Aulas Teóricas de Introdução ao Direito 2024/2025 - PDF
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Universidade do Porto
2024
Comissão de Curso de Criminologia
Rodrigo Rocha Andrade
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These are lecture notes for a course on Introduction to Law in the 2024/2025 academic year at the Faculdade de Direito of Universidade do Porto. The notes cover topics such as the nature and meaning of law, different schools of thought on its origins, and analyses on the separation of public and private law or classifications related to various legal concepts.
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Comissão de Curso de Criminologia Ano Letivo 2024/2025 Aulas Teóricas 1º Ano Introdução ao Direito Docente Rodrigo Rocha Andrade Realizado por Bruna Neves Comissão de Curso de Criminologia Nota Prév...
Comissão de Curso de Criminologia Ano Letivo 2024/2025 Aulas Teóricas 1º Ano Introdução ao Direito Docente Rodrigo Rocha Andrade Realizado por Bruna Neves Comissão de Curso de Criminologia Nota Prévia O presente documento foi elaborado com base nos apontamentos retirados das aulas do docente Rodrigo Rocha Andrade pela aluna Bruna Neves. É da responsabilidade da Comissão de Curso de Criminologia, alertar para o facto de este consistir somente num guia de estudo cuja leitura não dispensa a frequência das aulas, nem a leitura da bibliografia obrigatória recomendada para a Unidade Curricular, pelo que deve ser utilizado apenas a título complementar. Obrigada pela confiança depositada, A Comissão de Curso de Criminologia 2 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Índice Noção e Sentido do Direito................................................................................. 4 Porquê que existe o Direito?.............................................................................. 4 O Direito como ordem normativa e como sistema institucional: confronto com outras ordens normativas.............................................................................................. 5 Critérios de distinção entre a Ordem Moral e o Direito......................................... 6 Ordem Jurídica (Direito)..................................................................................... 9 Justiça........................................................................................................ 11 Justiça do caso concreto: equidade.............................................................. 12 Segurança................................................................................................... 13 Ramos do Direito............................................................................................. 13 Ramos do Direito Privado.............................................................................. 16 Ramos do Direito Público.............................................................................. 17 Normas Jurídicas............................................................................................. 20 Características das normas............................................................................. 21 Tipos de Normas.......................................................................................... 22 Técnicas Legislativas....................................................................................... 25 Fontes do Direito............................................................................................. 29 Introdução ao Direito 3 Comissão de Curso de Criminologia Noção e Sentido do Direito O direito tem vários significados: → Pode ser um conjunto de normas que regula uma sociedade, que varia no tempo e no espaço – sentido objetivo → Direito enquanto faculdade, exigir de outrem uma determinada atuação, de possuir um determinado objeto ou de criar, determinar ou extinguir uma relação jurídica – sentido subjetivo → Direito enquanto ciência social e humana que estuda e pensa o direito em sentido objetivo e subjetivo → Direito enquanto Tribunal O direito em sentido objetivo, cria o sentido subjetivo. Sentido subjetivo → Direitos estritos – faculdade de exigir a uma determinada pessoa uma atuação ou determinado objeto (e.g. contrato de trabalho, direitos reais) → Direitos potestativos – extinguir / determinar / modificar uma relação jurídica (eg. divórcio) Porquê que existe o Direito? Em termos científicos, o ser humano não é muito desenvolvido. Este facto podia levar a coisas más, mas apesar do facto de não termos características que se destaquem em relação a outras espécies levou a que aprendêssemos a colaborar em sociedade. Teorias