Aspectos Históricos e Sociais dos Direitos da Mulher - PDF
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Este documento aborda os aspectos históricos e sociais da construção dos direitos da mulher, a nível internacional e nacional. Explora conceitos de violência, marcos legais como a Lei Maria da Penha e a Convenção de Belém do Pará, e as dificuldades na aplicação prática desses direitos. Apresenta um estudo histórico que enfatiza a luta pela igualdade de gênero.
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AULA 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DA CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER Nessa aula, espera-se que você: ✔ Identifique o conceito de violência; ✔ Conheça os aspectos históricos e sociais, nos âmbitos internacional e nacional, da construção...
AULA 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DA CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER Nessa aula, espera-se que você: ✔ Identifique o conceito de violência; ✔ Conheça os aspectos históricos e sociais, nos âmbitos internacional e nacional, da construção dos Direitos da Mulher; ✔ Defina o que é violência contra a mulher. INTRODUÇÃO O conceito de violência é multifacetado, complexo e implica diversas perspectivas, sejam históricas, sociais, políticas e de saúde. Sob o ponto de vista científico, a violência pode ser campo de pesquisa com objeto e método de análise, descrição, discussão, interpretação à luz dos diversos campos da ciência como a antropologia, sociologia, saúde, filosofia, direito e outros. Segundo a OMS, a violência é o “uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (KRUG et al., 2002, p. 5). A Convenção de Belém do Pará, assinada em 09 de julho de 1994, da qual o Brasil é signatário, define violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. Essa mesma definição foi trazida para a Lei nº 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da Penha. Apesar do decurso de tempo da sanção da Lei Maria da Penha, ainda verificamos as dificuldades dos profissionais que atuam em sua aplicação no sentido de compreender os aspectos que determinam a violência baseada no gênero. Assim, antes de definirmos violência contra a mulher, em razão do gênero, ou seja, pelo simples fato de ser mulher, e aprofundarmos o entendimento sobre a violência baseada nessa condição, serão elencados os aspectos históricos e sociais, nos âmbitos internacional e nacional, da construção dos Direitos das Mulheres. 1.1 OS MARCOS HISTÓRICOS DA CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER 1.1.1 MARCOS INTERNACIONAIS Para falarmos sobre a construção dos direitos das mulheres, é necessário entender o percurso histórico sobre o tema. Como ponto de partida no âmbito internacional, seguiremos a partir da construção dos direitos humanos, um processo histórico e significativo, como mecanismo de proteção de direitos das pessoas diante de situações de cenários adversos, especialmente de guerras, no qual buscou-se a tutela da garantia da vida e sua integridade, diante do uso da força pelo estado. Nesse cenário, após o fim da II Guerra Mundial, a partir da Carta das Nações Unidas (ONU, 1945), foi estabelecido o paradigma positivado entre os estados membros das Organizações da Nações Unidas, para debate do direito internacional, para estabelecer a garantia e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Na sequência, em 1948, foi estabelecida a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que dispôs sobre os direitos humanos como inalienáveis, universais e conferidos aos homens e mulheres. Entretanto, no cenário internacional da época, restava clara a condição do homem como sujeito de direito e de garantias, fato este que não se aplicava na íntegra às mulheres. Nesta perspectiva, no âmbito internacional surgiu um construto teórico normativo delineado para compreensão da relevância de se estabelecer no mundo jurídico, um arcabouço normativo garantidor do pleno exercício de direitos para a mulher como sujeito de garantias e direitos. Conhe Clique aqui e conheça um pouco mais sobre a construção ça dos direitos das mulheres no âmbito internacional. 🔎 Saiba Mais As mulheres, assim como os homens, são sujeitos de direitos e garantias. A partir desse entendimento, no âmbito internacional, a discussão sobre o tema foi sedimentada por meio da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979), que trouxe ao mundo jurídico a promoção dos direitos das mulheres e a igualdade de gênero. Além disso, estabeleceu exigências para que os Estados garantissem o respeito aos direitos das mulheres, combinando a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade por meio da adoção de medidas afirmativas, especiais e temporárias voltadas a aliviar e remediar o padrão discriminatório que alcança as mulheres. Conhe Conheça na integralidade a Convenção Sobre a Eliminação de ça Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, 1979). CLIQUE AQUI E ACESSE A violência contra a mulher se constitui em ofensa aos direitos humanos, às liberdades fundamentais, e limita o pleno exercício de direitos e garantias das mesmas. Tais violações de direitos humanos foram pauta da Convenção para prevenir, punir e erradicar todas as formas de violência contra a mulher, no âmbito dos estados americanos, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, no ano de 1994. A Convenção de Belém do Pará é um importante marco no âmbito do direito internacional, pois trouxe para o mundo jurídico a definição da especificidade da violência contra a mulher, conforme descrito em seu art. 1º: “Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.” (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ, 1994). Conhe ça Conheça na integralidade a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher “Convenção de Belém do Pará” (1994). CLIQUE AQUI E ACESSE 1.1.2 MARCOS NACIONAIS O Brasil apresenta um longo processo histórico sobre a conquista da igualdade dos direitos das mulheres. 🔎 Saiba Mais CLIQUE AQUI Alguns marcos na legislação brasileira dos direitos das mulheres. No âmbito da segurança pública, o principal marco nacional consistiu na criação da primeira DEAM no estado de São Paulo, no ano de 1985. No âmbito do governo federal, temos a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, no ano de 2003, com o objetivo de desenvolver e coordenar políticas públicas para a redução das desigualdades entre homens e mulheres no Brasil. No âmbito legislativo, o principal marco ocorreu em 2006, que foi a promulgação da Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que confere garantia de direitos para as mulheres. A referida lei apresentou em seu bojo o conceito de violência de gênero no artigo 5º: Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015) I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. A Lei Maria da Penha capitulou em seu artigo 7º, as formas de violência violência doméstica e familiar: A Lei Maria da Penha teve a sua constitucionalidade declarada por meio da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19, ajuizada pela Presidência da República, com vistas a declarar a constitucionalidade dos artigos: 1º: objetivos e fundamentos da lei; 33: Atribuir competência cumulativa às varas cível e criminal, para julgar os casos de violência doméstica, até a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar; 41: Afastar a competência dos Juizados Especiais, que julgam os crimes de menor potencial ofensivo, para o julgamento dos casos de violência doméstica e familiar. O principal objetivo era garantir uniformidade na aplicação da Lei Maria da Penha em todo o Brasil. O julgamento ocorreu no dia 9 de fevereiro de 2012, com votação unânime pela constitucionalidade da Lei Maria da Penha, que conferiu o reconhecimento jurídico da legislação em comento. ADC 19: dispositivos da Lei Maria da Penha são constitucionais CLIQUE AQUI E CONHEÇA A partir da declaração da constitucionalidade da Lei 11.340/2006, foi necessária a reorganização de todo o sistema de justiça, assistência, saúde e segurança para o atendimento das demandas relacionadas à violência doméstica e familiar, pois não se tratava mais de uma questão da esfera privada e nem de menor potencial ofensivo, mas sim garantir um atendimento especializado no mundo jurídico. O entendimento da especificidade da natureza da violência doméstica e familiar, impulsionou uma série de medidas no âmbito do ordenamento jurídico. Uma das principais ocorreu no ano de 2015, com a promulgação da “Lei do Feminicídio”, que alterou o art. 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072/90, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. De acordo com o texto legal, o feminicídio caracteriza-se por ser cometido contra a mulher por razões da condição de gênero, considerando-se a citada condição quando o crime envolve: Violência doméstica e familiar e/ou Menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Recentemente, o Código Penal Brasileiro foi alterado pela Lei nº 14.994/24, que trouxe diversas inovações, em especial quanto à pena base e às novas circunstâncias agravantes: Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 121-A: “Feminicídio Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino: Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos. § 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. § 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado: I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha); V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 deste Código. Sendo o feminicídio um crime hediondo, com regime diferenciado de cumprimento da pena, está prevista nova alteração legislativa no sentido de considerar o mínimo de 55% de cumprimento da pena, para que haja a possibilidade do autor pleitear saidão e outros benefícios. A depender do caso, um autor de feminicídio poderá cumprir 30 anos da pena em regime fechado, sem qualquer benefício. Em 2015, a promulgação da Lei do Feminicídio, visou, por meio da tipificação do crime, a redução da invisibilidade desse crime de ódio, alterando a doutrina/protocolo de investigação das mortes de mulheres, presumindo-se desde o início tratar-se da qualificadora e não de homicídio de mulher (motivado por razões outras como por exemplo, um homem matar