Suicídio - Suicidology Paper PDF
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This document appears to be a collection of notes or a report on the topic of suicidology, covering various aspects such as definitions, models, and prevention strategies, with data, figures, and tables. It's not a typical exam paper.
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Le Suicidé by Édouard Manet R.E.M. - Everybody Hurts https://www.youtube.com/watch?v=5rOiW_xY-kc Lauryn Hill “I Gotta Find Peace of Mind” https://www.youtube.com/watch?v=b2IbsMCgz4A Livros recomendados Introdução Ao longo da história sempre se questionou e refletiu sobre o suicídio nos aspe...
Le Suicidé by Édouard Manet R.E.M. - Everybody Hurts https://www.youtube.com/watch?v=5rOiW_xY-kc Lauryn Hill “I Gotta Find Peace of Mind” https://www.youtube.com/watch?v=b2IbsMCgz4A Livros recomendados Introdução Ao longo da história sempre se questionou e refletiu sobre o suicídio nos aspetos morais, legais e pessoais e sempre se procurou escrutinar, quer na cultura académica quer na cultura popular, todo o conjunto de significados inerentes ao conceito de morte voluntária. Compreender o suicídio constitui uma tarefa complexa, porque é um fenómeno multifacetado e multideterminado que ultrapassa a nosologia psiquiátrica, necessitando para a sua compreensão de um enquadramento psicológico, sociológico, antropológico e filosófico. Sabemos, no entanto, que é um problema grave de saúde pública em todo o mundo, e a sua magnitude e impacto têm levado a uma investigação crescente pela compreensão dos fatores que possam estar na sua base. Introdução Segundo a OMS (World Health Organization, 2013), suicidam-se diariamente em todo o mundo cerca de 3000 pessoas – uma a cada 40 segundos – e, por cada pessoa que se suicida, 20 ou mais cometem tentativas de suicídio. Os comportamentos suicidários variam marcadamente ao longo do ciclo de vida, sendo a proporção de comportamentos autolesivos para atos suicidas de 30:1 nos jovens e de 3:1 nos idosos. Por cada suicídio, existem famílias e amigos que são devastados emocionalmente e socialmente. Introdução Os custos económicos são da ordem dos biliões de euros. As estimativas sugerem que o número de suicídios vai aumentar e possa alcançar 1,5 milhões em 2020, se os esforços de prevenção e de tratamento não tiverem o apoio de medidas económicas e legislativas adequadas (Carvalho et al., 2013), merecendo a atenção extrema de vários grupos profissionais e, sobretudo, dos médicos, que contactam com pessoas com tentativas de suicídio prévias, com comportamentos autolesivos, com os sobreviventes (familiares, amigos) e com doentes com potencial risco de suicídio acrescido. O Quadro 16.1 (Carvalho et al., 2013; World Health Organization, 2013) revela alguns indicadores que suportam esta noção. Introdução Os três gráficos seguintes ilustram os números do suicídio. Na Figura 16.1 observa-se a evolução do número total de mortes por suicídio no período de 1985 a 2011. Na Figura 16.2 poderá visualizar-se uma comparação entre as taxas de suicídio em Portugal e numa amostra de países da União Europeia, de 1994 a 2009 – sendo de destacar o aumento desta taxa nos últimos anos, tendo atingindo um pico em 2010 com uma taxa de 10,3. Finalmente, na Figura 16.3 ilustra-se a taxa de suicídio no ano de 2009, segundo local de residência e grupo etário – destacando-se uma maior taxa no sul do país (Alentejo e Algarve). Figura 16.1 – Número total de mortes em Portugal (entre 1985 e 2011), cuja causa de morte é “lesões autoprovocadas”, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Figura 16.2 – Taxas de suicídio em Portugal, na média da União Europeia (15 países) e em alguns outros países (a título de exemplo), segundo dados do Eurostat, entre 1994 e 2009. Figura 16.3 – Taxa de mortalidade por “lesões autoprovocadas”, por 100 000 habitantes, por local de residência e grupos etários, segundo dados de 2009 do Instituto Nacional de Estatística. Os espaços em branco representam lacunas nas estatísticas oficiais. Definições Existe na comunidade científica um debate aceso acerca da nomenclatura (conceitos básicos, terminologia e definição) a usar relativamente ao espectro de cognições e comportamentos suicidários (Silverman, 2006). Diferentes grupos de trabalho utilizam diferentes nomenclaturas, tendo estas discrepâncias implicações marcadas na compreensão e comparação de dados epidemiológicos, clínicos e mesmo ao nível da prevenção. Existem quatro conceitos básicos que são utilizados em todas as nomenclaturas (Carvalho et al., 2013; Guerreiro e Sampaio, 2013): método, resultado, letalidade e intencionalidade: Definições Método – refere-se ao meio ou processo utilizado na produção da autolesão, comportamento suicidário ou tentativa de suicídio. São exemplos: o enforcamento, a sobredosagem de substâncias tóxicas, feridas ou queimaduras corporais, precipitação no vazio; Resultado – pode ser a morte (acidental ou suicídio), a sobrevivência com lesões/ferimentos ou sobrevivência sem lesões/ferimentos; Definições Letalidade – refere-se ao potencial de perigo de morte associado ao método utilizado. A utilização de armas de fogo, a precipitação no vazio e o enforcamento são considerados métodos de elevada letalidade, enquanto, por exemplo, certas automutilações ou alguns tipos de sobredosagem medicamentosa podem ser considerados de baixa letalidade. O conceito de letalidade pode ser visto segundo duas dimensões: a letalidade objetiva (avaliada, por exemplo, por um médico) ou subjetiva (avaliada pelo próprio sujeito). À luz dos dados da investigação, a percentagem das pessoas com comportamentos autolesivos que avaliam mal a letalidade do método pode chegar aos 50%, daí a importância da dimensão subjetiva deste conceito; Definições Intencionalidade – é provavelmente o conceito mais controverso, sendo aquele que mais desacordo gera entre os investigadores nesta área. Pode ser definida como a determinação para agir de modo a atingir um objetivo, neste caso, o suicídio. A sua avaliação é feita primariamente segundo autorrelato, um meio insatisfatório pelo potencial de viés que envolve a nível da sua precisão, da memória do ato ou mesmo da ambivalência associada a desejo de morrer. Por outro lado, a intencionalidade pode referir-se não ao objetivo de suicídio, mas apenas ao propósito de provocar lesões ou dor autoinfligidas. De acordo com Sampaio (Sampaio, 1991), é sugerido que a intencionalidade suicida possa ser inferida a partir da maior ou menor rapidez do método utilizado e da sua reversibilidade, bem como tendo em atenção a possibilidade de uma intervenção salvadora. Definições Definições Em Portugal, o grupo de trabalho responsável pelo Plano Nacional de Prevenção do Suicídio optou pela nomenclatura apresentada no Quadro 16.2 (Carvalho et al., 2013). Suicide Notes https://www.youtube.com/watch?v=MTxoevs0o4o&list=PLXvEGg- UOepGdLgebe5jx0sGqLfYOGs6v&index=7 SUICÍDIO | CLASSIFICAÇÃO (DSM-5-TR) DSM-5-TR| Other Conditions That May Be a Focus of Clinical Attention Suicidal Behavior and Nonsuicidal Self-Injury DSM-5-TR| Other Conditions That May Be a Focus of Clinical Attention Modelos etiológicos Procurarei apresentar de forma resumida as principais teorias científicas que analisaram o tema do suicídio no ocidente. Durkheim foi um dos primeiros autores a propor uma explicação científica para o suicídio. Construiu uma teoria que olha o suicídio como um facto social. Durkheim vai conceptualizar o suicídio de um modo exclusivamente social, não estando interessado nas motivações individuais de cada pessoa. Modelos etiológicos Defende que o suicídio resulta da falência da integração do indivíduo na sociedade e na relação que o indivíduo estabelece com ela (Durkheim, 1897). Partindo desta tese, propõe uma tipologia que posiciona o suicídio face ao envolvimento social do indivíduo: egoísta, que reflete uma carência de integração na sociedade; altruísta, que resulta de um excesso de envolvimento com a sociedade; anómico, que resulta de situações em que a sociedade perde o seu poder regulador; e fatalista, quando a sociedade exerce uma regulamentação excessiva sobre o indivíduo. Modelos etiológicos Apesar de esta teoria ser clássica mantém muitos aspetos válidos na atualidade e tem influenciado a Sociologia do século XX, mas apresenta alguns aspetos passíveis de reflexão crítica. Dentro destes, salientamos a causalidade linear que estabelece entre as mudanças sociais e o suicídio, a pouca relevância das motivações individuais, a ideia de que o suicido é imune ao contágio social e o uso exclusivo das estatísticas oficiais. A teoria de Durkheim é contemporânea de uma disciplina desenvolvida sob o impulso de Sigmund Freud: a psicanálise. Freud, no seu clássico artigo “Luto e Melancolia”, elabora uma teoria sobre os mecanismos psicodinâmicos envolvidos na depressão. Mas salienta que o suicídio resulta na interiorização de um impulso agressivo inicialmente dirigido ao objeto amado. O impulso suicidário resultaria, então, em voltarmos contra nós um impulso agressivo contra o outro. Modelos etiológicos Mais tarde, em 1920, Freud introduz a ideia de instinto de morte. Na sua teoria, o ser humano viveria num conflito entre o instinto de vida ou de autoconservação (Eros) e um instinto de morte ou de destruição (Thanatos). Deste modo, Freud coloca a tendência de autodestruição no eixo central do funcionamento psíquico (Frazão, 2007). Modelos etiológicos A partir destes conceitos, vários autores refletiram sobre o tema do suicídio, mas seria o psiquiatra americano Karl Menninger a elaborar uma verdadeira teoria psicodinâmica sobre a autodestruição, em geral, e sobre o suicídio, em particular. Este autor refere que o comportamento suicida integra três elementos: o desejo de matar; o desejo de ser morto e o desejo de morrer. Assim, o desejo de matar derivaria do ego, o desejo de ser morto do superego e o desejo de morrer do id (Frazão, 2007). Modelos etiológicos Modelos etiológicos No espectro das teorias psicodinâmicas existem ainda os trabalhos de Scharff e Scharff. Estes autores, reconhecidos psicoterapeutas, pertencentes à chamada Escola das Relações Objetais, consideram que o suicídio pode ser explicado pela seguinte dinâmica: existe um ataque ao objeto amado com que o “si” se identifica; existe um ataque ao “si” para ter o objeto, isto é, há um ato de sacrifício; e há uma tentativa de separar o “si” do objeto, quando o objeto e o “si” se encontram fundidos (Frazão, 2007). Modelos etiológicos Além das teorias psicodinâmicas existem ainda as formulações de caráter cognitivo e sistémico. As teorias cognitivas, cujos pressupostos explicativos do suicídio se baseiam muito nos fundamentos da terapia cognitiva da depressão, consideram que os comportamentos suicidários são produto de erros cognitivos, de crenças erróneas e de pensamento dicotómico. Um dos conceitos mais inovadores que estes teóricos introduziram é o conceito de desesperança