Tese Probabilidades UM - José António da Silva Fernandes - PDF
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Universidade do Minho
1999
José António da Silva Fernandes
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Summary
This document is a doctoral thesis on intuitions and learning probabilities by José António da Silva Fernandes. It explores the teaching of probabilities in the 9th grade, comparing it to traditional teaching methods, and analysing student intuition. The research encompasses two studies: a study on probabilistic intuitions, examining intuitions of 8th and 11th grade students and a second study focusing on the teaching of probabilities in the 9th grade. The study aims to understand student intuitions in different contexts of probability and the impact of teaching methods.
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José António da Silva Fernandes INTUIÇÕES E APRENDIZAGEM DE PROBABILIDADES Uma Proposta de Ensino de Probabilidades no 9º Ano de Escolaridade Tese de Doutoramento em Educação (Área do conhecimento de Metodologia do Ensino da Matemática) sob a orientação da Doutora Conc...
José António da Silva Fernandes INTUIÇÕES E APRENDIZAGEM DE PROBABILIDADES Uma Proposta de Ensino de Probabilidades no 9º Ano de Escolaridade Tese de Doutoramento em Educação (Área do conhecimento de Metodologia do Ensino da Matemática) sob a orientação da Doutora Conceição Almeida da Universidade do Minho Universidade do Minho BRAGA, 1999 É autorizada a reprodução integral desta tese, apenas para efeitos de investigação, mediante declaração escrita do interessado, que a tal se compromete. O autor ii AGRADECIMENTOS À Doutora Conceição Almeida pelo apoio prestado na orientação deste trabalho. As suas sugestões, críticas e a confiança que depositou no meu trabalho foram contribuições importantes para a sua realização. Ao Doutor Manuel Cuiça Sequeira, Director do Departamento de Metodologias da Educação, pelo apoio e incentivo dados à realização deste trabalho. Ao Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho pelas facilidades concedidas na utilização dos seus serviços. Ao Fundo Social Europeu por ter suportado os encargos financeiros com o docente que me substituiu durante o período de equiparação a bolseiro e com a aquisição de alguma bibliografia e material consumível. Ao Centro de Estudos em Educação e Psicologia da Universidade do Minho pelo apoio financeiro concedido à realização deste trabalho. Às Doutoras Conceição Duarte e Laurinda Leite pela sua disponibilidade em ouvirem e esclarecerem as minhas dúvidas e por visionarem os questionários usados na investigação. Ao Doutor Pedro Oliveira agradeço igualmente a sua participação na avaliação dos questionários. À Dra. Maria Margarida Constantino e ao Mestre Melo Alves pela sua contribuição na avaliação dos questionários usados no estudo. Aos Conselhos Directivos das Escolas Secundária de Sá de Miranda, Secundária Carlos Amarante, Secundária Alberto Sampaio, Secundária de Maximinos, Básica 2, 3 de Gualtar, Básica 2, 3 Dr. Francisco Sanches e aos Directores Pedagógicos dos Colégios Teresiano e D. Diogo de Sousa pelas facilidades que me concederam na aplicação dos questionários aos alunos. Aos professores de Matemática, ao professor de Educação Física e à professora de Português das turmas em que foram aplicados os questionários por disponibilizarem o tempo das suas aulas e colaborarem na aplicação dos questionários. Ao Conselho Directivo da Escola Básica 2, 3 Dr. Francisco Sanches por ter permitido a realização na sua escola de um dos estudos e pela disponibilidade que sempre manifestou para ultrapassar dificuldades surgidas. Ao grupo de Matemática do 3º ciclo da Escola Básica 2, 3 Dr. Francisco Sanches, e de modo particular à Dra. Maria José Dias, à Dra. Guiomar e à Dra. Paula Viamonte pela sua participação no estudo. À Dra. Maria José Dias agradeço ainda o ter facilitado o meu relacionamento na escola e o apoio nas mais variadas tarefas logísticas. Por fim, aos alunos que participaram no estudo, sem os quais não teria sido possível realizar este trabalho. iii RESUMO A investigação realizada compõe-se de dois estudos: (1) um primeiro ‘Estudo sobre intuições probabilísticas’, em que se identificaram e caracterizaram intuições probabilísticas de alunos do 8º ano e do 11º ano, e (2) um segundo ‘Estudo sobre o ensino de probabilidades’, em que se concebeu, implementou e avaliou uma experiência de ensino contemplando as intuições probabilísticas em alunos do 9º ano, por comparação com um ensino tradicional. No primeiro estudo, formularam-se as três seguintes questões de investigação: 1. Que intuições probabilísticas possuem alunos do 8º ano de escolaridade comparativamente com alunos do 11º ano de escolaridade? 2. Há diferenças nas respostas correctas em relação às variáveis ano escolar, desempenho em matemática, sexo, ensino de probabilidades e interpretação do conceito de probabilidade, entre alunos do 8º ano e/ou do 11º ano de escolaridade? 3. Há diferenças na confiança nas respostas, em relação às variáveis ano escolar, desempenho em matemática, sexo e ensino de probabilidades, entre alunos do 8º ano e/ou do 11º ano de escolaridade? Tendo por referência estas questões de investigação, verificou-se que os alunos de ambos os anos escolares revelaram intuições mais limitadas e primitivas nas probabilidades em experiências compostas (e.g., lançar dois dados, três moedas ou extrair duas bolas) do que nas probabilidades em experiências simples (e.g., lançar um dado, uma moeda ou extrair uma bola). Além disso, as elevadas percentagens de respostas correctas obtidas na classificação de acontecimentos em certos, possíveis e impossíveis, sugerem que os alunos possuem intuições correctas sobre esta classificação de acontecimentos. Neste último caso, os alunos revelaram mais dificuldades nos acontecimentos certos e/ou que envolviam os conectivos e, ou e não. Entre os alunos dos dois anos escolares, os alunos do 8º ano justificaram mais frequentemente as suas respostas a partir de comparações baseadas em contagens e no facto de os acontecimentos serem possíveis, e quase nunca referiram ‘raciocínios gerais’ (raciocínios que garantem a escolha da resposta correcta). Já no caso dos alunos do 11º ano, uma percentagem considerável de alunos referiram ‘raciocínios gerais’, nas experiências compostas recorreram a probabilidades das experiências simples envolvidas e menos frequentemente referiram-se ao facto de os acontecimentos serem possíveis. Entre os alunos do 11º ano, o ensino de probabilidades, por que alguns destes alunos tinham passado no 9º ano, favoreceu a adesão a ‘raciocínios gerais’ nas experiências simples e não se salientou qualquer impacto nas experiências compostas. O número de respostas correctas aumentou do 8º ano para o 11º ano e com o desempenho em matemática, em ambos os anos escolares. No 8º ano observou-se uma tendência para os alunos do sexo masculino seleccionarem mais frequentemente as respostas correctas, o que se acentuou no 11º ano. Entre os alunos do 8º ano, a iv interpretação frequencista de probabilidade favoreceu a selecção das respostas correctas, essencialmente nas experiências compostas, em relação à interpretação clássica de probabilidade. Já entre os alunos do 11º ano, o ensino de probabilidades não produziu um efeito significativo na escolha das respostas correctas. Comparativamente com os alunos do 11º ano, os alunos do 8º ano depositaram uma maior confiança nas suas respostas e, em ambos os anos escolares, os alunos depositaram uma maior confiança nas respostas correctas do que nas respostas erradas. Também em ambos os anos escolares, a confiança nas respostas correctas aumentou com o desempenho em matemática e observou-se que os alunos do sexo masculino depositaram uma maior confiança nas respostas, mais acentuada entre os alunos do 11º ano. No segundo estudo, formulou-se a seguinte questão de investigação: 4. No 9º ano de escolaridade, um tipo de ensino que considere as ideias intuitivas dos alunos tem um maior impacto na aprendizagem de probabilidades, comparativamente com um ensino tradicional, no que respeita às intuições, às respostas correctas e ao cálculo de probabilidades? Ao nível das intuições probabilísticas, salienta-se o impacto das duas estratégias de ensino na maior adesão a ‘raciocínios gerais’, praticamente não referidos pelos alunos antes de ensino, e na menor adesão a comparações baseadas em contagens, à causalidade e ao facto de os acontecimentos serem possíveis. Comparativamente com a estratégia de ensino tradicional, a estratégia que contemplou as intuições teve um maior impacto na adopção de ‘raciocínios gerais’ e na diminuição da adesão a comparações baseadas em contagens e na referência ao facto de os acontecimentos serem possíveis. Entre as duas estratégias de ensino, a estratégia experimental favoreceu a selecção das respostas correctas e a realização dos alunos em cálculo de probabilidades, neste último caso, essencialmente nas probabilidades em experiências compostas. Em ambas as estratégias de ensino, tanto nas respostas correctas como no cálculo de probabilidades, a realização dos alunos aumentou com o desempenho em matemática. A estratégia de ensino experimental produziu resultados mais equilibrados em relação às variáveis desempenho em matemática, considerando as respostas correctas, e sexo, considerando as respostas correctas e o cálculo de probabilidades. Na condição de ensino experimental os alunos de desempenho médio e elevado progrediram de forma semelhante e mais do que os alunos de baixo desempenho, as diferenças nas respostas correctas, favoráveis ao sexo masculino e observadas antes de ensino, desapareceram depois de ensino e não se observaram diferenças entre os sexos na realização em cálculo de probabilidades. Na condição de ensino tradicional, observou-se um progresso crescente com o melhor desempenho em matemática, não se observaram diferenças nas respostas correctas entre os sexos depois de ensino, tal como tinha acontecido antes de ensino, e os alunos do sexo feminino obtiveram uma melhor realização em cálculo de probabilidades. v ÍNDICE AGRADECIMENTOS.................................................................................................. iii RESUMO........................................................................................................................ iv ÍNDICE........................................................................................................................... vi LISTA DE TABELAS................................................................................................... ix LISTA DE FIGURAS................................................................................................... xv LISTA DE QUADROS............................................................................................... xvii CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO 1.1. Evolução recente do ensino da estocástica........................................................... 1 1.2. Razões para ensinar a estocástica na escola........................................................ 