contratualistas Para Hobbes, “o homem é um lobo para o homem”, ou seja, o homem num estado de natureza era mau para a sua própria espécie, um ser egoísta e violento. Por este motivo, era necessário concentrar todos os poderes num só homem para estabelecer a ordem da sociedade – defesa do absolutismo. John Locke, devido à sua formação científica, pensa que o homem é uma “tabua rasa” e que tanto poderia ser bom ou mau. Num estado de natureza os homens são iguais e têm iguais direito à vida, à liberdade e à propriedade. No entanto, existem pessoas fortes e outras ainda mais fortes, o que leva a conflitos. O homem deve por de parte a sua própria vontade para resolver os conflitos e aplicar sanções justas. 4 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Cusson tem uma visão muito positiva do ser humano. Para ele, no seu estado de natureza o Homem seria bom e viveria na paz, ou seja, não fugia da sua conduta honesta, sendo que a sociedade o tornaria mau a partir da divisão do trabalho e da propriedade privada, sendo criada a diferença entre os homens. Sendo assim, para Cusson a soberania do Estado é na realidade o exercício da soberania do povo, tirando o absolutismo do rei e passa-o para o povo. – Democracia direta. Nozick parte de um estado de natureza muito semelhante do estado de Locke. A determinada altura, os homens perceberiam que se colaborassem na defesa uns dos outros seriam mais felizes, criando assim associações / alianças. No entanto, perceberam que estas alianças não eram muito fiáveis. Havia casos em que a pessoa que estavam a defender seria a errada, por exemplo. Estas associações começaram a dividir tarefas. Começaram também a criar procedimentos para definirem se iam ou não ajudar aquela pessoa. A partir daqui pode-se dizer que se criou as sociedades de facto. Depois deste momento, apareceu os Estados. Estes estados apareciam através de conflitos entre aliados, ou seja, A queria o território X e o B também, então dividiam o território entre si para cada ficar com uma parte, criando assim dois Estados. O Direito como ordem normativa e como sistema institucional: confronto com outras ordens normativas Ordem Social - conjunto de todas as regras que regulam uma sociedade. Para existir uma sociedade é preciso regras. A origem das regras que fazem parte das ordens sociais normativas é o Homem. O homem cria as leis da sua sociedade. As leis da ciência não são criadas pelo Homem, são criadas pela natureza e o homem, em dado momento, perceciona estas regras. As regras das ordens sociais normativas dizem nos como é que deveria ser a realidade. As leis físicas, são a realidade como ela é. As normas das ordens sociais normativas são alteráveis. O homem pode alterá-las. As leis científicas não podem ser alteradas. Uma norma das ordens sociais normativas podem ser violadas e continuar a ser válida (e.g. matar). Por outro lado, uma lei científica não pode ser violada. Se for significa que nunca correspondeu à realidade. Outro ponto em que diferem é o seu objetivo. As normas sociais pretendem controlar a sociedade. Introdução ao Direito 5 Comissão de Curso de Criminologia A sociedade tem vários conjuntos de regras: Regras da ordem moral Regras da ordem jurídica Regras da ordem religiosa Regras da ordem de trato social Há sociedades que não distinguem estes tipos de regras. Temos então estados totalitários. Critérios de distinção entre a Ordem Moral e o Direito Critério da exterioridade (Thomasios) O que faz parte do Direito é o comportamento exterior, o que faz parte da moral não é o exterior, mas sim o pensamento das pessoas. Aquilo que uma pessoa pensa/ crê não tem carater jurídico. No entanto, este critério não funciona, uma vez que o Direito importasse sobretudo com comportamento exteriores, mas também é preciso ver a intenção (e.g. homicídio involuntário e voluntário). A moral também se importa com o comportamento exterior. Critério do mínimo ético A moral é um conjunto de regras que visa alcançar a perfeição do homem e que dentro deste conjunto de regras vamos encontrar o mais importante. O direito seria o conjunto de regras mais importantes dentro da moral. No entanto, existem normas jurídicas que não fazem parte de normas morais (e.g. contraordenações na estrada), assim como existem normas jurídicas que não fazem parte do mínimo moral (e.g. aborto). Critério do motivo da ação A distinção entre a moral e o direito far-se-ia tendo em conta a fonte das normas. Para o direito seriam as normas impostas pela sociedade à pessoa - normas heterónimas. A moral seria o conjunto de regras que são criadas pelo próprio indivíduo. No entanto este critério não funciona, porque a moral não brota sempre do individuo e o individuo faz parte da sociedade, “então o Direito resulta de nós mesmos”. 