com um tiro uma mulher, durante uma discussão na fila da lotérica – nesse caso, trata-se de homicídio de mulher ou femicídio). Por essa razão, foi desenvolvido o Protocolo Nacional de Investigação e Perícias nos Crimes de Feminicídio, que se constitui em um documento que padroniza os procedimentos de investigação e perícia criminal aplicados por órgãos oficiais e polícias civis em casos de feminicídio. O protocolo está previsto em portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública (340/20). Sua principal característica reside em qualificar a morte de mulher em razão de gênero como feminicídio desde o seu registro. A qualificadora de homicídio de mulher em razão do gênero, trouxe luz à necessidade de analisar o fenômeno da morte de mulheres de forma diferenciada. Neste caso, a condição de gênero indica a necessidade de atuação específica e especializada para o enfrentamento do fenômeno, pois possui características diferentes dos homicídios de mulheres de maneira geral. Exemplo disso, temos que as mortes de mulheres em razão do gênero ocorrem na sua maioria dentro de casa, e não na rua. (ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2024). Atualmente, a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a mulher é regida pelo Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio (PNPF), instituído em 16 de agosto de 2023, pelo Decreto nº 11.640/2023, com o objetivo de prevenir todas as formas de discriminação, misoginia e violência de gênero contra as mulheres e meninas, por meio de ações governamentais intersetoriais, com a perspectiva de gênero e suas interseccionalidades, considerando suas formas de prevenção à violência contra mulher conforme o previsto em seu art. 4º: Art. 4º (...) I - prevenção primária - ações planejadas para evitar que a violência aconteça e que visem a mudança de atitudes, crenças e comportamentos para eliminar os estereótipos de gênero, promover a cultura de respeito e não tolerância à discriminação, à misoginia e à violência com base no gênero e em suas interseccionalidades, e para construir relações de igualdade de gênero, envolvidas as ações de educação, formal e informal, com a participação de setores da educação, da cultura, do esporte, da comunicação, da saúde, da justiça, da segurança pública, da assistência social, do trabalho e do emprego, dentre outros; II - prevenção secundária - ações planejadas para a intervenção precoce e qualificada que visem a evitar a repetição e o agravamento da discriminação, da misoginia e da violência com base no gênero e em suas interseccionalidades, desenvolvidas por meio das redes de serviços especializados e não especializados nos setores da segurança pública, saúde, assistência social e justiça, dentre outros, e apoiadas com o uso de novas ferramentas para identificação, avaliação e gestão das situações de risco, da proteção das mulheres e da responsabilização das pessoas autoras da violência; e III - prevenção terciária - ações planejadas para mitigar os efeitos da discriminação, da misoginia e da violência com base no gênero e em suas interseccionalidades e para promover a garantia de direitos e o acesso à justiça por meio de medidas de reparação, compreendidos programas e políticas que abordem a integralidade dos direitos humanos e garantam o acesso à saúde, à educação, à segurança, à justiça, ao trabalho, à habitação, dentre outros. Parágrafo único. As medidas de reparação de que trata o inciso III do caput incluem o direito à memória, à verdade e à justa responsabilização de pessoas agressoras e reparações financeiras às vítimas sobreviventes e às vítimas indiretas. Em 2024, o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios lançou plano de ação com 73 medidas para enfrentar a violência contra mulheres, a partir de dois eixos, o Estrutural e o Transversal. O Estrutural é composto pelas três formas de prevenção à violência contra mulheres: a primária, a secundária e a terciária. O Transversal é dividido em produção de dados, conhecimento e documentos/normativas. Relacionadas à prevenção atinente à segurança pública, há 20 medidas do plano de ação, dentre as quais, destacamos algumas abaixo: PRIMÁRIA SECUNDÁRIA TERCIÁRIA - Oferta de curso para os/as - Formação de profissionais de - Instituição de política servidores/as públicos/as segurança pública para atendimento e de reparação às/aos federais e estaduais com foco proteção de mulheres em situação de sobreviventes e na prevenção aos violência; familiares do feminicídio. feminicídios e à violência de - Busca Ativa; gênero. - Ampliação e fortalecimento do uso da monitoração eletrônica no âmbito da Lei 11.340/2006. Saiba mais Conheça os MARCOS NACIONAIS Clique Aqui e Saiba Mais Conheça o plano de ação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios (PNPF) Clique Aqui e Conheça 1.1.3 MARCOS DISTRITAIS A Lei Maria da Penha impactou também as normas locais do Distrito Federal, e no âmbito da Segurança Pública não foi diferente. Veremos adiante os principais normativos distritais para o enfrentamento da violência contra a mulher: conheça a Lei saiba mais Z conheça a Lei saiba mais saiba mais MARCOS DISTRITAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER CLIQUE E SAIBA MAIS AULA 2 – VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM RAZÃO DE GÊNERO Nesta aula espera-se que sejam identificados: O conceito de violência de gênero; As crenças perpetuadoras da violência contra a mulher; INTRODUÇÃO Para iniciarmos o aprendizado sobre o tema, assista à vídeo-aula do Núcleo Judiciário da Mulher (NJM/TJDFT) - por João Wesley - acerca das principais causas da violência contra a mulher, diferenciando-a dos outros tipos de violência. Assista Curso Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher 2.1 O QUE É VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM RAZÃO DO GÊNERO? De acordo com a Convenção de Belém do Pará (1994), entende-se por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta (por condição de sexo feminino), que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada, e pode ocorrer: Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica. a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras turmas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual; b) ocorrida na comunidade e comedida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ, 1994). Segundo a ONU MULHERES, a violência contra a mulher em razão gênero, ou seja, da condição de sexo feminino, possui dimensão mais ampla, e tem como fim destacar a dimensão da subordinação da mulher na sociedade e sua vulnerabilidade em frente à violência, que é dirigida contra qualquer pessoa que não respeite os papéis que uma sociedade determina. Assim, entendemos como violência de gênero, aquela sofrida pela mulher em razão da sua condição de ser uma pessoa do sexo feminino. Normalmente, os homens não têm medo de serem vítimas de crimes sexuais e nem de terminar o relacionamento. Exemplos: Crime de importunação sexual: Estupro: Clique aqui e assistai Término de relacionamento: Fonte: G1 - RO Fonte: Metrópoles Fonte: Dourados News 2.2 CRENÇAS PERPETUADORAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Os estudos sobre a violência contra a mulher, realizados desde o início do século XX, indicam que os padrões definidos como masculinos e femininos não são inatos, ao contrário, resultam de um processo de construção histórico e cultural do ser homem e ser mulher em dada sociedade e época. Esses padrões são apoiados em crenças e expectativas sociais que reforçam as desigualdades entre homens e mulheres e criam terreno fértil para as violências de gênero. Reflita na tirinha a seguir: Figura: Tirinha de Armandinho Fonte: Beck, Alexandre - Ilustrador A violência em razão do gênero se expressa de diversas formas (física, psicológica, verbal, patrimonial, sexual), e nos mais variados contextos, sendo caracterizada por apresentar dinâmicas de poder, ou seja, onde há relações de subordinação e dominação, com forte presença de controle, força e punições. No caso das relações entre homens e mulheres, observou-se que as diferenças sexuais e biológicas foram historicamente utilizadas como justificativas para desenvolver crenças quanto aos papeis sociais esperados e desempenhados pelos sujeitos, contribuindo, inclusive, para a criação de estruturas sociais de dominação. Isso quer dizer que a desigualdade de poder não existe apenas no nível das relações interpessoais, mas encontra eco, apoio e legitimidade em estruturas sociais e em discursos de poder, presentes em dispositivos legais, discursos das ciências da saúde, crenças populares, peças publicitárias, dentre tantos outros. Essas estruturas ao mesmo tempo que refletem as crenças do machismo, auxiliam na perpetuação e reforçam as desigualdades estabelecidas entre homens e mulheres. Vamos ver mais à frente como essa dinâmica é percebida em alguns exemplos práticos. MACHISMO: baseia-se na negação da igualdade de direitos e deveres, enaltecendo as características atribuídas culturalmente ao sexo masculino em detrimento do sexo Como seres sociais que aprendem e se humanizam por meio da socialização e mediação de outros seres humanos, homens e mulheres aprendem e naturalizam essas desigualdades, muitas vezes reproduzindo os padrões. As tecnologias de gênero (filmes, novelas, músicas, propagandas, livros, entre outras) também contribuem para reforçar o machismo e a misoginia, uma vez que apresentam histórias únicas, estereotipam homens em seus papeis de força, virilidade e produtividade, como seres ativos, sem medos ou emoções; e mulheres em seus papeis de dona do lar, esposas e mães, como seres frágeis, instáveis e passivos. Misoginia: caracteriza-se pela repulsa, desprezo, aversão e ódio às mulheres e se expressa de diversas formas, tais como: exclusão social, hostilidade, discriminação sexual, prática de atos de violência física e emocional, depreciação da figura feminina. A seguir vamos comentar algumas dessas crenças perpetuadoras das violências contra as mulheres. Em briga de marido e mulher não se mete a colher De acordo com as estatísticas, a maior parte das ocorrências de violência doméstica e feminicídio ocorrem no interior das residências das vítimas. Essa frase tornou-se célebre para discutir a mudança de percepção quanto às violências cometidas no âmbito das relações afetivas. Foi necessário entender que a violência doméstica e familiar não se trata de um mero desentendimento de foro íntimo, mas sim uma grave violação dos Direitos Humanos. A partir desse construto, retirou-se da esfera privada o crime de violência doméstica e familiar, trazendo assim para a pública, e consequentemente um reordenamento jurídico sobre o fenômeno. As principais estatísticas reforçam o entendimento de que a violência doméstica é um problema de caráter público, e classificam o Brasil como o 5º país com maior índice de mortes violentas de mulheres1. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do DF, 84% dos casos de violência ocorreram no interior da residência (SSPDF, 2024). 1MAPA DA VIOLÊNCIA 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil. Flacso / OPAS-OMS / ONU Mulheres / SPM, 2015. Fonte: SSP-DF2 Percebe-se que as mulheres sofrem mais violência nos contextos das relações doméstica, familiar e de afeto, com destaque à relação interpessoal entre autor e vítima. Fonte: Segurança em números 2024 - FBSP As relações e o espaço intrafamiliares foram historicamente interpretados como restritos e privados, contribuindo para a complacência e a impunidade, por parte da sociedade e do Estado. Esses dados estatísticos mostram a magnitude da problemática da violência doméstica e familiar contra a mulher, ratificando a importância de intervenção do Estado por meio de políticas públicas, dentre elas aquelas direcionadas ao efetivo cumprimento da Lei Maria da Penha. Portanto, reforçamos que em briga de marido e mulher, na qual resulte Relatório de Análise de Fenômenos de Segurança Pública nº. 024/2024 – 2 COOAFESP/SGI cometimento de violência, o Estado tem o dever de intervir e de criar mecanismos de proteção e responsabilização. A mulher negra é forte! Segundo a pesquisa Estatísticas de gêneros: indicadores sociais das mulheres no Brasil, 3ª Edição, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024), 6% das mulheres com 18 anos ou mais já sofreram algum tipo de violência praticada por parceiro íntimo atual ou anterior. De acordo com o referido estudo, as mulheres negras foram as que mais sofreram violências — seja psicológica, seja física ou sexual — nos 12 meses que antecederam a pesquisa, com 6,3%, enquanto a porcentagem de mulheres brancas era de 5,7%. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)3, entre 2012 e 2022, a taxa de homicídios de mulheres negras representa 66,4% das vítimas de homicídios femininos no Brasil. Em 2022, a taxa de homicídios de mulheres negras foi de 4,2 por 100 mil mulheres, enquanto a de mulheres não negras foi de 2,5%. Homens são assim mesmo: O mito da masculinidade incontrolável e a cultura da violência sexual". A banalização da violência sexual é sustentada por um discurso que justifica o sexo sem consentimento, baseando-se na ideia de que os homens são incapazes de conter suas necessidades sexuais. Esse argumento é frequentemente utilizado em atendimentos relacionados à Lei Maria da Penha, onde a violência sexual é justificada com a afirmação de que os homens possuem um instinto incontrolável que precisa ser satisfeito, decorrente de suas características físicas e biológicas. Esse tipo de discurso é extremamente perigoso, pois desresponsabiliza o agressor e transfere a culpa para a mulher. Ao naturalizar a ideia de que o comportamento masculino é impulsionado por instintos incontroláveis, cria-se uma barreira para mudanças, já que a ideia de transformar algo que seria 3 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública: 2023. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 2023. "natural" ou "genético" parece inviável. A noção de que os homens não podem controlar seus instintos sexuais, considerados insaciáveis e incontroláveis, é um dos pilares da chamada "cultura do estupro". No processo de socialização de meninos no Brasil, a masculinidade é frequentemente construída com base na eficácia sexual. Homens são estereotipados como seres viris, que nunca devem recusar relações sexuais e que não possuem mecanismos para controlar seus desejos. Pouco se investe em uma educação voltada para a renúncia sexual ou a frustração de seus desejos. Em contrapartida, a mulher é retratada como passiva, sem o direito de dizer "não", reforçando um discurso de objetificação. Esses papéis de gênero são amplamente reproduzidos na mídia, como em comédias românticas, literatura, propagandas e até piadas, o que contribui para a banalização da violência sexual. Além disso, existe uma crença equivocada de que haveria menos estupros se as mulheres "se comportassem", reforçando a noção de que são elas que provocam os homens com suas roupas ou atitudes, deixando-os sem escolha a não ser cometer o estupro. Portanto, é fundamental a implementação de campanhas de sensibilização que descontruam esses mitos e promovam uma reflexão sobre os mecanismos de justificação, naturalização e banalização da violência sexual contra as mulheres. Imagem - Campanha Rasgue o Verbo: Fonte: http://gnt.globo.com/especiais/eles-por-elas/infograficos/rasgue-o-verbo.htm PARA SABER MAIS SOBRE A CULTURA DO ESTUPRO Clique Aqui Quem cuida da casa é a mulher! Outro mito frequentemente utilizado nos discursos das partes envolvidas em situações de violência doméstica e familiar é acreditar que o papel da mulher é obedecer sem reclamações ou discussões. São exemplos de frases que reforçam essa crença: “Eu a agredi porque ela não fez seu papel como mulher, não arruma direito a casa, a comida é péssima, chego em casa e está tudo uma bagunça, não cuida direito das crianças”. Frequentemente os autores de violência contra a mulher procuram justificar seus atos violentos a partir de uma descrição da incompetência da mulher como dona de casa e cuidadora dos filhos. Essa crença é também muitas vezes reforçada pelas mulheres que se culpabilizam por não terem dedicado tempo suficiente a sua casa e seus filhos, por terem descuidado do marido, sendo portanto, merecedora de punições e correções. A crença de que o homem deve ser o responsável pelas contas do lar, pelas decisões, controle das finanças e dono dos bens também foi historicamente reforçada e legitimada pela legislação civil brasileira. Até 1962, a mulher casada era considerada incapaz de realizar certos atos civis, precisando da autorização do marido para atividades como ter uma profissão, ser economicamente ativa e receber herança. Isso só mudou com a Lei n. 4121/62, chamada popularmente de “Estatuto da Mulher Casada”. Apesar de atualmente existir um esforço em reconhecer que em um lar conjugal as responsabilidades domésticas podem ser compartilhadas, não podendo a violência (seja ela física ou psicológica) ser justificada pela falta de apoio de uma das partes, em situações de violência doméstica e familiar contra a mulher percebem-se as marcas do discurso de que as tarefas domésticas devem ser necessariamente realizadas pelas mulheres. Essa crença permeia também a socialização de meninas. Um estudo da Plan International (2021) realizado com meninas em diferentes estados brasileiros, mostrou que as crianças do sexo feminino deixam de estudar e usufruir de momentos de lazer durante a infância com muito mais frequência que crianças da mesma idade do sexo masculino, a fim de substituir desde cedo as mães trabalhadoras nos afazeres domésticos e no cuidado com os irmãos. Nos lares, a predominância dos cuidados por parte das mães, refletem que essas têm dupla ou tripla jornada. Fonte: Plan International (Disponível https://plan.org.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-por-ser-menina-final.pdf) Fonte: Plan International (Disponível https://plan.org.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-por-ser-menina-final.pdf) Por fim, convém ressaltar que muitas das violências patrimoniais também se apoiam na crença de que cabe exclusivamente ao homem controlar o lar. Frequentemente verificam-se situações de homens que controlam a conta bancária e o salário da companheira, muitas vezes sob o argumento de que a mulher não é capaz, não sabe se controlar, gasta muito ou se desorganiza facilmente com as finanças. Essas situações também são frequentes em ocasiões que envolvem mães e filhos. É preciso desconstruir esses mitos e estereótipos que colocam a mulher como um ser inferior e incapaz de tomar suas próprias decisões. O direito brasileiro, com a Constituição de 1988, igualou homens e mulheres, ao considerá-los como cidadãos com direito ao igual respeito e consideração. Espera-se que essa mudança legislativa reflita também nas relações intrafamiliares. ► Dá para entender que um homem rasgue ou quebre as coisas da mulher se ficou nervoso; um homem pode xingar e gritar com sua própria mulher Com o Código Civil de 2002, a noção de Poder Pátrio foi substituída pelo termo Poder Familiar, no entanto, em relações marcadas pela desigualdade de poder, percebe-se ainda forte presença do controle e dos ciúmes como expressões da suposta posse e autoridade de um gênero sobre o outro. No imaginário social, o ciúme e a posse se tornaram formas de expressar o amor e a predileção de um parceiro pelo outro, sendo inclusive utilizado para justificar o cometimento de crimes tão violentos como o feminicídio. A ideia de crime passional foi, e ainda é em algumas situações, utilizada como argumento de defesa de feminicidas. Em muitas notícias veiculadas pela mídia sobre os feminicídios, lemos frases como “matou porque não aceitava a separação”, “assassinou a companheira e depois se matou motivado pela separação ou por outro relacionamento”. A essas frases somam-se os nomes dados à violência: “crimes de amor”, “crime passional”, “crimes motivados por ciúmes”, “crimes cometidos em defesa da honra”. Estudos mostram que apesar de o ciúme ser apontado como principal motivador das violências contra a mulher cometidas no âmbito das relações de afeto, ele está relacionado a outras questões sociais e subjetivas como: relação de poder, controle da sexualidade feminina, frustração do que se espera na efetivação dos papeis masculinos de provedor, trabalhador e viril, e dos papeis femininos de recatada, passiva, cuidadora e dona do lar. Ainda, o ciúme não é direcionado a apenas outros homens, mas