ou falta de esperança que, na sua opinião, medeia a expressão dos comportamentos suicidários (Frazão, 2007). Modelos etiológicos As teorias de inspiração sistémica irão destacar o papel da comunicação familiar no suicídio. Um dos autores foi Aldrige, que identificou os seguintes padrões em famílias onde ocorrem tentativas de suicídio: hostilidade marcada; perturbação de papéis e falha de papéis; escalada de conflito quando ocorrem mudanças na evolução da família; relação simbiótica entre parceiros que não toleram a autonomia; intolerância à crise; comportamento suicida como uma forma de comunicação; e existência de uma tradição familiar de gerir as crises através da manifestação de comportamentos sintomáticos. Modelos etiológicos Sampaio (1991) realça a natureza interativa e comunicacional dos atos suicidas na adolescência. São vistos como uma metacomunicação, ou seja, como uma comunicação sobre a comunicação familiar e uma tentativa paradoxal de mudança no sistema familiar. Segundo este autor as famílias dos jovens suicidas são caracterizadas por rigidez, autoridade excessiva ou inadequada, expectativas rígidas, conflitos relacionais e escassas redes de sociabilidade (Frazão, 2007; Sampaio, 1991; Sampaio e Frazão, 2006). Modelos etiológicos Numa formulação já radicalmente diferente das explicações sociológicas e psicológicas, surgem as teorias da Psiquiatria Clássica que se ancoram na Genética e na Bioquímica. Os estudos genéticos são contraditórios, sendo baseados em três grandes tipos de estudos: os que incidem nas tentativas de suicídio e suicídios na história familiar de pessoas com tentativas de suicídio ou suicídios; estudos que comparam a incidência de suicídio em gémeos homozigóticos e dizigóticos e estudos de adoção. A maioria dos autores provenientes do campo teórico da Psiquiatria considera que existe uma maior probabilidade de suicídio ou de tentativas de suicídio em famílias em que esse tipo de comportamento esteja presente (Sampaio e Frazão, 2006). Modelos etiológicos Quanto aos estudos da Neurobiologia, sugerem a existência de uma relação entre os sistemas neurotransmissores envolvidos na depressão e no suicídio, nomeadamente da serotonina, verificando que existe uma associação entre baixos níveis de um metabolito da serotonina (5- HIAA2) e o risco de suicídio. Têm também sido sugeridas alterações no eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenérgico e alterações das neurotrofinas em setores específicos do cérebro (hipocampo e córtex pré-frontal) em suicídios consumados (Kutcher e Chehil, 2007). Modelos etiológicos Na atualidade o enfoque é colocado nos modelos multidimensionais que abordam a conjunção de múltiplos fatores na génese dos atos suicidas, conceptualizando-os como um resultado de uma interação altamente complexa entre fatores genéticos, biológicos, psiquiátricos, psicológicos, sociais e culturais (Hawton e van Heeringen, 2009). A importância destes modelos reside não só no caráter explicativo mas também no valor preditivo e capacidade preventiva. Destes, salientamos quatro: o modelo de Shneidman (Shneidman, 1993); o modelo de sobreposição de Blumenthal (Blumenthal, 1990); o modelo de diátese-stress (Mann, 2003) e modelo de autorregulação emocional (Klonsky, 2007). Modelos Etiológicos Shneidman, um dos fundadores da suicidologia, enriquece a perspetiva psicológica com os modelos psicossociais. Segundo este autor, o conceito fundamental para a explicar o suicídio é o de dor psicológica. Defende que todos os suicídios partilham o que chama as 10 características comuns do suicídio (Shneidman, 1993): o propósito comum do suicídio é procurar uma solução; o objetivo comum é a interrupção da consciência; o estímulo comum é a dor psicológica intolerável; o fator de stress comum é a frustração das necessidades psicológicas; a emoção comum é o desespero- abandono; o estado cognitivo comum é a ambivalência; o estado precetivo comum é a restrição; a ação comum é a evasão; o ato interpessoal comum é a comunicação da intenção; a regra comum é a incompatibilidade com padrões de vida duradouros. Modelos etiológicos Blumenthal propõe um modelo global, considerando cinco áreas de vulnerabilidade sobreponíveis (Blumenthal, 1990): fatores biológicos; perturbação mental; história familiar e genética; acontecimentos de vida e traços de personalidade. A associação e interação destes fatores permite avaliar o risco de suicídio, sendo de grande utilidade para a intervenção e prevenção. Modelos etiológicos Modelos etiológicos Modelos etiológicos No modelo diátese-stress considera-se a diátese uma constituição do corpo que o faz reagir de determinada forma a estímulos extrínsecos, tornando a pessoa mais suscetível do que o normal a determinadas doenças (neste caso, comportamentos suicidários). Por outro lado, os precipitantes ou stressores, determinam a altura e a probabilidade do comportamentos suicidários. De acordo com este modelo, indivíduos que apresentem determinadas características genéticas, hereditárias, desenvolvimentais e sociofamiliares encontram-se mais vulneráveis (diátese) a enveredarem por comportamentos suicidários. Certos traços da personalidade, como a agressividade, a impulsividade, o perfecionismo, a desesperança e o pessimismo são considerados predisponentes para comportamentos suicidários. Modelos etiológicos Outros fatores que foram ligados a esta vulnerabilidade são: fatores biológicos (por exemplo, determinadas alterações na regulação da