10 1.3. Apresentação do problema.................................................................................. 12 1.4. Questões de investigação.................................................................................... 17 1.5. Descrição sumária da investigação..................................................................... 18 1.6. Importância da investigação................................................................................ 20 1.7. Limitações da investigação................................................................................. 22 1.8. Definição de termos............................................................................................ 23 CAPÍTULO II – REVISÃO DE LITERATURA 2.1. As intuições em matemática................................................................................ 25 2.1.1. As intuições e o desenvolvimento da matemática.................................... 25 2.1.2. As intuições numa perspectiva psicopedagógica...................................... 35 2.1.3. Classificação das intuições....................................................................... 47 2.2. Diferentes perspectivas do conceito de probabilidade........................................ 50 2.2.1. Conceito clássico...................................................................................... 50 2.2.2. Conceito frequencista ou empírico........................................................... 52 2.2.3. Conceito subjectivista............................................................................... 52 2.2.4. Conceito estrutural.................................................................................... 54 2.3. O conceito de probabilidade e intuições probabilísticas..................................... 54 2.3.1. Perspectiva de Piaget e Inhelder............................................................... 55 2.3.2. Perspectiva de Efraim Fischbein............................................................... 61 vi 2.3.3. Processamento de informação.................................................................. 73 2.3.4. Estudo de David Green............................................................................. 76 2.3.5. Heurísticas de julgamento probabilístico.................................................. 81 2.4. As intuições em probabilidades e o ensino-aprendizagem................................. 88 2.4.1. O ensino de probabilidades enquanto conceito multifacetado................. 88 2.4.2. Estratégias de ensino de probabilidades................................................... 97 2.4.3. Experiências de ensino de probabilidades.............................................. 110 2.4.4. Exploração de situações contra-intuitivas no ensino de probabilidades......................................................................................... 122 CAPÍTULO III – METODOLOGIA 3.1. Introdução......................................................................................................... 127 3.2. Descrição dos estudos....................................................................................... 127 3.2.1. Estudo sobre intuições probabilísticas.................................................... 128 3.2.2. Estudo sobre o ensino de probabilidades................................................ 129 3.3. Amostragem...................................................................................................... 134 3.3.1. Estudo sobre intuições probabilísticas.................................................... 134 3.3.2. Estudo sobre o ensino de probabilidades................................................ 137 3.4. Variáveis........................................................................................................... 138 3.5. Instrumentos: descrição e validação................................................................. 143 3.5.1. Descrição dos instrumentos.................................................................... 144 3.5.2. Validação dos instrumentos.................................................................... 150 3.6. Recolha de dados............................................................................................... 154 3.7. Análise de dados............................................................................................... 158 3.7.1. Estudo sobre intuições probabilísticas.................................................... 158 3.7.2. Estudo sobre o ensino de probabilidades................................................ 162 CAPÍTULO IV – RESULTADOS 4.1. Introdução......................................................................................................... 165 4.2. Estudo sobre intuições probabilísticas.............................................................. 165 4.2.1. Respostas e raciocínios........................................................................... 165 4.2.2. Respostas correctas................................................................................. 210 4.2.3. Confiança nas respostas.......................................................................... 220 vii 4.3. Estudo sobre o ensino de probabilidades.......................................................... 225 4.3.1. Respostas e raciocínios........................................................................... 225 4.3.2. Respostas correctas................................................................................. 274 4.3.3. Cálculo de probabilidades....................................................................... 281 CAPÍTULO V – CONCLUSÕES, IMPLICAÇÕES E RECOMENDAÇÕES 5.1. Introdução......................................................................................................... 284 5.2. Estudo sobre intuições probabilísticas.............................................................. 284 5.2.1. Conclusões do estudo.............................................................................. 284 5.2.2. Implicações do estudo............................................................................. 298 5.3. Conclusões do ‘Estudo sobre o ensino de probabilidades’............................... 300 5.4. Recomendações................................................................................................. 308 5.4.1. O ensino de probabilidades..................................................................... 308 5.4.2. Realização de estudos futuros................................................................. 311 BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 313 ANEXO I – INSTRUMENTOS................................................................................. 327 Questionário-conceito clássico................................................................................ 328 Questionário-conceito frequencista.......................................................................... 339 Questionário-experiência de ensino......................................................................... 349 Fichas de avaliação.................................................................................................. 356 ANEXO II – VALIDAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS........................................... 373 Ficha de avaliação dos questionários-conceito clássico e conceito frequencista.... 374 Ficha de avaliação do questionário-experiência de ensino...................................... 379 ANEXO III – PLANIFICAÇÃO DO TEMA........................................................... 384 ANEXO IV – RACIOCÍNIOS: questionário-conceito clássico................................ 418 ANEXO V – RACIOCÍNIOS: questionário-experiência de ensino........................... 441 viii LISTA DE TABELAS Tabela 1. Distribuição dos alunos da amostra por interpretação do conceito de probabilidade, ano escolar, escola, turma e sexo no ‘Estudo sobre intuições probabilísticas’.............................................................................................................. 135 Tabela 2. Distribuição dos alunos da amostra por grupo experimental e de controlo, turma e sexo no ‘Estudo sobre o ensino de probabilidades’......................... 137 Tabela 3. Percentagem de alunos nas respostas das alíneas da questão 1 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................... 167 Tabela 4. Percentagem de alunos nas respostas das alíneas da questão 2 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................... 169 Tabela 5. Percentagem de alunos nas respostas das alíneas da questão 3 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................... 172 Tabela 6. Percentagem de alunos nas respostas da questão 4 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 174 Tabela 7. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 4 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 175 Tabela 8. Percentagem de alunos nas respostas da questão 5 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 177 Tabela 9. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 5 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 178 Tabela 10. Percentagem de alunos nas respostas da questão 6 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 180 Tabela 11. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 6 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 181 Tabela 12. Percentagem de alunos nas respostas da questão 7 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 183 Tabela 13. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 7 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 184 ix Tabela 14. Percentagem de alunos nas respostas da questão 8 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 186 Tabela 15. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 8 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 187 Tabela 16. Percentagem de alunos nas respostas da questão 9 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 188 Tabela 17. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 9 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 189 Tabela 18. Percentagem de alunos nas respostas da questão 10 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 193 Tabela 19. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 10 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 194 Tabela 20. Percentagem de alunos nas respostas da questão 11 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 197 Tabela 21. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 11 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 198 Tabela 22. Percentagem de alunos nas respostas da questão 12 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 199 Tabela 23. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 12 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 200 Tabela 24. Percentagem de alunos nas respostas da questão 13 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 202 Tabela 25. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 13 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 203 Tabela 26. Percentagem de alunos nas respostas da questão 14 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 205 Tabela 27. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 14 por ano escolar e ensino de probabilidades............................................................................................... 206 x Tabela 28. Percentagem de respostas correctas por ano escolar em cada questão, valor de χ2 em cada questão e valor de Z por subtema e no questionário.................... 211 Tabela 29. Média das ordens segundo o desempenho em matemática e valor de H em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas no 8º ano....... 214 Tabela 30. Média das ordens segundo o desempenho em matemática e valor de H em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas no 11º ano..... 214 Tabela 31. Média das ordens segundo o sexo e valor de Z em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas no 8º ano............................................ 215 Tabela 32. Média das ordens segundo o sexo e valor de Z em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas no 11º ano.......................................... 216 Tabela 33. Média das ordens segundo o ensino de probabilidades e valor de Z em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas no 11º ano........... 217 Tabela 34. Percentagem de respostas correctas por interpretação do conceito de probabilidade em cada questão, valor de χ2 em cada questão e valor de Z por subtema e no questionário............................................................................................. 219 Tabela 35. Média das confianças dos alunos nas respostas, nas respostas correctas e nas respostas erradas por ano escolar......................................................................... 220 Tabela 36. Média das confianças dos alunos do 8º ano nas respostas, nas respostas correctas e nas respostas erradas segundo o desempenho em matemática................... 221 Tabela 37. Média das confianças dos alunos do 11º ano nas respostas, nas respostas correctas e nas respostas erradas segundo o desempenho em matemática... 222 Tabela 38. Média das confianças dos alunos do 8º ano nas respostas, nas respostas correctas e nas respostas erradas por sexo.................................................................... 223 Tabela 39. Média das confianças dos alunos do 11º ano nas respostas, nas respostas correctas e nas respostas erradas por sexo.................................................... 223 Tabela 40. Média das confianças dos alunos do 11º ano nas respostas, nas respostas correctas e nas respostas erradas por ensino de probabilidades.................... 224 Tabela 41. Percentagem de alunos nas respostas da questão 1.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 227 xi Tabela 42. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 1.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 228 Tabela 43. Percentagem de alunos nas respostas da questão 1.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 229 Tabela 44. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 1.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 230 Tabela 45. Percentagem de alunos nas respostas da questão 1.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 232 Tabela 46. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 1.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 233 Tabela 47. Percentagem de alunos nas respostas da questão 2.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 236 Tabela 48. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 2.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 237 Tabela 49. Percentagem de alunos nas respostas da questão 2.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 239 Tabela 50. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 2.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 240 Tabela 51. Percentagem de alunos nas respostas da questão 2.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 241 Tabela 52. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 2.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 242 Tabela 53. Percentagem de alunos nas respostas da questão 3.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 246 Tabela 54. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 3.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 247 Tabela 55. Percentagem de alunos nas respostas da questão 3.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 249 xii Tabela 56. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 3.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 250 Tabela 57. Percentagem de alunos nas respostas da questão 3.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 252 Tabela 58. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 3.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 253 Tabela 59. Percentagem de alunos nas respostas da questão 4.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 257 Tabela 60. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 4.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 258 Tabela 61. Percentagem de alunos nas respostas da questão 4.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 260 Tabela 62. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 4.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 261 Tabela 63. Percentagem de alunos nas respostas da questão 4.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 262 Tabela 64. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 4.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 263 Tabela 65. Percentagem de alunos nas respostas da questão 5.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 266 Tabela 66. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 5.a) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste................................267 Tabela 67. Percentagem de alunos nas respostas da questão 5.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 268 Tabela 68. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 5.b) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 269 Tabela 69. Percentagem de alunos nas respostas da questão 5.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 270 xiii Tabela 70. Percentagem de alunos nos raciocínios da questão 5.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste............................... 271 Tabela 71. Percentagem de respostas correctas no pré-teste e pós-teste por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) em cada questão, valor de χ2 em cada questão e valor de Z por subtema e no questionário..................................................... 275 Tabela 72. Média das ordens segundo o desempenho em matemática e valor de H em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas do grupo experimental no pós-teste............................................................................................. 277 Tabela 73. Média das ordens segundo o desempenho em matemática e valor de H em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas do grupo de controlo no pós-teste..................................................................................................... 278 Tabela 74. Média das ordens segundo o sexo e valor de Z em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas do grupo experimental no pós- teste............................................................................................................................... 279 Tabela 75. Média das ordens segundo o sexo e valor de Z em cada subtema e no questionário, em relação às respostas correctas do grupo de controlo no pós-teste..... 280 Tabela 76. Médias das cotações e valor de t em cada alínea, em cada questão e na ficha de avaliação segundo o grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr)........... 282 xiv LISTA DE FIGURAS Figura 1. Descrição sumária dos dois estudos realizados............................................... 19 Figura 2. Percentagem de respostas correctas nas alíneas da questão 1 por ano escolar........................................................................................................................... 168 Figura 3. Percentagem de respostas correctas dos alunos do 11º ano nas alíneas da questão 1 por ensino de probabilidades........................................................................ 168 Figura 4. Percentagem de respostas correctas nas alíneas da questão 2 por ano escolar........................................................................................................................... 170 Figura 5. Percentagem de respostas correctas dos alunos do 11º ano nas alíneas da questão 2 por ensino de probabilidades........................................................................ 170 Figura 6. Percentagem de respostas correctas nas alíneas da questão 3 por ano escolar........................................................................................................................... 172 Figura 7. Percentagem de respostas correctas dos alunos do 11º ano nas alíneas da questão 3 por ensino de probabilidades........................................................................ 172 Figura 8. Percentagem de respostas correctas nas questões 4, 5, 6, 7, 8 e 9 por ano escolar........................................................................................................................... 190 Figura 9. Percentagem de respostas correctas dos alunos do 11º ano nas questões 4, 5, 6, 7, 8 e 9 por ensino de probabilidades............................................................... 191 Figura 10. Percentagem de alunos do 11º ano nos ‘raciocínios gerais’ nas questões 4, 5, 6, 7, 8 e 9 por ensino de probabilidades............................................................... 192 Figura 11. Percentagem de respostas correctas nas questões 10, 11, 12, 13, e 14 por ano escolar.............................................................................................................. 208 Figura 12. Percentagem de respostas correctas dos alunos do 11º ano nas questões 10, 11, 12, 13, e 14 por ensino de probabilidades........................................................ 208 Figura 13. Percentagem de alunos do 11º ano nos ‘raciocínios gerais’ nas questões 10, 11, 12, 13 e 14 por ensino de probabilidades......................................................... 209 Figura 14. Percentagem de respostas correctas nas questões 1.a), 1.b) e 1.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste.................... 234 xv Figura 15. Percentagem de respostas correctas nas questões 2.a), 2.b) e 2.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste.................... 244 Figura 16. Percentagem de alunos no conjunto dos ‘raciocínios gerais’ nas questões 2.a), 2.b) e 2.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pós-teste...... 245 Figura 17. Percentagem de respostas correctas nas questões 3.a), 3.b) e 3.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste.................... 255 Figura 18. Percentagem de alunos no conjunto dos ‘raciocínios gerais’ nas questões 3.a), 3.b) e 3.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pós-teste...... 256 Figura 19. Percentagem de respostas correctas nas questões 4.a), 4.b) e 4.