Criminologia Aplicada à Segurança Pública - CFHP 2022 PDF
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This past paper from CFHP 2022 covers applied criminology and public safety. The document delves into concepts, methodologies, schools of thought in criminology, crime, and social control and policy.
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CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA CFHP PMPE 2022 Organizador: Ten Cel PM Jonas...
CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA CFHP PMPE 2022 Organizador: Ten Cel PM Jonas 1 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 SUMÁRIO 1. CRIMINOLOGIA 04 1.1. Conceitos 04 1.2. Métodos 04 1.3. Objetos 05 Delitos 06 Delinquente 06 Vítima 06 Controle social 06 1.4 Conformidade e obediência 07 Controle social formal 07 Controle social informal 07 2. DESVIOS 08 2.1 Desvio e Estigma Social 09 2.2 Desvio e Tecnologia 09 3. ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS 11 3.1 Escola Clássica 11 3.2 Escola Positiva 12 3.3 Escola Sociológica 13 Criminologia do Consenso 13 A perspectiva estrutural-funcionalista 13 A perspectiva interacionista 20 a) Teoria da Transmissão cultural (Associação Diferencial) 20 b) Teoria da Desorganização Social (Teoria Ecológica) 20 Criminologia do Conflito 21 A perspectiva da rotulagem (Labeling Approach) 21 Criminologia do Conflito 22 A perspectiva crítica (moderna) 22 4. CRIME 23 4.1 Crime sem vítima 23 4.2 Crime profissional 23 4.3 Crime organizado 24 4.4 Crime de colarinho branco 24 4.5 Crime tecnológico 24 4.6 Crime de ódio 25 4.7 Crime transnacional 25 5. POLÍTICA SOCIAL E CONTROLE SOCIAL 26 6. ESTATÍSTICAS CRIMINAIS 27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 28 2 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 APRESENTAÇÃO A intenção desta disciplina é promover um estudo das possíveis causas da criminalidade e da reação do Estado a elas. Ou seja, é fornecer ao aluno uma visão geral do fenômeno criminal, a partir do estudo das escolas criminológicas e da relação entre elas, mediante uma abordagem crítica, com o intuito de desenvolver no aluno a capacidade de compreender como se desenvolvem os discursos criminalizantes e como eles aparecem na abordagem da questão criminal na atualidade. A ideia é demonstrar, no debate criminológico contemporâneo, a presença dos argumentos apresentados em cada uma das escolas criminológicas estudadas. O saber criminológico defende a implementação de uma polícia com o viés comunitário e formação do agente de segurança pública como promotor de mudanças na sua área de atuação, buscando práticas de inserção social e de cidadania. Neste sentido, torna-se fundamental paraque o aparato policial seja funcionalizado de forma a preservar, fomentar e assegurar o exercício dos direitos à cidadania. Portanto, para a compreensão, interpretação, manejo e aplicação eficiente de políticas de Segurança Pública são necessários o domínio de marcos teóricos robustos, conceitos esclarecedores e um conjunto de princípios ordenados e orgânicos acerca do delito, do delinquente, da vítima e dos instrumentos de controle social. A criminologia aplicada à segurança pública é a maneira mais coerente e eficiente na construção de políticas mais adequadas ao cenário criminológico de determinada região. 3 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 1. CRIMINOLOGIA 1.1. Conceitos A palavra Criminologia deriva do latim “crimino” (crime) e do grego “logos” (tratado ou estudo). A Criminologia é um conjunto de conhecimentos, advindos das ciências humanas e sociais, e não tem por objetivo apenas o estudo do crime, mas também o estudo de todas as circunstâncias que envolvem o crime tais como a vítima, o criminoso e a prática do delito. Ou seja, a Criminologia é uma pesquisa científica do fenômeno criminal, das suas causas, da sua prevenção e do controle de sua incidência. Para o jurista Newton Fernandes: "Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas e exógenas, que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinquente, e os meios laborterapêutos ou pedagógicos de reintegrá-lo ao grupamento social".1 Não se pode deixar mencionar o fato de a Criminologia ser uma "ciência empírica e interdisciplinar". É empírica, pois é uma ciência do “ser”, ou seja, baseada na observação e na experiência; e interdisciplinar, à medida que colhe influência profunda de diversas outras ciências, tais como a sociologia, a psicologia, o direito, a medicina legal etc. A Criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar que tem por objeto o crime, o criminoso, a vítima e o controle social do comportamento delitivo e que provê uma informação válida, contrastada e confiável sobre a gênese, dinâmica e produto social, bem como sobre sua eficaz prevenção, as formas e estratégias de reação ao mesmo e as técnicas de intervenção positiva no infrator e na vítima. Métodos A Criminologia é uma ciência. E toda ciência se desenvolve sob um método – canal para a aproximação e verificação do objeto da ciência. Diferente de outras disciplinas das ciências exatas que trabalham com fórmulas e cálculos, as ciências humanas, a qual a Criminologia está inserida, trabalham com fenômenos sensíveis que só podem ser reconhecidos por meio de "juízos empíricos", isto é, baseadas na observação e indução. Nesse sentido, pode-se dizer que a Criminologia é uma "ciência empírica" que utiliza método indutivo, diferente, portanto, do Direito Penal que é dedutivo ou lógico abstrato – os juristas partem de hipóteses que consideram corretas para delas deduzirem as consequências. Mas o que isso significa exatamente ser uma ciência empírica? Significa que a criminologia orienta as suas políticas de enfrentamento ao fenômeno desviante a partir da realidade fática das 1 FERNANDES, Newton, Valter. Criminologia Integrada. São Paulo: Revista dos tribunais, 1995. 