PDF School of Salamanca Past Paper 2021 - AQA

Summary

This document details an intellectual movement known as the School of Salamanca, which occurred in the 16th and 17th centuries. The author investigates this movement and how it has been categorized, as well as whether it operated as a global network of knowledge production.

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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/354423727 Thomas Duve - A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento - trad. Gregório Sliwka e Alfredo de J. Flores (RevFacDir UFRGS, n. 46, ago 2021) Article · August 2021 CITATIONS READS 0 1,110 3 authors: Thomas Duve Alfredo De J. Flores Max Planck Institute for Legal History and Legal Theory Universidade Federal do Rio Grande do Sul 83 PUBLICATIONS 377 CITATIONS 233 PUBLICATIONS 34 CITATIONS SEE PROFILE SEE PROFILE Gregório Schroder Sliwka University of São Paulo 20 PUBLICATIONS 2 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Alfredo De J. Flores on 07 September 2021. The user has requested enhancement of the downloaded file. 3 A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento* The School of Salamanca: a case of global knowledge production Thomas Duve** REFERÊNCIA DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. DOI: https://doi.org/10.22456/0104- 6594.117988. RESUMO Neste artigo, apresento algumas reflexões sobre como conceitualizar o que foi rotulado como “Escola de Salamanca”, um movimento intelectual do século XVI e início do século XVII desenvolvido na Universidade de Salamanca. Após reconstruir o desenvolvimento do conceito “Escola de Salamanca” no fim do século XIX e início do século XX, sugiro considerar o movimento intelectual ora discutido sob essa denominação como tanto uma comunidade epistêmica quanto uma comunidade de prática que se estendeu para muito além das fronteiras de Salamanca, Espanha e da Península Ibérica. Mais adequadamente, ela pode ser compreendida como uma parte e um dos centros de uma rede global de produção de conhecimento no campo da normatividade. PALAVRAS-CHAVE Escola de Salamanca. História do Conhecimento. História Global. Teologia Moral. História do Direito. América ibérica. Espanha. Portugal. ABSTRACT In the article, I present some reflections about how to conceptualize what has been labelled the “School of Salamanca”, a 16th- and early 17th-century intellectual movement developed at the University of Salamanca. After reconstructing the making of the concept “School of Salamanca” in the late 19th and early 20th century, I suggest to consider the intellectual movement addressed under this denomination as both an epistemic community and a community of practice that reached out far beyond the borders of Salamanca, Spain and the Iberian peninsula. More adequately, it can be understood as a part and one of the centres of a global network of knowledge production in the field of normativity. KEYWORDS School of Salamanca. History of Knowledge. Global History. Moral Theology. Legal History. Iberoamerica. Spain. Portugal. SUMÁRIO 1 Introdução. 2 Construindo a “Escola de Salamanca”. 3 Desconstruindo a “Escola de Salamanca”. 4 Construção de sistema e prática diária. 5 Ars Inveniendi. 6 A Escola como uma comunidade epistêmica e uma * A publicação original em língua inglesa teve duas versões, ambas utilizadas aqui. Primeiramente, o texto foi publicado na condição de “working paper”: DUVE, Thomas. The School of Salamanca: A Case of Global Knowledge Production. Max Planck Institute for European Legal History Research Paper Series, [s. l.], n. 2020- 12, 2020. Disponível em:. Após, como capítulo de livro: DUVE, Thomas. The School of Salamanca. A Case of Global Knowledge Production. In: DUVE, Thomas; EGÍO, José Luis; BIRR, Christiane (org.). The School of Salamanca: a case of global knowledge production. Leiden; Boston: Brill Nijhoff, 2021. (Max Planck studies in global legal history of the Iberian worlds, v. 2). p. 01–42. Tradução para a língua portuguesa por Gregório Schroder Sliwka (Mestrando em Direito no PPGDir-UFRGS). Revisão por Alfredo de J. Flores (Prof. Permanente PPGDir-UFRGS). A base da tradução partiu do primeiro texto, o que foi autorizado pelo próprio autor, Thomas Duve. A posterior publicação em capítulo de livro pela Editora Brill somente nos serviu de baliza para revisão do texto. ** Professor Doutor de História do Direito em Perspectiva Comparada na Goethe-Universität Frankfurt am Main e membro científico da Sociedade Max Planck desde 2009, ocupando desde 2010 o cargo de diretor no Max Planck Institute for European Legal History (atual Max Planck Institute for Legal History and Legal Theory). DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 4 comunidade de prática. 7 Uma perspectiva da história do conhecimento sobre a Escola de Salamanca. 8 Salamanca como um caso de produção global de conhecimento. Referências 1 INTRODUÇÃO O que hoje se conhece como “Escola de Salamanca” surgiu em uma época de transformações políticas, religiosas, econômicas e culturais fundamentais. Muitas dessas transformações estavam ligadas à (proto-)globalização do início da Modernidade e suas consequências: os impérios ibéricos estavam se expandindo e seus territórios rapidamente cobriam o globo. Os europeus encontraram territórios assim como sistemas culturais e políticos que eles não conheciam antes. Ao mesmo tempo, reformas dividiram a res publica christiana, conduzindo a grandes turbulências políticas, guerras e à formação de diferentes culturas confessionais. A revolução midiática permitiu comunicação em velocidades e escalas até então desconhecidas, facilitando acesso ao conhecimento antigo, assim como a uma avalanche de conhecimento novo. Especialmente em função dessas mudanças, repúblicas e monarquias, impérios, ordens religiosas e a Cúria Romana do início da modernidade refinaram suas técnicas de governança. Foi nesse contexto que novas universidades foram fundadas e universidades tradicionais cresceram; a profissionalização aumentou e a ciência floresceu. A Universidade de Salamanca, fundada em 1218, exerceu um papel chave nesse desenvolvimento, particularmente porque os Reis Católicos a haviam convertido em seu local privilegiado de produção de conhecimento. Em Salamanca, humanistas, juristas, cosmógrafos, teólogos e canonistas treinaram a elite imperial. Aqui, futuros bispos e membros das Audiencias, juristas e missionários estudaram a medição de espaço e tempo, a economia, a linguagem, fé, direito, justiça e injustiça. Os acadêmicos preeminentes daquele tempo vieram a Salamanca para ensinar; casas de publicação estabeleceram suas officinae na cidade; e provavelmente, em poucos lugares no império