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste.................... 264 Figura 20. Percentagem de alunos no conjunto dos ‘raciocínios gerais’ nas questões 4.a), 4.b) e 4.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pós-teste...... 265 Figura 21. Percentagem de respostas correctas nas questões 5.a), 5.b) e 5.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pré-teste e pós-teste.................... 272 Figura 22. Percentagem de alunos no conjunto dos ‘raciocínios gerais’ nas questões 5.a), 5.b) e 5.c) por grupo experimental (Exp) e de controlo (Contr) no pós-teste...... 273 xvi LISTA DE QUADROS Quadro 1. Classificação das questões do questionário-conceito clássico segundo o tema, o tipo de experiência aleatória e o contexto........................................................ 145 Quadro 2. Classificação das questões do questionário-experiência de ensino segundo o tema, o tipo de experiência aleatória e o contexto...................................... 148 Quadro 3. Classificação das questões das quatro fichas de avaliação segundo o tema, o tipo de experiência aleatória e o contexto........................................................ 149 xvii CAPÍTULO I INTRODUÇÃO 1.1. Evolução recente do ensino da estocástica Com a introdução da chamada Matemática Moderna, a estocástica começou a fazer parte integrante dos currículos de matemática em muitos países europeus. Neste contexto, segundo Borovcnik (1991), as probabilidades constituíam uma boa oportunidade para aplicar a teoria de conjuntos e a lógica. A combinatória assumia-se como o principal meio de calcular probabilidades e muitos problemas envolviam a enumeração de casos numa situação combinatória intrincada. A estatística desempenhava um papel menor, ou não tinha mesmo qualquer papel. Com o declínio da Matemática Moderna, reafirmou-se o papel das aplicações e a estatística descritiva e inferencial aumentaram de importância. No entanto, as aplicações não eram ensinadas como exemplos pragmáticos para mostrar que a matemática ajuda a organizar a realidade, nem o desenvolvimento de skills envolvidos na aplicação estava no centro do esforço de ensino. A ênfase era colocada no ensino de algo como construção de modelos. Matematizar, generalizar, especificar, estabelecer assunções especiais, estabelecer um modelo adequado para o problema e interpretar os resultados fornecidos pelo modelo eram objectivos que apoiavam o movimento das aplicações, que se seguiu à Matemática Moderna. Embora as aplicações constituíssem exemplos, o que era mais importante não era resolver o problema particular mas aprender o processo geral de matematização (Borovcnik, 1991). Ainda nesta perspectiva das aplicações, a simulação foi usada em dois sentidos diferentes: em primeiro lugar, como forma de reduzir a análise complexa da situação e, 2 em segundo lugar, para dar sentido concreto aos métodos inferenciais, reforçando-se a interpretação frequencista de probabilidade. Seguidamente, as propostas que foram surgindo combinaram um novo estilo de trabalho com a estatística, nomeadamente projectos. Nestes projectos os alunos recolhem os seus próprios dados, analisam-nos e elaboram relatórios escritos (Hogg, 1992). Em relação à Áustria, segundo Borovcnik (1991), até 1970 faziam parte do currículo escolar a combinatória, que em seguida era aplicada ao cálculo de probabilidades. Em consequência, esta abordagem assentava basicamente no cálculo combinatório e no conceito de probabilidade de Laplace. Em 1980, verificaram-se alterações importantes resultantes da introdução de probabilidades e de inferência estatística com uma pequena parte de estatística descritiva nos dois últimos anos do ensino secundário. Finalmente, em 1989 o currículo foi de novo revisto. Agora, a estatística descritiva, incluindo a exploração e análise de dados, passou a ser abordada mais cedo, na idade dos 10 aos 14 anos, e mais profundamente pela idade dos 15 anos. Segundo Borovcnik (1991), o desenvolvimento do ensino das probabilidades e estatística na Alemanha foi semelhante, mas começou 10 anos mais cedo e diferiu um pouco de estado para estado. Neste caso, salientam-se mais análises de jogos simples, mais estudo de probabilidades elementares nas idades dos 10 aos 14 anos e uma escolha de conteúdos especiais na idade dos 17 anos. Além disso, cursos avançados incluíam muitos tópicos de estatística introdutória a um nível universitário. Para Borovcnik (1991) há uma abordagem diferente na tradição alemã comparativamente com a britânica. Segundo este autor, a preferência por conceitos teóricos altamente estruturados pode ter a sua origem na complexidade da língua alemã. As aplicações são menos consideradas do que a teoria, e a perspectiva pragmática das aplicações é ainda menos apreciada. Durante os últimos 20 anos acentuou-se o estudo das probabilidades, muito embora a situação esteja a mudar. Partindo do estudo das probabilidades com base na combinatória, desenvolveu-se posteriormente a sua ligação à perspectiva axiomática e à lógica, estruturando-se e organizando-se o caos através da 3 matematização. Nesta matematização, era suposto que a relação entre a estrutura matemática final (teoremas deduzidos a partir dos axiomas) e as várias interpretações dos conceitos usados devia desempenhar um papel importante. Todo o percurso referido pode ser resumido como um destaque sobre o desenvolvimento da teoria de probabilidades, sobre os conceitos e sobre a sua relação com a realidade. Considerando que “o ‘pensamento estocástico’ é uma forma peculiar, diferente do pensamento usual, desenvolvido através de partes de processos matemáticos de probabilidade para clarificar a matéria” (Borovcnik, 1991, p. 87), conclui-se que o pensamento estocástico é um lema que está mais presente nesta abordagem, e é mais popular nos países de língua alemã do que na Inglaterra ou nos Estados Unidos. O lema statistical literacy for all tem tido impacto apenas recentemente. Agora, técnicas descritivas e exploratórias são introduzidas no início do ensino secundário quando as exigências matemáticas o permitem. Neste contexto, Pestana (1998) destaca a importância da capacidade de ‘ler números’, sob a forma tabular ou qualquer outra codificação, no sentido de extrair deles a informação que eles contêm. Em Inglaterra, as deficiências do ensino da estatística, apontadas pelos profissionais da estatística nos primeiros anos da década de 70, estiveram na origem do desenvolvimento do projecto Schools Council Project on Statistical Education (Holmes & Turner, 1981). O projecto tinha como alvo o ensino da estatística a todos os alunos dos 11 aos 16 anos, enquanto parte da sua educação geral. O ensino, centrado numa estratégia de resolução de problemas e no desenvolvimento de conceitos e técnicas em contextos práticos, organizou-se em quatro níveis. Nos dois primeiros níveis, preparavam-se as bases para a compreensão das probabilidades e para o uso de técnicas estatísticas, recorrendo-se frequentemente a representações gráficas. No terceiro e quarto níveis, os alunos tratavam a maior parte das técnicas elementares de estatística e aplicavam-nas a contextos variados, como geografia, economia e ciências sociais. Especificamente, nestes níveis recorria-se a simulações e estudava-se o efeito do acaso 4 em situações várias. Diferentemente, nos Estados Unidos a estocástica ainda não constitui um hábito do ensino da matemática (Shaughnessy, 1992). Presentemente, muito pouca estatística é ensinada aos alunos antes de entrarem no ensino superior. Ao nível do ensino secundário, verifica-se que muito poucas escolas americanas oferecem actualmente um curso separado em probabilidades e estatística. Em alternativa, os alunos poderão frequentar uma unidade de seis a nove semanas incluída noutra disciplina. Em qualquer caso, muitos alunos não tratarão o tema e os professores serão tentados a não leccioná-lo. A este propósito, Watkins, Burrill, Landwehr e Scheaffer (1992) referem que um estudo realizado em 1987 nas escolas do estado de Ohio revelou que apenas aproximadamente um quinto dessas escolas ofereciam um curso separado em probabilidades e estatística, e, destes, 25% não contemplavam qualquer estudo de estatística inferencial. Além disso, verificou-se que três quartos das escolas ensinavam alguma estatística e probabilidades em cursos de matemática. Tipicamente, a estatística descritiva fazia parte de algum curso de matemática geral e alguns temas de probabilidades eram ensinadas no segundo ano do curso de álgebra ou em pré-cálculo. Há, todavia, um movimento vigoroso e crescente no sentido de introduzir elementos de estocástica no currículo do ensino secundário, e mesmo no currículo do ensino básico, como parte da literacia básica em matemática (Garfield & Ahlgren, 1988). É assim que instituições prestigiadas, como o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) e a American Statistical Association (ASA), têm dedicado a esta temática publicações importantes. Em relação aos níveis da escolaridade básica, até muito recentemente, pode afirmar-se com segurança que não existia qualquer ensino de probabilidades e estatística. Contudo, nos últimos quatro ou cinco anos a situação tem vindo a alterar-se. Para tal, têm contribuído a implementação de projectos, como, por exemplo, o Quantitative Literacy Project (Gnanadesikan, Scheaffer & Swift, 1987; Landewehr & Watkins, 1986; Landewehr & Watkins & Swift, 1987; Newman, Obremski & Scheaffer, 1987) e o 5 Middle Grades Mathematics Project (Phillips, Lappan, Winter & Fitzgerald, 1986), que têm feito incursões no ensino deste tema ao nível do 3º ciclo do ensino básico. A Hungria constitui uma excepção no que respeita ao ensino da estocástica ao nível da escolaridade básica. Os programas escolares de matemática, estabelecidos em 1974/75 e que começaram a ser introduzidos gradualmente nas escolas primárias, contemplavam já temas de estocástica. Especificamente, em todos os anos da escolaridade obrigatória (do 1º ao 8º ano de escolaridade) faziam parte dos respectivos programas de matemática itens de estocástica (Szendrei, 1990). Em termos de abordagem, destaca-se uma introdução dos termos e conceitos estocásticos a partir de jogos, especialmente nos primeiros anos de escolaridade, e o propósito de utilizar actividades estocásticas para desenvolver outras competências nos alunos. Assim, para além de relações entre as probabilidades e a estatística, salienta-se a promoção de competências de cálculo e a introdução do conceito de função (Szendrei, 1990). A não existência de materiais didácticos para o ensino da estocástica terá também condicionado o seu ensino (Shaughnessy, 1992; Watkins, Burrill, Landwehr & Scheaffer, 1992). Também, neste caso, a publicação de materiais no âmbito de vários projectos constitui um incentivo da maior importância para o ensino efectivo da estocástica. Assim, para além de acções de formação, os professores dispõem, agora, de materiais concebidos com a sua ajuda e testados nas salas de aula (Watkins, Burrill, Landwehr & Scheaffer, 1992). Para além das publicações dos projectos referidos antes, são de destacar as publicações Teaching Statistics and Probability (Shulte, 1981) e Normas para o Currículo e a Avaliação em Matemática Escolar (NCTM, 1991), do National Council of Teachers of Mathematics, e Statistics for the Twenty-First Century (Gordon & Gordon, 1992), da Mathematical Association of America. Tal como nos Estados Unidos, também na Europa têm surgido publicações neste domínio, como, por exemplo, Les Probabilités à l’École (Glaymann & Varga, 1975), Azar y Probabilidad. Fundamentos Didácticos y Propuestas Curriculares (Godino, Batanero & Canizares, 1987) e a revista inglesa Teaching Statistics. 