Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem (PDF)

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Summary

This article examines the use of pictograms, specifically emoticons and emojis, as models of communication. It analyzes the symbolic strength of these visual representations in shaping personal perceptions. The study explores the links between these elements and cultural and technological processes, drawing on historical precedents and theoretical frameworks to understanding their communication functions.

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Revista de doi: 10.037/comunicacao.17.043.AO04 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem: relações culturais e tecnológicas Emoticons, emojis and icons as a model of communication and language: cul...

Revista de doi: 10.037/comunicacao.17.043.AO04 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem: relações culturais e tecnológicas Emoticons, emojis and icons as a model of communication and language: cultural and technological relations Gláucio Henrique Matsushita Moro [a]Doutor, PUCPR, e-mail: [email protected] Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 53-70, set. /dez. 2016 52 MORO, G. H. M. Resumo Este artigo visa a examinar a pictografia e sua força de construção representativa na consti- tuição subjetiva das pessoas. A partir de rastros históricos e nos preceitos de transformação e constituição com o meio, se pretende pensar na comunicação por meio da pictografia que está inserida dentro da cultura e dos processos tecnológicos como forma de linguagem e co- municação. Para tal, analisa imagens presentes em softwares, como o ícone de salvar do pro- grama Microsoft Word e Adobe Reader, o emoticon1 “ :) ” e o emoji2  presente em celulares, tablets e computadores pessoais. Esses itens configuram uma linguagem examinada como um processo de comunicação não fonética, com base nos estudos de Campos (1977), dentro de um sistema que compõe uma prática de representação (GOMBRICH, 2007) e aplicações circulares de absorção e disposição, conforme os estudos de Hall (1997) e D’Alviella (1995). O olhar do pictograma faz uma relação histórica que, dentro de diversas formas de uma aplica- ção, é vista com o uso que é dado em um meio, por sistemas que visam à construção de uma realidade com processos gradativos de criação inteiramente ligados aos fatores que norteiam os conceitos de tecnologia presentes nos estudos de Vieira Pinto (2005), olhando para cultura, representação, tecnologia e linguagem de uma maneira conectada, sem determinismos. Palavras-chave: Interface. Cultura. Pictografia. Tecnologia. Imagem. Abstract This article aims to examine the pictograph and its representative building strength in the sub- jective constitution of the people. From historical traces and the precepts of transformation and constitution with the environment, we want to think of communication through the pic- tograph which is inserted into the culture and technological processes as a form of language and communication. Therefore, analyzes present images on software like icon save Microsoft Word and Adobe Reader, the emoticon smile “ :) ” and emoji  present in mobile phones, tablets and personal computers. These items constitute a language considered as a non-pho- netic communication process as the Campos (1977) studies within a process composes a prac- tice of representation (GOMBRICH, 2007) and circular applications absorption and disposition as the Hall (1997) and D'Alviella (1995) studies. The look of the pictogram is a historical rela- tionship in various forms of application is seen with the use that is given in a way, for systems aimed at building a reality with gradual process of creating entirely linked to the factors that drive concepts technology present in Vieira Pinto (2005) studies, looking for culture, represen- tation, technology and language connected and nondeterminism principles. Keywords: Interface. Culture. Pictography. Technology. Image. 1 Forma de comunicação dos termos em inglês: emotion (emoção) e icon (ícone) por meio de uma sequência de caracteres tipográficos que traduz ou quer transmitir o estado psicológico, emotivo, por meio de ícones ilustrativos de uma expressão facial. 2 Forma de representação imagética do emoticon. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem 53 Introdução Os pictogramas são elementos visuais que, na contemporaneidade, com- põem um sistema de sinalização e comunicação. Sua natureza figurativa e lúdica tem a capacidade de comunicar mensagens complexas. Essa forma de diálogo, em muitos casos, pode quebrar obstáculos linguísti- cos entre diferentes culturas e níveis de conhecimento, como afirma Haroldo de Campos: Pictogramas são signos de comunicação visual, gráficos e sem valor fonético, de natureza icônica figurativa e de função sinalética. São autoexplicativos e apresen- tam como principais características: concisão gráfica, densidade semântica e uma funcionalidade comunicativa que ultrapassa as barreiras linguísticas (CAMPOS, 1977, p. 40). O pictograma compõe um conjunto de símbolos gráficos ligados a objetos, representações e conceitos. Sua manifestação pode ser encontrada desde a antigui- dade pré-histórica. Possui também a função comunicativa de mediador de uma mensagem. A forma como receptores o percebem pode até ser diferente, mas, mesmo assim, a comunicação é estabelecida. Também está presente em situações do cotidiano, como sinalizações viárias, sistemas de identificações visuais, logomarcas, embalagens, etiquetas de roupas, mapas, guias turísticos, animações, navegação em computadores e aparelhos celu- lares. Quando olhados por um ponto de vista sociocultural, podem estar correlacio- nados a diversos elementos presentes não só no dia a dia, mas também na história. Pinturas rupestres, símbolos e brasões de famílias antigas, por exemplo, são imagens representativas que, de alguma forma, visam a transmitir informação. Sendo assim, a informação de uma pictografia não pode ser vista como algo generalizado, universalizado ou percebido por qualquer pessoa, pois os meios cultu- rais, a assimilação e até mesmo a localização geográfica em que as pessoas se en- contram podem alterar o tipo de uso e seu contexto de entendimento. A percepção não pode ser padronizada ou naturalizada, não possui um único olhar, ela também está mergulhada na cultura, nos filtros fisiológicos e nos diversos pontos de vista. Com essa visão, este artigo tem por objetivo estudar os fatores culturais que envolvem linguagens, formas de absorção, historicidade e contextos localizados do pictograma. Tem o intuito de observá-lo como um mediador de manifestações que pode ser criado, absorvido e traduzido em diversos contextos dentro de uma cultura, assim como tomar novas formas quando absorvido por uma outra cultura. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 54 MORO, G. H. M. Por meio de emoticons, emojis e ícones de softwares, pretende-se estudar estes rastros históricos, presentes no cotidiano de muitas pessoas. Fator cultural A cultura está intrinsecamente relacionada aos fatores históricos, aos meios em que o pictograma circula, à percepção e ao olhar. A visão conceitual da cultura originária do raciocínio de Stuart Hall (1997) afirma que a cultura se dá como um conjunto de significados partilhados entre as pessoas, criando uma linguagem e um processo de significação em um meio. Por intermédio da linguagem, os significados atribuem sentidos, que se espalham dentro de um sistema representativo, no qual é produzido e significado. O uso de elementos que o ser humano faz e o representa cria sentido, interpretação e importância den- tro das práticas do dia a dia, como afirma Hall (1997): É através do uso que fazemos das coisas, o que dizemos, pensamos e sentimos – como representamos – que damos significado. Ou seja, em parte damos signifi- cado aos objetos, pessoas e eventos através da estrutura de interpretação que trazemos. E, em parte, damos significado através da forma como as utilizamos, ou as integramos em nossas práticas do cotidiano (HALL, 1997, p. 3). Essas práticas podem vir com um simples apertar de botão ao ligar um ele- trodoméstico ou mesmo ao ver um cartaz pela rua. O ser humano está traduzindo e representando itens o tempo todo, olhando e significando objetos pelos lugares que passa. Os significados não verbais são meios de comunicação que transmitem uma mensagem e que são construídos, modificados e ressignificados através do tempo, dentro de uma cultura e de uma sociedade. O uso que fazemos das coisas, e como as representamos, gera significados dados por quem as utiliza. As práticas integradas podem se multiplicar com o tempo, dando ao pictograma uma condição de reconhe- cimento de comunicação. Assim, o pictograma é o mensageiro de certas informações e seu significado pode abranger a compreensão no contexto social em que ele foi concebido, até se expandir em outros contextos sociais, levando a informação, por meio de trocas cul- turais, a diversas culturas. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem 55 A troca cultural e a circularidade estão em sinergia com a pictografia. Não existe circularidade sem troca. Sendo assim, a propagação de um objeto pode acon- tecer de formas diversas. São milhares de maneiras possíveis. Qualquer tipo de in- tegração entre povos, mesmo que mínima, é uma troca cultural que introjeta obje- tos dentro da sociedade, causando a circularidade cultural. D’Alviella (1995) co- menta sobre os fatores de assimilações e proliferação que um objeto pode conter, desde algo exótico até algo supersticioso, como talismãs. Nada é mais contagioso que um símbolo, exceto talvez uma superstição; e mais ainda quando os símbolos são combinados entre si, geralmente estavam, nas na- ções da Antiguidade, os quais raramente adotavam um símbolo sem lhe atribuí- rem um valor de talismã (D’ALVIELLA, 1995, p. 31). As pictografias são objetos que, de diversas maneiras, podem ser trocados entre povos e culturas, criando grandes circuitos culturais em que as pessoas aca- bam por dar novos significados, dependendo da sua percepção construída cultural- mente, ou mesmo construir novas formas de uso devido a novas formas de transfor- mações que este meio sofreu. Um exemplo de contexto localizado que acabou por perder a “aura” está no ícone de salvar um arquivo, presente na barra de navegação de alguns softwares: o ícone de disquete (figuras 1 e 2). Programas como a Microsoft Word e o Adobe Acro- bat Reader, por exemplo, apresentam ícones na barra de ferramentas que, a partir do acionamento de uma de suas opções, executa o comando solicitado. Figura 1: Ícone disquete “salvar” – Word Fonte: arquivo de imagens do autor Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 56 MORO, G. H. M. Figura 2 – Ícone disquete “salvar” – Acrobat Reader Fonte: arquivo de imagens do autor A imagem do disquete como função para salvar um documento é muito co- mum em documentações textuais para uso pessoal em computadores e é utilizada em manuais de instrução, apostilas, e-books, entre outros. O ícone “salvar” possui a função de armazenar o documento escrito para que não se perca o trabalho desenvolvido. Neste caso, sua representação é um disquete: disco magnético de mídia removível empregado no armazenamento de dados, muito utilizado até a década de 1990 (figura 3). Figura 3 – Disquete Fonte: arquivo de imagens do autor Os disquetes possuem a mesma estrutura de um disco rígido 3, com a dife- rença que podem ser retirados e transportados com facilidade, o que, para a época, 3 HD, ou hard drive, é a parte do computador que armazena dados. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem 57 era muito prático. O dispositivo caiu em desuso, pois outras formas de armazena- mento de dados, como os pen-drives e armazenamento em nuvem, possuem maior capacidade e praticidade. Apesar de o disquete não ser mais utilizado, sua imagem ainda é encontrada na barra de ferramentas de softwares com a função de salvar. Sendo assim, um in- divíduo que nasceu em uma determinada época, ou que começou a usar este sof- tware apenas depois do desuso do disquete, não consegue compreender o símbolo que esta função representa, já que pode desconhecer o significado do objeto em sua forma original, reconhecendo este objeto apenas por sua função ou uma metáfora do que ela representou um dia. A forma pessoal de tradução de cada pessoa que utilizou este símbolo dentro de uma cultura acaba por criar significados diferentes dos propostos pelo autor da criação, dando novas formas de interpretação para a pictografia apresentada. O ícone do disquete talvez não fosse a melhor maneira de mimese a ser representada em um programa atualmente, mas sua forma de tradução e ressignificação faz com que ele esteja presente até hoje em diversos programas e, de certa forma, limita o entendimento dos que estão aprendendo agora a usar um software. A capacidade de tradução de uma imagem, com diversas formas de represen- tação pessoal que um ser humano pode construir dela, ainda pode sofrer com a falta de referências que uma relação histórica pode dar, como pistas para que uma pessoa possa absorvê-la de maneira mais simples, correlacionando com algo que esteja den- tro de seu meio, sua cultura. Por fim, a tradução estaria entre as etapas da forma de descrição, criando um amálgama que absorve a cultura, a história e as relações circulares de representação dentro do princípio semiótico, não deixando estanque nenhuma das etapas, mas sim criando uma forma de comunicação entre todas elas. Dentro da relação tradutiva de algo sempre está presente a relação cultural, geral e pessoal, que produz e diversi- fica a afinidade da imagem de múltiplas maneiras a fim de, como diz Gombrich (2007), “preencher os espaços em branco” de um pictograma com suas próprias ex- periências, percepções e análises. Interações com o meio As relações que abrangem o campo da tecnologia e sociedade também nor- teiam parte desta discussão. São as sociedades que consomem as pictografias, as produzem e, dentro de seus contextos, criam novos discursos e utilizam os processos tecnológicos e seus mecanismos dentro de todos os meios socioculturais em que nele se transformam. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 58 MORO, G. H. M. Nesta perspectiva, o termo tecnologia não é usado como algo relativo aos computadores e avanços de ponta. A tecnologia é vista como algo que sempre exis- tiu para o ser humano disposto a realizar um trabalho e a construção da realidade em que ele vive. Não se pensa em identificar de maneira estanque um único objeto ou uma era, mas sim avaliar as condições de sua criação, a maneira como foi conce- bida, como a utilizamos e não somente como é usada dentro da construção do co- nhecimento. A tecnologia está presente norteando todas as relações dentro dos eixos fun- dantes deste pensamento como um processo de construção gradativa e interação com o meio em que o ser humano vive. Não existe algum ponto da história em que a tecnologia foi melhor ou pior. O pensamento é o de que o conhecimento da tec- nologia é construído naturalmente dentro de bases de interações culturais e sociais do ser humano, e assim se modifica e se desenvolve. É tratada como um conjunto de saberes que acaba por trazer novos saberes, não algo que surge espontanea- mente sem precedentes. Como afirma Vieira Pinto (2005, p. 41): O conceito de “era tecnológica” encobre, ao lado de um sentido razoável e sério, outro, tipicamente ideológico, graças ao quais os interessados procuram embria- gar a consciência das massas, fazendo-as crer que têm a felicidade de viver nos melhores tempos jamais desfrutados pela humanidade. Para dar esta impressão, faz-se mister recorrer a diversos sofismas (...). Um deles, que desde já convém mencionar, consiste na conversão da obra técnica de valor moral. A sociedade capaz de criar as estupendas máquinas e aparelhos atualmente existentes, des- conhecidos e jamais sonhados pelos homens de outrora, não pode deixar de ser certamente melhor do que qualquer outra precedente. (...) Logo, esta época é superior a todas as outras, e qualquer indivíduo hoje existente deve dar graças aos céus pela sorte de ter chegado a presente fase da história, onde tudo é me- lhor que nos tempos antigos. Com esta cobertura moral, a chamada civilização técnica recebe um acréscimo de valor, respeitabilidade e admiração, que, natu- ralmente, reverte em benefício das camadas superiores, credoras de todos esses serviços prestados à humanidade, dá-lhes a santificação moral afanosamente buscada, que, no seu modo de ver se traduz em maior segurança. Dessa maneira, é possível pensar que qualquer aparato tecnológico existente foi construído por meio de um processo de transformação gradativa, com ferramen- tas que o ser humano produziu que possuem uma história e fizeram parte de uma determinada cultura. Logo, os aparatos foram criados por interações culturais, soci- ais e históricas. A percepção e a visão da comunidade que o criou e suas relações de produção mudaram a característica do objeto, provendo outras formas construtivas. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem 59 A relação cruzada entre ver e perceber está constituída dentro de pontos sub- jetivos que, por vezes, nem um especialista em imagens percebe. São as pequenas formas perceptivas de uma imagem à qual o ser humano pode se conectar. Se os fragmentos perceptivos fossem retirados dessa mesma imagem por completo, tal- vez a ela não fizesse mais sentido algum para essa pessoa, como diz Gombrich (2007, p. 176); Aqueles cuja tarefa é interpretar imagens com o objetivo de informar têm algo a dizer sobre as peças que esses fantasmas pregam na percepção. Oficiais do ser- viço secreto, concentrados na leitura de fotografias de reconhecimento ou espe- cialistas de raios X, que baseiam um diagnóstico na mais tênue sombra visível num tecido orgânico, aprendem em dura escola quantas vezes “ver é crer” e como é importante, portanto, manter flexíveis as hipóteses de trabalho. O aficio- nado da arte adota a atitude oposta. A não ser que se trate de um restaurador, pode passar a vida sem perceber até que ponto os quadros de que gosta estão cruzados por traços subjetivos de sua própria fabricação. Se ele algum dia devesse despi-los dessas projeções, talvez dele só restasse uma ossatura sem sentido. Neste caso, pode-se dizer que a perspectiva, além de externa pela cultura com imagens difundidas e reconhecidas, também é interna e se vale do repertório do espectador, que completa as imagens com sua própria experiência, trazendo uma perspectiva pessoal da representação. A equiparação da maneira pela qual as