4 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 experiências. O diagnóstico sobre o comportamento criminal precisa ser resultado da aplicação de um método científico. Essa comprovação se dá, essencialmente, com a utilização do método empírico, o qual evita um diagnóstico meramente casual e especulativo. Objetos Conforme mencionado nos tópicos anteriores, a Criminologia tem como objetivo analisar não apenas o crime ou delito, mas também a vítima, o controle social de tais condutas delitivas e a personalidade do delinquente. Como afirmou o jurista Orlando Soares, a Criminologia: “Dada a sua natureza, se responsabiliza não só pelo estudo do crime,mas também de conhecer o criminoso, a sua conduta, montando esquemas para combater a criminalidade, apoiando-se em meios preventivos para melhor cuidar dos criminosos para que ao final tenha um resultado positivo e que não venham a reincidir”2. Desde os primórdios até os dias de hoje, a Criminologia sofreu mudanças importantes em seu objeto de estudo. Houve tempo em que ela apenas se ocupava do estudo do crime (a exemplo de Beccaria), passando pela verificação do delinquente (a exemplo da Escola Positiva). Após adécada de 1950, alcançou projeção o estudo das vítimas e também os mecanismos de controle social, havendo uma ampliação de seu objeto, que assumiu, portanto, uma feição pluridimensional e interacionista. São, portanto, objetos da Criminologia: o delito, o delinquente, a vítima e o controle social. Delito Para o Direito Penal, o delito/crime é toda ação ou omissão típica, ilícita e culpável. Essa visão centra-se no comportamento do indivíduo, ou seja, a exteriorização da conduta por meiode uma ação ou omissão no mundo concreto. Já a criminologia tem toda uma atividade investigativa, analisando as causas do delito, a conduta antissocial, o tratamento dado ao delinquente, buscando sua não reincidência etc. Por isso, para a criminologia, o delito deve ser visto como um problema social e comunitário. 2. SOARES, Orlando. Curso 1de Criminologia. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 2003. 5 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 Delinquente O positivismo3 promoveu uma ruptura na ciência criminológica e transformou o criminoso em seu principal objeto de pesquisa. Desde então, o delinquente tem sido um dos objetos da Criminologia. O consenso hoje é que o criminoso não pode ser visto como um pecador, como na Escola Clássica, ou um prisioneiro de sua carga genética, escravo da própria patologia, como descreveu Lombroso. O criminoso está inserido numa problemática social maior devendo ser estudado junto com as outras variáveis do fenômeno criminal. Como destacou Sérgio SalomãoSchecaria: “O criminoso é um ser histórico, real, complexo e enigmático, um ser absolutamente normal, pode estar sujeito às influências do meio (não determinismos). [...] as diferentes perspectivas não se excluem; antes, comtemplam- se e permitem um grande mosaico sobre o qual se assenta o direito penal atual”4. Vítima A vítima é o objeto de estudo da criminologia que mais destaque tem tido nos últimos anos. A vítima é aquela que sofre com a prática do ato delitivo, causados tanto pelos próprios atos quanto pelos atos de outrem ou até mesmo do acaso. Durante séculos, o direito penal desprezava a vítima e colocava como sendo seu foco principal o criminoso, colocando-a em uma posição insignificante para a participação na existência do delito. No entanto, a partir da metade do século XX, começou- se a inserir o estudo do papel da vítima na estrutura do delito, em face dos problemas de ordem moral, psicológica, jurídica etc. Com o estudo da vitimologia, passou-se a colher informações das vítimas para esclarecimentos dos crimes, especialmente aqueles que ocorrem por meio de violência ou grave ameaça. Controle social O último objeto da Criminologia é o controle social. A primeira coisa a ser dita em relação a esse quesito é que uma das principais lições da Sociologia é a de que as pessoas vivem em organizações sociais. Elas ocupam posições em sua estrutura, internalizam crenças e valores e, consequentemente, compartilham crenças sobre como as pessoas devem agir. Afinal de contas, cada cultura, subcultura, sociedade, nação, comunidade, povo, tribo ou grupo tem normas próprias que regem o que é visto como um comportamento adequado. Leis, códigos de vestuário, regulamentos internos, exigências curriculares, regras de esportes ou de jogos, tudoisso é expressão de "normas sociais" 5. 3 Corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX, por Auguste Comte e John Mill. 4. SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 2012, p. 46. 