havia tanta informação sobre explorações e descobrimentos no Caribe e nas Américas – mas também sobre violência, exploração e abusos cometidos pelos invasores europeus – como circulou em Salamanca. Missionários retornavam para sua alma mater; professores universitários vieram da Nova Espanha para publicar seus livros; membros de ordens religiosas poderosas enviaram relatórios aos seus monastérios. A elite castelhana pediu aconselhamento, e uma figura não menos importante que o próprio DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 5 imperador repetidamente consultou acadêmicos de Salamanca para darem sua opinião sobre as questões mais urgentes do momento. Assim, em Salamanca, mais que em qualquer outro lugar em Castela, informação de diferentes áreas e campos foi coletada, processada e integrada em reflexões teóricas. Enormes tratados foram escritos, que se tornaram objeto de estudo para gerações de estudantes. Muitos deles foram dedicados para questões de direito e justiça. Frequentemente, esses livros viam diferenças edições, eram traduzidos, tinham excertos publicados ou eram condensados em compendia e sumários. Salamanca parecia – e ainda é frequentemente considerada como – sinônimo de inovação científica e de produção de conhecimento no Siglo de Oro Español. Não é por acaso, portanto, que nomes como Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Domingo Bañez, Martín de Azpilcueta, Melchior Cano e Francisco Suárez – todos os quais tinham, em algum momento, lecionado em Salamanca – até os dias de hoje encontram-se pars pro toto para um século em que foram formuladas ideias-chave sobre o mundo natural, a economia, a teologia e a filosofia, assim como sobre o direito. A Universidade de Salamanca e sua famosa “Escola de Salamanca” se tornaram parte importante da história da teologia, filosofia, cosmografia, ciências naturais e direito1. 1 Há literatura abundante sobre a Escola de Salamanca e seu contexto histórico, e é obviamente impossível listar todos esses trabalhos neste capítulo introdutório. Um estudo introdutório compreensível da Escola com várias referências adicionais sobre o contexto histórico e teológico é: BELDA PLANS, Juan. La escuela de Salamanca y la renovación de la teología en el siglo XVI. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000. Acadêmicos como Barrientos García, Brufau Prats, Pereña e outros publicaram estudos seminais sobre a Escola de Salamanca e são indispensáveis para toda pesquisa sobre a escola. Para mais referências, ver também três bibliografias extensivas sobre a história da Universidade de Salamanca e a Escola: RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis E.; POLO RODRÍGUEZ, Juan Luis. Bibliografía sobre la Universidad de Salamanca (1800-2007). In: RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis Enrique; POLO RODRÍGUEZ, Juan Luis (org.). Historia de la Universidad de Salamanca. Vestigios y entramados. v. 4. 1. ed. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2002. p. 639–836; PENA GONZÁLEZ, Miguel Anxo. Aproximación bibliográfica a la(s) “Escuela(s) de Salamanca”. Salamanca: Universidad Pontifica de Salamanca, 2008; RAMÍREZ SANTOS, Celia Alejandra; EGÍO, José Luis. Conceptos, autores, instituciones: revisión crítica de la investigación reciente sobre la Escuela de Salamanca (2008-19) y bibliografía multidisciplinar (Prefacio de Thomas Duve). Madrid: Editorial Dykinson, 2020. Ramírez e Egío não só provêm uma bibliográfica sistemática e atualizada, mas também incluem uma introdução cuidadosa sobre alguns dos desenvolvimentos da pesquisa nas últimas décadas. Importantes estudos histórico-jurídicos sobre a Escola de Salamanca que fornecem bibliografias específicas sobre tópicos individuais incluem, por exemplo: DECOCK, Wim. Theologians and Contract Law: The Moral Transformation of the Ius Commune (ca. 1500-1650). Leiden: Brill Nijhoff, 2012; GORDLEY, James. The philosophical origins of modern contract doctrine. Oxford; New York: Oxford University Press; Clarendon Press, 1991; JANSEN, Nils. Theologie, Philosophie und Jurisprudenz in der spätscholastischen Lehre von der Restitution. Außer-vertragliche Ausgleichsansprüche im frühneuzeitlichen Naturrechtsdiskurs. Tübingen: Mohr Siebeck, 2013; SCATTOLA, Merio. Krieg des Wissens, Wissen des Krieges: Konflikt, Erfahrung und System der literarischen Gattungen am Beginn der Frühen Neuzeit. Padova: Unipress, 2006. Para uma introdução ao contexto amplo do direito e da moralidade no período do início da modernidade da perspectiva da história do direito, ver: DECOCK, Wim; BIRR, Christiane. Recht und Moral in der Scholastik der Frühen Neuzeit 1500- 1750. Berlin; Boston: De Gruyter, 2016. Disponível em:. Há uma enorme quantidade de literatura sobre o papel de Salamanca na história do pensamento político (com Anthony DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 6 Foi a mesma centralidade da Universidade de Salamanca que a converteu em um centro de produção de conhecimento profundamente envolvido com outros lugares. Universidades e seminários na Europa, na América e na Ásia ensinaram de acordo com os métodos e, em alguns casos, seguindo os estatutos de Salamanca. No entanto, como os capítulos(a) de González González, Álvarez Sánchez e Lanza/Tostes neste volume mostram com grande clareza, isso também significava que os métodos de Salamanca não eram simplesmente copiados, mas traduzidos – no sentido amplo de tradução cultural 2 – para realidades locais em continentes diferentes. No mesmo sentido, no México, Manila e em outros lugares, excertos, cópias, rescritos, novos manuscritos e livros impressos que se baseavam em ideias e práticas oriundas de Salamanca foram produzidos, mas criaram também algo novo. Em última análise, esses atores foram convencidos de que – malgrado a diferença de locais e situações em que eles viviam – todos estavam sujeitos a princípios universais, contribuíam para suas realizações ao colocar esses princípios em prática sob uma variedade de condições locais, e compartilhavam um consenso básico sobre como proceder em fazendo dessa forma. Os capítulos de Folch, Cobo, Moutin, Camacho, Egío e Aspe Armella Pagden e Annabel Brett como pontos de referência centrais), da política imperial, do direito internacional, dos direitos humanos, das discussões sobre os direitos dos povos indígenas e crescentemente também sobre Salamanca e escravidão. Também a ‘virada histórica do direito internacional’ iniciada por Martti Koskenniemi levou a uma onda de novas publicações sobre a Escola, com a maioria se concentrando sobre a história do ‘redescobrimento’ da Escola no século XIX e sua significância para o direito internacional. Importantes insights sobre as