coisas são representadas com a maneira pela qual são “vistas” é, certamente, enganadora. Nenhuma criança vê sua mãe como a desenha, isto é, em termos rudes, esquemáticos. Mas há outras falhas nessa história aparentemente tão bem arrumada. A que mais se discute é o fato constrangedor de que os artistas pré-históricos sabiam como representar animais convincentemente – pelo menos para nós, que só raramente estamos familiari- zados com bisões. Mas vimos que, em todos os estilos, o artista se vale de um vocabulário de formas e que é o conhecimento desse vocabulário, mais do que um conhecimento das coisas, que distingue o artista do perito inábil (GOMBRICH, 2007, p. 247). Quando analisados pelas culturas da contemporaneidade, os conjuntos grá- ficos podem ter força de ressignificação em que a temática da pictografia entra em questões socioculturais do espectador, e sua identificação cria outra significa- ção. As mudanças podem ser caracterizadas e apreciadas de maneiras diferentes Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 60 MORO, G. H. M. por diversas culturas, identificando nos elementos representados significados to- talmente novos. Um exemplo contemporâneo acontece com o emoticon (junção das palavras em inglês emotion e icon). O emoticon, muito utilizado para a comunicação de textos em meio eletrônico, é usado para expressar a intenção em um formato gráfico inse- rido muitas vezes dentro do contexto de um texto escrito. Primeiramente usado em 1982, o emoticon foi uma ideia proposta pelo pro- fessor Scott Fahlman, da Universidade Carnegie Mellon (Pittsburgh, EUA), para dife- renciar o uso de e-mails sérios dos que continham alguma piada. O e-mail continha o seguinte conteúdo: “Proponho a seguinte sequência de caracteres para os marca- dores de piada: :-) Leia-o de lado.” O e-mail acabou se espalhando para outras universidades e laboratórios e, em poucos meses, tornou-se um item bastante conhecido no meio acadêmico. Pos- teriormente, com o crescimento da internet, o emoticon foi adotado em e-mails, salas de bate-papo e comunicadores instantâneos, como ICQ, MSN4 e, em seguida, para a troca de mensagens em celulares. Inicialmente, os emoticons possuíam apenas a representação do próprio texto, mas, com o tempo, os caracteres foram incorporando imagens gráficas em sua representação e se diversificando de várias maneiras. Essas figuras são chama- das de emojis. A palavra surgiu derivada da junção de dois termos em japonês: “e” (que significa "imagem") + “moji” (que significa "letra"). O nome foi dado pelo seu criador, Shigetaka Kurita, que, em 1995, decidiu incluí-los em pagers5 da companhia que trabalhava, a NTT DoComo6, para atrair o público adolescente. O significado em português de emoji, não por coincidência, é pictograma. Os emojis usam as formas dos emoticons, porém suas versões são em ima- gens gráficas. 4 Comunicadores instantâneos, também conhecidos por IM (do inglês Instant Messaging). São apli- cativos que permitem o envio e o recebimento de mensagens de texto em tempo real. Por meio desses programas, o usuário é informado quando algum de seus amigos, cadastrado em sua lista de contatos, está on-line, isto é, conectou-se à rede. 5 Pager é um dispositivo eletrônico usado para contatar pessoas através de uma rede de telecomu- nicações. Ele precedeu a tecnologia dos celulares e foi muito popular durante as décadas de 1980 e 1990. 6 Empresa de telefonia celular japonesa. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem 61 Figura 4 – emoticon e emoji Fonte: arquivo de imagens do autor Este tipo de uso dentro de um texto nem sempre é bem-sucedido, levando em conta a intenção inicial e o estilo que as pessoas fazem. Um exemplo de repre- sentação de emoji confusa é a imagem gráfica de duas mãos unidas (figura 5) pre- sente nos aparelhos da Apple. Figura 5 – Emoticon high five ou mãos juntas em oração. Fonte: arquivo de imagens do autor As pessoas ficaram em dúvida se a imagem representaria o gesto high five ou se eram mãos juntas em oração. O high five é um gesto presente em diversas culturas, mas muito comum nos Estados Unidos. Ocorre quando duas pessoas tocam suas mãos no alto, sim- bolizando uma comemoração, um cumprimento amigável ou uma manifestação de alegria. O emoji confundiu as pessoas a ponto de algumas defenderem o high five e outras, as mãos em oração. Dentro do aparelho a representação está indicada como mãos juntas em oração, mas a controvérsia foi tanta que chegou a ser matéria de noticiários de telejornal, em que as pessoas afirmavam que se tratava de mãos em oração, pois os polegares da imagem estavam no mesmo lado e a cor da manga da camisa representada era igual7. 