6 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 Para um harmonioso funcionamento da sociedade, as pessoas precisam muitas das vezes da ordem social que as normas sociais proporcionam. Saber que os outros vão seguir as regras compartilhadas de comportamento possibilita uma ação coordenada, permitindo-nos satisfazer nossas necessidades individuais e coletivas. Nesse esteio, pode-se dizer que o "controle social" é o modo pelo qual a sociedade impõe essas normas básica aos seus membros. Isto é, o controle social refere-se às técnicas e às estratégias para prevenir ou impedir os "comportamentos desviantes" em qualquer sociedade. Ou, em outras palavras, o controle social corresponde a todos os meios e processos (idôneos) mediante os quais uma sociedade garante a conformidade de seus membros às suas normas sociais 6. A maioria das pessoas respeita e acata as normas sociais e presume que os outros farão o mesmo. Esse comportamento de acatar as normas sociais, através do controle social, reflete um processo de "socialização" 7 que ocorre no indivíduo desde a infância, em todos os níveis da sociedade: família, escola, universidade, grupos de amigos, igrejas, organizações burocráticas, meios de comunicações etc. Por isso criminólogos e sociólogos defendem que o controle social ocorre em todos os níveis da sociedade: indo da família ao próprio governo. Quando os membros de uma sociedade partilham de experiências idênticas de socialização tendem a agir de maneira muito parecida, ou a se conformar às expectativas sociais sem disposição para agir de modo contrário. 1.4 Conformidade e obediência Existem dois níveis de controle social. O primeiro chamado de "conformidade", que é seguir os pares ou iguais – pessoas de status similar ao nosso e sem direitos especiais para ditar o nosso comportamento. E o segundo nível, intitulado de "obediência", que corresponde ao ato de submeter-se a autoridades de escalão mais elevado na estrutura hierárquica. Em um caso específico pode-se dizer que um recruta que ingressa no serviço militar irá conformar-se aos hábitos e à linguagem dos demais recrutas e obedecer às ordens dos oficiais superiores 8. 5 Normas sociais são regras de ação (de conduta) que orientam e controlam o comportamento das pessoas, dos grupos e das instituições que formam a sociedade. De certa forma as normas sociais indicam o que é "permitido" e "proibido" em determinada sociedade. 6 SCHAEFER, Richard T. Fundamentos de sociologia. 6. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. 7 Socialização é o processo pelo qual as pessoas aprendem a sua cultura. Graças à socialização, os membros da sociedade tendem a apresentar os mesmos costumes e a desenvolver o mesmo conjunto de hábitos. 8 SCHAEFER, op. cit. 7 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 As sanções que a sociedade usa para estimular a conformidade e a obediência – e para desestimular a violação das normas sociais – são aplicadas por meio de dois tipos de controles sociais (informal e formal), como veremos nos tópicos a seguir. Controle social Formal Controle social formal é aplicado por agentes autorizados, como policiais, médicos, dirigentes de escolas, empregadores, militares, gerentes, através da sanção formal, a exemplo das sentenças de prisão, multas e, até mesmo, pena de morte. Algumas normas são tão importantes para uma sociedade que elas são formalizadas e transformadas em leis que visam controlar o comportamento das pessoas. A criação das leis é um processo social; elas são criadas em resposta à percepção de uma necessidade de controle social formal. Nesse sentido, a lei deve ser entendida não como um mero corpo estático de regras que vão sendo passadas de geração em geração. Na verdade, a lei espalha a contínua transformação dos parâmetros de certo e de errado, o modo como se determinam as transgressões e quais sanções devem ser aplicadas. A socialização é a fonte primária do comportamento adequado e obediente, o que inclui a obediência à lei. Em sociedades do mundo todo, as pessoas são socializadas tanto para quererem pertencer a um grupo quanto para recearem ser vistas como diferentes ou desviantes. De modo geral podemos dizer que não é a pressão externa de um grupo de pares ou de uma figura de autoridade que nos faz acatar as normas sociais e sim o fato de termos internalizado tais normas como válidas e desejáveis e de estarmos comprometidos com o seu cumprimento. Controle social Informal Apenas a previsão das normas e sanções penais não é suficiente para formar a carga psicológica necessária à "socialização" do indivíduo. Ao lado desse subsistema jurídico-penal, enlaça-se uma série de práticas que compõe o "controle social informal", realizado por pessoas ou grupos, como família, escola, igreja e opinião pública, que buscam, através de sorrisos, risadas, sobrancelhas erguidas, entre outros, inibir a prática de comportamentos desviantes. Com o controle social informal, quer a pessoa goste ou não, ver-se-á obrigada a seguir o costume geral. Se não o seguir, sofrerá uma punição (que pode ser ridicularização, isolamento, desprezo social). 8 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 2. DESVIOS A primeira coisa a ser destacada é que o termo desvio não significa perversão ou depravação. Desvio é o comportamento que infringe os padrões de conduta ou as expectativas de um grupo ou de uma sociedade. É toda ação que viola uma norma social. Assim, qualquer comportamento considerado ilegal, moral ou excêntrico pode ser considerado desvio. O desvio envolve a transgressão às normas do grupo, que podem ou não formalizar-se em leis. Trata-se de um conceito abrangente que inclui não só o comportamento criminoso, mas também muitas ações não passíveis de processo jurídico. O comportamento desviante não é necessariamente bom ou mau. Em muitos países, as pessoas que abusam do álcool, jogadores compulsivos seriam classificados como desviantes, da mesma forma que chegar atrasado à aula é um ato desviante; o mesmo podendo ser aplicado ao comparecimento a uma cerimônia formal de casamento utilizando uma bermuda. Assim, todos nós somos desviantes de vez em quando e transgredimos as normas sociais coletivas em certas situações. O desviante em uma cultura pode ser aplaudido em outra. Por esse motivo defende-se que o desvio não é imutável, pois o que é considerado desvio pode mudar em razão de fatores como tempo, lugar e situação. 