6 A estocástica como disciplina científica é usualmente ensinada pela primeira vez ao nível do ensino superior. O curso introdutório é, em geral, constituído por três áreas, na sequencialização: (1) estatística descritiva, (2) teoria de probabilidades e (3) estatística inferencial (Borovcnik, 1985). Usualmente, estes cursos, propostos uma década atrás, baseavam-se em regras e em receitas-tipo para o cálculo em estatística ou em introduções muito matematizadas, no caso da estatística baseada em probabilidades. A este nível de ensino, os estudantes pareciam ser capazes de memorizar fórmulas e algoritmos para resolver problemas que lhes eram familiares e bem definidos (Garfield & Ahlgren, 1988). Contudo, raramente possuíam um sentido claro do racional envolvido, exibiam dificuldades em descortinar a aplicabilidade do conteúdo e não existiam praticamente possibilidades de aperfeiçoar as suas intuições estatísticas (Shaughnessy, 1992). Também, ao nível do ensino superior, as recomendações surgidas nas várias realizações da International Conference on Teaching Statistics (Davidson & Swift, 1988; Grey, Holmes, Barnett & Constable, 1983; Vere-Jones, 1991) têm contribuído lentamente para alterar a maneira de ensinar estocástica. Garfield e Ahlgren (1988) referem-se à necessidade de basear o ensino da estatística na resolução de problemas, destacando o uso de dados reais e a introdução dos conceitos estatísticos na medida em que vão sendo necessários. Shaughnessy (1992) reconhece que os impedimentos de uma implementação efectiva da resolução de problemas nas nossas escolas sejam os mesmos que obstruem um ensino efectivo das probabilidades e estatística. A este respeito, o ensino da estocástica é ensino de resolução de problemas num domínio de conteúdo mais restrito, pois envolve a construção de modelos de fenómenos físicos, o desenvolvimento e construção de estratégias (estratégias de simulação e de contagem) e a comparação e avaliação de várias abordagens diferentes aos problemas em ordem a monitorar possíveis concepções e representações erradas. Além disso, são ambas áreas relativamente novas em matemática e os backgrounds dos professores são muito limitados ou não existentes. Actualmente, as divergências no ensino da estocástica, mais centrada no ensino das 7 probabilidades na Europa Continental e baseada na estatística e na análise de dados nos países anglo-saxónicos, têm diminuído. Segundo Borovcnik e Peard (1996), actualmente, parece haver alguma convergência em relação ao seu ensino. No caso português, a questão do ensino da estatística e das probabilidades tem seguido aproximadamente a tradição europeia, talvez com algum atraso em relação a outros países. À semelhança de outros países europeus, o ensino da matemática em Portugal foi largamente influenciado pelas ideias do Movimento das Matemáticas Modernas, a partir de meados da década de 60. É por esta altura que se inicia o estudo da matemática moderna nas turmas experimentais do ensino liceal, sob a orientação de Sebastião e Silva, e ligeiramente mais tarde no ensino técnico, sob a égide de Santos Heitor (Matos, 1989). Por esta altura, a estocástica era já um dos temas do Compêndio de Matemática – Projecto de modernização do ensino da matemática no 3º ciclo liceal da autoria de Sebastião e Silva (1964). Durante todo o período, que se prolongou até à reforma educativa dos anos 90, os programas escolares do ensino da matemática mantiveram-se praticamente inalterados. As propostas de ensino de Sebastião e Silva, apresentadas nos seus Compêndios de Matemática (Sebastião e Silva, 1975) e respectivos Guias para a Utilização do Compêndio de Matemática (Sebastião e Silva, 1975, 1977), continuaram a influenciar decisivamente o ensino da matemática em Portugal, as quais são ainda explícitas nos programas actuais do ensino secundário (Ministério da Educação, 1997). Especificamente, no âmbito da estatística e probabilidades, o programa da disciplina de Matemática das áreas científico-naturais de 1979/80 incluía no 11º ano de escolaridade tópicos de cálculo combinatório e de introdução à estatística e às probabilidades. Em termos de sequencialização, começava-se por estudar técnicas de contagem que posteriormente eram aplicadas ao cálculo de probabilidades. No caso das probabilidades, partia-se da representação através de conjuntos e prosseguia-se com uma referência à frequência relativa, à axiomatização do conceito de probabilidade e à definição de probabilidade de Laplace (Ministério da Educação e Cultura, 1979a). Todavia, porque 8 estes tópicos eram os últimos do programa, eles muito frequentemente não eram leccionados. Esta prática de não leccionar estes temas é confirmada pela sua eliminação do programa mínimo da disciplina de Matemática do ano lectivo de 1980/81 (Ministério da Educação e Investigação Científica, 1980). Estes mesmos temas fizeram também parte do programa da disciplina de Matemática do 10º ano do curso de Humanísticas, embora com um menor desenvolvimento (Ministério da Educação e Cultura, 1979b). Contudo, aqui a situação era ainda pior, pois, tratando-se de uma disciplina de opção, ela não era escolhida pela generalidade dos alunos. Também com o aumento da escolarização até ao 12º ano, verificou-se que a disciplina de Matemática dos cursos científico-naturais manteve um carácter estrutural, não contemplando qualquer tema de estocástica (Ministério da Educação e Ciência, 1980). Em conclusão, até à implementação dos novos programas da disciplina de Matemática no início da década de 90, resultado da última reforma educativa, constata- se que o ensino da estocástica na escola foi irrelevante ou muito reduzido. A situação alterou-se substancialmente com a introdução destes novos programas. No caso do ensino secundário, cuja generalização do programa ocorreu no ano lectivo de 1993/94, verifica-se que as probabilidades e a estatística constituem um tema que se desenvolve ao longo de cada um dos três anos de escolaridade (Ministério da Educação, 1992). Mais concretamente, no 10º ano abordam-se tópicos de estatística descritiva; no 11º ano tratam-se questões de probabilidades e estatística, especificamente, aspectos conjuntistas e axiomáticos do conceito de probabilidade, definição clássica e frequencista de probabilidade e distribuições de frequências relativas e de probabilidades, com referência à curva normal; finalmente, no 12º ano estuda-se a combinatória e a sua aplicação ao cálculo de probabilidades, incluindo-se, também, a independência probabilística e as provas repetidas. Destaca-se ainda que, diferentemente dos programas anteriores, esta temática constitui o primeiro tema de cada um dos programas dos respectivos anos. 9 Uma outra alteração importante resultou da introdução de uma nova disciplina no ensino secundário, a disciplina de Métodos Quantitativos. Esta disciplina, com carácter obrigatório para os alunos que não têm a disciplina de Matemática no seu currículo, contempla um capítulo de estatística e outro de probabilidades, muito semelhantes aos correspondentes capítulos integrados na disciplina de Matemática do ensino secundário do 10º e 11º anos (Ministério da Educação, 1992). A mais recente alteração do programa de Matemática do ensino secundário, que começou a ser implementada no ano lectivo de 1997/98, não introduziu alterações de conteúdo ao programa anterior. A estatística descritiva passou a ser o último tema do programa do 10º ano e os temas de probabilidades e estatística, tratados anteriormente ao longo do 11º e 12º anos, foram reunidos no primeiro tema do 12º ano (Ministério da Educação, 1997). Diferentemente do ensino secundário, é a primeira vez que o ensino da estocástica faz parte dos programas escolares da disciplina de Matemática do ensino básico. Com início no 5º ano de escolaridade, o estudo desta temática prossegue no 6º, 7º, 8º e 9º anos de escolaridade (Ministério da Educação, 1991a, 1991b). Durante os quatro primeiros anos, o estudo centra-se no estudo de noções básicas de estatística, destacando-se a recolha e organização de dados, as noções de frequência absoluta e relativa, a representação gráfica de dados e as medidas de tendência central. Finalmente, no 9º ano tratam-se noções elementares de probabilidades, especificamente, terminologia específica, a definição clássica de probabilidade e o estudo da frequência relativa como valor aproximado da probabilidade teórica. Ao nível do ensino básico, o ensino da estocástica insere-se numa perspectiva de análise de dados e pode ser visto como uma dimensão importante da literacia que todos os alunos devem desenvolver na escola. Em síntese, os novos programas de Matemática introduziram alterações radicais ao nível do ensino da estocástica. De uma situação em que as probabilidades e a estatística praticamente não eram ensinadas na escola, passou-se à situação actual em que o seu 10 ensino se desenvolve desde o 5º ano até ao fim do ensino secundário. Enquanto antes, muito poucos alunos abordavam este assunto na escola, agora, todos os alunos o abordam no ensino básico e, para os que prosseguem os estudos, continua a ser tema de estudo no ensino secundário. Apesar do destaque dado ao ensino de probabilidades e estatística nos actuais programas da disciplina de Matemática, deve considerar-se que as percepções dos professores sobre o seu ensino não são tão optimistas. Um estudo realizado em todo o país (Precatado et al., 1998) revelou que a maioria dos professores de Matemática inquiridos se pronunciou pela simplificação ou exclusão do tema, comparativamente com a possibilidade de desenvolvimento, especialmente no 3º ciclo e no ensino secundário. 