6 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Critério da imperatividade Enquanto o direito cria ao mesmo tempo direitos e obrigações, a moral apenas cria obrigações. De acordo com este critério, quando falamos de direito, a cada vez que existe um direito existe uma obrigação adjunta, e vice-versa. Já quando falamos da moral, esta relação não existe. Isto funciona como regra geral, mas, visto que este critério parte do pressuposto da correspondência entre obrigação e direito a todo o tempo, tal não se verifica. Critério da coercibilidade Coercibilidade: a capacidade de ser imposta pela força ou de ter uma sanção aplicável pela força. Segundo este critério, as normas jurídicas são coercíveis, ao contrário das normas da ordem moral. No entanto, nem todas as normas jurídicas podem ser impostas pela força, de igual modo, algumas sanções das normas jurídicas não têm de ser aplicadas através da força. Por exemplo, existem sanções que se baseiam na invalidade de um contrato, ou seja, os contratos são simplesmente nulos, sendo a sanção automática e sem utilização da força. Quanto a normas que não podem ser aplicadas com força, podemos olhar para o código da estrada onde, por exemplo, um peão não pode legalmente passar a estrada sem ser pela passadeira, no entanto, se o peão o fizer, ninguém lhe podia exigir o comportamento da norma através da força ou aplicar-lhe qualquer tipo de sanção. Assim estamos mais uma vez perante um critério que, embora de forma genérica apresenta uma distinção válida, não pode por si só representar a definição desta distinção. Existem 3 tipos de relação entre a ordem moral e o direito → Relações de coincidência – situações em que as normas morais e as normas jurídicas vão no mesmo sentido, acontece porque o direito influenciou a moral (ex: proteção dos animais, voto das mulheres) o Princípio da não litigância – o direito deve evitar obrigar sujeitos a incumprir ordens da sua ordem moral (não deve impor comportamentos que uma pessoa possa considerar imoral) – ex: objeção de consciência (não matar na guerra) Introdução ao Direito 7 Comissão de Curso de Criminologia → Relações de conflito – há situações em que aquilo que o direito ordena é contrário à moral e vice-versa (ex: eutanásia, infidelidade, caso do Robin Wood). → Relações de indiferença – normas morais cujo teor é irrelevante para o direito e vice-versa (ex: contabilidade) Ordem do Trato Social → É o conjunto de regras que se destinam a tornar mais agradável a convivência em sociedade (ex: comer de boca fechada). Em caso de não cumprimento destas regras não há prisão, mas exclusão social. Podem se relacionar de 3 formas: → Relações de coincidência – por exemplo, ceder o lugar a idosos. → Relações de indiferença – o direito não obriga alguém a ser simpático → Relações de conflito – situações em que algumas normas do trato social podem ser contrárias ao direito e vice-versa (ex: proibição do duelo, dividas do jogo) Ordem Religiosa o Conjunto de regras que regula a relação de deus ou deuses com os crentes e ainda a relação dos crentes coma sociedade. Formas de distinção As normas jurídicas têm proveniência do Homem. As normas religiosas resultam direta ou indiretamente de Deus. As normas jurídicas visam regular a sociedade para a justiça e a segurança. As normas religiosas visam dar cumprimento as vontades de deus. As normas jurídicas aplicam se a todas as pessoas dentro de um determinado local. As normas religiosas aplicam se aos crentes independentemente de onde estejam. As normas jurídicas quando são violadas podem ter várias sanções. As normas religiosas quando violadas dão sobretudo lugar a sanções extraterrenas. Formas de relação: A religião é um facto social relevante e enquanto tal tem que ser tratado com o direito (ex: o direito pode prever feriados religiosos). Relações de coincidência – por exemplo, os feriados religiosos, homicídio, furto. Relações de indiferença – por exemplo, as horas das rezas ou sinais de transito. Relações de indiferença – por exemplo, as horas das rezas ou sinais de transito. 