2.1. Desvio e Estigma Social Há muitas formas de uma pessoa adquirir uma identidade desviante. Por causa de características físicas ou comportamentais, alguns indivíduos inadvertidamente recebem papéis sociais negativos. Uma vez que eles recebem papel desviante, enfrentam dificuldades para apresentar uma imagem positiva aos outros, ou podem mesmo ter uma baixa auto-estima. Grupos inteiros, por exemplo, podem ser rotulados. O sociólogo Erving Goffman cunhou o termo "estigma" para descrever os rótulos usados pela sociedade para desvalorizar os integrantes de certos grupos sociais. Os indivíduos e os grupos dotados de mais prestígio social e de mais poder definem o que é aceitável e o que é desviante. As pessoas também são estigmatizadas, muitas vezes como portadoras de comportamentos desviantes que elas podem nem ter mais. Os rótulos são estigmatizantes, podendo associar-se à pessoa pelo resto da vida. 2.2. Desvio e Tecnologia Quando a internet se tornou disponível ao público, não havia qualquer norma ou regulamento regendo seu uso. Como a comunicação online oferece um alto grau de anonimato, o comportamento grosseiro tornou-se rapidamente comum. 9 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 Alguns usos desviantes da tecnologia são criminosos, embora nem todos os participantes vejam o assunto dessa maneira. A pirataria de software, filmes e músicas se tornouum grandenegócio; da mesma forma que baixar da internet músicas, que são protegidas por direitos autorais, é largamente aceito. Embora a maioria dessas atividades seja claramente ilegal, muitos consumidores e pequenos piratas estão orgulhosos do seu comportamento. Nenhum estigma social é atribuído ao seu comportamento ilegal. Nesse sentido, percebe-se que o desvio é um conceito complexo. Pode ser trivial como profundamente danoso. Às vezes, o desvio é aceito pela sociedade e, em outras, claramente rejeitado. 10 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 3. ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS Os criminólogos e sociólogos têm se interessado há anos pelo estudo do crime e do desvio, e, dessa forma, geraram inúmeras teorias sobre esses temas. Sobre o estudo do crime/desvio não há uma teoria única, simples e universal que explique todos os atos desse tipo. Examinaremos a seguir apenas algumas das teorias que os pesquisadores apresentaram a fim de identificar os fatores importantes que devemos considerar em nossa tentativa de entender mais plenamente o desvio e a criminalidade: 3.1. Escola Clássica A primeira Escola Criminológica foi a “Escola Clássica”, que teve seu surgimento em meio ao Iluminismo do século XVIII. Essa escola se apoiava em determinados princípios, entre eles estão: O delito é um ente jurídico, ou seja, é a infração do direito; Reconhece o “livre arbítrio”, ou seja, que o homem nasce livre e pode tomar qualquer caminho (escolhendo pelo caminho do crime, responderá pela sua opção); A qualidade e quantidade de pena, que é repressiva, devem ser proporcionadas ao dano que se ocasionou com o delito ou perigo ao direito (pena retributiva). Um dos grandes pensadores desta escola foi Marquês de Beccaria, que escreveu, em 1764, o livro “Dos Delitos e das Penas”, através do qual criticou o sistema penal vigente à época. Dizia ele que o sistema penal era uma aberração teórica marcada por abusos dos juízes, pois havia na época a prática de torturas, e os julgamentos eram secretos. Beccaria começou, no entanto a denunciar as torturas, os suplícios, os julgamentos secretos e a desproporcionalidade das penas, assim dessa forma colaborou para uma futura reforma daquele sistema. A crueldade que comandava as sanções criminais em meados do século XVIII exigia uma verdadeira revolução no sistema punitivo então reinante. A partir da segunda metade desse século, os filósofos, moralistas e juristas, dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação penal vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade do homem. Nesse período, começaram a surgir os primeiros conceitos para tornar o sistema penal mais justo em relação à época medieval. Marquês de Beccaria colaborou para a formação de vários princípios norteadores do Direito, como por exemplo: 11 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 O princípio da legalidade, sustentando que apenas as leis podem indicar as penas de cada delito; O princípio da igualdade sustentando que as vantagens da sociedade devem ser distribuídas equitativamente entre todos os seus membros; O princípio da proporcionalidade sustentava que sendo a perda da liberdade uma pena em si, esta apenas deve preceder à condenação na exata medida em que a necessidade o exige. Em resumo, a Escola Clássica, de inspiração Iluminista, visou propiciar ao homem uma defesa contra o arbítrio do Estado. A grande importância dessa Escola se dá em especial pelo fato de ter reformulado o arcaico sistema penal herdado do período medieval. 