largos períodos de tempo. Desporto e Género No entanto, existem determinados tipos de relações que são de tal forma estruturantes e transversais que a maioria das sociedades as reproduzem ao longo do tempo, independentemente das mutações que sofram. Poderemos distinguir aqui a dicotomia biológica entre o sexo feminino e o masculino, que nos conduz a uma organização social baseada na divisão sexual do trabalho e, a partir daí, a dois rumos distintos. Desporto e Género 2.1 Construção social da diferença O sexo, a classe e a etnia são factores estruturantes dos processos de percepção e explicação da realidade social. A ideologia inerente às categorias sexuais, feminino e masculino, fundamenta-se precisamente nas diferenças biológicas existentes ao nível do senso comum como uma evidência natural das diferenças entre sexos. A partir daí, espraia-se, influenciando qualquer tipo de categorização e, desse modo, a própria construção social da diferença. Desporto e Género Essa dicotomia não deixa de ser assimétrica já que nela estão contidas relações de poder e a mesma serve de instrumento de percepção da realidade social nas interacções do quotidiano. O tipo de pensamento existente em meados do séc. XX e no alvorecer das ciências sociais era de que “as características físicas e biológicas do sexo feminino eram a determinante, necessária e suficiente, da sua própria condição social.” (Amâncio 1998: 19). Desporto e Género Este tipo de modelo de análise de causa única contribui para a facilidade da sua generalização ao nível do conhecimento do senso comum e de, segundo Archer (citado in Amâncio 1998: 19), esta popularidade resultar “do facto de as explicações biológicas substituírem, nas sociedades modernas, as crenças religiosas numa ‘ordem natural das coisas’ que se encontra assim ‘legitimada cientificamente’”. Desporto e Género 2.2. A socialização e os papéis sociais Em meados do séc. XX, Parsons foca a sua análise na socialização dos papéis sociais e analisa a família como uma estrutura equivalente aos pequenos grupos em que “a subsistência da mesma depende, isto é, é assegurada pela figura masculina através do seu trabalho no exterior desta. Por outro lado, o bem-estar familiar é assegurado pela figura feminina, e a manutenção de uma estrutura familiar equilibrada, de personalidades saudáveis nos adultos, e da própria sociedade, dependem desta distinção nos papéis sexuais que, embora complementares no seio da família, são quantitativa e qualitativamente assimétricos.” (Amâncio, 1998:21) Desporto e Género “Os papéis sociais associados aos dois sexos são internalizados através dos processos de socialização que têm lugar no seio da família” e para Parsons “o modelo de autoridade é a figura paterna, através da qual são internalizados os valores universais. (…) O desenvolvimento da identidade com o papel sexual adequado, no caso dos rapazes, está associado à afirmação do simbólico masculino nas actividades lúdicas e à diferenciação em relação ao sexo oposto.” (Amâncio, 1998:21) Desporto e Género Existe uma associação entre o conceito de paternidade e o de autoridade, o masculino é visto como o portador dos valores universais, enquanto o feminino é acoplado ao estereótipo da fragilidade e do cuidar. A socialização estimula ou inibe determinadas capacidades consoante a diferença biológica se torna evidente. Desporto e Género “A divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, até ao ponto de ser inevitável: está presente ao mesmo tempo, em estado objectivado, nas coisas (na casa por exemplo, cujas partes são, todas elas, ‘sexuadas’), em todo o mundo social e em estado incorporado, nos corpos, nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de acção.” (Bourdieu, 1999:8) Desporto e Género “A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica tendendo a ratificar a dominação masculina em que assenta. (…) O mundo social constrói o corpo como realidade sexuada e como depositário de princípios de visão e de divisão sexuantes. (…) Este programa social de percepção incorporada aplica-se a todas as coisas do mundo, e em primeiro lugar ao próprio corpo, na sua realidade biológica: é ele que constrói a diferença entre os sexos biológicos em conformidade com os princípios de uma visão mítica do mundo enraizada na relação arbitrária de dominação dos homens sobre as mulheres, ela própria inscrita, com a divisão do trabalho, na realidade da ordem social. “ (ibidem:8) Desporto e Género “A diferença biológica entre os sexos, quer dizer entre os corpos masculino e feminino e, muito em particular, a diferença anatómica entre os órgãos sexuais, pode assim surgir como a justificação natural da diferença socialmente construída entre os géneros, e em particular da divisão sexual do trabalho. (Ao corpo e seus movimentos, matrizes de universais que são submetidos a um trabalho de construção social é-lhes associado um simbolismo ao