1.2. Razões para ensinar a estocástica na escola Há três razões para ensinar o tema de probabilidades e estatística na escola: (1) a utilidade na vida quotidiana da generalidade das pessoas, (2) a continuação de estudos futuros e (3) o desenvolvimento do sentido estético (Pereira-Mendoza & Swift, 1981). A sua utilidade é bem patente no facto de a linguagem da estatística e das probabilidades fazer parte da vida do dia-a-dia. As pessoas necessitam de conhecimentos de probabilidades e estatística para se integrarem plenamente na sociedade actual. Este aspecto é tanto mais importante quanto mais desenvolvida for a sociedade em que nos inserimos (Holmes, 1981). Por outro lado, conhecimentos de estatística e probabilidades são imprescindíveis numa grande variedade de estudos futuros. Estão nesta situação a generalidade dos cursos da área científico-natural e mesmo dos cursos no domínio das ciências sociais e humanas. Especialmente em conexão com a estatística, as probabilidades têm sido largamente utilizadas nos mais variados cursos. Além de constituir uma disciplina que integra os planos de estudo de muitos cursos, a estatística e as probabilidades são largamente utilizadas na investigação científica. Neste caso, a estatística é vista 11 frequentemente como um meio de tornar credíveis os resultados da própria investigação. Finalmente, os aspectos estéticos constituem um aspecto importante no desenvolvimento da apreciação da beleza de um tópico, seja como uma área da matemática, seja através das suas aplicações à ciência, à tecnologia e à natureza. Este sentido estético extrai-se da apreciação do poder das técnicas e da consciencialização da responsabilidade numa aplicação elegante daquelas técnicas. Para Borovcnik e Peard (1996) existem duas razões que legitimam a introdução das probabilidades no currículo escolar a qualquer nível. A primeira, resulta de perspectivar o pensamento probabilístico como um tipo específico de pensamento, tal como o pensamento geométrico e o pensamento algébrico. Face à matemática, as probabilidades constituem uma oportunidade de questionar a dicotomia verdade versus falsidade, acrescentando-se a categoria do possível; destacam a importância do valor aproximado em relação ao valor exacto e salientam a impossibilidade de controlar o resultado de uma única experiência. Este tipo de pensamento pode beneficiar do estudo das probabilidades na escola. Uma segunda razão, deriva da sua utilidade em termos de aplicações. Todavia, o âmbito destas aplicações deve ser relativizado, consoante os modelos probabilísticos modelam directamente a realidade ou o fazem através da estatística. No caso dos métodos estatísticos se basearem no raciocínio probabilístico, verifica-se que as aplicações das probabilidades abundam na vida social e nas ciências, o que confere às probabilidades uma grande importância. Contudo, existem abordagens à inferência estatística que minimizam o papel das probabilidades, e que, consequentemente, diminuem a sua importância. É exemplo desta última abordagem, a Exploratory Data Analysis (EDA), desenvolvida por Tukey (1977), em que as generalizações se justificam a partir de padrões. Uma abordagem que passe pela eliminação das probabilidades, naturalmente, não promove o desenvolvimento do pensamento probabilístico. Para Falk e Konold (1992), as probabilidades estabelecem uma estratégia diferente para pensar acerca da realidade, relativamente a uma abordagem lógica ou causal. Para 12 estes autores, os conceitos de incerteza são introduzidos nas ciências porque somos ignorantes acerca da multiplicidade de variáveis que afectam os dados ou porque as nossas medições envolvem algum erro. Numa perspectiva mais extrema, o acaso é uma parte não redutível aos fenómenos naturais deterministas e, em consequência, é visto como inerentemente indeterminado. 1.3. Apresentação do problema As pessoas em geral, e os alunos em particular, têm ideias acerca dos mais variados assuntos. Tais ideias podem desenvolver-se em ambientes informais ou em ambientes formais, sendo exemplo destes últimos a escola e, mais especificamente, a sala de aula. Por outro lado, estas ideias podem basear-se em argumentos normativos, que a escola procura desenvolver, ou em argumentos não normativos. No caso das ideias baseadas em argumentos não normativos, verifica-se que elas são frequentemente erradas e têm sido objecto de estudo no paradigma de investigação das ‘concepções erradas’. Assim, no caso da matemática, no âmbito do estudo das concepções erradas procura-se compreender as origens, o desenvolvimento e a eliminação de ideias fundamentalmente erradas (Fernandes, 1990; Garfield & Ahlgren, 1988; Kahneman, Slovic & Tversky, 1982; Shaughnessy, 1977). Kahneman e Tversky, nos seus muitos e variados estudos, demonstraram que as pessoas recorrem, frequentemente, a ‘heurísticas’ e ‘falácias’ para efectuarem julgamentos em probabilidades. A heurística refere-se a uma estratégia, deliberada ou não, para produzir uma estimativa ou uma predição, sendo sua característica a omissão de certas considerações relevantes para a tomada de decisão. A falácia é um erro conceptual e não meramente verbal ou técnico, que provavelmente seria repetido em situações semelhantes, e em que a resposta correcta ou um procedimento para encontrá-la é do conhecimento do sujeito (Tversky & Kahneman, 1983). No caso das ciências, incluindo a física, a química e a biologia, usa-se com muita frequência os termos ‘ideias alternativas’ (Duarte, 1987) ou ‘concepções alternativas’ 13 (Leite, 1993) para designar as ideias baseadas em argumentos não normativos. Obviamente, estes termos não transportam um possível sentido negativo inerente à alusão ao erro. Para salientar o facto dos alunos possuírem ideias antes de experienciarem qualquer tipo de ensino, elas são também designadas por ‘ideias prévias’ ou ‘concepções prévias’ (Ausubel, Novak & Hanesian, 1980). O termo ‘intuições’, que usaremos neste estudo, pretende englobar todos os aspectos referidos (Fischbein, 1987), destacando-se nas intuições a argumentação não normativa e a possibilidade de conduzirem a respostas correctas ou erradas. Do ponto de vista psicológico, as intuições são cognições que são aceites pela sua imediaticidade e auto- evidência e em que não se sente qualquer necessidade pessoal de prova formal ou empírica (Fischbein, 1987). Fischbein (1987) classifica as intuições em afirmativas e antecipadoras. As intuições afirmativas “são representações ou interpretações de factos aceites como certos, auto- evidentes e auto-consistentes” (p. 39) e as intuições antecipadoras “representam as visões preliminares e globais que precedem as soluções completas e analíticas dos problemas” (p. 39). No caso das intuições afirmativas, Fischbein (1975, 1987) ainda as classifica em primárias e secundárias. As intuições primárias desenvolvem-se com base na experiência natural do indivíduo, independentemente de qualquer ensino sistemático. Diferentemente, as intuições secundárias desenvolvem-se com base em alguma intervenção de ensino e frequentemente contradizem as intuições primárias. No caso específico das probabilidades, são vários os estudos que revelam que os alunos possuem intuições probabilísticas (Fernandes, 1990; Fischbein, Barbat & Mînzat, 1975; Fischbein, Nello & Marino, 1991; Green, 1983; Kahneman, Slovic & Tversky, 1982; Konold, 1983). A existência destas ideias intuitivas é influenciada, em maior ou menor grau, por diferentes variáveis inerentes ao sujeito, como o sexo, o desempenho em matemática e a 14 experiência de ensino em probabilidades. Green (1982, 1983) verificou no seu estudo, envolvendo alunos dos 11 aos 16 anos de idade, que as variáveis idade e capacidade de raciocínio geral tiveram um efeito positivo sobre a realização num teste sobre cálculo combinatório, probabilidades e compreensão verbal. A substituição da capacidade de raciocínio geral pela capacidade matemática manteve essencialmente os mesmos efeitos positivos. Além disso, os alunos do sexo masculino obtiveram, de forma consistente, scores mais altos do que os alunos do sexo feminino nos itens de probabilidades e de compreensão verbal. Munisamy e Doraisamy (1998) conduziram um estudo semelhante ao de Green junto de alunos malaios do ensino secundário, tendo-se confirmado, em geral, os resultados obtidos por Green. Assim, os alunos do sexo masculino obtiveram scores mais altos do que os alunos do sexo feminino em todas as questões, tendo a superioridade dos rapazes aumentado com a maturação. No caso da variável ano escolar, observou-se que, comparativamente com os alunos do 4º ano, a extensão das ideias probabilísticas foi superior para os alunos do 6º ano. Em relação à capacidade matemática, verificou-se que os alunos de capacidade matemática superior atingiram níveis de aquisição do conceito também superiores, comparativamente com os alunos de capacidade matemática média e inferior. Embora num contexto de situações probabilísticas contra-intuitivas e envolvendo alunos do 11º ano, sem ensino de probabilidades, e alunos do 4º ano da Licenciatura em Ensino de Matemática, com ensino de probabilidades, Fernandes (1990) observou resultados apenas ligeiramente díspares dos referidos antes. Os alunos com ensino de probabilidades cometeram ligeiramente menos erros e afirmaram as suas respostas com menor confiança, em relação aos alunos sem ensino de probabilidades. Também não se observaram diferenças na confiança com que os alunos afirmaram as respostas correctas comparativamente com as respostas erradas. Em relação à variável sexo, observou-se que os alunos do sexo masculino afirmaram as suas respostas com maior confiança. Verificou-se, ainda, que estas diferenças não foram 15 explicadas pelas respostas erradas nem pela realização escolar. Finalmente, verificou-se, em ambos os grupos, que a realização escolar não distinguiu os alunos quanto às respostas erradas no conjunto das situações probabilísticas estudadas. Reconhecendo que os alunos possuem intuições probabilísticas acerca dos mais variados assuntos, é da maior importância identificar estratégias de ensino eficazes para lidar com essas intuições. O facto das intuições poderem confirmar ou contrariar as ideias probabilísticas que a escola procura desenvolver nos alunos, implica uma primeira orientação em termos de ensino. Quando as intuições são correctas, elas constituem um ponto de partida adequado para o ensino. Já no caso das intuições erradas, a situação é diversa. Perante intuições erradas, o ensino deve dirigir-se à sua eliminação ou alteração. O profundo enraizamento destas ideias na estrutura cognitiva do aprendiz, consequência das suas características e o facto de serem partilhadas mesmo por peritos em probabilidades e estatística, como mostram vários estudos de Kahneman e Tversky (Kahneman, Slovic & Tversky, 1982; Tversky & Kahneman, 1983), implica que a alteração ou eliminação das intuições constitui, em geral, uma tarefa difícil em termos de ensino e de efeitos limitados. Face a estas dificuldades e limitações, enquanto Kahneman e Tversky se mostram cépticos perante as possibilidades do ensino alterar ou eliminar intuições, Nisbett, Krantz, Jepson e Kunda (1983) manifestam uma posição mais optimista e outros autores conceberam e conduziram experiências de ensino com relativo sucesso no âmbito das intuições. Nisbett, Krantz, Jepson e Kunda (1983) realizaram vários estudos em que identificaram factores que afectam o raciocínio indutivo em situações do dia-a-dia, designadamente, crenças acerca da homogeneidade/heterogeneidade dos objectos ou sujeitos, a saliência de parâmetros da distribuição, a saliência de factores do acaso, a experiência da situação e o treino em estatística. Para estes autores, muito embora não se deva concluir dos seus estudos que a educação em estatística é suficiente para garantir que as pessoas não cometem erros nos raciocínios de indução, o ensino pode 16 tirar vantagem da exploração destes factores. Shaughnessy (1977) verificou que uma estratégia de ensino baseada em pequenos