3.2. Escola Positiva A Escola Positiva tem sua origem no século XIX na Europa – sob influência do cientificismo, de uma grande ambição de verdade e dos princípios desenvolvidos pelos fisiocratas, iluministas no século anterior e pelo evolucionismo darwinista – tendo como seus grandes pensadores Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garófalo. A Escola Positiva foi fundada a partir da ineficácia do método clássico na diminuição da criminalidade, na valorização das metodologias positivistas, na aplicação de novos estudos do homem e sua natureza, estudos estatísticos e novas ideologias políticas, de um Estado mais ativo na proteção dos fins sociais. Segundo Bitencourt, “Durante o predomínio do pensamento positivista no campo da filosofia, no fim do século XIX, surge a Escola Positiva, coincidindo como nascimento dos estudos biológicos e sociológicos” 9. O Italiano Cesare Lombroso, que escreveu o clássico “O Homem Delinquente” (1876),foi o principal expoente da Escola Positiva. Lombroso criou a teoria do “criminoso nato”, inferioraos demais na escala evolutiva , identificado a partir de suas características anatômicas e psicológicas, em uma negação direta ao livre-arbítrio. Lombroso acreditava que determinados fatores biológicos levavam determinadas pessoas a uma maior predisposição ao crime. Ele elaborou diversas classificações para os criminosos, buscando estabelecer um perfil das pessoas que poderiam cometer delitos. Lombroso acreditava que o homem já nasce criminoso em decorrência de má formação biológica e isso poderia ser identificado por meio de características anatômicas e psicológicas. Lombroso estudou o crânio de mais de 300 cadáveres e traçou as características físicas do “criminoso nato”: 9 BITENCOURT, op. cit., 2012. 12 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 Estigmas físicos: protuberância occipital, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, cor da pele, sexuais, orelhas grandes e separadas, rugas, tamanho da barba, estrutura torácica; Sintomas psíquicos: insensibilidade à dor (presença de tatuagens), preguiça, crueldade, instabilidade emocional, superstição, precocidade sexual. De modo geral, a Escola Positiva se dispõe a um novo pensar: não mais uma compreensão do delito presa à tese indemonstrável do livre arbítrio, mas que seja capaz de observar toda a complexidade de causas biológicas e psicológicas do indivíduo que determinam suas ações. 3.3. Escola Sociológica Diferente das escolas anteriores que focavam a explicação do crime a partir de uma perspectiva individual, a escola sociológica, inserida na chamada "virada sociológica", se detém nas explicações criminológicas a partir das relações e interações do indivíduo com a sociedade. Se fossemos dividir a Escola Sociológica, poderíamos separá-las em duas famílias. A primeira família denomina-se Criminologia do Consenso. Podemos usar a alegoria de que, nesta “casa”, as prioridades são a higiene (social), a lei e a ordem, o controle social e a pedagogia punitivista. E dentro desta casa há diversos cômodos. A outra residência tem como morador a Criminologia do Conflito. Nesta “casa”, a crítica do sistema é a ordem do dia. Os cômodos se dividem, nesta casa, em Labelling Approach e Criminologia Crítica. Criminologia do Consenso A ideia de uma criminologia do consenso parte da existência de uma constelação de valores fundamentais, comuns a todos os membros da sociedade, em que a ordem social se baseia. E são esses valores que definem a identidade do sistema e asseguram a coesão social. Em síntese, a sociedade se mantém, graças ao consenso de todos os membros acerca de determinados valores comuns. A perspectiva estrutural-funcionalista ou Teoria da Anomia As primeiras explicações para explicar o comportamento desviante das pessoas atribuíam-no as causas sobrenaturais ou a fatores genéticos (como "sangue ruim" ou "regressões evolucionistas a ancestrais primitivos"). 13 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 Foi no século XIX, com o surgimento da sociologia que se começou a buscar razões sociais para explicar a criminalidade e o desvio. E uma das primeiras correntes foi a "estrutural- funcionalista", tendo como expoentes Émile Durkheim e Robert Merton, surgida contra o determinismo biológico que dominava a Criminologia européia. Para os funcionalistas, o desvio é parte integrante da existência humana, com consequências positivas (e também negativas) para a estabilidade social, ajudando a balizar o comportamento adequado. O desvio é parte necessária da estrutura social; o desvio não pode ser tratado como uma anormalidade. Para Durkheim, o crime é parte integrante de toda sociedade sã. Aliás, uma sociedade que não apresente crime é uma sociedade primitiva, e, consequentemente, pouco evoluída. Nessa linha de raciocínio, por exemplo, ver um dos pais repreender o outro por soltar um arroto à mesa é para os filhos uma aula sobre conduta. O mesmo se aplica ao motorista que é multado por excesso de velocidade e ao aluno da faculdade que é penalizado por entregar trabalhos com semanas de atraso. 