mesmo tempo convencional e ‘motivado’ percebido quase como natural.)” (ibidem:9) Desporto e Género 2.3. A Perpetuação da Diferença “O trabalho de construção simbólica não se reduz a uma operação estritamente performativa de nomeação orientando e estruturando as representações, a começar pelas representações do corpo; termina-se e consuma-se numa transformação profunda e duradoura dos corpos (e dos cérebros), quer dizer num e por um trabalho de construção prática impondo uma definição diferenciada dos usos legítimos do corpo que tende a excluir do universo do que se pode pensar e do que se pode fazer tudo o que marca a pertença a outro género, para produzir esse artefacto social que é um homem viril ou uma mulher feminina.” (ibidem:19) Desporto e Género “É um trabalho colectivo de socialização difusa e contínua que as identidades distintivas instituídas pelo arbitrário cultural incarnam em habitus claramente diferenciados segundo o princípio de divisão dominante e capazes de perceberem o mundo segundo esse princípio.” (Ibidem:20) “Os princípios antagónicos da identidade feminina e da identidade masculina inscrevem-se sob a forma de maneiras permanentes de apresentar o corpo, e de apresentar a própria pessoa, que são como que a realização, ou melhor, a naturalização de uma ética.” (Ibidem:24) Desporto e Género As formas de apresentação do corpo, “muito profundamente associadas à apresentação moral e à reserva que convêm às mulheres, continuam a imporse-lhes, como que contra a sua vontade, até mesmo quando deixam de lhes ser impostas pelas roupas.” (ibidem: 25) “Enquanto, para os homens, a cosmética e o vestuário tendem a apagar o corpo em benefício de signos sociais da posição social (fato, farda, uniforme, etc.) no caso das mulheres tendem a exaltá-lo e a torná-lo uma linguagem de sedução.” (ibidem:86) Desporto e Género 2.4. A precedência e permanência da diferença “As divisões constitutivas da ordem social e, mais precisamente, as relações sociais de dominação e de exploração que se instituem entre os géneros inscrevem-se progressivamente em duas classes de habitus diferentes, sob a forma de hexis corporais opostas e complementares e de princípios de visão e de divisão que levam a classificar todas as coisas do mundo e todas as práticas segundo distinções redutíveis à oposição entre o masculino e o feminino.” (ibidem:26) Desporto e Género As estruturas de dominação são produto de um trabalho incessante de reprodução para que contribuem agentes singulares e instituições tais como a família, a religião, a escola e o estado. “A precedência universalmente reconhecida aos homens afirma-se na objectividade das estruturas sociais e das actividades produtivas e reprodutivas, baseadas na divisão sexual do trabalho de produção e de reprodução biológica e social que confere ao homem a melhor parte, e também os esquemas imanentes a todos os habitus.” (ibidem:26) Desporto e Género “A representação androcêntrica da reprodução biológica e da reprodução social vê-se investida pela objectividade de um sentido comum, entendido como consenso prático, dóxico, sobre o sentido das práticas. E as próprias mulheres aplicam a toda a realidade, e, em particular, às relações de poder nas quais se encontram tomadas, esquemas de pensamento que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se exprimem nas oposições fundadoras da ordem simbólica.” (Ibidem: 29) Desporto e Género A dominação mantém-se quando os esquemas aplicados na percepção e apreciação do próprio ou do dominante são produto da incorporação das classificações, naturalizadas, das quais o seu ser social é produto. “A força simbólica é uma forma de poder que se exerce sobre os corpos, directamente, e como que por magia, fora de qualquer imposição física; mas esta magia só se opera apoiando-se sobre disposições depostas, como molas, no mais profundo dos corpos. (…) Desporto e Género (…) É uma acção transformadora poderosa por se exercer de maneira invisível e insidiosa, através da familiarização insensível com um mundo físico simbolicamente estruturado e da experiência precoce e prolongada de interacções habitadas pelas estruturas de dominação. (…) Os actos de conhecimento e de reconhecimento práticos da fronteira mágica entre os dominantes e os dominados que a magia do poder simbólico desencadeia, e por meio dos quais os dominados contribuem, muitas vezes sem o saberem, por vezes contra a sua vontade, para a sua própria dominação aceitando tacitamente os limites impostos.” (Ibidem:33) Desporto e Género 3. Género e Desporto (BIRRELL, Susan. “Feminist Theories for Sport” (pp61/76), “Major Perspectives in the Sociology of Sport”) A visão androcêntrica da sociedade e das suas relações de dominação reflecte-se no acesso a determinadas áreas do social. A dimensão desportiva teve, ao longo do tempo e em espaços diferentes, diversificados patamares de evolução no que se refere à