serotonina); vulnerabilidades cognitivas (por exem-plo, dificuldades na resolução de problemas a nível social); história familiar de comportamentos suicidários; abuso contínuo de substâncias e álcool; experiências traumáticas precoces; perda parental precoce; isolamento social e baixa autoestima. Por outro lado, existem determinados fatores de stress que podem precipitar comportamentos suicidários. Entre estes encontramos doença psiquiátrica (episódio depressivo major ou perturbação de ansiedade, por exemplo); intoxicação aguda por substâncias; crises familiares, sociais ou financeiras e contágio social (especialmente na faixa etária da adolescência, que pode ocorrer através de contactos pessoais, mas também observado nos media e nas novas plataformas de informação). Figura 16.4 – Modelo de diátese-stress. Modelos etiológicos No modelo da autorregulação emocional considera-se a regulação emocional como uma das funções mais frequentes dos comportamentos suicidários (sobretudo dos comportamentos autolesivos de repetição) (Klonsky, 2007; Nock, 2009). Este modelo foi inicialmente proposto na perturbação de personalidade estado-limite (borderline) por Linehan (1993), tendo sido suportado por múltiplos estudos psicofisiológicos, genéticos e de neuroimagiologia focados no desenvolvimento de problemas severos de regulação emocional. Neste modelo os comportamentos suicidários são considerados consequências diretas ou indiretas de um estado de desregulação emocional ou como tentativas de modular reações emocionais intensas. Modelos etiológicos Este construto de desregulação emocional baseia-se na hipótese de que determinados indivíduos apresentam maior sensibilidade emocional (baixo limiar de reconhecimento ou resposta a estímulos emocionais), maior reatividade emocional (atividade aumentada da amígdala) e regresso mais lento ao estado basal emocional (Nock, 2009). Muito das pessoas com comportamentos autolesivos apresentam problemas de regulação emocional devido a predisposições biológicas (Klonsky, 2007) e a ambientes emocionalmente invalidantes, sendo aqui de destacar o papel da disfunção familiar (Sampaio, 1991) com elevados níveis emoção expressa (Santos et al., 2009) frequentemente observados nestes casos. Modelos etiológicos De facto, este modelo tem vindo a ser considerado cada vez mais relevante e é mencionado nos critérios diagnósticos da Non-suicidal self-injury disorder (NSSI) do DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013). O critério B inclui “défices de regulação emocional – por exemplo, pensamentos ou sensações negativas, como depressão, ansiedade, tensão, raiva, mal-estar generalizado ou autocriticismo – que ocorrem no período imediatamente antes do comportamento autolesivo; este comportamento é iniciado com um objetivo que pode ser o alívio de um estado negativo emocional/cognitivo ou a indução de um estado/sensação positivo(a)”. Vários estudos (Klonsky, 2007) indicam que emoções como raiva, ansiedade ou frustração precedem os comportamentos de autolesão e que, após a sua realização, existe uma sensação de alívio e calma no curto prazo, sendo seguida a longo prazo de tristeza, culpa, ansiedade, nojo ou raiva. Modelos etiológicos De uma forma geral, este modelo pode sintetizar-se da seguinte forma (Nock, 2009): o risco de aparecimento de comportamentos suicidários é aumentado por fatores distais relacionados com vulnerabilidades interpessoais (por exemplo, baixa capacidade de resolução de problemas ou fracas capacidades de comunicação) e intrapessoais (por exemplo, baixa tolerância a situações de stress ou maior sensibilidade e emoções negativas), estas vulnerabilidades predispõem o indivíduo a responder a stressores de forma desregulada, criando a necessidade de comportamentos extremos (como comportamentos suicidários) para a modulação da sua experiência emocional; os comportamentos são mantidos porque são um meio eficaz (a curto prazo) na regulação de estímulos aversivos afetivos, cognitivos ou sociais; o risco de comportamentos suicidários aumenta de acordo com os fatores específicos associados a tentativas de suicídio ou a autolesão. Modelos etiológicos Como foi possível observar, existem várias formulações e linhas teóricas para compreender o suicídio e nenhuma delas se pode arrogar o direito de ter estabelecido explicações holísticas e definitivas. Tal facto, fez e fará com que a Suicidologia se torne uma disciplina com um corpo teórico cada vez mais heterogéneo e diverso. Assim se conclui que apenas alargando as malhas intrincadas do conhecimento poderemos vislumbrar mais longe este tema tão inquietante como a própria vida. Figura 16.5 – Modelo da autorregulação emocional. Dados epidemiológicos Em Portugal, o número de suicídios registados no século XX ou, mais concretamente, entre 1902 (ano de início dos registos) e 2000, oscilou entre um mínimo de 236, registado em 1902, e um máximo de 1033, em 1984. Na última década a taxa de suicídios tem oscilado entre 4,5 por 100 000 habitantes em 1999 e 10,3 em 2010. Segundo os dados do INE, o número de suicidas variou entre 519 em 2000 e 1098 em 2010, tendo-se registado 1012 casos em 2011. Todavia, a investigação realizada em Portugal neste domínio, ainda que escassa, põe em causa a validade e fiabilidade destes números, que aparecem seriamente comprometidas, não apenas pelo elevado número de mortes violentas de etiologia indeterminada mas também por incorreções na certificação de óbitos (Carvalho et al., 2013). Dados