14 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 Teoria da Desorganização Social (Teoria Ecológica) A Teoria da Desorganização Social (também chamada de teoria ecológica criminal e teoria da Escola de Chicago) foi desenvolvida entre 1920 e 1930 em um estudo sobre crimes urbanos e delinquência conduzido pelos sociólogos Shaw e McKay da Universidade de Chicago. A idéia defendida pela Teoria da Desorganização Social é de que ordem social, estabilidade e integração contribuem para o controle social e a conformidade com as leis, enquanto a desordem e a má integração conduzem ao crime e à delinqüência. Exemplo: a Teoria das Janelas Quebradas e as políticas de tolerância zero. 15 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 16 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 17 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 18 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 19 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 A perspectiva interacionista Segundo essa perspectiva, o ato de cometer atos desviantes não é apenas moldada pela integração social ou a aceitação dos objetivos maiores da sociedade, mas, principalmente, devido à interação social e ao contexto local. a) Teoria da Transmissão cultural (Associação Diferencial) O sociólogo Edwin Sutherland (1883-1950) propôs que, assim como são socializados para agir em conformidade com as normas e os valores básicos da sociedade, os indivíduos também são socializados para aprender atos desviantes. Não é que nasçamos para ser selvagens; aprendemos a sê-lo. Assim, essa perspectiva defende que os indivíduos aprendem o comportamento criminoso interagindo com os outros. Essa aprendizagem inclui não apenas técnicas para atos ilegais, mas também motivações e racionalizações do criminoso. A teoria busca, sobretudo, esclarecer que todo ato delituoso decorre de um aprendizado, ou seja, todo crime é aprendido. Desse modo, Sutherland defende a ideia de que nenhum indivíduo nasce criminoso ou predisposto ao cometimento de delitos, mas que ele o aprende por meio de comunicação com as pessoas, geralmente as mais próximas. Ainda, pessoas com quem o indivíduo relaciona-se, bem como o lugar onde moram, influenciam suas práticas, sendo elas lícitas ou ilícitas, positivas ou negativas. Além disso, há o entendimento de que muitos desses exercícios delituosos se dão por uma contínua negligência e omissão do Estado, uma vez que, ao exercer os delitos, o criminoso acredita que não será punido, encontrando-se descrente da justiça. Em outras palavras, para esta teoria, o comportamento criminoso é resultado de um aprendizado por parte do indivíduo sobre aquela conduta criminosa. Qualquer padrão de comportamento pode ser aprendido, seja ele virtuoso ou criminoso, e será assimilado de acordo com o contato que o indivíduo tem com esse comportamento. Em síntese, nessa teoria o comportamento criminal é aprendido e não hereditário. Essa teoria, embora possa não explicar a conduta do ladrão que rouba por impulso em uma loja pela primeira vez ou de uma pessoa pobre que rouba por necessidade, a abordagemda transmissão cultural ajuda a explicar o comportamento desviante de delinquentes juvenis ou pichadores. Ela direciona nossa atenção ao papel fundamental da interação social e do contexto no aumento da motivação de uma pessoa para se envolver em comportamentos desviantes10. 20 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 Criminologia do Conflito Para essa corrente, a coesão e a ordem são fundamentadas na força; toda sociedade se mantém graças à coação que alguns de seus membros exercem sobre os outros. O crime é uma definição de conduta criada por agentes de controle social autorizados – como legisladores e agentes da lei – em sociedades politicamente organizadas. Assim, a criação das leis é com frequência, uma tentativa dos poderosos de impor aos demais a sua própria moralidade. Em resumo, esta corrente afirma que há, em sociedades politicamente organizadas, um planejamento de produção de normas voltado para assegurar o triunfo da classe dominadora. A histórica preferência da programação criminalizante pelas classes inferiores seria uma comprovação da essência conflitual, a exemplo do que postulam os teóricos da reação social (ou crítica). Isto é, para essa corrente, a coesão se funda na coação que alguns membros exercem sobre os outros. Com isto se determina por meio de normas penais, a criação de dispositivos que assegurem tal ordem e, por conseguinte, o triunfo da classe dominante. A perspectiva da rotulagem (Labeling Approach) Surgida nos anos 1960, nos Estados Unidos, a "Labeling Approach Theory" (Teoria da rotulagem, etiquetamento, reação social) tenta explicar por que certas pessoas são consideradas desviantes, enquanto outras, que têm o mesmo comportamento, não o são. Ao contrário do trabalho de Sutherland, a teoria da rotulagem não tem como principal foco as razões pelas quais algumas pessoas cometem atos desviantes. Em vez disso, tenta explicar por que a sociedade vê certas pessoas como desviantes, delinquentes e criminosos, enquanto considera menos agressivos outros cujo comportamento é semelhante. O sociólogo Becker, que popularizou essa abordagem, resumiu essa teoria com a seguinte declaração: "O comportamento desviante é o comportamento que as pessoas rotulam dessa forma". 10 WITT, Jon. Sociologia. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016, p. 145. 