também se apresenta nas relações da mulher com filhos, amigas, trabalho, ou seja, existe uma construção social de que a companheira deveria desejar apenas o companheiro e encontrar prazer apenas na relação conjugal, não podendo desejar outra coisa que não seja ele próprio. Sob o discurso do ciúme estão as principais formas de violência psicológica: isolamento, humilhações, chantagens, ameaças e perseguições. Essas práticas costumam perpassar as relações marcadas pela desigualdade de poder entre os gêneros e são toleradas socialmente sob o argumento de que temperam o amor entre o casal, quando na verdade minam a auto-estima e limitam a autonomia da mulher, considerada posse do homem. Sobre a honra, convém esclarecer que ela possui sentidos socialmente construídos de forma diferenciada para homens e mulheres. A honra da mulher está, em geral, ligada à sua sexualidade e pureza. Daí a expressão “mulher honesta” que vigorou até 2002 na legislação brasileira, fazendo referências às mulheres que possuíam comportamento recatado. Por outro lado, a honra do homem estaria ligada diretamente à honra da mulher, sendo ele o guardião da honra das mulheres que lhe pertencem: companheira, filhas, irmãs, mãe. Isso remete à ideia de que sua masculinidade seria reforçada na medida em que consegue controlar a sexualidade de sua família. A forma como a sociedade, a família, os órgãos públicos interpretam e geram expectativas sobre homens e mulheres, no desempenho de seus papeis, pode reforçar os estereótipos e servir para naturalizar as violências cometidas nesses contextos. Daí a importância de os profissionais da segurança pública e da justiça estarem atentos para os diversos aspectos que estão imbricados na violência contra a mulher. Não se trata de taxar homens como agressores e mulheres como vítimas, e sim de atuar a partir de um olhar crítico e técnico que considere a complexidade dessas relações, questione os estereótipos, desnaturalize a violência e faça uma leitura das queixas relatadas a partir de uma perspectiva social e cultural. Esses profissionais devem, portanto, assumir um papel protetivo, evitando pré-julgamentos ou justificações para as situações de violência. AULA 3 – LEI MARIA DA PENHA: CONTEXTUALIZAÇÃO, COMPETÊNCIA E TIPOS DE VIOLÊNCIA Nessa aula, espera-se que você: ✔ Descreva o contexto histórico de criação da Lei Maria da Penha, bem como seus principais avanços; ✔ Identifique as situações nas quais se torna possível a aplicação da LMP; ✔ Aponte os tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha. 3.1 CONTEXTO HISTÓRICO E AVANÇOS A LMP tem por origem a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Estado brasileiro, para que adotasse, entre outras coisas, “sem demora, uma lei sobre a violência doméstica” e tomasse “medidas práticas para acompanhar de perto e supervisionar a aplicação de uma lei desse tipo e avaliar sua aplicação. Maria da Penha. Fonte: Internet Vamos conhecer um pouco mais dessa história? Em 1983, Marco Antônio Heredia Viveros tentou matar por duas oportunidades Maria da Penha Maia Fernandes, sua mulher na ocasião; na primeira tentativa, Maria da Penha ficou paraplégica; na segunda, Viveiros tentou eletrocutá-la. Em 1998, após 15 anos, apesar das duas condenações, o caso ainda pendia de julgamentos de recursos, de modo que Maria da Penha, juntamente com as organizações não-governamentais Comitê Latino-Americano e do Caribe pela Defesa dos Direitos da Mulher-CLADEM-Brasil e Centro pela Justiça e o Direito Internacional-CEJIL, denunciou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em San Jose, da Costa Rica, resultando no reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pela violação dos direitos às garantias judiciais, sendo o Estado brasileiro condenado pela violação dos direitos às garantias judiciais e proteção judicial assegurados nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no art. 1 do referido instrumento, pela dilação injustificada e tramitação negligente do caso. Reconheceu também ter o Estado brasileiro violado o artigo 7º da Convenção de Belém do Pará, em conexão com os artigos 8º e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1º da Convenção, pelos atos omissivos e tolerantes da violação infligida. O relatório n. 54/2001 referente ao caso apresenta recomendações com expressa menção do evidenciado padrão de discriminação e aceitação da violência contra as mulheres brasileiras, determinando o prosseguimento e a intensificação do processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatorio com respeito à violência doméstica contra as mulheres, em especial: 1 A adoção de medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica; 2 O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera; 3 A multiplicação do número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher, dotando-as dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais; 4 A inclusão nos planos pedagógicos das unidades curriculares de medidas destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares. Neste sentido, logo no artigo primeiro da Lei 11.340/06, está disposto que ela cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do artigo 226 da CF/88, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pelo Brasil; sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e o estabelecimento de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A Lei Maria da Penha é considerada um instrumento efetivo no enfrentamento a violência contra a mulher, sobretudo quando analisamos os números de requerimentos de medidas protetivas de urgência; as medidas protetivas deferidas pelo Poder Judiciário; as políticas de proteção realizadas com base na lei e o número de feminicídios consumados, ainda alto e indesejável, mas proporcionalmente pequeno quando comparado ao número total de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Os principais avanços da Lei Maria da Penha consistem nas medidas protetivas de urgência e na criação dos juizados especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Antes da lei, a maioria desses casos de violência contra mulher, como as ameaças, vias de fato, lesões corporais, perturbação da tranquilidade e crimes contra honra, eram analisados no Juizado Especial Criminal sob a ótica da Lei 9.099/99, que traz em seu bojo o objetivo da conciliação. Assim, era muito difícil para uma mulher conseguir ser atendida em suas necessidades psicossociais e obter uma sentença judicial. Também, a Lei 9.099/99 praticamente impedia a prisão em flagrante (bastava que o agressor assinasse termo de comparecimento a todos os atos do processo), ao passo que a Lei Maria da Penha fortaleceu a possibilidade da prisão preventiva, independentemente dos motivos gerais previstos no Código de Processo Penal, inclusive para assegurar a eficácia das medidas protetivas de urgência (CPP, artigo 313, III). A criação dos juizados especializados em violência doméstica foi outro ganho da Lei Maria da Penha, permitindo a especialização de juízes e servidores, com conhecimento sobre as causas da violência de gênero e previsão de equipe psicossocial para atender a complexidade das situações trazidas à análise. 3.2. APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA Para iniciarmos o aprendizado sobre o tema, assista à vídeo-aula do Núcleo Judiciário da Mulher (NJM/TJDFT) - por Luciana Lopes Rocha (Juíza de Direito/Coordenadora do NJM) - acerca da aplicabilidade da LMP, dos destinatários e dos contextos de aplicação. Assista Curso Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Juíza Luciana Lopes Rocha Coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher – TJDFT O que é violência contra a mulher? O artigo 5º da Lei Maria da Penha define a violência contra a mulher como qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Isso quer dizer que estão aqui presentes dois requisitos, sendo: 1) A violência precisa estar baseada no gênero, conforme as características que foram apontadas na segunda aula; 2) A vítima é mulher. Qual o âmbito de aplicação? Além desses dois requisitos, a Lei estabelece os seguintes contextos: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Esse inciso procura alcançar as situações em que há um convívio doméstico entre as partes, sendo exemplo situações envolvendo empregadas domésticas4, e ainda relações advindas do acolhimento temporário de pessoas na residência, as quais passam a abusar daquele espaço de confiança para praticar as violências de gênero. II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; Esse inciso II se refere às relações familiares, independente de conviverem no mesmo espaço. III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Convém reforçar que nas relações íntimas de afeto, a Lei Maria da Penha poderá ser aplicada mesmo naquelas que ocorreram no passado, como ex-namorados e ex-cônjuges. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Ainda no contexto de gênero, a Lei Maria da Penha pode ser aplicada numa relação homoafetiva, ela é explícita em dizer que as relações afetivas independem de orientação sexual. Assim, é possível que toda violência cometida contra a mulher, inclusive em uma relação homoafetiva, desde que marcada pela violência de gênero, seja protegida pela Lei Maria da Penha. 4 Sobre esse entendimento, ver os precedentes do TJDFT disponíveis em https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-foco/lei-maria-da-penha-na- visao-do-tjdft/sujeitos-e-requisitos/sujeitos/empregada-domestica-como-sujeito-passivo-dos- crimes-previstos-pela-lei-maria-da-penha, acesso em 13/05/2021. 3.3. TIPOS DE VIOLÊNCIA PREVISTOS NA LEI MARIA DA PENHA Para iniciar o estudo do tema, assista à vídeo-aula da Dra. Dulcielly Almeida, defensora pública no DF. Assista Tipos De Violência Contra A Mulher Dulcielly Almeida Quais os tipos de violência contra a mulher? O artigo 7º da Lei Maria da Penha relaciona 5 formas de violência. A violência física contra a mulher é a mais evidente e, portanto, a que ganha maior espaço nos noticiários. Mas a legislação também define como agressão a violência sexual, psicológica, patrimonial e moral, conforme conceituado abaixo: ► a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. ► a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (cita-se como exemplo, a Lei 14.132, de 31/03/21, ou “Lei da perseguição”, que será estudada mais a frente). ► a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. ► a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. ► a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, como por exemplo, proferir xingamentos ou atribuir fatos que não são verdadeiros. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do DF, as violências mais informadas nas ocorrências trazidas ao Judiciário são as violências psicológica e moral. Embora sejam menos visíveis, são as que causam maiores estragos na vida das vítimas. Nos juizados, é muito corriqueiro que as vítimas digam que agressões físicas não doíam tanto quanto as constantes agressões psicológicas e morais, que minam sua autoestima e autodeterminação, impedindo-as de exercer livremente seus direitos da personalidade. Quais as novas dimensões de violência contra a mulher? Com as redes sociais e o uso de novas tecnologias, a internet muitas vezes pode também ser palco de inúmeras violências contra as mulheres, inclusive por meio da prática de “cyber vingança”, que é o compartilhamento não consentido de fotos e vídeos íntimos pela internet com o intuito de humilhar a mulher. Um marco importante no ordenamento nacional foi a Lei Federal n.º 12.737/12, mais conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, que torna crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares, o que envolve a pornografia não consentida. A pena varia de seis meses a dois anos de prisão. Cita-se ainda a Lei Federal n.º 13.718/18, conhecida como “Lei de Importunação Sexual”, a qual, por meio de alteração na Lei Maria da Penha, tornou-se crime “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro” e “divulgar cena de estupro ou cena de estupro de vulnerável, cena de sexo ou de pornografia”. A divulgação não autorizada de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo e privado, pode ensejar pena de um a cinco anos de prisão. Destaca-se que se praticados contra crianças e adolescentes, haverá a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), que prevê penas ainda maiores. Violência psicológica: qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) CP, Art. 147-B. Crime de violência psicológica (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. Perseguição (stalking) CP, art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021) Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido (9 meses a 3 anos): (...) II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código; (§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.). Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018) Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018) Art. 218-C. Divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos §1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. UNIDADE II GESTÃO DE RISCO NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR AULA 1 – LEI MARIA DA PENHA: MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E PRISÃO PREVENTIVA Nesta aula, esperamos que compreenda: As Medidas Protetivas de Urgência; A Lei Maria da Penha e a Prisão Preventiva; As ferramentas de gestão de risco e programas voltados para o atendimento de mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 4.1. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA Para iniciarmos o aprendizado sobre o tema, assista à videoaula do Núcleo Judiciário da Mulher (NJM/TJDFT) - por Gislaine Carneiro Campos Reis (Juíza de Direito/Coordenadora do NJM) - acerca das medidas protetivas de urgência previstas na LMP. Assista Curso Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Juíza Gislaine Carneiro Coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher – TJDFT A Medidas Protetivas de Urgência (MPU) estão previstas no Capítulo II da Lei 11.340/2006: Seção I - Das Disposições Gerais; Seção II – Das Medidas de Urgência que Obrigam o Agressor; Seção III - Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida; Seção IV – Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência – descumprimento de medida protetiva de urgência. As medidas protetivas de urgência têm sido bastante eficazes no enfrentamento, pois não são uma simples “folha de papel “. Pelo contrário, a medida protetiva é uma decisão judicial que determina ao ofensor o afastamento do lar, a proibição de aproximação e contato com vítima e/ou familiares, a proibição de frequentar determinados lugares, entre outras condutas, tudo sob pena de prisão preventiva. Os ofensores são intimados dessas medidas protetivas por oficial de justiça e eles sabem das consequências do seu descumprimento. Por outro lado, quando a mulher consegue sair de sua casa e procurar auxílio na delegacia de polícia ou acionar a polícia militar, que chega ao local, ela envia uma clara mensagem ao ofensor de que não aceita mais a situação de subordinação e subjugação. É o início do rompimento do ciclo de violência, com sinal claro por parte da vítima de que ela está buscando auxílio e proteção e uma mensagem para o ofensor de que há limites para a sua conduta violenta. No Distrito Federal, a Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF) da SSP-DF, tem por competência analisar e monitorar dados do sistema criminal e de justiça, referentes à violência doméstica e/ou familiar contra a mulher (formas de violência, incluindo o feminicídio e tentativa) e suas especificidades, incluindo informações referentes aos perfis dos envolvidos, existência ou não de registros anteriores ao resultado, dados e perfis dos órfãos do feminicídio, entre outros. Em estudo5 realizado em fevereiro de 2024, referente ao período iniciado em 2020, verificou-se que 10 (dez) mulheres vítimas de feminicídio estavam com MPU vigente no momento do crime. A CTMHF, analisando os 10 casos, levantou que 5 (cinco) mulheres (50%) coabitavam com o autor, mesmo com medida protetiva vigente, de afastamento e outras. Considerando o fato de que o TJDFT proferiu 62,2 mil decisões de concessão/concessão parcial de MPU (idêntico período citado), e a quantidade de medidas protetivas em vigência no momento do crime em que as vítimas não coabitavam com o autor (total de 5), têm-se a proporção de 0.00008038197514589329. A diminuta magnitude desse índice pode ser interpretada como indicativo da efetividade das medidas protetivas em curso, sugerindo que, embora cada 5 Relatórios de análise dos crimes cometidos contra mulheres - SSP-DF - Acesse caso seja uma tragédia, a incidência de fatalidades dentro deste grupo específico é rara em comparação com o volume total de medidas deferidas. Dentre as principais medidas protetivas dispostas na Lei Maria da Penha, destacam-se: ► Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 20036; ► Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; ► Proibição de determinadas condutas, entre as quais: aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; e contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação. A Lei Maria da Penha é explícita no sentido de que as medidas protetivas de urgência podem abranger familiares e testemunhas dos fatos ocorridos. Também é possível fixar a proibição de frequentar escola, local de trabalho ou até mesmo academia de ginástica que a vítima frequenta. O rol é exemplificativo. As Medidas Protetivas são plásticas, o que significa dizer que se adaptam à realidade do caso concreto. Há também previsão específica de concessão de alimentos provisórios e restrição ou suspensão de visitas a filhos menores, mesmo que não tenham sido vítimas diretas da violência, com previsão de atendimento por equipe multidisciplinar, abarcando não apenas a mulher. As medidas protetivas de urgência salvam vidas, pois estatisticamente, inclusive no DF, a maioria das vítimas de feminicídio não possui 6 sobre o assunto convém ainda consultar o Decreto Distrital nº 39.851, de 23 de maio de 2019 e a Portaria SSP-DF nº 86, de 23 de julho de 2019, a qual regulamenta o procedimento a ser adotado pelas Forças de Segurança Pública e pelo Sistema Penitenciário do Distrito Federal para o recolhimento da(s) arma(s) de fogo dos servidores que forem indiciados em inquéritos policiais por motivo de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, ou tiverem contra si medida protetiva judicial decretada. ocorrência policial registrada em seu histórico, e consequentemente, não possuía MPU deferida em sua proteção. 4.2. A LEI MARIA DA PENHA E A PRISÃO PREVENTIVA Diferentemente da regra geral prevista no CPP (arts. 311 a 313), a prisão preventiva nos casos de violência doméstica pode ser decretada “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal”, “de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial”, independentemente da pena cominada para o delito e da primariedade e antecedentes criminais. Conforme art. 313, inciso III, do CPP, se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, a prisão preventiva poderá ser decretada “para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”, o que está em consonância com o art. 20 da LMP. Vale lembrar que o juiz “poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem” (Art. 20, parágrafo único). Conforme alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.641/2018, foi incluído na LMP o art. 24-A, que prevê o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência ali previstas (independentemente de outras sanções), com pena de detenção, de três meses a dois anos e, na hipótese de prisão em flagrante, concessão de fiança apenas pelo Juiz7. Essa alteração legislativa possibilita que o Policial Militar, que atende ao chamado, possa efetuar a prisão em flagrante do agressor pelo crime específico de descumprimento da medida protetiva, independentemente de ele praticar um delito. Neste momento basta a palavra da vítima noticiando a vigência de medida protetiva para a atuação do Policial Militar. Cabe à Polícia Civil e Judiciário, em momento posterior, esclarecerem a vigência da MPU. Conheça as formas de denúncia/registros de ocorrência e requerimento online de MPU, em uso no DF, assistindo às seguintes aulas: 7 Para entender melhor o crime de descumprimento de medida protetiva, recomenda- se a leitura do artigo: http://www.compromissoeatitude.org.br/o-novo-crime-de-descumprimento- de-medidas-protetivas-de-urgencia-primeiras-consideracoes-por-thiago-pierobom-de-avila/ 