7 Disponível em:. Acesso em: 01/03/2016. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 62 MORO, G. H. M. A polêmica foi criada, pois cada pessoa dava um uso diferenciado para o emoji. O dicionário on-line de significados de emojis, o emojipedia8, classifica essa imagem como mãos em oração, high five, pedido de por favor e obrigado, com base nas diversas formas em que é utilizada9. Nesse caso, a forma de expressão contemporânea acabou por ser utilizada de diversas maneiras. O vocabulário próprio de representação de cada pessoa criou identidades e fez dela múltiplos usos, preenchendo as lacunas por meio de interpre- tações culturais e vocabulários próprios, constituindo a percepção. A percepção de- pende essencialmente da interpretação de quem está vendo, vinculada aos estímu- los, aos aparelhos fisiológicos e às sensações. Relações pessoais de religiosidade, ou a falta delas também, são os pontos que criam o momento de ilusão. Assim, “o caráter de ilusão é difícil de escrever e pode variar de pessoa para pessoa” (GOMBRICH, 1997, p. 197). A interpretação relaciona uma experiência pessoal, um conhecimento adqui- rido, percebido automaticamente dentro do contexto cultural. Todas as formas ló- gicas que uma pessoa traduz sem se dar conta, interpretando e codificando uma mensagem. Essa época histórica não é conectada diretamente à forma com que os emo- ticons são usados atualmente (seu primeiro registro é de 1982) e seu frequente uso dentro das universidades o popularizou. Dez anos mais tarde, o emoticon foi ressig- nificado, visto que as trocas de mensagens entre pessoas pela internet ficaram mais frequentes. O diferencial, nesse momento, era que seu uso era dado em programas como o Messenger e o ICQ. A frequência de uso do “:-)” levou à criação de outras formas de emoti- cons, como “:-p” (com a língua pra fora sinalizando descontentamento ou “birra”) ou “;-)” (piscada, que sinaliza a aceitação de algo, ou flerte), entre uma infinidade de outras mais. Cada um deles possuía base no emoticon original, po- rém trazia novas formas de transmitir uma mensagem. Assim, os emoticons que surgiram por uma necessidade organizacional, para as caixas de e-mails internas de universidades, foram ressignificados para formas gráficas que não mais utilizavam computadores, mas pagers, e não estavam pen- sando em organizar suas informações de trabalho. O objetivo era comunicar visual- mente por meio de mensagens de texto/gráfico. O primeiro registro de um emoji data de 1995. A época histórica em que foi concebido possui sua relevância, pois os gráficos foram realizados para funções diferentes, em épocas distintas. Trazendo o pensamento de Vieira Pinto (2005, p. 383) para o desenvolvimento dos emojis: 8 Disponível em:. Acesso em: 14/03/2016. 9 Disponível em:. Acesso em: 01/03/2016. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem 63 O aparecimento de todo novo objeto, pela revelação da sua presença à mão, su- põe um patrimônio de percepções em aumento constante, que é a própria cul- tura como fato histórico. Cada indivíduo encontra o mundo povoado pelos obje- tos que a época na qual nasceu pode produzir, na fase em que se acha o processo econômico e cultural da sua comunidade. Assim, cada época cria uma forma de uso para algo, que pode ser gradativa- mente transformado e transportado para outras épocas. Atualmente, são muitos os emojis e estão em todas as plataformas de comunicação digital: tablets, smartpho- nes e computadores, mas seu início, como citado anteriormente, foi em pagers, que são pouco utilizados atualmente. A função de envio de mensagens também mudou e, ultimamente, o fre- quente uso de mensagens de texto em aparelhos digitais ultrapassa 50 bilhões por dia10, quando somadas todas as formas de envio e todos os aplicativos utilizados. Décadas separam o uso do emoji em pagers e em smartphones. Cada qual conectado em uma época. Esse fato evidencia justamente que não há uma era tec- nológica localizada em uma data, se explicada pela pictografia. Sem a construção feita em muitos anos, a tecnologia não seria da forma que é hoje. Seria como considerar que um aplicativo qualquer, pelo fato de ter emojis, foi a melhor coisa já “inventada”, que mudou o mundo e a história como nunca, e assim acabando por descartar todo um processo cultural, social e de uso daquela tecnologia durante muitas décadas. O enfoque dado por Vieira Pinto em sua pesquisa combina estudos de relati- vização e hierarquia. Dessa forma, “todos os povos e cada época particular dispo- riam das técnicas correspondentes aos seus conhecimentos, resolvendo em suas for- mas particulares a dialética da natureza” (KLEBA, 2006, p. 81). Imaginando a relação