grupos, explorando a recolha, organização e análise de dados e a formulação de princípios ou modelos de probabilidades e estatística, teve um efeito positivo ao ajudar alunos universitários a ultrapassarem concepções probabilísticas erradas, especificamente, as heurísticas da representatividade e da disponibilidade. Numa perspectiva diferente, Agnoli (1987) observou que o treino em regras lógicas, para fazer comparações extensivas e de frequências, teve um impacto positivo na diminuição à adesão da falácia da conjunção em adultos e em alunos de 11 e 13 anos de idade. Para avaliar o impacto indirecto do ensino de probabilidades sobre os julgamentos probabilísticos intuitivos, Fischbein e Gazit (1984) implementaram uma experiência de ensino com alunos entre os 10 e os 13 anos de idade, enfatizando o carácter prático e a relação entre probabilidades calculadas a priori e as frequências obtidas empiricamente. No caso dos alunos mais novos, do 5º ano, os resultados não foram suficientemente conclusivos, pois as aquisições conceptuais foram muito baixas. Já no caso dos alunos do 6º e 7º anos, concluiu-se que o programa de ensino teve um efeito positivo sobre inviesamentos intuitivos comuns. Finalmente, Castro (1998) conduziu uma experiência de ensino de probabilidades, inserida numa perspectiva de mudança conceptual. Os resultados obtidos neste estudo, envolvendo alunos de 14-15 anos, demonstraram que a estratégia de mudança conceptual, comparativamente com o ensino tradicional, foi mais eficiente ao nível dos skills elementares de cálculo de probabilidades e do raciocínio probabilístico intuitivo. Enquanto os estudos anteriores de Agnoli, de Castro, de Fischbein e Gazit e de Shaughnessy constituem exemplos de experiências de ensino mais ou menos longas, Cox e Mouw (1992) desenvolveram um estudo de curta duração. Neste caso, exploraram-se sinais do contexto da situação probabilística, enquanto características essenciais da evidência. Uma tal estratégia, resultante da adição e eliminação de sinais, mostrou ser 17 eficaz na diminuição da adesão à heurística da representatividade entre alunos universitários, particularmente na sua forma combinatória. Também numa intervenção de ensino de curta duração, Fast (1997) mostrou que a exploração de intuições ancoradoras, caracterizadas por Clement (1987) no domínio da física, teve um efeito positivo sobre a diminuição na adesão a concepções erradas em probabilidades, entre estudantes universitários (futuros professores de matemática). Inserido no domínio das intuições probabilísticas, o presente trabalho de investigação trata de dois aspectos fundamentais das intuições em conteúdos elementares de probabilidades: (1) a existência e caracterização de intuições em alunos do 8º e 11º anos de escolaridade, e (2) o papel que as intuições podem desempenhar no ensino de probabilidades ao nível do 9º ano de escolaridade. 1.4. Questões de investigação Com base na literatura no âmbito das intuições probabilísticas e a partir da percepção do autor sobre esta problemática, resultante do estudo que lhe vem dedicando, estabeleceram-se, no âmbito de conteúdos elementares de probabilidades, as seguintes questões de investigação: Questão de investigação 1. Que intuições probabilísticas possuem alunos do 8º ano de escolaridade comparativamente com alunos do 11º ano de escolaridade? Questão de investigação 2. Há diferenças nas respostas correctas em relação às variáveis ano escolar, desempenho em matemática, sexo, ensino de probabilidades e interpretação do conceito de probabilidade, entre alunos do 8º ano e/ou do 11º ano de escolaridade? Questão de investigação 3. Há diferenças na confiança nas respostas, em relação às variáveis ano escolar, desempenho em matemática, sexo e ensino de probabilidades, entre alunos do 8º ano e/ou do 11º ano de escolaridade? 18 Questão de investigação 4. No 9º ano de escolaridade, um tipo de ensino que considere as ideias intuitivas dos alunos tem um maior impacto na aprendizagem de probabilidades, comparativamente com um ensino tradicional, no que respeita às intuições, às respostas correctas e ao cálculo de probabilidades? 1.5. Descrição sumária da investigação A investigação realizada é constituída por dois estudos. No primeiro estudo, designado por ‘Estudo sobre intuições probabilísticas’, identificaram-se e caracterizaram-se intuições de alunos do 8º e 11º anos de escolaridade em conteúdos elementares de probabilidades. Este estudo insere-se na categoria de estudos descritivos, assumindo aspectos de uma investigação de aproximação descritiva transversal e de uma investigação comparativa, com propósitos explicativos (Gall, Borg & Gall, 1996). Em termos de questões de investigação, incluem-se neste estudo as três primeiras questões de investigação. Assim, em síntese, identificaram-se e caracterizaram-se intuições, segundo as variáveis ano escolar e ensino de probabilidades; estudaram-se as respostas correctas, segundo as variáveis ano escolar, desempenho em matemática, sexo, ensino de probabilidades e interpretação do conceito de probabilidade; e estudou- se a confiança nas respostas, segundo as variáveis ano escolar, desempenho em matemática, sexo e ensino de probabilidades. No segundo estudo, designado por ‘Estudo sobre o ensino de probabilidades’, elaborou-se e avaliou-se uma estratégia de ensino que considera as intuições dos alunos em conteúdos elementares de probabilidades. Participaram neste estudo alunos do 9º ano de escolaridade e na experiência de ensino tratou-se o tema ‘Estatística e probabilidades’, incluído no programa da disciplina de Matemática do 9º ano de escolaridade. Este estudo insere-se na categoria de estudos quase-experimentais, do tipo pré-teste pós-teste e envolvendo dois grupos de alunos – o grupo experimental e o grupo de 19 controlo (Gall, Borg & Gall, 1996). Estes dois grupos de alunos foram submetidos a tratamentos diferentes. No caso de grupo experimental, seguiu-se uma metodologia de ensino que valorizasse as intuições, e, no caso do grupo de controlo, seguiu-se uma metodologia de ensino tradicional. Em termos de questões de investigação, inclui-se neste estudo a última questão de investigação. Assim, em síntese, estabeleceu-se uma estratégia de ensino que contemplou as intuições, tendo sido avaliada, por comparação com o ensino tradicional, ao nível das intuições, ao nível das respostas correctas e ao nível do cálculo de probabilidades. Na Figura 1, faz-se uma descrição sumária de cada um dos dois estudos referidos anteriormente. 1. ESTUDO SOBRE INTUIÇÕES PROBABILÍSTICAS (Alunos do 8º e 11º anos de escolaridade) 1.1. Identificação e caracterização de intuições (variáveis: ano escolar e ensino de probabilidades). 1.2. Respostas correctas (variáveis: ano escolar, desempenho em matemática, sexo, ensino de probabilidades e interpretação do conceito de probabilidade) 1.3. Confiança nas respostas (variáveis: ano escolar, desempenho em matemática, sexo e ensino de probabilidades). 2. ESTUDO SOBRE O ENSINO DE PROBABILIDADES (Alunos do 9º ano de escolaridade) 2.1. Definição de uma estratégia de ensino. 2.2. Avaliação da estratégia de ensino, por comparação com um ensino tradicional, ao nível das intuições, das respostas correctas e do cálculo de probabilidades. Figura 1. Descrição sumária dos dois estudos realizados. 20 Entre os dois estudos, acima descritos, existe uma relação de dependência, como se salienta na Figura 1. Fundamentalmente, no ‘Estudo sobre intuições probabilísticas’ identificaram-se e caracterizaram-se intuições probabilísticas de alunos com idade muito próxima daqueles que iriam ser submetidos à experiência de ensino. Posteriormente, no ‘Estudo sobre o ensino de probabilidades’, estas intuições desempenharam um papel importante na definição da estratégia de ensino dirigida ao grupo experimental. 1.6. Importância da investigação O interesse da investigação pode ser visto em relação à formação de professores e ao ensino e à aprendizagem de probabilidades. No domínio da formação de professores, não tem havido uma correspondência entre a importância que é dada ao estudo da estocástica nos actuais programas do ensino não superior e a formação que é proporcionada aos professores. Deve recordar-se que o tema de probabilidades e estatística faz parte dos programas escolares das disciplinas de Matemática desde o 5º ano até ao 12º ano, exceptuando apenas o 11º ano. As limitações de formação verificam-se já na formação inicial, onde os alunos (futuros professores de matemática) têm, em geral, uma disciplina semestral ou anual sobre probabilidades e estatística. Também no âmbito da formação contínua, comparativamente com outros temas dos programas de matemática, o tema de probabilidades e estatística é menos tratado. Todavia, com a recente introdução de tecnologia no ensino da matemática tem-se assistido a um incremento da formação envolvendo directa ou indirectamente a estatística. A reduzida oferta de formação no domínio da estocástica é também visível nos encontros e nas publicações mais dirigidas aos interesses e necessidades dos professores do ensino não superior. Esta realidade é confirmada, por exemplo, nas actas dos Encontros Nacionais de Professores de Matemática (ProfMats) e na revista Educação e Matemática, que são publicações da Associação de Professores de Matemática (APM). A divulgação dos resultados desta investigação na formação inicial, ao nível da 21 disciplina de Didáctica da Matemática ou de Metodologia do Ensino da Matemática, e na formação contínua, ao nível de cursos e acções de formação, pode contribuir para melhorar a formação dos professores, particularmente em conteúdos elementares de probabilidades. Deve destacar-se, ainda, que existem muito poucos estudos publicados no nosso país sobre o ensino de probabilidades (Ponte, Matos & Abrantes, 1998). Em relação ao ensino e à aprendizagem de probabilidades, salienta-se que os alunos possuem intuições no domínio das probabilidades. Frequentemente, estas intuições são limitadas ou mesmo erradas (Fernandes, 1990; Green, 1982; Kahneman, Slovic & Tversky, 1982; Konold, 1983; Tversky & Kahneman, 1983), opondo-se ao saber normativo que, em última instância, a escola deve promover nos alunos. Assim, se pretendermos implementar um ensino eficaz, é da maior importância identificar as intuições dos alunos, sejam elas correctas ou erradas. Especialmente nos níveis escolares básicos, em que se centrou este estudo, há a convicção entre muitos professores que a aprendizagem de probabilidades não levanta grandes dificuldades aos alunos. Ora, uma tal opinião choca com o que foi dito acerca da existência de intuições limitadas e erradas nos alunos. A explicação desta divergência passa, em muitos casos, pela forma como é abordado o conceito de probabilidade. De conceito multifacetado, frequentemente, ele é apresentado aos alunos apenas como fracção do número de casos favoráveis pelo número de casos possíveis. Deste modo, reduz-se o estudo das probabilidades ao estudo de fracções simples. Acrescenta-se, ainda, que a fracção como medida da probabilidade não implica pré-requisitos de cálculo consideráveis, o que pode reforçar o ponto de vista dos professores. Conhecidas as ideias intuitivas dos alunos em probabilidades, aspecto tratado no primeiro estudo desta investigação, coloca-se a questão de como lidar com essas ideias no ensino das probabilidades, aspecto que foi tratado no segundo estudo desta investigação. Pode dizer-se desde já que, no caso das intuições correctas, elas podem constituir um bom ponto de partida para o ensino e, no caso das intuições erradas, elas exigem, geralmente, uma atenção e um esforço especiais para os alunos as ultrapassarem. 