1. Núcleo Judiciário da Mulher (NJM/TJDFT) - por Ana Cristina Santiago (Delegada de Polícia - PCDF) – como denunciar uma violência sofrida por uma mulher: Disque-denúncia nacional: 180 / Disque 100: também para violência contra idosos, crianças, pessoas com deficiência / Delegacias de Polícia: registro da ocorrência e pedido de MPU / Núcleos Integrados de Assistência à Mulher: atendimento policial, psicossocial e jurídico à mulher / Delegacias eletrônicas (mídias digitais e telefone) / 190). Assista Curso Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Ana Cristina Santiago Delegada da Polícia Civil do Distrito Federal 2. Núcleo Judiciário da Mulher (NJM/TJDFT) - por Ben-Hur Viza (Juiz de Direito TJDFT) – MPU em tempos de PANDEMIA: 197, opção 3 (telefônico) / Delegacia eletrônica (tablet, computador), Maria da Penha On-line. Assista Curso Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher Juiz Ben-Hur Viza Coordenador do Núcleo Judiciário da Mulher – TJDFT AULA 2 - FERRAMENTAS DE GESTÃO DE RISCO E PROGRAMAS DE PROTEÇÃO DAS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Nesta aula, iremos identificar os principais instrumentos de gestão do risco utilizados pela rede de atendimento para o enfrentamento da violência doméstica e familiar: Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR); Programa Mulher Mais Segura (PMMS); Viva-Flor; Monitoramento de pessoas protegidas; Grupo Refletir; Policiamento Orientado de Prevenção à Violência Doméstica (PROVID); 5.1 FORMULÁRIO NACIONAL DE AVALIAÇÃO DE RISCO (FONAR) A Lei 14.149, de 5 de maio de 2021, instituiu em todo o território nacional, o Formulário de Avaliação de Risco (FONAR), a ser aplicado à mulher vítima de violência doméstica e familiar, nos moldes aprovados por resolução conjunta do CNJ e CNMP. O FONAR é um instrumento de gestão de risco, para a prevenção e enfrentamento da violência doméstica e familiar (VDF), pois ele possibilita diagnosticar e identificar se a mulher se encontra em situação de risco de sofrer VDF, novas reincidências, inclusive a sua forma mais grave que é o feminicídio. No Distrito Federal, o FONAR é aplicado em todas as delegacias circunscricionais da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), nos casos em que a ofendida solicita Medida Protetiva de Urgência (MPU). Conheça o FONAR CLIQUE AQUI E CONHEÇA Formulário de risco deve ser utilizado no primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica. Foto: Gil Ferreira/CNJ 5.2 GDF – SSP-DF: PROGRAMA MULHER MAIS SEGURA (PMMS) Lançado em 08 de março de 2021 (Dia Internacional da Mulher), visa combater, de modo sistêmico, a violência contra mulheres e meninas, sob a coordenação da SSP-DF, por meio de suas Subsecretarias, da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), e da Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas do Centro Integrado de Brasília (DMPP/CIOB). O programa também conta com a parceria da Aliança Distrital – Instituições Religiosas e Sociais no enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar. O PMMS integra o Eixo Mulher Mais Segura, do Programa DF Mais Seguro - Segurança Integral (Decreto 45.165/2023), por meio da articulação de órgãos governamentais e não governamentais, com vistas à redução criminal de maneira sustentável, aumento da sensação de segurança pública e do desenvolvimento social com a promoção dos direitos humanos. O Eixo Mulher Mais Segura dispõe de ações preventivas e tecnológicas que são utilizadas para o enfrentamento da violência doméstica familiar, e no atendimento de mulheres ofendidas em razão do gênero, sendo elas o Viva Flor, o Dispositivo de Monitoramento Pessoal Portátil, a Aliança Protetiva e o Grupo Refletir. Conheça os detalhes desta política AQUI Conheça os Programas do DF +Seguro AQUI 5.3 NA PREVENÇÃO PRIMÁRIA: 5.3.1 - CÂMARA TÉCNICA DE MONITORAMENTO DE HOMICÍDIOS E FEMINICÍDIOS: apresenta relatórios mensais, bimestrais, trimestrais e semestrais, que incluem violência sexual, doméstica e/ou familiar contra a mulher. Esses são publicados (fonte aberta) no site da SSP-DF, mas também compilados em painel interativo da base de dados dos feminicídios tentados e consumados do DF. Serve de instrumento para a elaboração de políticas públicas. 5.3.2 - ALIANÇA PROTETIVA: formação de líderes religiosos e sociais, das diversas localidades do DF, com vistas à sensibilização à temática da violência contra a mulher, conhecimento da Lei Maria da Penha e da rede de atendimento, adoção de posturas não-revitimizantes diante de casos de violência, entre outros. Busca promover o engajamento da comunidade diante da problemática da violência de gênero. 5.4 NA PREVENÇÃO SECUNDÁRIA: No campo da tecnologia temos: 5.4.1 - VIVA FLOR: consiste em um dispositivo para acionamento de emergência, em caso de aproximação do homem autor de violência. Os dispositivos de acionamento por parte da mulher, disponibilizados às vítimas pela SSP-DF, são: aparelho celular; ou instalação de aplicativo Viva Flor no aparelho da vítima (Android e IOS). Eventuais acionamentos das vítimas têm prioridade de entrada no sistema do COPOM/PMDF, graças ao pré-cadastro dos números telefônicos das ofendidas. Caso a vítima não esteja com o dispositivo no momento, por diversos motivos, e realize contato com o 190, o/a atendente está treinado/a para encaminhar a situação, em caráter de prioridade, aos despachantes. Ao chegar à tela de despacho, é emitido um alerta e a tela se sobrepõe a qualquer atendimento que esteja sendo realizado, sendo a tela identificada pela cor vermelha, exigindo do despachante o pronto encaminhado a uma guarnição da área. Desde o início do programa, em 2017, ocorreram diversos acionamentos, mas felizmente não houve casos de feminicídio entre as ofendidas monitoradas. A PMDF tem sua atuação muito elogiada, especialmente quanto ao tempo-resposta, tendo atendido e impedido diversos agravamentos situacionais. Os policiais compreendem a importância e a emergência desses acionamentos, pois qualquer atraso pode custar a vida de mulheres, filhos, etc. Para otimizar a atuação policial, os dispositivos são georreferenciados e, assim que ocorre o acionamento, automaticamente passam a gravar vídeo/áudio, com monitoramento em tempo real pela SSP-DF. Para entender um pouco mais o fluxo de inclusão das ofendidas no programa, vale ressaltar que em 2017 o Viva Flor iniciou com o fluxo judicial, em que os 20 (vinte) Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar do TJDFT realizam os encaminhamentos, segundo disponibilidade dos equipamentos e o grau de risco. Todas essas mulheres selecionadas possuem MPU. Em 2023, foi consolidado o fluxo administrativo de inclusão, o qual segue decisão da autoridade policial e/ou ampara-se em requerimento da vítima, no momento do registro das ocorrências na DEAM 1 e DEAM 2. Ou seja, os/as delegados/as disponibilizam os dispositivos, baseados nos riscos constatados e/ou na vontade da vítima. Após 30 (trinta) dias, o poder judiciário valida a continuidade ou descontinuidade do monitoramento. Para 2024, haverá a expansão do Viva Flor administrativo para as delegacias próximas às áreas rurais e outras de grande fluxo de atendimento na temática. Sobre os fluxos citados (judicial e administrativo), detalhamos algumas etapas: Avaliação Inicial: O processo inicia-se com uma decisão judicial ou administrativa (caminhos legais que levam ao Programa (JVDF e JURI / NAC e NUPLA ou DPC). Avalia-se a situação do agressor e o juiz determina se o monitoramento é necessário (por meio do Viva Flor ou outro mecanismo). Consentimento da vítima: Crucialmente, verifica se a vítima já consentiu com o programa por meio das autoridades policiais ou judiciais. Caso positivo, o contato/pesquisa ativa é iniciado pela SSP-DF. Contato e Agendamento: A Subsecretaria de Prevenção à Criminalidade da SSP-DF (SUPREC) realiza contato com a vítima para agendar o suporte e fornecer o dispositivo, e ativá-lo. O atendimento é realizado na própria SUPREC - expediente e/ou 24h na Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas do CIOB/SSP-DF. Registra-se a vítima no sistema Akiles e pré-ativa o dispositivo. No fluxo judicial, o juiz envia a decisão, juntamente com os documentos relevantes para a SSP-DF. Quanto ao Administrativo, realiza-se acompanhamento dos trâmites na DP, incluindo deferimento ou não da MPU pelo juiz, devolução do equipamento pela vítima, recusa da vítima em permanecer no programa, entre outras. 5.4.2 - MONITORAMENTO DE PESSOAS PROTEGIDAS: Após a inclusão definitiva da ofendida no sistema de prevenção, a DMPP inicia o acompanhamento, monitoramento, suporte e mediação do atendimento policial nos casos de acionamento. Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas ( DMPP) - utilizam o Dispositivo de Monitoramento Pessoal Portátil (espécie de botão do pânico). Diferentemente do Viva Flor, o dispositivo conta com o reforço das áreas de exclusão móveis, que acompanham tanto a vítima como o agressor, pelo fato daquela portar o dispositivo e desse utilizar a tornozeleira eletrônica; ambos por decisão judicial. Assim, se o monitorado aproximar-se da vítima, dentro da zona de exclusão definida pelo Juiz, ainda que ela não perceba, os aparelhos (DMPP e tornozeleira) irão se comunicar e a Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas será acionada para atendimento emergencial (contato telefônico, acionamento do 190, etc). Há muitas outras situações de alerta, fora a aproximação em si (áreas de exclusão convergentes), que constituem riscos à mulher, e que são monitoradas diuturnamente pela Diretoria de Monitoramento, tais como, corte da tornozeleira, descarga dos equipamentos (30% já emite o alerta), risco de aproximação (faixa amarela de segurança), não atendimento do celular de registro no sistema, entre outros. Em caso de qualquer situação de alerta, em que não for sanada por vontade própria do autor, ou que o contato telefônico restou infrutífero, imediatamente a DMPP entra em contato com a vítima informando da situação e aciona o COPOM, sendo enviada guarnição mais próxima ao local, tanto para averiguação, proteção à vítima e prisão em flagrante por descumprimento, se for o caso. 5.4.3 - GRUPO REFLETIR: é o grupo reflexivo de homens autores de violência destinado exclusivamente para servidores das forças de segurança pública do DF. Surgiu em 2018, a partir da conclusão da pesquisa “Homens Autores de Violência contra Parceiros Íntimos: Estudo com Policiais Militares do Distrito Federal (CARDOSO, 2016), por meio da parceria entre a PMDF, por meio do Departamento de Controle e Correição (DCC) da PMDF, Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal (SUEGEP/SSPDF), e do Núcleo Judiciário da Mulher do Tribunal de Justiça Federal e Territórios do Distrito Federal (NJM/TJDFT), diante do crescente envolvimento de policiais militares na condição de autores de VDF contra a mulher. No ano de 2020, foi promulgada a Lei nº 13.984/2020, que instituiu o encaminhamento obrigatório dos homens autores de violência doméstica e familiar contra as mulheres, assim como o atendimento psicossocial individual ou em grupo para esses sujeitos. Tal previsão passou a integrar o rol de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria Penha, no artigo 22, incisos VI e VII: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio 5.4.4 - POLICIAMENTO DE PREVENÇÃO ORIENTADO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – PROVID/PMDF O Policiamento de Prevenção Orientado à Violência Doméstica e Familiar (PROVID) é uma iniciativa crucial da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) para enfrentar a violência contra mulheres no âmbito doméstico. Instituído pela Lei Nº 6.872/2021 e regulamentado pela Portaria PMDF Nº 1.174/2022, o PROVID destina-se à promoção da segurança pública e dos direitos humanos por meio de policiamento comunitário e orientado à solução de problemas. Origem do Programa: O Policiamento de Prevenção Orientado à Violência Doméstica (PROVID), da PMDF, tem sua origem no projeto “Além de Ler”, desenvolvido e idealizado pela Sargento Lucimar e Cabo Coimbras, em 1991, no 8º BPM (Ceilândia-DF). Em 2007, com a criação do Centro de Programas e Ações Sociais (CPCAS), se transformou no Programa de Educação para a Cidadania (EDUCS). Fundamentado nos princípios de Família Segura, o EDUCS funcionava como um segundo turno da escola, oferecendo às crianças e jovens, informações sobre segurança pública e cidadania. Nas oportunidades de encontro, crianças, jovens e mulheres passaram a relatar vivências de violência doméstica, tendo crescido as demandas de atendimento de VDF na região (pessoas procuravam a unidade), mesmo após o encerramento do EDUCS. Assim, foi construída a primeira Portaria na PMDF, em 2015, transformando o EDUCS no PROVID. Em 2021, o PROVID foi legal e formalmente instituído no Distrito Federal, pela Lei Nº 6.872/2021 e regulamentado pela Portaria PMDF Nº 1.174/2021, destinando o PROVID à promoção da segurança pública e dos direitos humanos por meio policiamento comunitário orientado à solução de problemas. Eixos Orientadores: Como citado, no formato atual, o PROVID trata-se de estratégia de policiamento baseada na filosofia de polícia comunitária que atua no enfrentamento de conflitos que ocorrem no âmbito privado, visando prevenir, inibir e interromper o ciclo da violência doméstica e familiar, por meio do policiamento ostensivo e das visitas solidárias. Para tanto, o programa tem sua atuação baseada em três eixos principais: 1. Prevenção Primária: Envolve ações educativas e campanhas comunitárias para prevenir a violência doméstica antes que ela ocorra. Realizada por meio de ações e campanhas no âmbito da prevenção primária, em especial, ações educativas voltadas para prevenção à violência doméstica e familiar; 2. Prevenção Secundária: Foca em famílias já em situação de violência, empregando policiamento ostensivo e visitas solidárias para monitorar e proteger estas famílias. É realizada mediante atendimentos de vítimas e agressores em contexto de violência doméstica e familiar, cujas demandas poderão ser originadas de solicitação/denúncia espontânea; encaminhamento de outros órgãos; ou, ainda, derivados da própria atuação Policial Militar (RAPs/PMDF). O acompanhamento do núcleo familiar obedece ao sistema de acolhimento, encaminhamento e/ou acompanhamento, conforme normatizado pela PMDF na Portaria nº 1.174/2021. 3. Articulação em Rede: Envolve a colaboração com órgãos governamentais, entidades não governamentais e a sociedade civil para fortalecer a rede de apoio às vítimas. Embora o auxílio destina-se especialmente às mulheres em situação de VDF, o PROVID atua de forma sistêmica, prestando orientações e assistências diversas e em Rede, em atenção aos idosos, crianças, e outros envolvidos na situação de VDF, inclusive ao autor da violência, conforme o caso. Destaca-se que as ações orientadas pelos Eixos de Prevenção Primária e de Articulação em Rede de Atendimento são desenvolvidas por meio: da mobilização comunitária; de ações junto aos órgãos e entidades de enfrentamento e fortalecimento no atendimento das famílias em contexto de violência doméstica; de ações educativas voltadas à prevenção da violência doméstica, tanto na comunidade como no âmbito da corporação; de eventos que visam a divulgação de ações preventivas e interventivas no fenômeno da violência doméstica; bem como, da elaboração de estudos e políticas públicas referentes ao enfrentamento da violência doméstica. Atuação e Procedimentos: O acompanhamento realizado pelo PROVID está disciplinado no artigo 11 da Portaria PMDF Nº 1.174/2021, que versa: Art. 11. Independentemente da judicialização dos casos, serão acompanhados pelo policiamento PROVID, as solicitações originadas: I - de denúncia da vítima; II - de terceiros; III - de encaminhamento de outros órgãos; IV - de encaminhamentos internos; V - de ocorrências emergenciais que foram atendidas pelo policiamento das unidades, catalogadas e homologadas na própria seção operacional da OPM. Também são acompanhados os casos designados pelo Tribunal de Justiça do DF (TJDFT), a partir das situações encaminhadas pelos 20 Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no DF; além dos encaminhamentos do Departamento de Controle e Correição (DCC/PMDF), para os casos específicos envolvendo as famílias dos policiais militares autores de VDF. O acompanhamento dos casos segue procedimentos específicos, envolvendo visitas iniciais e subsequentes, conforme a necessidade aferida em caso. A atuação do PROVID enfatiza a importância dos dados e análise para ajustar as práticas do programa, primando por todos os registros (protocolo), inclusive dos relatórios conclusivos sobre a necessidade de continuidade ou não de cada acompanhamento, o qual, em alguns casos, é submetido à ratificação do juizado que realizou o encaminhamento. O PROVID encontra-se sob a supervisão do Centro de Políticas de Segurança Pública da PMDF (CPSP), o qual tem por objetivo estabelecer os parâmetros, protocolos e procedimentos específicos para o desenvolvimento do programa. Atualmente toda unidade policial militar de área possui efetivo do PROVID em atuação, subordinados a um coordenador local, que se reporta à coordenação-geral no CPSP. Desafios e Pontos Fortes: O PROVID enfrenta desafios relacionados à proporção entre a alta demanda de atendimento e o efetivo. Como ponto forte, destaca-se a abrangência e profundidade do suporte oferecido, que melhoram a resposta e a prevenção à violência doméstica por meio de uma abordagem efetiva, clara e articulada. São realizadas anualmente edições do curso de especialização oferecido pelo PROVID, que capacita profissionais a compreenderem as complexidades do fenômeno da violência doméstica e a aplicarem legislações e intervenções eficazes. Essa formação é fundamental para garantir que o PROVID funcione de forma integrada e eficaz, promovendo tanto a segurança quanto o bem-estar das famílias afetadas pela violência. PROVID Policiamento Orientado à Violência Doméstica PORTARIA PMDF Nº 1.174/21 Clique e Saiba Mais UNIDADE III A REDE E A ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Nessa unidade espera-se que você: ✔ Identifique o conceito de Rede de Enfrentamento à violência contra as mulheres e o da Rede de Atendimento às mulheres em situação de violência. ✔ Identifique as instituições que compõem a Rede de Atendimento às Mulheres do DF; ✔ identifique os serviços especializados e não especializados da Rede de Atendimento às mulheres em situação de violência; ✔ Aponte o papel da Polícia Militar na Rede de Atendimento às Mulheres do DF, o serviço não especializado de primeira resposta e o serviço especializado de segunda resposta. AULA 1 – DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO - REDE 6.1 A EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL A Lei Maria da Penha preconiza no artigo 8º que “a política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais” (LPM. 2006). Um avanço que se verifica com destaque no contexto de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica foi a implantação de serviços de atendimento especializado às vítimas a partir dos anos 80. O marco deles foi a criação das Delegacias de Atendimento à Mulher como conquista da luta contra a violência, inicialmente em São Paulo, em agosto de 1985. No início dos anos 90, tanto a área da saúde como a da assistência, passaram a realizar novas ações e abordagens para o problema da violência doméstica contra a mulher. Somente a partir deste momento que os serviços de saúde passaram a adotar políticas visando diagnosticar o problema e oferecendo atenção à saúde nos casos de violência sexual, violência contra as crianças e outros agravos. Também surgiram, na década destacada, as primeiras casas-abrigo reivindicadas pelo movimento de mulheres e apoiadas pelas próprias Delegacias, uma vez que as providências policiais e jurídicas eram burladas pelos agressores e, muitas vezes, as denunciantes sofriam violência maior como castigo por sua iniciativa. Posteriormente, a política pública de atendimento à mulher em situação de violência começou a ser executada por meio da Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, em 1998; da Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2004; do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2005; da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, em 2005; da promulgação da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha), em 2006; do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, em 2007; e do Programa “Mulher: Viver Sem Violência”, em 2013, do Programa Mulher Segura e Protegida, em 2019, do Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, em 2021, e do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, em 2023. 