epidemiológicos Importa sublinhar que o suicídio consumado parece ser apenas a “ponta visível do iceberg”. Quase sempre ocultos, mas muitíssimo mais prevalentes encontramos os comportamentos autolesivos. Dados de estudos nacionais em adolescentes revelam elevadas prevalências deste comportamento, por exemplo, na investigação Health Behaviour in School-aged Children (Matos et al., 2012), que analisou uma amostra de 5050 adolescentes cuja média de idades é 14 anos, verificou que 15,6% afirma ter-se magoado a si próprio no último ano. A equipa da Consulta de Prevenção do Suicídio, em Coimbra, estimou uma incidência de 200 casos anuais por 100 000 habitantes, ou 600 casos anuais por 100 000 habitantes quando restringido apenas às mulheres dos 15 aos 24 anos (Saraiva, 2006). Dados epidemiológicos Mais recentemente numa amostra comunitária de 1713 adolescentes (entre os 12 e os 20 anos), de escolas públicas da área metropolitana de Lisboa, verificou- se que 7,3% dos adolescentes já tinha apresentado, pelo menos, um episódio de comportamentos autolesivos, calculando-se uma prevalência ao longo da vida de 10,5% para raparigas e 3,3% para rapazes. Nesta investigação verificou-se ainda que só uma minoria levou a apresentação hospitalar ou aos cuidados de qualquer técnico de saúde, permanecendo na sua maioria como um “comportamento oculto” (Guerreiro et al., 2013b). Dados epidemiológicos Dados epidemiológicos Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos Nas últimas décadas têm sido identificados com mais rigor os fatores de risco e protetores, o que permitiu criar modos de intervenção e estratégias comprovadas na gestão do suicídio e na sua prevenção. Fatores de risco são circunstâncias, condições, acontecimentos de vida, doenças ou traços de personalidade que podem aumentar a probabilidade de alguém realizar comportamentos autolesivos ou atos suicidas. A identificação dos fatores de risco e dos fatores de proteção torna-se essencial na prevenção do suicídio, pois contribui para delinear e detetar a natureza e o tipo de intervenção necessários, sendo o indicativo das circunstâncias em que um indivíduo, uma comunidade ou uma população são particularmente vulneráveis ao suicídio. Quando uma série de fatores negativos convergem, existe uma maior probabilidade de comportamentos autolesivos e atos suicidas. Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos Também permitem estabelecer uma estimativa do grau do risco de suicídio e contribuir para o desenvolvimento de planos de tratamento que abordem os vários fatores envolvidos, fatores esses identificáveis e modificáveis. Existem grupos de alto risco e grupos com particulares vulnerabilidades ou com problemas de acesso aos serviços de saúde, nomeadamente: adolescentes, idosos, população prisional, forças de segurança e homossexuais, bissexuais, transexuais/transgéneros. É importante realçar que não é um único fator de risco ou protetor que determina ou evita o ato suicida. Além disso, nem todos os fatores são igualmente significativos em termos de previsão, por isso devemos pensar neles em conjunto e enquadrá-los no contexto do indivíduo e da sua história biográfica. Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos No Quadro 16.3 resumem-se os fatores de risco conhecidos para atos suicidas e comportamentos autolesivos (da Veiga e Saraiva, 2003; Hawton et al., 2012; Sociedade Portuguesa de Suicidologia, 2006). Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos Os fatores protetores correspondem a características e circunstâncias individuais, coletivas e socioculturais que, quando presentes e/ou reforçadas, estão associadas à prevenção dos comportamentos autolesivos e atos suicidas. Estes fatores de proteção encontram-se resumidos no Quadro 16.4 (Saraiva et al., 1996; Wasserman and Wasserman, 2009). Fatores de risco para tentativas de suicídio e comportamentos autolesivos Suicídio no ciclo de vida Adolescência A adolescência é sempre um período de profundas mudanças, os fenómenos biológicos, cognitivos, psicológicos e sociológicos que nela ocorrem são indissociáveis. É o conjunto da sua interação que confere unidade e complexidade à transformação adolescente (Santos e Sampaio, 1997). Esta transformação está intimamente ligada à capacidade de dar resposta às necessidades internas, às novas readaptações externas e dos meios de ajuda do contexto afetivo, familiar, escolar e sociocultural. O sucesso ou o fracasso desta etapa está dependente da resolução das tarefas da adolescência. Trata-se da identificação e criação de novas relações com os pares, com os pais e a realização/construção final de uma identidade sexual. Suicídio no ciclo de vida O jovem que tenta o suicídio fracassou nalgum ponto do seu processo de desenvolvimento, numa tripla perspetiva, individual, familiar e social, determinando uma visão negativa de si próprio, provavelmente de lenta organização desde a infância, mas que eclodiu devastadoramente na adolescência (Sampaio, 1991; Santos e Sampaio, 1997). Estes comportamentos poderão ter múltiplos significados e intenções, na forma como comunicam as suas dificuldades, o seu sofrimento e desespero, tendo sido conceptualizadas por Sampaio numa tipologia de: fuga, apelo, renascimento (Sampaio, 1991). Suicídio no ciclo de vida As tentativas de suicídio e os comportamentos autolesivos são mais prevalentes do que o suicídio nos jovens, sendo cerca de três vezes mais frequentes no sexo feminino (Wasserman and Wasserman, 2009) – de