8 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Regras da técnica: são as regras que tem de ser seguidas quando se quer obter um determinado resultado (ex: se quero montar um avião e fazê-lo voar, tenho que seguir regras técnicas. A ordem jurídica pode juridificar regras da técnica (ex: regras relativas à saúde e higiene nos restaurantes). O direito pode proibir regras da técnica como por exemplo, a tortura.). Ordem Jurídica (Direito) → É um conjunto de regras sistematizado - ou seja, não é um conjunto aleatório -, harmónico e coerente. É uma unidade de normas. Existe um conjunto de mecanismos que ajuda a manter esta ordem em harmonia. Sendo eles: o A interpretação de normas. Permissão para elemento sistemático (a forma como esta norma se relaciona com as outras à sua volta). o Integração de lacunas: o direito tem de regular a sociedade no seu todo, no entanto a realidade é muito mais vasta do que aquilo que as regras podem prever. Então muitas vezes, algumas coisas acabam por passar despercebidas pelos legisladores. o As regras que regulam o conflito de normas: sempre que existe uma regra especial sobrepõe-se à regra geral. o Critério da hierarquia: as regras estão organizadas por hierarquia. Isto é, existem regras de hierarquia superior e inferior. Havendo normas mais relevantes do que outras, as inferiores deixam de existir. o Critério da cronologia: quando estamos perante normas da mesma hierarquia, a norma mais recente prevalece sobre a norma mais antiga. A mais antiga vai ser revogada. → O direito é necessário e universal. O homem tem de viver em sociedade e para viver em sociedade é preciso um conjunto de regras jurídicas. Mas não significa que seja todo igual. → A ordem jurídica tem um caracter relacional. Alteridade. O direito existe porque o homem vive em sociedade e o direito visa regular essa relação. → Plenitude. O direito tem de ser capaz de revelar todos os litígios de uma sociedade. Tem de ser capaz de responder a todos os litígios e resolvê-los. Introdução ao Direito 9 Comissão de Curso de Criminologia → Imperatividade. As normas jurídicas são imperativas. Não são conselhos nem recomendações. São imposições. Sempre que há atribuição de direitos, há alguém que fica obrigado a fazer alguma coisa. Por exemplo: se eu tenho direito de votar, então as outras pessoas têm o dever de não me julgar. Normas imperativas: a atribuição não depende da vontade das partes Normas supletivas: só se aplicam se as partes não tiverem acordado nada. Substituem a falta de vontade das partes. Esta imperatividade do ordenamento jurídico é tutelada pelo artigo 6º do Código civil. A ignorância ou desconhecimento da lei não justifica o seu incumprimento nem isenta as pessoas das lesões nela estabelecidas. → Coercibilidade. É a suscetibilidade das normas serem aplicadas pela força ou de terem sanções aplicadas pela força. É uma característica tendencial. Há exceções. Coercibilidade VS Coação: Coercibilidade é a possibilidade do uso da força. A coação é o próprio uso da força. O direito tem como característica a coercibilidade porque as normas jurídicas não dependem de ser aplicadas pela força para serem jurídicas. O direito não depende do uso da força. O direito legitima o uso da força. As sanções podem ser: → Subjetivas: quando se dirigem à pessoa. Podem ser acumuláveis entre si. Sanção subjetiva preventiva: visa evitar que a pessoa volte a cometer tal ato. Sanção punitiva: visa dar um castigo à própria pessoa. Sanção compulsória: visa impor à pessoa o cumprimento de uma norma que não esta a ser cumprida (ex: os juros que vêm com a divida; Artigo 229.º A) Sanções reconstitutivas: visam impor ao sujeito a obrigação de repor a situação jurídica que existiria se ele não tivesse violado uma norma (ex: indemnização) Sanções compensatórias: atribuem um valor a coisas que não têm valor efetivo. Visa muitas vezes, por meio patrimoniais, compensar situações que não são economicamente avaliáveis. → Objetivas: quando se dirigem aos atos praticados 10 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Nulidade: significa que qualquer pessoa pode invocar a nulidade do ato. Pode ser convocada a qualquer altura. Anulabilidade: apenas pode ser invocada pelo interessado, pela pessoa que visa ser protegida pela norma. Só pode ser invocada num determinado espaço de tempo pela pessoa interessada. A diferença entre estes dois conceitos começa no interesse tutelado pela norma. Quando os interesses são tutelados por uma norma pública, pode ser nulo. Quando os interesses são tutelados por uma norma privada, pode ser anulável. → A ordem jurídica é composta por normas que à partida são gerais e abstratas. São gerais no sentido em que se aplicam a um conjunto indeterminado de pessoas. São abstratas no sentido em que se aplicam a um conjunto indeterminado de situações. → Exterioridade. A ordem jurídica, à partida, interessa-se pelos factos que tenham um relevo exterior. Podendo estes factos ser condutas positivas ou negativas. O direito pode proibir um homicídio (positiva). O direito pode sancionar a omissão (negativo). É uma característica tendencial, pode depender da intenção → O direito deriva, em regra geral, de ordens do Estado. É uma característica tendencial, podendo derivar de entidades supraestaduais (acima do Estado, por exemplo, UE ou o direito internacional) e entidades infraestaduais (abaixo do Estado, por exemplo, direito das autarquias ou Ordem dos Advogados). → A forma como o ordenamento jurídico se relaciona com a sociedade. O Direito é influenciado pelo local e a cultura, mas também influencia a cultura do local. Justiça e Segurança Justiça Aristóteles disse que a Justiça devia de ser dividida em três: comutativa, distributiva e legal. Comutativa: é a justiça que tem de existir nas relações voluntarias ou involuntárias entre particulares. Nesta justiça, o justo é a igualdade de prestações. Na relação entre pessoas do mesmo nível, o que é justo é aquilo que dá ser igual aquilo que recebe. O que interessa é as prestações serem realizadas, não a qualidade dos sujeitos. Por exemplo, se entrar uma Introdução ao Direito 11 Comissão de Curso de Criminologia pessoa rica e uma pobre entrarem numa padaria e comprarem pão, elas têm de pagar o mesmo. Distributiva: regula as relações entre a sociedade e os cidadãos. Aqui sociedade não tem de ser sociedade no seu conjunto, pode ser uma família. Quando existe um conjunto de pessoas, e estas pessoas têm de dar alguma coisa aos seus membros, não usamos o critério de igualdade, mas sim o critério de proporcionalidade. Aqui vemos o que a sociedade deve aos seus membros. Por exemplo, o princípio da capacidade (numa faculdade, dá-se as notas a partir do que o aluno se mostra capaz). Legal: haverá justiça legal na medida em que os cidadãos cumpram com a lei. Aqui vemos o que os membros devem à sociedade: o cumprimento da lei. Walzer dizia que não existe uma justiça, existe tantas justiças quanto o número de bens que existe numa sociedade, sendo que estes bens são qualquer coisa que seja finita e que tenha algum valor para a pessoa. A discussão de justiça centra-se na escolha de critérios para definir o que é justo para a distribuição de um bem específico. Justiça do caso concreto: equidade É o mecanismo de resolução dos litígios e é utilizado quando o fim não é atingível por outras normas concretas. Enquanto mecanismo pode servir para, por exemplo, suavizar a aplicação do direito, completar o direito quando o direito não chega ou mesmo afastar o direito quando este conduz a situações injustas. A equidade caracteriza-se por atribuir à pessoa aplicadora do direito o poder para invés de aplicar uma norma geral e abstrata, aplicar a justiça através do seu próprio senso de justiça. Só em casos muitos concretos é que se pode recorrer à equidade. Previsto nos termos do artigo 4.º do Código Civil Exemplos de aplicação: → Direito ao nome: pode acontecer que a utilização de várias pessoas com o mesmo nome no local de trabalho, pode dar prejuízos. Neste caso, a equidade é utilizada. Porque tem de ser o juiz do caso concreto a decidir o que deve ser feito. → Estado de necessidade: às vezes podemos ocorrer a atos ilícitos em prol de algo maior. Por exemplo, num incendio se eu vir uma casa com água, posso invadir para buscá-la para apagar o incêndio. (Artigo 389 nº2 do código civil). Como é um caso concreto, só o juiz que vai julgar o caso é que vai saber como proceder. 12 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Segurança Segurança enquanto paz e ordem: um conjunto de normas serve para assegurar a paz em sociedade. Para nos permitir viver de forma saudável uns com os outros. Segurança enquanto proteção face ao estado: o direito é também utilizado para nos proteger do próprio Estado. A possibilidade de recorrermos ao tribunal, a existência de uma constituição, a existência de normas de processo penal. Tudo isto visa, em alguma medida, nos proteger face ao Estado. É por isso que as normas são públicas. As normas jurídicas, de regra geral, conseguem alcançar a justiça e a segurança. No entanto, isto pode nem sempre acontecer. Por vezes o legislador pode ter de optar por fazer normas que protejam mais a segurança e menos a justiça ou vice-versa. De regra geral, quando tem de escolher, o direito escolhe proteger a justiça. Por este motivo, o principal objetivo do direito é defender a justiça. Por exemplo, a equidade é um exemplo claro em que a justiça prevalece sobre a segurança. A equidade cria incerteza; não nos permite prever as consequências dos nossos atos. Outro exemplo são os conceitos indeterminados - são conceitos utilizados pelo legislador para permitir