6.2. REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES O conceito de rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando ao desenvolvimento de: estratégias efetivas de prevenção; políticas que garantam o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos; a responsabilização dos agressores e o atendimento humanizado e não-revitimizador (combate, prevenção, garantia de direitos, assistência e dados e informações). 6.3 REDE DE ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA O conceito de Rede de atendimento refere-se à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando à ampliação e melhoria da qualidade do atendimento. A constituição da rede de atendimento busca dar conta da complexidade da violência contra as mulheres e do caráter multidimensional do problema, que perpassa quatro principais setores, tais como: a saúde, a segurança pública, a assistência social, o sistema de justiça. A rede é composta por serviços especializados e não especializados. Tem por características a horizontalidade, onde não há hierarquia entre os entes, e a intersetorialidade. Os serviços da rede devem garantir simultaneamente a “proteção” das mulheres (p.e., concessão de medidas protetivas de urgência, comunicação de casos de violência à polícia por profissionais de saúde) e o “apoio” às vítimas/sobreviventes com respeito ao seu protagonismo (p.e., a inserção em projetos de autonomia econômica, o respeito às decisões da mulher sobre os rumos de sua vida). A Secretaria de Políticas para as Mulheres adota o termo atendimento, de forma a contemplar a dimensão da proteção e do apoio. 6.4 SERVIÇOS ESPECIALIZADOS E NÃO ESPECIALIZADOS DA REDE DE ATENDIMENTO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA Existem serviços que integram a política pública de atendimento à mulher em situação de violência e se constituem muitas vezes como a porta de entrada dos casos como o serviço de emergência 190 da PMDF, as delegacias, centros de saúde, hospitais, o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), dentre outros. Os serviços especializados da Rede de Atendimento às mulheres em situação de violência são aqueles que foram criados e tem por finalidade o atendimento exclusivo dessas mulheres. O serviço especializado da PMDF para o atendimento de mulheres é o PROVID, responsável pela atuação em segunda resposta. Os serviços não especializados, são os serviços ordinários de atendimento ao público em geral, que não foram criados com a finalidade de atender com exclusividade as mulheres em situação de violência. Na PMDF o serviço não especializado é o serviço de atendimento de emergência, cujo principal objetivo é realizar o atendimento de primeira resposta à mulher em situação de violência: Ex.: 190 e radiopatrulhamento. Diferença entre a Rede de Enfrentamento e a Rede de Atendimento da Mulher em situação de violência: 6.5 ARTICULAÇÃO DA REDE DE ATENDIMENTO ÀS MULHERES DO DF O trabalho articulado de diversas instituições e atores, previsto na Lei Maria da Penha, exigiu a união de esforços de diferentes áreas em torno de um trabalho em Rede, que surge como estratégia para o reconhecimento das causas da violência, da busca das soluções efetivas e assistência integral, bem como o fortalecimento das mulheres em situação de violência doméstica. O conceito de Redes se refere à articulação concreta entre atores ou forças, resultando em ações multidimensionais para a resolução de questões e problemas presentes em um determinado território. Essas ações se caracterizam pela flexibilidade e informalidade, indo, portanto, além, de atos burocráticos. É importante evitar a redução do conceito de Redes a mera operacionalização de um fluxo rígido de encaminhamentos. Ou seja, atuar em rede não pode limitar-se a encaminhar as pessoas envolvidas de um serviço para outro. O diferencial da articulação em rede está na possibilidade de que os atores busquem construir respostas integradas e desenvolver ações articuladas e se mantenham conectados no processo de enfrentamento à violência contra mulheres. As vantagens de se trabalhar de forma articulada em rede podem trazer como benefícios (TJDFT, 2017): ► Atualização de conhecimento teórico, científico e prático sobre a temática; ► Aperfeiçoamento da metodologia de encaminhamento de casos para instituições; ► Possibilidade de acompanhamento da situação da vítima de violência doméstica nos seus diversos contextos: jurídico, familiar, comunitário, social, laboral e educacional; ► Aumento da eficácia das ações de proteção à vítima de violência doméstica; ► Fortalecimento das instituições da localidade; ► Incremento e maior interação nas relações institucionais dos Juizados de Violência Doméstica com a Rede Social local; ► Possibilidade de que a vítima possa aderir melhor às ações vinculadas, por exemplo, à Medida Protetiva, e como consequência o afastamento do agressor, o que pode romper eventos de violência doméstica, bem como, a redução da probabilidade de novas situações de violência doméstica. Um exemplo de rede temática local é a Rede de Atendimento às Mulheres do Distrito Federal e Entorno, que foi criada em 2012, com o objetivo de promover a articulação entre as políticas públicas e entidades da sociedade civil no enfrentamento e na prevenção das violências sofridas pelas mulheres, conforme preconizado na própria Lei Maria da Penha e nas políticas governamentais e locais de atendimento a mulheres em situação de violência e de vulnerabilidade social. Sobre os contatos das instituições, órgãos e entidades que compõem a Rede de Atendimento às Mulheres do Distrito Federal, consulte a seção anexos (2ª edição - Maio/21 - NJM/TJDFT). A citada coletânea, dividida por região administrativa do DF, é um importante instrumento de auxílio do trabalho policial militar durante o atendimento de ocorrências de VDF. Tanto para prestação de informações como para eventual encaminhamento para os demais atores da Rede. Saiba mais sobre o funcionamento da Rede de Atendimento às Mulheres do DF: GDF Reforça Combate a Violência Doméstica Durante Isolamento 6.6 O PAPEL DA POLÍCIA MILITAR NA REDE DE ATENDIMENTO ÀS MULHERES DO DF – MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO E ENFRENTAMENTO A Polícia Militar é integrante da Rede de Atendimento no Eixo Segurança, com a prestação de serviço não especializado, que consideramos a primeira resposta, o serviço de atendimento de emergência 190 e o radiopatrulhamento, e o serviço especializado, a segunda resposta, o Policiamento Orientado à Prevenção de Violência Doméstica (PROVID). O serviço não especializado consiste na ação de caráter geral que a corporação dispõe para atender a população como um todo, inclusive a mulher em situação de violência doméstica e familiar, por isso é classificada como primeira resposta. O feminicídio no Distrito Federal apresentou no ano de 2023 a pior série histórica de mortes violentas de mulheres em razão do gênero, segundo informações da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios do Distrito Federal da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal (CTMHF/SSPDF). No DF, 67,4% das vítimas de feminicídio não registraram ocorrência de VDF contra o autor na Delegacia de Polícia Civil do DF (PCDF) e 65% sofreram violência anterior ao feminicídio (CTMHF/SSPDF, 2023). Em razão da alta demanda de registros de ocorrência de violência doméstica e familiar pelo serviço de atendimento de emergência 190 da PMDF, foi elaborado no ano de 2023, por Grupo de Trabalho com integrantes da PMDF, TJDFT, e PCDF, o protocolo de primeira resposta de busca ativa. O Pacto Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, instituído por meio do Decreto 11.640/23, prevê no Capítulo II, dos eixos estruturantes, artigo 4º, inciso II, ações de prevenção secundária para identificação: II - prevenção secundária - ações planejadas para a intervenção precoce e qualificada que visem a evitar a repetição e o agravamento da discriminação, da misoginia e da violência com base no gênero e em suas interseccionalidades, desenvolvidas por meio das redes de serviços especializados e não especializados nos setores da segurança pública, saúde, assistência social e justiça, dentre outros, e apoiadas com o uso de novas ferramentas para identificação, avaliação e gestão das situações de risco, da proteção das mulheres e da responsabilização das pessoas autoras da violência (grifo nosso); A Busca Ativa consiste na mineração do Registro de Atividade Policial (RAP) da PMDF, para detectar as ocorrências de VDF registradas apenas no Sistema Gênesis da PMDF. Foi iniciada pioneiramente no 25º BPM, e posteriormente expandida para o Centro de Operações da PMDF (COPOM). A ação busca identificar e acompanhar mulheres em situação VDF, as quais acionaram a PMDF, por meio do serviço de emergência 190, porém desistiram de efetuar o registro formal na Delegacia de Polícia Civil, e cujo fato permanece registrado somente no Sistema Gênesis da PMDF. A implantação da Busca Ativa no COPOM se justifica em razão da necessidade apontada pelo indicador “ocorrência de violência doméstica resolvida no local” estar presente em pelo menos 65% dos casos de feminicídio de mulher sem registro na Delegacia de Polícia Civil, com atendimento policial resolvido no local, no ano de 2023. Assim, a Busca Ativa no COPOM, conhecida como COPOM Mulher, tem por finalidade fomentar o registro formal de ocorrências na Delegacia de Polícia Civil, das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar atendidas pela Polícia Militar, de forma a contemplar o atendimento humanizado da mulher para ingresso dessas na rede de atendimento e assegurar a assistência e a garantia de direitos. A metodologia dos fluxos e procedimentos para a execução da Busca Ativa está estabelecida no Manual de Implementação de Busca Ativa, elaborado pelo Grupo de Trabalho citado. Tem por finalidade estabelecer critérios e padrões para o atendimento não revitimizador das mulheres em sit