acessibilidade à prática de actividades físicas e desportivas por ambos os sexos. Desporto e Género 3.1. As Teorias Feministas no Desporto A teoria feminista em Sociologia do Desporto tem como propósito central teorizar sobre as relações de género na nossa sociedade patriarcal, demonstradas, evidenciadas ou reproduzidas através do desporto ou de outras práticas físicas. O desporto é certamente uma actividade marcadamente de género, ou seja, uma actividade que aceita mais entusiasticamente rapazes e homens na sua prática do que raparigas ou mulheres e que também serve de palco de celebração dos valores claramente identificados como “masculinos”. Desporto e Género Os estudos elaborados pela teoria feminista não se focam unicamente nas jovens ou nas mulheres praticantes de desporto, mas também nos homens, isto é, nas formas como o desporto serve para consolidar o privilégio masculino e o impacto que as ideologias masculinas no campo desportivo têm sobre muitos jovens e adultos. A extensão de diversos estudos críticos focou-se na reprodução das relações de género e do privilégio masculino através do desporto, no desporto como uma prática patriarcal e no desporto como uma dimensão de hegemonia masculina. A teoria feminista é essencialmente um processo dinâmico que evolui com as mudanças na sociedade. Desporto e Género 3.2. O Feminismo como Teoria Tal como qualquer outra teoria sociológica, a teoria feminista oferece-nos uma explicação para as nossas vidas dentro de uma determinada cultura, tentando retirar da realidade individual um padrão generalizado de experiência. Uma teoria é uma gramática para compreender o que nos rodeia mas desenvolve-se dentro de um contexto cultural particular e é sempre provisória. Ela nunca é perfeita, completa ou não comprovada. Oferecenos, sim, um ponto de partida para a nossa compreensão, mas não deixa de poder ser expandida, contradita, aperfeiçoada ou substituída. Desporto e Género Todas as teorias feministas privilegiam o género como categoria central para análise porque todas elas se fundamentam na crença de que todas as experiências humanas são de género marcado. Na análise crítica do desporto, o género é unicamente uma parte de uma matriz interligada de relações de poder, que inclui relações de classe, raça, sexualidade, religião, idade, etc. Se o propósito central da teoria feminista é as mulheres em toda a sua diversidade, então o projecto deverá abranger a teorização de toda essa diversidade. Desporto e Género Estes estudos basearam-se na assunção de que o poder está desigualmente distribuído na sociedade, frequentemente através de linhas de género, de classe e de raça. Além do mais, o poder não é mantido através da força ou da coerção mas sim através de formas mais subtis de domínio ideológico. Como ideologia considera-se um conjunto de ideias que servem os interesses de grupos dominantes mas são tidas como senso comum mesmo por aqueles que são desapossados (Birrell, 2002). Desporto e Género Estes estudos basearam-se na assunção de que o poder está desigualmente distribuído na sociedade, frequentemente através de linhas de género, de classe e de raça. Além do mais, o poder não é mantido através da força ou da coerção mas sim através de formas mais subtis de domínio ideológico. Como ideologia considera-se um conjunto de ideias que servem os interesses de grupos dominantes mas são tidas como senso comum mesmo por aqueles que são desapossados (Theberge e Birrell, 2002). Desporto e Género Susan Birrell identificou quatro temas centrais no projecto dos estudos culturais feministas: - A produção de uma ideologia de masculinidade e de poder masculino através do desporto; - As práticas dos meios de comunicação social através das quais são reproduzidas as noções de domínio do feminino; - Corporalidade e sexualidade como dimensões de definição das relações de género; - A resistência das mulheres a práticas desportivas dominantes. Desporto e Género Avaliação: Identifique uma modalidade que tenha sido alvo de uma abertura gradual à prática feminina, focando também qual a adesão ao nível dos espectadores relativamente à prática masculina. Justifique a sua escolha. Aprendizagem Sistémica e Dinâmica Sugestões/Opiniões: Para qualquer sugestão de melhoria e/ou opinião relevante ao conteúdo deste Objecto de Aprendizagem deve, o utilizador, enviar um email para o contacto do Autor. Consentimento/Autorização do Autor Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso NãoComercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 3.0 Unported. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/deed.pt ou envie uma carta para Creative Commons, 171 Second Street, Suite 300, San Francisco, California 94105, USA. © Maria Teresa Espeçada, ISCE 2010. Todos os direitos reservados. Janeiro 2010 GbL – Gabinete b-Learning do ISCE Rua Bento de Jesus Caraça, 12 2620- 379 Ramada, Portugal gbl.isce @gmail.com