fundações morais do direito e da política no início da modernidade foram alcançados através dos trabalhos de Paolo Prodi, Adriano Prosperi e outros os seguindo. Embora eles não se concentrem exclusivamente na Escola de Salamanca, eles revelam a importância da teologia moral e sua prática para o mundo católico do início da modernidade. Desde o fim da década de 1970, historiadores do direito espanhóis como Jesús Lalinde Abadía e Bartolomé Clavero nos conscientizaram sobre a importância da religião na história do direito do início da Modernidade e seus contextos coloniais. Uma coleção recente sobre pensamento político e social no início da Modernidade, com contribuições sobre direito colonial e outros aspectos foi agora apresentada por: TELLKAMP, Jörg Alejandro (org.). A Companion to Early Modern Spanish Imperial Political and Social Thought. Leiden; Boston: Brill, 2020; e um companion sobre a Escola de Salamanca está sendo preparado por: BRAUN, Harald E.; ASTORRI, Paolo (org.). A Companion to the Spanish Scholastics. Leiden: Brill, [no prelo]. Para um levantamento geral da história do período, ver agora: BOUZA ALVAREZ, Fernando J.; CARDIM, Pedro; FEROS, Antonio (org.). The Iberian world 1450-1820. New York: Routledge, 2020; BARRETO XAVIER, Ângela; PALOMO, Federico; STUMPF, Roberta Giannubilo (org.). Monarquias ibéricas em perspectiva comparada (séculos XVI-XVIII): dinâmicas imperiais e circulação de modelos político- administrativos. Lisboa, Portugal: Imprensa de Ciências Sociais, 2018. (a) Nota de tradução: uma vez que este texto é o capítulo inicial de um livro coletivo, a referência aqui aos demais capítulos remete aos mesmos na publicação: DUVE, Thomas; EGÍO, José Luis; BIRR, Christiane (org.). The School of Salamanca: a case of global knowledge production. Leiden; Boston: Brill Nijhoff, 2021. 2 Neste artigo, o termo “tradução cultural” é usado no sentido amplo que ele adquiriu nos estudos culturais. Para uma discussão completa sobre o tema: DUVE, Thomas. Pragmatic Normative Literature and the Production of Normative Knowledge in the Early Modern Iberian Empires (16th–17th Centuries). In: DUVE, Thomas; DANWERTH, Otto (org.). Knowledge of the Pragmatici: Legal and Moral Theological Literature and the Formation of Early Modern Ibero-America. Leiden: Brill | Nijhoff, 2020. p. 01–39. Disponível em:. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 7 apresentam estudos de caso sobre como atores negociavam as tensões entre universalidade e localização na Nova Espanha, nas Filipinas e no contexto de contato com a China, respectivamente. Alguns dos livros escritos no Novo Mundo eram impressos, lidos e comentados em Salamanca, e, assim, levantavam novas deliberações na universidade e no monastério de San Esteban. As cartas que os professores recebiam de seus antigos estudantes, agora servindo na América e na Ásia ibérica, e as estórias que eles contavam quando retornavam para Salamanca, continham ricas informações e levantavam questões que os teólogos tentavam responder em suas aulas e em seus tratados. Em outras palavras, a comunicação não era unidirecional: o conhecimento circulava e era continuamente reformatado. Salamanca era um importante nódulo nessa enorme rede de locais em que o conhecimento normativo era produzido 3. É essa perspectiva global sobre a produção de conhecimento nos mundos ibéricos que este livro quer explorar4. Conhecimento normativo, no entanto, não é só sobre teoria, ideias, princípios ou doutrinas: ele também inclui práticas. Ele é, como foi expresso para um contexto moderno, 3 Dentro do extensivo debate sobre “informação” e “conhecimento” e suas respectivas definições, optei por uma distinção entre os termos que concebem a informação como unidade básica, como dado com relevância e propósito gerais. Informação é convertida em conhecimento assim que é contextualizada e integrada em um campo de ação, abrindo possiblidades para ação. Conhecimento pode, então, ser entendido como uma totalidade de proposições que membros de um grupo consideram ser verdadeiras ou que são consideradas verdadeiras em uma quantidade suficiente de textos produzidos por membros desse grupo, compreendendo todos os tipos de padrão de pensamento, orientação e ação. Ele compreende também conhecimento implícito enraizado nas práticas e rotinas organizacionais; sobre as diferentes definições, ver, por exemplo: NEUMANN, Birigt. Kulturelles Wissen. In: NÜNNING, Ansgar (org.). Metzler Lexikon Literatur- und Kulturtheorie: Ansätze- Personen-Grundbegriffe. 5. ed. Stuttgart; Weimar: Springer, 2013, p. 811; WEHLING, Peter. Wissensregime. In: SCHÜTZEICHEL, Rainer (org.). Handbuch Wissenssoziologie und Wissensforschung. Konstanz: UVK, 2007. p. 704-712. Minha definição é mais restrita que a utilizada por Renn e Hyman [RENN, Jürgen; HYMAN, Malcolm H. The Globalization of Knowledge in History: An Introduction. in: RENN, Jürgen (ed.). The Globalization of Knowledge in History. Berlin: Edition Open Access, 2012. p. 15-44. Disponível em:. esp. p. 21-22], que definem conhecimento como a capacidade de um indivíduo, grupo ou sociedade para resolver problemas e de antecipar mentalmente a ação necessária; eles provêm uma interessante lista de formas de representação de conhecimento e formas de transmissão. Para um panorama sistemático, ver também: ABEL, Günter. Systematic Knowledge Research. Rethinking Epistemology. In: SANDKÜHLER, Hans Jörg (Ed.). Wissen: Wissenskulturen und die Kontextualität des Wissens, Frankfurt: Peter Lang, 2014. p. 17-37. Na discussão que segue, conhecimento “normativo” refere-se ao conhecimento como “possibilidades positivamente afirmadas”, uma definição desenvolvida por Christoph Möllers (MÖLLERS, Christoph. Die Möglichkeit der Normen. Über eine Praxis jenseits von Moralität und Kausalität. Berlin: Suhrkamp, 2015). Sobre esses aspectos, ver: DUVE, Thomas. Pragmatic Normative Literature and the Production of Normative Knowledge in the Early Modern Iberian Empires (16th–17th Centuries). In: DUVE, Thomas; DANWERTH, Otto (org.). Knowledge of the Pragmatici: Legal and Moral Theological Literature and the Formation of Early Modern Ibero-America. Leiden: Brill | Nijhoff, 2020. p. 01–39. Disponível em:. 4 Para as ideias implícitas no projeto deste livro, ver o working paper enviado aos autores convidados para participar e discutir suas contribuições em um workshop sediado em Buenos Aires em 2018: DUVE, Thomas. La Escuela de Salamanca: ¿un caso de producción global de conocimiento? consideraciones introductorias desde una perspectiva histórico-jurídica y de la historia del conocimiento. The School of Salamanca Working Paper Series, Frankfurt am Main, n. 2018-2, 2018. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 8 uma atividade da mente, uma forma de fazer algo com as regras e casos e outros materiais do direito, uma atividade que é ela mesma não redutível a um conjunto de orientações ou qualquer descrição fixa. É uma espécie de competência cultural, como aprender uma linguagem.5 O mesmo se aplica – em um grau ainda maior – para o mundo do início da Modernidade, razão pela qual foi o modo de raciocínio ensinado e praticado em Salamanca, e a maneira pela qual casos concretos eram resolvidos de acordo com ele, que moldou a forma pela qual a justiça era administrada em vários locais. Onde quer que um missionário, um padre, um bispo, mas também um juiz, ou um oficial da Coroa que tivesse estudado em Salamanca ou lido livros de lá, exercesse seu ofício, ele produzia novas afirmações normativas [normative statements] com base no que ele havia aprendido em ou de Salamanca. As análises de coleções de decisões de corpos judiciais, declarações de bispos, práticas de ensino ou a escrita de opiniões em problemas centrais da vida colonial (como casamento, restituição e guerra justa) nas contribuições de Aspe Armella, Camacho, Cobo, Egío, Folch, Moutin e Lanza/Toste, respectivamente, apontam para esses contextos pragmáticos de produção de conhecimento normativo. Ou seja – como esse capítulo introdutório objetiva destacar –, a combinação do desenvolvimento intelectual e científico dinâmico da Escola e seu caráter essencialmente pragmático, mirando a cura animarum, central para entender a Escola. Pode ter sido precisamente essa combinação de teoria e prática, independentemente de vermos a Escola como parte de um imperialismo jurídico opressor ou como os inícios de um direito cosmopolita – ou, na verdade, como ambos6 – que contribuiu para o impacto global da Escola de Salamanca sobre a formação de uma linguagem de normatividade e de práticas normativas. Essa presença e translação global de conhecimento normativo que foi desenvolvido em Salamanca, a interconectividade entre Salamanca e outro locais e as orientações pragmáticas de seu(s) método(s) de raciocínio levantam questões importantes. 5 WHITE, James Boyd. Legal Knowledge. Harvard Law Review, vol. 115, n. 5, 2002, p. 1396-1431. Disponível em:. p. 1399. 6 A significância da linguagem política é enfatizada tanto por acadêmicos que destacam a contribuição de Salamanca para o direito internacional de uma maneira mais defensiva – em alguns casos até hagiográfica – quanto por aqueles que tomam uma perspectiva mais crítica. Para uma abordagem balanceada, ver: KOSKENNIEMI, Martti. Empire and International Law: The Real Spanish Contribution. University of Toronto Law Journal, [s. l.], v. 61, n. 1, p. 1–36, 2011. Disponível em:. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 9 Primeiro, elas nos fazem pensar sobre quais podem ser os critérios definidores da “Escola de Salamanca”, e sobre como decidir quem deveria ser considerado membro da Escola, especialmente em termos geográficos. Deveriam ser só aqueles que aprenderam ou ensinaram teologia tomista em Salamanca, como alguns acadêmicos sustentam? No entanto, se se restringe a Escola geograficamente a Salamanca, como se deveria classificar o trabalho feito em Coimbra e em Évora? Seria Martín de Azpilcueta, que escreveu seu bem-sucedido Manual de Confessores primeiro em Coimbra (para onde ele havia sido enviado desde Salamanca) considerado um membro da Escola? E como se deveria classificar o que era ensinado e escrito em Manila ou no México, ou em seminários e colégios em Córdoba del Tucumán, por acadêmicos que haviam estudado em Salamanca e depois aplicaram o que haviam aprendido? Ou os ensinamentos e escritos daqueles que nunca tocaram solo castelhano, mas estavam profundamente imersos no modo de pensar ao estilo de Salamanca e o colocavam em prática? Os capítulos neste volume mostram que existem boas razões para integrá-los em uma análise conjunta com aqueles autores “espanhóis” tradicionalmente considerados membros da Escola. E por que razão – para levantar questões adicionais resultantes da orientação pragmática da teologia moral do início da Modernidade, como era praticada em Salamanca – nós definimos a Escola como um grupo de autores, e não como uma comunidade de práticas? Por que nós não incluímos seus julgamentos em casos individuais, tanto no forum externum quanto no forum internum, ou suas opiniões e conselhos práticos, no conjunto de fontes que constituem a Escola? Qual ideia da Escola de Salamanca subjaz ante a concentração quase exclusiva da historiografia nos grandes tratados sistemáticos, e a negligência geral aos vários pequenos livros e à literatura pragmática? Salamanca não se tornou famosa precisamente em razão de suas deliberações sobre problemas práticos, como a legitimidade da conquista ou os poderes respectivos do Papa e do Imperador? Ela não se tornou influente em função dos milhares de atos de produzir uma afirmação normativa [normative statements] – um julgamento, uma opinião, um cânone em um Concílio da Igreja – que eram pronunciados de acordo com os ensinamentos e as práticas aprendidas em Salamanca e em outros lugares? Enquanto algumas dessas questões tenham sido intensamente discutidas, surpreendentemente poucas delas foram objeto de reflexão crítica7. No entanto, por trás delas 7 A definição da escola é há muito objeto de debate acadêmico. Ver, por exemplo: BELDA PLANS, Juan. La escuela de Salamanca y la renovación de la teología en el siglo XVI. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2000. p. 147-206; BELDA PLANS, Juan. Hacia una noción crítica de la “Escuela de Salamanca”. Scripta DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 10 está um problema geral que é importante para o estudo da Escola de Salamanca, mas que também vai muito além dela: o dilema de como analisar e classificar um fenômeno intelectual como a “Escola de Salamanca”, que foi culturalmente traduzido sob as condições da expansão europeia e da revolução midiática em muitos locais ao redor de todo o mundo. A sugestão feita neste capítulo é entender a Escola de Salamanca não como um grupo de autores em um local, mas como a denominação de um modo específico de produzir conhecimento normativo, como um processo comunicativo que era performado por uma multitude de atores. Colocado de modo simples, a “Escola de Salamanca” não era um grupo de autores, mas uma prática cultural, um modo específico de participar em um sistema comunicativo dedicado à normatividade8. Para demonstrar isso, não vou começar com as premissas teóricas e metodológicas subjacentes a essa perspectiva 9 , mas em vez disso vou me concentrar sobre os autores theologica, [s. l.], v. 31, n. 2, p. 367–411, 1999; BARRIENTOS GARCÍA, José. La teología, siglos XVI-XVII. In: RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis Enrique (org.). Historia de la Universidad de Salamanca. v. 3/1. 