entre o emoticon e o emoji, podemos notar, dentro de sua linha do tempo, que um conjunto levou ao outro. Não necessariamente só emo- jis são utilizados em vez de emoticons. As duas formas ainda estão presentes, mas uma advém da outra, com a particularidade que sem o emoticon, o emoji provavel- mente não existiria da forma que é. Dentro desta esfera, podemos olhar muitas das coisas que nos cercam como tecnologia. O processo gradativo está imerso em diversos contextos do trabalho e na construção da realidade, como descreve Vieira Pinto (2005, p. 303-304), “Neste contexto, a forma de conservar a carne através da secagem sob a cela do cavalo, a produção de carne seca, como em geral populações desprovidas no Brasil o fazem, equivaleria, em sua finalidade e função, ao frigorífico”. 10 Disponível em:. Acesso em: 08/11/2015. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 64 MORO, G. H. M. Assim, a cultura, imersa dentro dos processos de representação por onde se criam diálogos, está contida dentro de um aspecto tecnológico e sua produção pos- sui uma relação simbiótica: a tecnologia depende das interações culturais e da cul- tura para que a percepção humana faça efeito na construção de artefatos, e a cultura depende da tecnologia para que possa se ampliar por meio desses artefatos mais e mais e, assim, se desenvolver. Conclusão Os diálogos criados pela pictografia são muitos e possuem muitas variáveis: dependem em que cultura está inserida, onde foram criados e que caminhos acaba- ram percorrendo. Atualmente, podemos notar uma infinidade de imagens circu- lando como meios e formas de comunicação, como emojis, ícones em interfaces de softwares e assim por diante. Porém, grande parte dessas composições imagéticas foi desenvolvida em uma cultura específica e possui o olhar e a percepção das pes- soas que a visualizaram, o que torna tudo muito mais caótico quando o processo envolve a inserção desta imagem em diversas culturas diferentes. Cada pessoa pode fazer uma significação tanto pessoal como geral de um simples ícone em uma interface. A signifição, então, depende da cultura, traduzindo imagens com as percepções de seu povo, de seus preceitos pessoais, criando novas significações de imagens, , por exemplo, um cunho religioso, como no caso do emoji “high five”. Já no caso do disquete, o momento em que essas pessoas nasceram ou utili- zaram um computador, como no caso de jovens que nasceram a partir dos anos 2000 ou idosos que começaram a usar computadores ou tablets a partir desta data e que não participaram do momento deste espaço-tempo quando o disquete era um pro- cesso mais comum de armazenamento de dados portátil. O processo de construções simbólicas a que o ser humano está diariamente exposto cria mediações em que a subjetividade da relação comunicativa pode ocor- rer. A imagem dentro destes meios estabelece múltiplas formas de interpretações que dependem de uma série de variáveis incontáveis, nas quais não existe um de- terminismo de sua percepção ou uma relação matemática estruturada. Desta forma, por uma trajetória, uma prática social ou uma descrição detalhada das relações e problemas de indivíduos, se olhados particularmente, poderiam em nada estar correlacionados a uma realidade vivida da mesma maneira por outro ser humano (MORO, 2016, p.167). Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016 Emoticons, emojis e ícones como modelo de comunicação e linguagem 65 O pictograma possui uma força construtiva simbólica, está mergulhado na cultura e é um símbolo de representação que participa da formação subjetiva do ser humano, acontecendo de maneiras diferentes, dependendo dos processos, cultu- rais, representativos e tecnológicos nos quais as pessoas estão inseridas. Referências CAMPOS, H. de (org). Ideograma: lógica, poesia e linguagem. São Paulo: Cultrix Edusp, 1977. D’ALVIELLA, G. A migração dos símbolos. São Paulo: Pensamento, 1995. GOMBRICH, E. H. Arte e ilusão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. HALL, S. The work of representation. In: HALL, S. (org.) Representation. Cultural rep- resentation and cultural signifying practices. London/Thousand Oaks/New Delhi: Sage/Open University, 1997. MORO, G. H. Pictograma e pictografia: objeto, representação e conceito. Tese (Dou- torado), UTFPR, Curitiba, 2016. PINTO, A. V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, v. 1. _______. _______. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, v. 2. Recebido: 15/08/2016 Aprovado: 01/09/2016 Received: 15/08/2016 Approved: 01/09/2016 Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 17, n. 43, p. 51-65, set. /dez. 2016

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