22 Em síntese, o conhecimento de intuições dos alunos e de formas possíveis de integrá- las no processo de ensino constituem dois aspectos que se revestem da maior importância na formação de professores de matemática e que deve ter consequências ao nível dos programas escolares, especificamente em relação aos conteúdos e às metodologias de ensino. 1.7. Limitações da investigação No processo de definição e implementação dos dois estudos desta investigação, identificam-se duas limitações importantes, que, consequentemente, devem ser consideradas na avaliação dos resultados dos estudos. A primeira limitação dos estudos, refere-se ao facto de não se ter realizado uma escolha aleatória dos alunos que participaram nos estudos. A adopção deste procedimento deveu-se, para além de condicionalismos de tempo e custos, a dificuldades resultantes da organização das escolas em geral. Para atenuar esta limitação usaram-se amostras de razoável dimensão e equilibradas em relação ao número de alunos nas variáveis sexo, desempenho em matemática e ensino de probabilidades (Ferguson & Takane, 1989). Todavia, apesar destas precauções, devemos ter presente que a selecção não aleatória dos alunos diminui a confiança com que podemos generalizar os resultados obtidos a universos mais vastos (Wonnacott & Wonnacott, 1990). No caso dos alunos do 11º ano de escolaridade, que participaram no primeiro estudo, deve observar-se que todos eles, à excepção de uma turma, pertenciam a uma mesma escola da cidade de Braga. A escolha destes alunos justificou-se pelo facto de nessa escola não ter sido leccionado o tema de ‘Estatística e probabilidades’ nas turmas a que pertenceram parte destes alunos durante o 9º ano de escolaridade. Desta forma, conseguiu-se envolver no estudo alunos do 11º ano de escolaridade com e sem ensino de probabilidades, permitindo, assim, estudar mais profundamente a influência do ensino de probabilidades sobre as intuições. Relativamente aos alunos da turma da outra escola, a situação era semelhante, até porque muitos deles tinham sido alunos da primeira escola 23 durante o 9º ano. A segunda limitação, relativa ao segundo estudo, refere-se à experiência de ensino de probabilidades realizada com alunos do 9º ano de escolaridade. Neste caso, o constrangimento do tempo previsto no programa escolar para a leccionação do tema de ‘Estatística e probabilidades’ dificultou o desenvolvimento de uma estratégia de ensino de probabilidades, contemplando as intuições, num período mais alargado de tempo. Mesmo assim, o tempo de ensino do tema foi superior em relação ao que estava previsto no programa oficial (Ministério da Educação, 1991b). 1.8. Definição de termos Análise de dados. Este termo é geralmente usado nas escolas secundárias para referir um problema, coleccionar dados e organizar, reduzir e interpretar dados com a ajuda de análises gráficas (Watkins, Burrill, Landwehr & Scheaffer, 1992). Estocástica. O termo estocástica é usado para designar conjuntamente o estudo da estatística e das probabilidades, e tem sido utilizado particularmente na Europa Continental (Borovcnik, 1991; Garfield & Ahlgren, 1988; Shaughnessy, 1992). Experiências simples e experiências compostas. Por contraste com as experiências simples em probabilidades, que envolvem uma experiência com um objecto aleatório (por exemplo, lançar uma moeda ao ar ou extrair uma bola de uma urna), as experiências compostas implicam várias experiências de um mesmo objecto aleatório ou uma só experiência com vários objectos aleatórios (por exemplo, lançar duas vezes ou mais uma moeda ao ar ou extrair duas bolas ou mais de uma urna). Intuições. As intuições são crenças cognitivas elaboradas e confirmadas repetidamente pela prática, que se caracterizam pela sua auto-evidência, certeza intrínseca, persistência, coercividade, condição teórica, extrapolação e completude (Fischbein, 1987). 24 Intuições primárias. “Intuições primárias referem-se àquelas crenças cognitivas que se desenvolvem nos indivíduos independentemente de qualquer instrução sistemática como consequência da sua experiência individual.” (Fischbein, 1987, p. 64) Intuições secundárias. “A categoria das intuições secundárias implica a assunção que novas intuições, com raízes não naturais, podem ser desenvolvidas. Estas intuições não resultam da experiência natural e normal do indivíduo. Além disso, muito frequentemente elas contradizem a atitude natural em relação à mesma questão.” (Fischbein, 1987, p. 68). Portanto, diferentemente das intuições primárias, as intuições secundárias desenvolvem-se com base em alguma intervenção de ensino. Situações contra-intuitivas. São situações em que os estudantes têm uma intuição primária que contraria e é muito resistente a uma perspectiva normativa, pelo menos inicialmente (Lesser, 1994). Assim, o termo contra-intuitivo não significa não-intuitivo. Ainda, para Lesser (1994), o que é contra-intuitivo pode ser definido operacionalmente como um resultado “surpreendente” para uma elevada percentagem de pessoas numa população e num tempo particulares. CAPÍTULO II REVISÃO DE LITERATURA 2.1. As Intuições em matemática Nesta secção refere-se, de forma breve e genérica, o papel das intuições no desenvolvimento da matemática e caracterizam-se e classificam-se as intuições numa perspectiva psicopedagógica, com particular incidência na matemática. 2.1.1. As intuições e o desenvolvimento da matemática A matemática tem-se apoiado nas intuições desde os tempos mais recuados da sua história. As intuições têm desempenhado, ao longo dos tempos, um lugar de destaque na validação do conhecimento matemático e na sua própria criação. Para os gregos, o raciocínio acerca de conceitos matemáticos começava com os axiomas, que eram considerados verdades auto-evidentes de que ninguém podia duvidar. A origem destas verdades podia, contudo, ser diferente (Kline, 1980). Para Platão, elas tinham a sua existência num mundo objectivo, o mundo das ideias, e para conhecê-las os homens deviam ser estimulados a recordar as suas experiências anteriores, vividas para além da sua existência terrestre. Assim, os axiomas e teoremas da matemática existem num mundo objectivo independente do homem. Aristóteles coloca a questão da verdade em matemática de outro modo. Para ele, “os axiomas são princípios inteligíveis que apelam à mente fora de qualquer possibilidade de dúvida. Os axiomas, disse em Analíticos Posteriores, sabe-se que são verdadeiros através da nossa intuição infalível” (Kline, 1980, p. 20). A partir destas primeiras verdades, 26 segundo Aristóteles, derivam-se outras verdades através do raciocínio silogístico. Em pleno Renascimento, o grande matemático e filósofo René Descartes (1596-1650) afirmava na Regra III da sua obra Regras para a Direcção do Espírito: “No que respeita aos objectos considerados, há que procurar não o que os outros pensaram ou o que nós próprios suspeitamos, mas aquilo de que podemos ter uma intuição clara e evidente ou que podemos deduzir com certeza; de nenhum outro modo se adquire a ciência.” (Descartes, 1989, p. 18). A respeito do que entende por intuição, diz Descartes: “Por intuição entendo, não a convicção flutuante fornecida pelos sentidos ou o juízo enganador de uma imaginação de composições inadequadas, mas o conceito de mente pura e atenta tão fácil e distinto que nenhuma dúvida nos fica acerca do que compreendemos” (Descartes, 1989, p. 20). Para Descartes (1989) podemos ver pela intuição intelectual, por exemplo, que existimos, que pensamos, que um triângulo é delimitado apenas por três linhas e que a superfície esférica é delimitada apenas por uma superfície. Assim, segundo Descartes, qualquer ciência não se pode adquirir senão pela intuição intelectual ou pela dedução. Distinguindo entre estes dois processos mentais, Descartes afirma no desenvolvimento da Regra V: “É necessário notar, em segundo lugar, que são poucas as naturezas puras e simples, que se podem ver por intuição imediatamente e por isso mesmas, independentemente de quaisquer outras, mas nas próprias experiências ou graças a uma certa luz que nos é inata; dizemos que importa considerá-las diligentemente, porque são as mesmas que, em cada série, chamamos as mais simples. Quanto a todas as outras, só podem ser percebidas deduzindo-as das primeiras, quer por uma inferência imediata e próxima, quer apenas mediante duas, três ou mais conclusões diferentes, cujo número também deve ser notado, a fim de sabermos se mais ou menos degraus as afastam da proposição que é a primeira e a mais simples.” (Descartes, 1989, p. 35) Com a pujança do empirismo, assiste-se a um questionamento profundo dos fundamentos da ciência e do valor do próprio raciocínio. David Hume (1711-1776), destruindo a doutrina de um mundo seguindo leis matemáticas, destruiu também o valor 27 de uma estrutura lógico-dedutiva que representou a realidade a partir de Aristóteles. “Como para os axiomas, eles [os teoremas] emanam de sensações acerca do mundo físico presumido. Os teoremas são de facto consequências necessárias dos axiomas mas não são mais do que repetições elaboradas dos axiomas. Eles são deduções, mas deduções de proposições implícitas nos axiomas. Eles são tautologias. Assim, não há verdades nos axiomas ou nos teoremas.” (Kline, 1980, p. 75) A negação da razão por Hume e muitos outros, enquanto a mais elevada faculdade do homem, tornou-se revoltante para a generalidade dos pensadores do século XVIII. É neste contexto que Immanuel Kant (1724-1804), um dos maiores filósofos de todos os tempos, defende a existência de certas cognições sintéticas a priori independentes da experiência. Para Kant (1989), os juízos sintéticos de carácter empírico justificam-se pelas experiências sensoriais, que constituem o elemento de síntese dos enunciados envolvidos. No caso dos juízos sintéticos de carácter a priori, característicos da matemática, a situação é diversa. Neste caso, não podendo justificar-se a síntese pela experiência nem extraída da análise da forma do enunciado, como acontece nos juízos analíticos, tem de se recorrer à intuição para tornar possível uma tal síntese. A propósito da proposição 7+5=12, envolvendo os conceitos de sete e de cinco, afirma Kant: “Temos de superar estes conceitos, procurando a ajuda da intuição que corresponde a um deles, por exemplo os cinco dedos da mão ou [...] cinco pontos, e assim acrescentar, uma a uma, ao conceito de sete, as unidades do número cinco dadas na intuição.” (Kant, 1989, p. 47) Segundo Kant, princípios como ‘a linha recta é o caminho mais curto entre dois pontos’, ‘três pontos não colineares determinam um plano’ ou o postul