assinalar que 86% não contactam os serviços de saúde (Hawton et al., 2012). Os estudos de autópsias psicológicas mostram que cerca de 90% dos jovens que se suicidaram tinham uma perturbação mental (Carvalho et al., 2013), sobretudo depressão (cerca de 50%), sendo a comorbilidade com abuso de substâncias e/ou álcool, um fator de risco acrescido (Rutter, 2008). A presença de ideação suicida e de comportamentos autolesivos são importantes preditores de suicídio. Salienta-se, no entanto, que estes, podem ocorrer em adolescentes que não apresentam nenhum quadro de perturbação mental, aliás cerca de 5-10% dos jovens que morrem por suicídio não apresentam perturbação mental (Hawton et al., 2012). Suicídio no ciclo de vida Nos fatores protetores existem áreas prioritárias, nomeadamente: os cuidados parentais mantidos, a coesão familiar, a capacidade de envolvimento mútuo, a partilha de interesses e o suporte emocional (fatores familiares), as capacidades de resolução dos problemas, o sentido de valor pessoal, a abertura para novas experiências e projetos de vida, a não utilização de substâncias nocivas (fatores individuais), a pertença a um clima escolar positivo, a boa relação com amigos e colegas, as boas relações com professores e outros adultos, o apoio dos pares, os valores culturais e religiosos (fatores sociais). A participação em alguma iniciativa cultural ou desportiva da comunidade, num grupo religioso ou étnico, protegem o jovem do suicídio (Guerreiro et al., 2013a; Santos e Sampaio, 1997). Em síntese, podemos afirmar que, de uma forma geral, o sentimento de “pertença”, isto é, uma forte ligação a uma família e a um grupo de pares é um fator protetor essencial. Suicídio no ciclo de vida Embora as categorias de fatores de risco e protetores já descritos também se apliquem a adolescentes, existem fatores particularmente relevantes que descrevemos no Quadro 16.5 (Saraiva, 2006). Suicídio no ciclo de vida Suicídio no ciclo de vida Suicídio no ciclo de vida Suicídio no ciclo de vida Suicídio no ciclo de vida Suicídio no ciclo de vida Suicídio no ciclo de vida Idosos O suicídio após os 65 anos de idade é considerado como um dos mais sérios problemas de saúde pública (Wasserman and Wasserman, 2009). Também em Portugal as taxas de suicídio após os 65 anos são mais elevadas, aumentando consideravelmente a partir dos 75 anos (Carvalho et al., 2013). O envelhecimento constitui um período de crise de desenvolvimento do ser humano, relacionado, direta ou indiretamente, com as dificuldades surgidas nesta fase da vida, nomeadamente: Suicídio no ciclo de vida As doenças crónicas, que podem representar um fator limitativo da autonomia; A reforma, que pode corresponder a uma diminuição do estatuto social da pessoa e contribuir para o isolamento; A viuvez, que constitui um dos fatores de stress intenso na vida do indivíduo, exigindo um grande poder de adaptação e reestruturação; A perda de autonomia, que vai evoluindo com a perda da mobilidade e o aparecimento dos défices cognitivos, com uma alteração de papéis, podendo diminuir a autoestima do idoso. Suicídio no ciclo de vida É neste contexto que algumas pessoas idosas, sentindo que o seu mundo se transformou ao não possuírem competências para lidar com as perdas, a incapacidade e as pressões a que se encontram sujeitas, se podem tornar mais vulneráveis à depressão, constituindo uma das principais razões de sofrimento e perda de qualidade de vida. O maior risco está também relacionado com características desta faixa etária: a doença e a fragilidade física diminuem a sobrevivência ao ato suicida, o facto de viverem sozinhos diminui a probabilidade de descoberta e salvamento, dão menos pistas, agem com mais premeditação e usam meios mais letais. Na literatura internacional (Shah e Bhat, 2008) são referidos seis fatores de risco relacionados com o suicídio no idoso: Suicídio no ciclo de vida Sexo masculino; Perdas cumulativas; Depressão (60-80%) e alcoolismo (30%); Solidão (cerca de 60% das pessoas idosas em Portugal vivem sós ou com outra pessoa idosa, segundo o Censo de 2011); Desespero e angústia; Acesso a meios letais. Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários Qualquer médico deverá saber como agir perante um paciente com ideação suicida ou com comportamentos suicidários, em vários contextos, desde os serviços de urgência, a serviços de internamento, em pacientes que procuram consulta por outros sintomas emocionais ou somáticos que quando questionados admitem ideação suicida, em familiares e amigos após tentativa de suicídio ou suicídio de um conhecido. Para isso, é necessário ter bases sólidas no que se refere à avaliação do risco de suicídio e saber quais as estratégias de comunicação a utilizar com estes doentes. Numa entrevista clínica, a ideação suicida deve ser explorada de forma não só a caracterizar o quadro clínico, mas também a avaliar a probabilidade deste evoluir para uma tentativa de suicídio (Telles-Correia e Paulino, 2013). Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários A entrevista deverá decorrer em ambiente tranquilo, respeitando, a confidencialidade do indivíduo – se se tratar de uma tentativa de suicídio ou comportamento autolesivo o paciente deve encontrar-se livre de perigo sob o ponto de vista físico e completamente vigil. A avaliação deve ser feita o mais cedo possível, quer por Psiquiatra, Internista, Médico de Família ou outros técnicos com formação específica. Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários A entrevista, vai ser determinante para o estabelecimento de uma relação e para o sucesso ou não das intervenções. É crucial, desde o início do processo, investir no estabelecimento de uma relação de aliança terapêutica. A importância da aliança em contextos terapêuticos parece ser inquestionável, sendo assumida por numerosos clínicos e investigadores, independentemente das suas orientações teóricas ou modelos de intervenção (Feller and Cottone, 2003). Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários A partir desta aliança terapêutica, é fundamental fazer uma cuidadosa avaliação psicopatológica, no sentido de estabelecer se existe ou não perturbação psiquiátrica ou perturbação de personalidade, passando a entrevista a uma fase de questões mais específicas e diretas. Posteriormente, é necessário detalhar com ainda maior precisão fatores que permitam chegar a uma conclusão acerca de qual o atual risco eminente de suicídio e/ou autolesão, assim como determinar o risco de repetição (Kutcher e Chehil, 2007). Os objetivos globais da avaliação são: estabelecer uma relação, avaliar o risco e identificar os alvos passíveis de intervenção (Quadro 16.6). Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários As técnicas disponíveis são essencialmente a entrevista clínica e os instrumentos psicométricos (testes e escalas). Deve considerar-se que estes instrumentos não devem ser usados isoladamente mas como parte de uma avaliação abrangente, pois os seus resultados não substituem o julgamento clínico. Nenhum fator, isoladamente, pode garantir o evento ou evitá-lo de modo que é fundamental analisá-los de forma conjunta e inseri-los no contexto de vida daquela pessoa. Nesta avaliação é fundamental ser persistente, saber escutar e interpretar as pistas dadas pela pessoa, evoluindo para uma objetivação de fatores que permitam avaliar o grau de risco. Três aspetos têm de ser detalhados: ideação, intencionalidade e plano: Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários A ideação suicida reflete pensamentos, fantasias, ruminações ou preocupações sobre a morte, sobre autolesão ou sobre morte autoinfligida. Quanto maior a magnitude, frequência e persistência destes pensamentos maior será o risco de um eventual suicídio ou comportamento autolesivo. Muitas vezes se distingue ideação suicida ativa (em que existe claro pensamento na morte ou na autolesão como um objetivo claro, associando-se a planificação e intencionalidade marcada) da ideação suicida passiva (em que a morte ou a autolesão surge como uma ideia pouco definida, sendo comuns frases como “mais valia não estar cá”, mas sem qualquer planificação e acompanhada de elevada ambivalência); Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários A intencionalidade é um conceito mais controverso. Pode ser definida como a determinação para agir de modo a atingir um objetivo, neste caso o suicídio ou autolesão. Está relacionada com a letalidade do método escolhido, que compreende uma componente subjetiva (a expectativa que o sujeito tem acerca da possibilidade de morrer com o método escolhido) e uma componente objetiva (habitualmente avaliado por um médico e que se relaciona com a letalidade “efetiva”), assim como dos esforços de planificação de modo a reduzir as hipóteses de ser ajudado; Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários Quanto ao plano, é fundamental perceber qual o método que o pretende utilizar, qual a sua letalidade (ou crenças associadas a potencial letalidade), se existe acesso a meios letais (por exemplo, armas de fogo, venenos, medicamentos), quais as hipóteses de ser socorrido, que passos do plano já foram tomados (por exemplo, escrever uma carta de despedida, tratar de “assuntos pendentes”) e se o sujeito se “sente preparado” para morrer, ou seja, se está já pouco ambivalente e está decidido em prosseguir com o seu plano de autolesão ou suicídio. Quanto maior for o detalhe do plano de suicídio e quantos mais “passos” do plano foram feitos, maior é o risco de efetivamente este ocorrer. Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários Para explicitar estes três aspetos (ideação, intencionalidade e plano) é necessário fazer perguntas específicas e diretas (Kutcher e Chehil, 2007): - Pensa na morte? Já pensou em magoar-se de propósito? Alguma vez considerou suicidar-se? Com que frequência surgem estes pensamentos? Consegue contrariar estas ideias? Há quanto tempo pensa nisto? - O que acha que poderá acontecer (se utilizar determinado método)? Se estivesse sozinho neste momento, acha que iria agir nesse sentido? - Que planos fez? Como pensa magoar-se? Tem acesso a armas, medicamentos, venenos? Escolheu algum sítio, alguma data? Que medidas tomou para não ser descoberto? Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários No Quadro 16.7 exemplificamos a metodologia utilizada Núcleo de Estudos do Suicídio (NES), na pesquisa de informações para uma correta avaliação dos comportamentos suicidários (Sampaio, 1991; Santos e Sampaio, 1997). Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários Intervenção na ideação suicida e nos comportamentos suicidários Dificuldades e erros Em muitas culturas, o suicídio é visto como um ato vergonhoso, sinal de fraqueza, de egoísmo ou de manipulação. Estas ideias estão difundidas na sociedade, bem como nos que têm ideação suicida, podendo contribuir para sentimentos de autodesvalorização e isolamento ou de culpa e vergonha nos familiares, impedindo a procura de ajuda. Os mitos comuns sobre os atos suicidas, não só corroboram e mantêm o estigma social, como muitas vezes dificultam a avaliação pelos técnicos e modelam as contra-atitudes. Dificuldades e erros No Quadro 16.8 sintetizamos os mais comuns (Sociedade Portuguesa de Suicidologia, 2006). De salientar que perguntar especificamente e diretamente sobre ideação, intencionalidade ou plano suicida não agrava nem leva ao aparecimento de novo de pensamentos suicidas (Sociedade Portuguesa de Suicidologia, 2006). Pelo contrário, discutir estes assuntos de uma forma empática, num ambiente calmo, no contexto de uma boa relação terapêutica, sem constrangimentos e de forma não culpabilizadora ou preconceituosa, poderá criar oportunidades para a descoberta de novas alternativas ou de uma escolha diferente. Dificuldades e erros Para além da pesquisa de patologia psiquiátrica, da personalidade, da elucidação da ideação, intencionalidade e planos, assim como de dados relacionados com o contexto (eventos de vida negativos, adversidade familiar, etc.), outro aspeto de relevância fundamental é a pesquisa do sentimento de desesperança, que é considerado, por si só, um fator de risco independente para suicídio ou autolesão futuros. Poderá questionar-se: - O que pensa do futuro? O que pensa estar a fazer daqui a um mês? Existem alturas em que sente que não há esperança no futuro? - O que poderia mudar na sua vida de modo a que se sentisse melhor? Sente que as coisas não podem melhorar? Baseado na informação recolhida durante a entrevista e (preferencialmente) complementada por relatos de familiares (sendo considerada obrigatória no caso dos adolescentes, mesmo no contexto do serviço de urgência), amigos ou outros técnicos de saúde, poderá estimar-se o risco de suicídio/autolesão, em alto, médio e baixo risco, e de acordo com esta estimativa proceder em concordância. Dificuldades e erros Existem alguns princípios que se deverão ter em conta, pessoas com ideação suicida comportamentos suicidários devem ser tratados com o mesmo cuidado, respeito e privacidade do que qualquer outro doente. Os profissionais de saúde devem estar conscientes do grau de mau estar provocado por estas ideias e/ou comportamentos, e ter isso em conta na sua intervenção. A decisão das estratégias de intervenção a implementar, tratamento ambulatório ou internamento, a decisão da condução do processo, Psiquiatra ou médico de família, dependem desta avaliação (Jans et al., 2012). A Tabela 16.1 demonstra uma sistematização de uma avaliação de risco. Dificuldades e erros Se o risco de suicídio for considerado elevado, deverá considerar-se o internamento do doente em local apropriado, iniciando imedia-tamente a planificação do projeto terapêutico futuro. Na maioria dos casos o tratamento será realizado em ambulatório, preferencialmente envolvendo vários técnicos (Psiquiatras, Psicólogos, Assistentes sociais) e várias figuras de referência (familiares, professores, amigos). A Tabela 16.2 sistematiza as intervenções possíveis de acordo com o grau de risco estimado. Dificuldades e erros Dificuldades e erros O estado atual da evidência científica não permite dizer ainda com muita certeza qual a melhor estratégia para lidar com este tipo de problemas (Hawton e van Heeringen, 2009). No entanto, existem alguns dados a favor da terapia de resolução de problemas, da terapia comportamental dialética, da terapia familiar multissistémica, do simples ato de fornecer um “cartão de emergência” com contactos de técnicos de saúde mental que o indivíduo possa utilizar em nova situação de crise; o manejo com terapeutas de referência (que possam apoiar a pessoa na comunidade) tem também mostrado resultados positivos. A utilização de psicofármacos tem as indicações da doença psiquiátrica diagnosticada, por exemplo, tratamento da perturbação de ansiedade ou depressão com antidepressivos, devendo ser utilizados com cautela mas de forma eficaz quando indicados (evitando, por exemplo, doses subterapêuticas) (Hawton et al., 2012; Sociedade Portuguesa de Suicidologia, 2006; Wasserman and Wasserman, 2009). Dificuldades e erros Concluindo, a avaliação do risco é das tarefas mais importantes e de maior responsabilidade na decisão terapêutica. É fundamental ter em conta uma série de fatores e possuir uma boa técnica de entrevista para obter a informação mais completa possível e otimizar a colheita de dados, muitas vezes em circunstâncias de tempo limitado. Não existe nenhum fator de risco ou combinação de fatores que tenha uma especificidade suficiente para prever a passagem ao ato, mas a avaliação dos mesmos no seu conjunto ajuda a intervir e prevenir o suicídio. Prevenção do suicídio Uma prevenção efetiva do suicídio deverá combinar estratégias dirigidas à população em geral, aos grupos de risco e grupos específicos, de acordo com Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013-17 (Carvalho et al., 2013) e os planos já implementados em vários países com resultados positivos (World Health Organisation, 2012). O Quadro 16.9 resume algumas medidas no âmbito da prevenção conforme determinados grupos. Prevenção do suicídio Existem vários fatores de risco e protetores para as várias situações e grupos. Realçando a complexidade do tema e a necessidade de realizar avaliações cuidadosas e rigorosas; Atualmente existem estratégias de prevenção do suicídio, para diferentes grupos, cuja implementação deve ser estimulada. Suicídio e os media