1. ed. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2002; BARRIENTOS GARCÍA, José. La escuela de Salamanca: desarrollo y caracteres. Ciudad de Dios: Revista agustiniana, [s. l.], v. 208, n. 2–3, p. 1041–1079, 1995; BERMEJO, Ignacio Jericó. ¿Escuela de Salamanca y Pensamiento hispánico?: Ante una propuesta. Salmanticensis, [s. l.], v. 59, n. 1, p. 83–114, 2012; BRUFAU PRATS, Jaime. La Escuela de Salamanca ante el descubrimiento del Nuevo Mundo. Salamanca: Editorial San Esteban, 1989. p. 123-124; ZORROZA HUARTE, Maria Idoya. Hacia una delimitación de la Escuela de Salamanca. Revista Empresa y Humanismo, [s. l.], v. XVI, n. 1, p. 53–72, 2013; MARTÍN GÓMEZ, María. Francisco de Vitoria y la Escuela Ibérica de la Paz. Revista Portuguesa de Filosofia, [s. l.], v. 75, n. 2, p. 861–890, 2019. Disponível em:. 8 Sobre a necessidade de abrir o conceito centrado-no-Estado e legalista de “direito” para incluir outras esferas normativas, ver: DUVE, Thomas. Von der Europäischen Rechtsgeschichte zu einer Rechtsgeschichte Europas in globalhistorischer Perspektive. Rechtsgeschichte - Legal History, [s. l.], n. 20, p. 71, 2012. Disponível em: ; DUVE, Thomas. Was ist ›Multinormativität‹? – Einführende Bemerkungen. Rechtsgeschichte - Legal History, [s. l.], n. 25, p. 88–101, 2017. Disponível em: ; DUVE, Thomas. Global Legal History: Setting Europe in Perspective. In: PIHLAJAMÄKI, Heikki; DUBBER, Markus D.; GODFREY, Mark (org.). The Oxford Handbook of European Legal History. Oxford; New York: Oxford University Press, 2018. p. 115–140. Disponível em:. 9 As premissas metodológicas subjacentes a essa perspectiva são desenvolvidas em um diálogo entre o ainda emergente campo da histórica do conhecimento e as abordagens teórico-jurídicas que compreendem o direito como um sistema comunicativo. Para uma introdução geral à história do conhecimento e para referências complementares, ver: BURKE, Peter. What is the history of knowledge? Cambridge: Polity, 2016. Uma boa introdução ao atual estado de pesquisa no campo é oferecido por: RENN, Jürgen. From the History of Science to the History of Knowledge – and Back. Centaurus, vol. 57, n. 1, 2015, p. 37-53. Disponível em: ; DASTON, Lorraine. The History of Science and the History of Knowledge. Know, [s. l.], v. 1, n. 1, p. 131–154, 2017. Disponível em: ; MÜLLER-WILLE, Staffan; REINHARDT, Carsten; SOMMER, Marianne. Wissenschaftsgeschichte und Wissensgeschichte. In: MÜLLER-WILLE, Staffan et al. (org.). Handbuch Wissensgeschichte. Stuttgart: J. B. Metzler, 2017. p. 02-18. Sobre a globalização do conhecimento, ver: RENN, Jürgen (ed.). The Globalization of Knowledge in History. Berlin: Edition Open Access, 2012. Disponível em: ); e, especialmente: RENN, Jürgen; HYMAN, Malcolm H. The Globalization of Knowledge in History: An Introduction. in: RENN, Jürgen (Ed.). The Globalization of Knowledge in History. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 11 clássicos, os textos da Escola e a historiografia sobre ela de forma a mostrar como, na Escola de Salamanca, teoria, orientação pragmática e uma certa forma de agir, entendida como “práticas” em um sentido praxiológico, estavam inseparadamente entrelaçadas (4, 5). Por essa razão, a Escola pode ser vista como uma comunidade epistêmica e como uma comunidade de prática, caracterizada por um modo específico de produzir conhecimento normativo (6). A perspectiva histórica do conhecimento tomada por esta abordagem também nos permite compreender a Escola de Salamanca como um caso de produção global de conhecimento, deslocando nossa atenção para fora de suas supostas origens, autores e locais, para compreendê-la e analisá-la como uma esfera do processo multidirecional e complexo de comunicação sobre normatividade no período do início da Modernidade (7, 8). Antes de abordar esses temas, no entanto, parece necessário questionar como a noção da “Escola de Salamanca” surgiu e o que esse termo significava quando foi utilizado pela primeira vez, bem como as dependências estruturais que poderiam ter resultado dessa compreensão inicial da Escola (2, 3). 2 CONSTRUINDO A “ESCOLA DE SALAMANCA” Sem objetivar reconstruir o desenvolvimento completo da historiografia sobre a Escola de Salamanca 10 , parece importante enfatizar que, mesmo que os estudantes imediatos de Vitoria já o reconhecessem como seu professor e claramente tivessem a ideia de Berlin: Edition Open Access, 2012. p. 15-44. Disponível em:. Sobre o potencial para um diálogo frutífero entre a história do direito global e a história do conhecimento, ver: RENN, Jürgen. The Globalization of Knowledge in History and its Normative Challenges. Rechtsgeschichte - Legal History, vol. 22, p. 52-60, 2014. Disponível em:. As premissas metodológicas subjacentes à análise apresentada aqui são próximas – e em verdade muito devem – ao trabalho de A. M. Hespanha, ver: HESPANHA, António. Southern Europe (Italy, Iberian Peninsula, France). In: PIHLAJAMÄKI, Heikki; DUBBER, Markus D.; GODFREY, Mark (org.). The Oxford Handbook of European Legal History. Oxford: Oxford University Press, 2018. p. 332–356. Disponível em:. A combinação do conceito de tradução com uma perspectiva evolutiva apresentada aqui foi inspirada especialmente pelos escritos de H. P. Glenn e sua conceitualização de “tradição jurídica”; ver, sobre isso mais extensivamente: DUVE, Thomas. Legal traditions: A dialogue between comparative law and comparative legal history. Comparative Legal History, [s. l.], v. 6, n. 1, p. 15–33, 2018. Disponível em:. 10 Para uma discussão mais detalhada, ver: DUVE, Thomas. The School of Salamanca: a legal historical perspective. In: BRAUN, Harald E.; ASTORRI, Paolo (org.). A Companion to the Spanish Scholastics. Leiden: Brill, [no prelo]. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 12 pertencimento a uma escola 11 , foi apenas no fim do século XIX que o termo “Escola de Salamanca” foi cunhado e veio para ser apresentado como um importante momento na história do pensamento jurídico e político europeu, com Francisco de Vitoria como seu mais importante representante, e o direito internacional como seu mais famoso objeto. As razões para essa redescoberta são diversas12. O renascimento de Vitoria na Espanha no fim do século XIX foi parte de uma tentativa de enfatizar a contribuição espanhola para o desenvolvimento da ciência europeia. Foi Eduardo Hinojosa y Naveros, frequentemente considerado o pai fundador da história do direito espanhola, que, na ocasião de sua admissão à Real Academia de la Historia em Madri em 1889 – introduzido por Marcelino Menéndez y Pelayo, o famoso autor de La Ciencia Española –, deu uma conferência pública sobre a significância de Francisco de Vitoria para a emergência do direito internacional enquanto disciplina acadêmica13. Esse novo campo viu uma evolução marcantemente dinâmica durante a década de 1880 e foi de suma importância para a Espanha, onde novas cátedras universitárias, periódicos e institutos para a disciplina emergente estavam sendo fundados, também em razão da necessidade de melhor compreender a posição da Espanha nos recentes e ainda correntes conflitos com e entre suas antigas colônias e outras potências europeias. Em sua apresentação na Academia, Hinojosa destacou uma série de aspectos do trabalho de Vitoria, em particular o que ele chamou de método científico positivo de Vitoria, a fundação do pensamento jurídico de Vitoria nos ensinamentos de Tomás de Aquino e sua unidade entre estudos jurídicos e teológicos. Para Hinojosa, estudar Francisco de Vitoria significava chamar atenção à contribuição espanhola para a herança cultural europeia, em resposta àqueles que, de acordo com Hinojosa, continuavam negando à Espanha seu papel devido nessa história14. 11 Ver, por exemplo, como Melchior Cano cria a ideia de ser parte de uma escola liderada por Vitoria: CANO, Melchor. De locis Theologicis. Salamanca: Mathias Gast, 1563, Liber duodecimus, Prooemium, fol. 385: "Fratrem Franciscum Victoria [...] dicere audivi postqua[m] ab illi[us] schola discessi [...]”. 12 Sobre a história da historiografia e para referências adicionais, ver: DUVE, Thomas. Rechtsgeschichte und Rechtsräume: wie weit reicht die Schule von Salamanca? In: LUTS-SOOTAK, Marju; SCHÄFER, Frank L. (org.). Recht und Wirtschaft in Stadt und Land - Law and Economics in Urban and Rural Environment. Neunter Rechtshistorikertag im Ostseeraum/9th Conference in Legal History in the Baltic Sea Area 16.-20. Mai 2018 in Tallinn, Sagadi und Tartu, Estland/ in Tallinn, Sagadi and Tartu, Estonia. Bern: Peter Lang, 2020. p. 51–72. Disponível em:. 13 HINOJOSA Y NAVEROS, Eduardo de. Discursos leídos ante la Real Academia de la Historia en la recepción pública de D. Eduardo de Hinojosa el día 10 de marzo de 1889. Madrid: Huérfanos, 1889. Sobre Hinojosa, ver agora: MARTÍNEZ NEIRA, Manuel; RAMÍREZ JÉREZ, Pablo. Hinojosa en la Real Academia de Ciencias Morales y Políticas. Madrid: Dykinson, 2018 – que inclui texto de Hinojosa: Influencia que tuvieron en el derecho público de su patria y singularmente en el derecho penal los filósofos y teólogos españoles anteriores a nuestro siglo (1890), p. 105-226. 14 HINOJOSA Y NAVEROS, Eduardo de. Discursos leídos ante la Real Academia de la Historia en la recepción pública de D. Eduardo de Hinojosa el día 10 de marzo de 1889. Madrid: Huérfanos, 1889, p. 52. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 13 Com sua tentativa de realçar Vitoria como o “pai do direito internacional” – como ele foi explicitamente chamado por Menéndez y Pelayo na mesma ocasião –, Hinojosa era parte de um movimento mais amplo buscando as fundações históricas do direito internacional e que estava ocorrendo não apenas na Espanha15. Mais e mais juristas, também fora da Espanha, apontavam o papel vital dos teólogos salmantinos na história da disciplina como predecessores de Hugo Grotius. O acadêmico belga Ernest Nys o fez a partir do início da década de 1880 e, mais de três décadas depois, publicou o famoso Relectiones de Vitoria em 191716. Nos EUA, James Brown Scott produziu uma tradução inglesa de De Indis recenter inventis e De iure belli de Francisco de Vitoria em 1917, e seguindo outros estudos, publicou sua monografia, The Spanish Origin of International Law. Francisco de Vitoria and his Law of Nations, em 193217. Acadêmicos da teologia e da filosofia contribuíram com uma série de estudos sobre Vitoria para essa primeira renascença, também no contexto da Neoescolástica espanhola. Assim, Luis G. Alonso Getino publicou vários fragmentos no periódico La Ciencia Tomista, que havia sido fundado em 1914, e alguns de seus escritos foram posteriormente integrados em uma nova série, Biblioteca internacionalista Francisco de Vitoria 18. Foi nesse contexto geral, e mais especificamente nas tentativas de refundar o tomismo filosófico e teológico, que o termo “Escola de Salamanca” parece ter sido primeiramente empregado19. 15 Ver em geral sobre esse período: KOSKENNIEMI, Martti. The gentle civilizer of nations: the rise and fall of international law, 1870-1960. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. Para o contexto espanhol, ver: RASILLA DEL MORAL, Ignacio de la. In the Shadow of Vitoria: A History of International Law in Spain (1770-1953). Leiden: Brill Nijhoff, 2017. 16 NYS, Ernest. Le droit de la guerre et les précurseurs de Grotius. Bruxelles; Leipzig; Londres; New York; Paris: Librairie Européenne C. Muquardt, Merzbach et Falk; Trübner & Co; Durand et Pedone Lauriel, 1882. 17 SCOTT, James Brown. The Catholic Conception of International Law. Francisco de Vitoria, Founder of the Modern Law of Nations. Francisco Suarez, Founder of the Modern Philosophy of Law in General and in Particular of the Laws of Nations. A Critical Examination and a Justified Appreciation. Washington D. C.: Georgetown University Press, 1934; SCOTT, James Brown. The Spanish Origin of International Law. Francisco de Vitoria and his Law of Nations. Oxford: Clarendon Press, 1934. Sobre Scott, ver: SCARFI, Juan Pablo. The hidden history of international law in the Americas: empire and legal networks. New York, NY: Oxford University Press, 2017. 18 ALONSO GETINO, Luis G. El Maestro Fr. Francisco de Vitoria. Su vida, su doctrina e influencia. Madrid: Imprenta Católica, 1930. 