21 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 A perspectiva crítica (moderna) Entre as décadas de 1960 e 1970 surgiu nos EUA uma orientação criminológica de inspiração marxista que ficou conhecida como "Criminologia Crítica" (ou criminologia radical, nova criminologia, criminologia moderna). A criminologia crítica busca explicar os processos de criminalização das classes subalternas, historicamente constituintes da clientela do sistema penal. O foco da Criminologia crítica é a supressão da desigualdade social, pois defende a tese de que a solução para a problemática do crime depende da abolição da exploração econômica e da arbitrariedade política sobre as classes dominadas. E linhas gerais, compreende o estado capitalista como principal fator criminógeno. Nesse sentido, a criminologia crítica pretende ser um estudo comprometido com a abolição das desigualdades sociais, advindas dos conflitos por riqueza e poder. O compromisso é com a transformação da estrutura social, demonstrando a perversidade seletiva do sistema penal sobre pobres, negros, e outras minorias, por exemplo. As principais críticas direcionadas à criminologia crítica dizem respeito à desconstrução do sistema penal sem nenhuma alternativa pragmática. Apesar disto, não lhe pode ser retirado o mérito de advertir o criminólogo sobre a importância de observar com muito cuidado o seletivofuncionamento do sistema penal. 22 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 4. CRIME Se o desvio significa romper normas coletivas, o crime é uma violação da lei à qual alguma autoridade governamental aplica penalidades formais. É um tipo de desvio que representa uma violação das normas sociais administradas pelo Estado. As leis dividem os crimes em várias categorias, dependendo da gravidade do delito, daidade do infrator, da punição potencial e do tribunal que detém jurisdição sobre o caso. As divisões do crime abaixo revelam o modo como sociólogos e criminólogos classificam o crime de acordo com o modo como eles são cometidos e com o modo como diferentes delitos são vistos pela sociedade 11. 4.1. Crime sem vítima Crime sem vítima é aquele em que não identifica uma pessoa que tenha sofrido danos em virtude de sua ocorrência. Incluem-se entre estes crimes: violação às leis de decência pública, embriaguez em público, prostituição, consumo de drogas ilícitas, jogo e pornografia. A definição dessa modalidade de crime é assunto controverso. Há os que propõem a abolição dos crimes sem vítima, alegando que as pessoas têm o direito de participar de qualquer ação, desde que não violem o direito das demais, ainda que a ação possa ser prejudicial ao seu executor. 4.2. Crime profissional O criminoso profissional é uma pessoa que pratica crimes como ocupação diária, desenvolvendo habilidades e granjeando certos status entre outros criminosos. Muitos desses profissionais se especializam, podendo ser caracterizados como batedores de carteiras,assaltantes de lojas, assaltantes de bancos, sequestradores etc. Alguns adquirem habilidades que reduzem as possibilidades de detenção, prisão e condenação e, como consequência, têm longas carreiras no mundo do crime. O sociólogo Sutherland realizou importante estudo sobre esse assunto. Ele mostrou como a profissão de ladrão apresenta características similares às de outras profissões legais e estáveis. Seu aprendizado profissional ocorre graças à convivência com outras pessoas que praticam a mesma atividade. 11 SCHAEFER, Richard T. Fundamentos de sociologia. 6. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. 23 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 4.3. Crime organizado Crime organizado é o trabalho realizado por organizações que têm por finalidade obter poder e lucros transgredindo as leis das sociedades. Dentre as principais modalidades de crime organizado estão os relacionado ao tráfico de drogas, ao contrabando, aos jogos de azar, à prostituição, à corrupção pública e privada, à venda de proteção e a outras atividades ilegais. O crime organizado é uma atividade secreta e conspirativa que geralmente consegue safar-se da ação da polícia e da justiça. O crime organizado, muitas vezes, atua em conjunto com empresas legalizadas, corrompe agentes públicos, infiltra-se em organizações sindicais, intimida testemunhas de crimes e cobra "taxas de proteção". 4.4. Crime do colarinho branco Esse crime é cometido por pessoas que ocupam altas posições no âmbito de suas ocupações profissionais. Dentre as principais modalidades de crime desta natureza estão: sonegação de impostos, manipulação de estoques, fraude contra o consumidor, suborno, desfalque e publicidade enganosa. Em virtude do poder econômico e do prestígio social, muitoraramente as pessoas que praticam esses crimes são presas ou condenadas. Para os teóricos do conflito, a justiça criminal serve principalmente aos mais poderosos. Assim, tende a se mostrar muito mais rigorosa em relação aos crimes cometidos pelos mais pobres do que com os crimes de colarinho branco. 4.5. Crime tecnológico Recentemente, surgiu um novo tipo de crime que deriva do crime do colarinho branco: o crime tecnológico. O uso da alta tecnologia permite que os criminosos dêem desfalques ou cometam fraudes eletronicamente, em geral deixando poucas pistas, ou que ganhem acesso aos estoques de uma companhia sem sair de casa. A internet, com o crescimento tecnológico, concedeu praticidade à vida, porém trouxe consigo várias atribulações, pois facilita, também, à pratica de uma porção de crimes que possa constranger, prejudicar ou até mesmo difamar uma pessoa. Ou seja, a internet é uma ferramenta popular por proporcionar comodidade nas ações do dia-dia, mas também cômoda para prática de crimes. Existe uma unanimidade ao dizer que os benefícios trazidos aos usuários que utilizam a tecnologia como ferramenta de trabalho, interação social e para os mais variados tipos de comércio, que tais avanços tecnológicos vieram para atender as necessidades do mundo contemporâneo. Paralelamente a esses avanços é crescente a criminalidade virtual e devido a sua dinâmica a legislação atual se mostra pouco eficiente deixando uma sensação de que mundo virtual é espaço sem lei, o 24 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 que leva a sociedade reclamar por leis que preencham as lacunas da atual legislação. 