a atribuição das normas jurídicas à realidade (ex: bom pai de família, entre outros). Excecionalmente a segurança sobrepõe-se à justiça, por exemplo, prisão preventiva. A determinação da maioridade. Esta norma visa atribuir mais segurança do que justiça. Caso julgado, é o instituto que nos diz que o litígio não pode voltar a ser julgado assim que a decisão é definitiva. Ramos do Direito Ramo de direito: conjunto de normas que são estruturas segundo princípios gerais e específicos e que visam regular um objeto próprio, contêm uma individualidade própria. O direito é dividido em vários conjuntos de normas distintas para ser mais fácil de ensinar e de o aplicar. No entanto, isso não significa que eles não se complementem. Primeira grande divisão: Direito privado e direito publico. → Direito Privado: regula as relações jurídicas, pessoas ou patrimoniais de particulares entre si ou destes com docentes públicos quando estejam despojados de poder de autoridade. Introdução ao Direito 13 Comissão de Curso de Criminologia → Direito Público: conjunto de normas que regulam as relações jurídicas entre entes públicos que atuam enquanto tal ou entre entidades publicas e particulares quando um ou outros têm poder de autoridade. Esta divisão nem sempre foi tão simples. Para se chegar a esta definição foi preciso passar por outras definições que não funcionaram. Critérios de distinção Critério dos interesses: o direito público será o conjunto de normas que regulam interesses públicos, por exemplo, segurança, justiça, saúde, proteção social; enquanto o direito privado seria um conjunto de normas que protegia os interesses privados, nomeadamente as propriedades privadas, a família, os interesses comerciais ou contratuais, etc. Não é funcional porque: Há normas de direito privado que visam proteger interesses públicos. Por exemplo: art.1602º do cc - artigo que proíbe o casamento de parentes em linha direta. Este artigo regula o direito da família, normalmente considerado como um direito privado. No entanto, esta norma pretende proteger o interesse público, baseado na ideia antiga de que o casamento era para a procriação, este artigo visa proteger as gerações futuras, cientificamente, nascem com problemas genéticos que advêm do incesto. Há normas de direito público que visam proteger interesses privados, por exemplo: as normas que atribuem direitos dos particulares face ao estado, são regras que vão estar incluídas no direito público, mas visam proteger interesses privados. Todas as normas visam proteger ao mesmo tempo interesses privados e interesses públicos. As normas são pontos de equilíbrio, protegem vários interesses ao mesmo tempo. Critério da desigualdade: as normas de direito publico seriam para regular relações desniveladas, enquanto o direito privado regularia relações de igualdade. Não é funcional porque: Existem relações desniveladas que são reguladas pelo direito privado. exemplos: relações entre pais e filhos, que são relações desniveladas tal como nas relações laborais, em que nos contratos de trabalho está claramente estipulada a diferença de poder. Ambas estas situações fazem parte do direito privado. 14 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Critério da qualidade dos sujeitos: o direito público seria o conjunto de normas que regulam a atuação do estado e das outras entidades públicas enquanto o direito privado seria o conjunto de normas que regula as relações entre particulares, associações, fundações, etc. Não é funcional porque: Existem relações entre particulares que vão estar sujeitas ao direito público. exemplo: as relações decorrentes de contratos de relações públicas, de autoestrada, etc., nestes casos temos o estado, um município, a determinar certos poderes às entidades particulares, como por exemplo aos agentes de segurança que vão passar as multas, o estado forneceu-lhe esse poder. Existem relações em que o estado aparece e que vão estar sujeitas ao direito privado. Critério dos poderes de autoridade: facto consoante as relações que são reveladas exista ou não a utilização de poderes de autoridade ou poderes de estado, de soberania ou de supremacia. Se estas relações existirem, estamos perante normas do direito público. Quando, em causa estejam relações em que as partes estejam desprovidas destes poderes, nós estamos perante o direito privado. Este é o critério aceito atualmente. Características destes dois ramos do direito No que diz respeito à extensão dos poderes jurídicos utilizáveis no âmbito do direito privado a regra é -tudo o que não é proibido, é permitido. As pessoas atuam quase que em liberdade total. No