19 O teólogo alemão Martin Grabmann parece ter sido o primeiro a usar o termo “Escola de Salamanca” em um ensaio publicado em 1917, que comemorava o 300º aniversário da morte de Francisco Suárez [GRABMANN, Martin. Die Disputationes metaphysicae des Franz Suarez in ihrer methodischen Eigenart und Fortwirkung. In: SIX, Karl et al. (org.). P. Franz Suarez S.J.: Gedenkblätter zu seinem dreihundertjährigen Todestag (25. September 1917). Beiträge zur Philosophie des P. Suarez. Innsbruck: Tyrolia, 1917, p. 29–73]. Ele recorreu a pesquisas anteriores feitas pelo jesuíta alemão Ehrle na biblioteca do Vaticano. No ensaio de Grabmann, o termo “Theologenschule zu Salamanca” (“escola de teólogos em Salamanca”) primeiro aparece em uma nota de rodapé; posteriormente, no texto ele refere-se a estudos sobre a “Escola de Salamanca e sobre o escolasticismo espanhol e português”. O termo foi posteriormente usado no contexto da história econômica, ver: GRICE- DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 14 Obviamente, esse engajamento com Vitoria e a Escola de Salamanca era também parte de discussões mais amplas sobre o direito internacional que se intensificaram durante e após a Primeira Guerra Mundial, assim como dos movimentos panamericanos e suas buscas por fundações intelectuais, que estavam ganhando força desde 1900. Ele foi acompanhado por pesquisa sobre o humanismo espanhol, e pela história do escolasticismo espanhol definida amplamente, que floresceu no período entreguerras: em Paris, o Erasme et l’Espagne de Marcel Bataillon em 193720, e em Roma, um ano depois, o La Universidade de París durante los estudios de Francisco de Vitoria. Em Salamanca, importante edições de fontes foram preparadas, em primeiro lugar por Vicente Beltrán de Heredia, que, de 1932 em diante, começou a publicar as notas de estudantes sobre as conferências ordinárias de Vitoria sobre a Summa21. Uma pequena monografia biográfica e bibliográfica de 1939 sobre Vitoria escrita por Beltrán de Heredia, o principal acadêmico sobre a Escola naqueles tempos turbulentos, se tornou um importante ponto de referência. O fato desse estudo ter aparecido como volume 14 na Colección pro ecclesia et patria aponta para o teor de muitas pesquisas sobre Francisco de Vitoria e a Escola de Salamanca durante o período de Franco. Várias dessas publicações se concentraram em destacar a contribuição de autores espanhóis para o estabelecimento de um direito internacional que visava prover paz (uma série de publicações é até chamada ‘Corpus Hispanorum de Pace’) e espalhar valores cristãos em um mundo em que o Hispanismo havia exercido e deveria exercer um papel importante22. De certa forma, vários autores ainda lutavam contra a assim chamada “Leyenda Negra”, mesmo que agora sob circunstâncias políticas diferentes23. Autores de Salamanca tomaram a liderança nesse processo, vários deles experts na história da universidade e na história da ordem dominicana espanhola, e alguns – como Betrán de Heredía – eram eles próprios HUTCHINSON, Marjorie. El concepto de la Escuela de Salamanca: sus orígenes y su desarrollo. Revista de Historia Económica, [s. l.], v. 7, n. S1, p. 21–26, 1989. Disponível em:. 20 BATAILLON, Marcel. Erasme et l’Espagne. Recherches sur l’histoire spirituelle du XVIe siècle. Paris, Bordeaux: E. Droz, 1937. 21 Sobre os manuscritos, ver: BELTRÁN DE HEREDIA, Vicente. Los manuscritos del maestro fray Francisco de Vitoria, O.P. Madrid: Santo Domingo el Real, 1928. 22 Para uma discussão a partir da perspectiva da história das universidades, ver Gonzaléz neste volume. Uma certa tendência apologética ainda é visível nos títulos de grandes publicações, inclusive aquela da série de publicações Corpus Hispanorum de Pace; uma seleção de ensaios que desenvolve essa perspectiva pode ser encontrada em: RAMOS, Demetrio (org.). Francisco de Vitoria y la Escuela de Salamanca: La ética en la Conquista de América. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1984. 23 Ver sobre isso agora as contribuições em: VILLAVERDE RICO, María José; CASTILLA URBANO, Francisco (org.). La sombra de la leyenda negra. Madrid: Tecnos, 2016. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 15 membros dessa ordem. Não era, portanto, surpreendente que a maioria da pesquisa se concentrasse em Salamanca e nos Dominicanos, inclusive porque os arquivos em Salamanca continham (e ainda contêm) vastas quantidades de documentação por explorar. Esses acadêmicos viam Salamanca como o centro que exercia sua influência sobre vários locais ao redor do mundo24. 3 DESCONSTRUINDO A “ESCOLA DE SALAMANCA” Olhando para este cenário, e não obstante as inevitáveis generalizações, nós podemos dizer que a narrativa dominante desde a década de 1880 até o fim do regime de Franco colocou Francisco de Vitoria na fundação de um movimento intelectual cuja localização exclusiva havia sido Salamanca, e que havia sido profundamente científico, dominicano e espanhol. Para a maioria dos pesquisadores durante o primeiro século do renascimento de Vitoria, e até para alguns hoje, a maior conquista da Escola reside em sua contribuição para a formação de uma ciência do direito internacional e em uma renovação da teologia (moral), baseada em uma união particular da nação espanhola, da fé cristã, e da teologia e filosofia tomista. A Escola era composta de autores, tinha um centro, e influenciou a periferia. De uma perspectiva historiográfica jurídica, a apresentação feita por Hinojosa e seus contemporâneos de que Vitoria seria o pai fundador do direito internacional, e por isso uma grande contribuição espanhola para a história dos estudos jurídicos europeus, era uma forma de integrar a Escola em uma grande narrativa da história do direito europeu como uma história de cientifização (Verwissenschaftlichung) – uma narrativa histórica sobre a história do direito europeu fazendo remissão à Escola Histórica do Direito que Hinojosa estudou extensivamente quando esteve na Alemanha e que depois levou com ele para a Espanha. Particularmente na pesquisa histórico-jurídica de língua alemã do século XX, a Escola de Salamanca começou – depois de algum trabalho inicial de Josef Kohler25 – a ser estudada 24 Tem havido um número crescente de estudos sobre o que se chama de proyección Americana de Salamanca; ver, por exemplo: CEREZO, Prometeo. Influencia de la Escuela de Salamanca en el pensamiento universitario americano. In: RAMOS, Demetrio et al. (org.). La ética de la conquista de América. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1984. p. 551–596. Sobre a proyección, ver também: BARRIENTOS GARCÍA, José. Repertorio de moral económica, 1526-1670: la Escuela de Salamanca y su proyección. 1. ed. Pamplona: Eunsa, 2011, p. 77-84; RODRÍGUEZ-SAN PEDRO BEZARES, Luis Enrique; POLO RODRÍGUEZ, Juan Luis (org.). La Universidad de Salamanca y sus confluencias americanas. Salamanca: Universidad de Salamanca, 2008. 