4.6 Crime de ódio Ao contrário de outros crimes, os crimes de ódio, também chamados de crimes de preconceito, são definidos não só pelas ações, mas também pela intenção dos perpetradores. Considera-se um crime comum como um crime de ódio quando a motivação do réu ao escolher a vítima baseia-se na raça, na religião, no grupo étnico, no país de origem ou na orientação sexual, e quando as evidências indicam que o réu cometeu o crime movido pelo ódio. A maioria dos crimes de ódio é cometida por integrantes do grupo dominante contra pessoas relativamente indefesas. 4.7. Crime transnacional O crime transnacional é o crime que ultrapassa múltiplas fronteiras nacionais. Ou seja, é o crime que não conhece divisas nas linhas territoriais dos Estados nacionais. Antigamente, o crime internacional costumava restringir-se ao transporte clandestino de produtos por meio da fronteira entre dois países. As fronteiras, porém, não inibem mais o crime do que o comércio legal. Em vez de concentrar-se em países específicos, o crime internacional alastra-se agora por todo o planeta. A Criminalidade Transnacional é invisível, não localizada, não centralizada, multifacetada, multiforme, mutante, de caráter econômico, universal, difusa na sociedade, ameaçadora, predadora e, essencialmente, uma ameaça ao futuro mundial. São exemplos de crimes transnacionais: falência fraudulenta e fraude contra o seguro; crime virtual; corrupção e suborno de autoridades públicas; crime ambiental; sequestro de aviões; comércio ilegal de drogas; transferências financeiras ilegais; venda ilegal de armas de fogo e munições; infiltração em negócios lícitos; crime contra a propriedade intelectual; articulação em rede do crime organizado; pirataria marítima; terrorismo; roubo de objetos de arte e culturais; tráfico de órgãos e de seres humanos. 25 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 5. POLÍTICA SOCIAL E CONTROLE SOCIAL A concepção de Política Social no âmbito da Segurança Pública caracteriza-se por uma relação estrutural que está presente desde a origem da profissão policial. A polícia é um dos maiores instrumentos da sociedade para a proteção dos direitos humanos dos seus cidadãos. Ela garante um dos pilares do Estado de Direito que é a segurança pública, sem a qual o estado civil se dissolve e volta ao estado de natureza definido por Hobbes, da guerra de todos contra todos. No estado social, os cidadãos renunciam ao direito “natural” de autodefesa e de vingança pessoal e entregam este direito ao Estado que administra a justiça e a segurança. Por isso, só os profissionais de segurança podem andar ostensivamente armados na rua, respondendo a condição básica de agir sempre no respeito da lei. 26 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 6. ESTATÍSTICAS CRIMINAIS A primeira coisa a ser dita sobre as estatísticas criminais é que é um equívoco interpretá- las como uma representação exata da incidência da criminalidade. Mas, não podemos deixar de destacar que, as estatísticas servem como indicadores da ação policial e da escala aproximada de certos crimes. A limitação mais grave das estatísticas criminais é o fato de elas incluírem apenas os crimes efetivamente denunciados aos órgãos de segurança pública. Como os integrantes das minorias raciais e étnicas costumam desconfiar desses órgãos, talvez deixem de ir à polícia. As sociólogas feministas, por exemplo, observaram que muitas mulheres não denunciam o estupro ou a violência doméstica por medo de vir a ser culpada pelo crime. Devido a essas deficiências nas estatísticas criminais, iniciou-se, em 1972, nos EUA, a Pesquisa Nacional de Vitimização. Essa pesquisa coleta informações dos órgãos de segurança pública, mas também faz entrevistas domiciliares no país inteiro, indagando se as pessoas foram vítimas de um conjunto específico de crimes no ano anterior. No entanto, como outras informações sobre crimes, a pesquisa de domicílio tem seus próprios limites, pois exige que as vítimas entendam o que aconteceu com elas e desejem revelar tais informações aos entrevistadores. Fraude, sonegação de impostos de renda e chantagem são exemplos de crimes que provavelmente não serão informados nesse tipo de pesquisa. 27 CRIMINOLOGIA APLICADA À SEGURANÇA PÚBLICA – CFHP 2021 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 2. ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos Pensamentos Criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2008. 3. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica ao Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Renan, 2002. 4. CARVALHO, Salo. Anti-Manual de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2013. 5. DANTAS, George Felipe de Lima; SOUZA, Nelson. Gonçalves. As bases introdutóriasda análise criminal na inteligência policial. Brasília: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), 2004. 6. DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manoel da Costa Andrade. 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