direito publico as entidades ficam sujeitas a dois princípios: legalidade e competência. No princípio da legalidade, quando as entidades atuam no âmbito do direito publico, apenas podem atuar nos termos expressos na lei. No princípio da competência, as entendidas no âmbito do direito publico apenas podem atuar no âmbito das competências expressamente atribuídas. No que diz respeito aos recursos financeiros, ou seja, na forma que se gasta o dinheiro, no direito público a utilização ou obtenção de recursos financeiros está devidamente regulada pela lei, ou seja, é a lei que determina a forma que se pode gastar ou obter os recursos financeiros. No direito privado existe a liberdade das partes, ou seja, as partes obtêm e usam o dinheiro da forma que acharem pertinente. Introdução ao Direito 15 Comissão de Curso de Criminologia No que diz respeito ao procedimento de atuação, no direito público, existe um conjunto de regras que visa delimitar e estabelecer o procedimento que as partes têm de seguir para atuar. No direito privado, as partes não estão sujeitas a seguir procedimento nenhum para atuar. Por exemplo, se a faculdade de direito publica quiser contratar um professor, tem de abrir concurso e selecionar o professor a partir das suas competências (direito público). Por outro lado, se o ISMAI (faculdade privada) quiser contratar um professor, pode usar os requisitos que quiser (direito privado). No que diz respeito aos meios utilizados para atingir os fins, direito publico atua a maioria das vezes através de formas unilaterais de ação, que revelam a sua supremacia (por exemplo, a atribuição de licenças). No direito privado funciona atos bilaterais, ou seja, não existe uma supremacia entre as partes (por exemplo contratos). Ramos do Direito Privado Direito internacional privado: são normas que não têm uma solução final para o problema, mas remetem-nos para a legislação aplicável. Regula as relações plurilocalizadas, ou seja, relações que têm pontos de contacto com mais de uma ordenação jurídica. Norma de conflito: norma que determina qual vai ser o ordenamento jurídico a aplicar numa determinada relação jurídica. Artigos 14.º e 65.º do Código Civil Direito civil: é aquilo que se chama de direito privado comum ou geral. Conjunto de normas que regulam toda a vida da pessoa, desde o momento que nasce até ao momento em que morre. → Direito das obrigações: é o ramo do d. privado constituído pelas normas jurídicas que regulam as obrigações, ou seja, os vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa fica obrigada à realização de uma determinada prestação. Diz como é que nascem as obrigações, em que momento é que tem de ser cumprida, quando é que uma obrigação se extingue. Resulta dos contratos, sendo estes que criam as obrigações, ou dos atos ilícitos que vão criar obrigações de uma pessoa perante outra - responsabilidade civil, indenizações. → Direito das coisas: o conjunto de normas jurídicas que disciplinam os poderes diretos e imediatos de determinadas pessoas sobre as coisas. Dentro do direito das coisas regula-se o direito de propriedade (o que é, como se aplica, entre outros), o direito de usufruto, o direito de superfície, entre outros. 16 Faculdade de Direito da Universidade do Porto → Direito da família: conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações familiares propriamente ditas. Relações familiares podem ser estas: casamento, parentesco, afinidade, adoção, etc. é neste ramo do direito que encontramos solução para estas soluções. → Direito das sucessões: regula a forma como os direitos e os deveres do falecido se vai transmitir para os seus herdeiros. Conjunto de normas jurídicas que disciplinam um fenómeno sucessório. É dividido em três tipos: o Sucessão testamentária: resulta de um testamento. É neste regime que vamos ver quais são as condições da realização de um testamento. o Sucessão legitimária: é o conjunto de regras que regula a sucessão obrigatória. Há um conjunto de pessoas que vão ser considerados herdeiros legitimários, em que vão ter sempre direito a uma parte dos bens. o Sucessão legítima: é a sucessão que existe quando não há um testamento. O estado fica com os bens quando não há família. Direito da propriedade intelectual: um conjunto de normas que regulam as criações humanas. Divide-se em dois ramos: → os direitos do autor – regula a titularidade de criações tais como livros, quadros, músicas, filmes, etc → o direito de propriedade industrial - regula a utilização de marcas, logotipos, patentes. Direito do trabalho: regula a relação laboral. Estas normas ainda que estejam no direito das obrigações, estão