25 KOHLER, Josef. Die spanischen Naturrechtslehrer des 16. und 17. Jahrhunderts. Archiv für Rechts- und Wirtschaftsphilosophie, [s. l.], v. 10, n. 3, p. 235–263, 1917. DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 16 mais intensivamente sob a influência de Carl Schmitt e depois, no contexto da breve renascença do direito natural após a Segunda Guerra, como uma contribuição teológica para a formação do sistema jurídico moderno 26. Apesar de suas consideráveis deficiências e reviravoltas ideológicas, essa abordagem pavimentou o caminhou para pesquisa importante sobre a história da argumentação jurídica e das instituições a partir dessa tradição católica, que foi longamente subestimada nos estudos histórico-jurídicos27. Desde a década de 1970, a narrativa dominante sobre a Escola destacada acima foi crescentemente criticada e desafiada 28. Ela está agora sendo superada por um número considerável de perspectiva diferentes, incluindo o ímpeto desconstrutivista da historiografia crítica do direito internacional, estudos profundos por historiadores da teologia e da filosofia, e em ainda dispersos estudos em história do direito. Como resultado dos últimos, está se tornando cada vez mais claro que Francisco de Vitoria era ele mesmo parte de uma ampla corrente intelectual que não havia começado em Salamanca, mas chegou lá junto com ele – o que também significa que ela chegou lá depois que em Paris, talvez também depois que em Colônia ou Lovaina. Quanto mais os autores salmantinos são investigados, mais claras as ligações de seu pensamento à tradição se tornam. Portanto, ir além da perspectiva local (Salamanca) e nacional (Espanha) e integrar Salamanca em um contexto europeu e interdisciplinar mais amplo, assim como abandonar a concentração exclusiva na história do direito internacional relativizou cada vez mais o status especial da Escola. Hesitantemente, mas com argumentos cada vez mais convincentes, a divisão “medieval-moderno” está sendo superada nesse campo, também29. A atenção está gradualmente sendo direcionada à época 26 Ver, por exemplo: THIEME, Hans. Natürliches Privatrecht und Spätscholastik. Zeitschrift der Savigny- Stiftung für Rechtsgeschichte. Germanistische Abteilung, [s. l.], v. 70, n. 1, p. 230–266, 1953. Disponível em:. 27 Ver, por exemplo: JANSEN, Nils. Theologie, Philosophie und Jurisprudenz in der spätscholastischen Lehre von der Restitution. Außer-vertragliche Ausgleichsansprüche im frühneuzeitlichen Naturrechtsdiskurs. Tübingen: Mohr Siebeck, 2013; DECOCK, Wim. Theologians and Contract Law: The Moral Transformation of the Ius Commune (ca. 1500-1650). Leiden: Brill Nijhoff, 2012. 28 Para um exemplo de uma crítica inicial, ver: LALINDE ABADIA, Jesús. Anotaciones historicistas al iusprivatismo de la segunda escolástica. In: GROSSI, Paolo (org.). La Seconda scolastica nella formazione del diritto privato moderno. Incontro di studio, Firenze 16-19 ottobre 1972. Milano: Giuffrè, 1973. p. 303–375; LALINDE ABADIA, Jesús. Una ideología para un sistema (La simbiosis histórica entre el iusnaturalismo castellano y la Monarquía Universal). Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, [s. l.], v. 8, p. 62–156, 1979. 29 Sobre essa necessidade, ver: MULDOON, James (org.). Bridging the medieval-modern divide: medieval themes in the world of the reformation. Farnham: Ashgate, 2013. Sobre a filosofia tardo medieval, ver: SCHMUTZ, Jacob. From Theology to Philosophy: The Changing Status of the Summa Theologiae, 1500–2000. In: HAUSE, Jeffrey (org.). Aquinas’s Summa Theologiae: A Critical Guide. Cambridge; New York: Cambridge University Press, 2018. p. 221–241. Disponível em:. Para a expansão medieval para as ilhas canárias, ver: EGÍO GARCÍA, José Luis; BIRR, Christiane. Before Vitoria: Expansion DUVE, Thomas. A Escola de Salamanca: um caso de produção global de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 46, p. 3-52, ago. 2021. ISSN: 0104-6594. E-ISSN: 2595-6884. DOI: https://doi.org/10.22456/0104-6594.117988. 17 antes de Colombo e às linhas que podem ser desenhadas entre Vitoria e autores tanto anteriores quanto contemporâneos em outros locais 30. O estilo apologético e às vezes até hagiográfico de escrever sobre Vitoria pode ainda ser encontrado, mas ao mesmo tempo existem mais e mais estudos de uma perspectiva pós-colonial que consideram Vitoria e outros pensadores da Escola como simplesmente outra face do império e como arquitetos do colonialismo e justificadores da exploração e do imperialismo jurídico31. Até a posição única de Vitoria em Salamanca é crescentemente posta em questão, embora não particularmente devido ao ceticismo geral sobre a busca por “inventores” ou “pais fundadores” em estudos literários e históricos – uma perspectiva crítica surpreendentemente ausente na historiografia ou na pesquisa jurídica sobre a história da Escola de Salamanca32. Mais que isso, uma série de estudos individuais mostra quanto Vitoria dependeu de autores anteriores e estava inserido em contextos discursivos compreensíveis – notavelmente com Domingo de Soto, que no meio-tempo veio a ser visto como o autor com maior impacto nas gerações subsequentes33. Vários dos argumentos de Vitoria contra a conquista haviam sido propostos antes dele, e várias das invenções atribuídas a ele estavam firmemente enraizadas na tradição: até o que talvez seja considerado seu mais famoso argumento a respeito do que foi chamado de ius communicationis pode ser encontrado mutatis mutandis em Cícero e into Heathen, Empty or Disputed Lands in Late-Mediaeval Salamanca Writings and Early 16th-Century Juridical Treatises. In: TELLKAMP, Jörg Alejandro (org.). A Companion to Early Modern Spanish Imperial Political and Social Thought. Leiden; Boston: Brill, 2020. p. 53–77; EGÍO GARCÍA, José Luis; BIRR, Christiane U. Alonso de Cartagena y Juan López de Palacios Rubios. Dilemas suscitados por las primeras conquistas atlánticas en dos juristas salmantinos (1436-1512). Azafea: Revista de Filosofía, [s. l.], v. 20, p. 09–36, 2018. Disponível em:. 30 FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Before Columbus: exploration and colonization from the Mediterranean to the Atlantic 1229–1492. 3. ed. Philadelphia, Pa: Univ. of Pennsylvania Press, 1994. Para uma perspectiva histórico-jurídica, ver: PÉREZ VOITURIEZ, Antonio. Problemas jurídicos internacionales de la conquista de Canarias. Las Palmas de Gran Canaria: Universidad de La Laguna, 1958; OLMEDO BERNAL, Santiago. El dominio del Atlántico en la baja Edad Media: los títulos jurídicos de la expansión peninsular hasta el Tratado de Tordesillas. Valladolid: Sociedad V Centenario del Tratado de Tordesillas, 1995. 31 Um texto frequentemente citado é: ANGHIE, Antony. Imperialism, sovereignty, and the making of international law. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. Para um levantamento de abordagens pós- coloniais recentes ao estudo da Escola de Salamanca, ver, por exemplo: KOSKENNIEMI, Martti. Vitoria and Us: Thoughts on Critical Histories of International Law. Rechtsgeschichte - Legal History, [s. l.], n. 22, p. 119– 138, 2014. Disponível em:. 32 Sobre esse criticismo e seu impacto na história da ciência, ver, por exemplo: SECORD, James A. Knowledge in Transit. Isis, [s. l.], v. 95, n. 4, p. 654–672, 2004. Disponível em:. 33 Ver: SCATTOLA, Merio. Domingo de Soto e la fondazione della scuola di Salamanca. Veritas, Porto Alegre, v. 54, n. 3, p. 52–70, 2009. Disponível em:

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