sujeitas a um conjunto de normas próprias (ramo do direito das obrigações) Direito comercial: é o conjunto de normas que regulam as relações entre comerciantes. Apareceu na idade media em Itália, para regular as relações entre comerciantes, porque o direito civil era muito lento, então os vendedores criaram o direito comercial de forma a tornar mais rápida a transição. (ramo do direito do trabalho) Ramos do Direito Público Direito internacional público: é o conjunto de normas que regula as relações entre estados ou entre estados e outras entidades de direito internacional. É um direito que regula a sociedade que é o mundo dividido em vários estados. Daqui resulta: Introdução ao Direito 17 Comissão de Curso de Criminologia → Direito constitucional: conjunto de normas que regulam a organização e funcionamento dos poderes do estado, indicam quais são as principais tarefas do estado e atribuem os direitos fundamentais aos cidadãos. Apesar de ser considerado um ramo do direito publico, podemos considerar que seja um tronco uma vez que todas as normas para serem aprovadas devem passar pelo direito constitucional. Não é a Constituição. Quase todas as normas do direito constitucional estão na constituição e quase todas as normas da constituição estão no direito constitucional, no caso português. Direito administrativo: regula a organização e o funcionamento da administração publica e de outras identidades publicas, nomeadamente, autarquias, institutos públicos, empresas publicas e regulam as relações entre estas entidades e os cidadãos. Tem três finalidades: → organização orgânica (divide as competências do estado, diz-nos, por exemplo, como se organizam as regiões autónomas, como se organizam os municípios, entre outros), → funcional ou procedimental (estabelece regras de funcionamento e formalidades da atuação destes entes públicos - procedimento administrativo). Ao contrário do que acontece no direito civil, não vem concebido num único diploma, o direito administrativo vem disperso em muitas legislações. O direito administrativo cria conjuntos de regras tão específicos que acabam por se tornar "independentes" (ex: direito do ambiente). Direito económico: é o conjunto de normas que disciplina a intervenção do estado na economia, tanto na sua vertente de gastador de dinheiro como na sua vertente de produtor ou na sua vertente de regulador das atividades económicas. Daqui resulta: → Direito financeiro: conjunto de normas que regulam a atividade financeira do estado, que inclui tanto a obtenção de receitas como a realização de despesas. Dentro do direito financeiro temos: o Direito fiscal ou tributário: Conjunto de normas que regulam a forma como o estado pode impor o pagamento de impostos. Esta divido em vários ramos fiscais (ex: o pagamento do iva, etc). Direito penal: conjunto de normas que definem os crimes e estabelecem as correspondentes penas e medidas de segurança. O direito penal vem em grande medida previsto no Código Penal, mas depois existem normas deste direito espalhadas por toda a 18 Faculdade de Direito da Universidade do Porto legislação (ex: algumas leis do direito do ambiente, têm notas especiais sobre crimes contra o ambiente). Está divido consoante o tipo de crimes. Direito de mera ordenação social ou direito contraordenacional: é o conjunto de normas que definem certos comportamentos humanos como sendo contraordenações e os atribuem determinada sanção. Esta sanção normalmente é uma coima (pode também ser uma pena de reparação). Direito judiciário: é um conjunto de normas que regula a organização, a competência e o modo de funcionamento dos tribunais. Existe uma lei que nos diz como é que os tribunais vão estar divididos e vão nos dizer as secções especializadas dos tribunais. Também define como é que os tribunais estão organizados em termos verticais (hierarquia). Direito processual: trata da forma como os litígios vão ser resolvidos pelos tribunais. O direito processual é o conjunto de normas que nos explica o que se deve fazer para resolver um litígio perante os tribunais. Existe vários direitos processuais (ex: Direito Processual Penal, Direito Processual Civil, entre outros). Direito do urbanismo: conjunto de normas que regula a forma como o estado permite, por exemplo, a construção ou restauração de edifícios, ou a forma como o estado regula a organização das cidades. Direito do ambiente: conjunto de normas que visa limitar a atividade das empresas para proteção daquilo que é a fauna e a flora portuguesas. Fá-lo por exemplo através da exigência da obtenção por parte das empresas de licenças e certificações especiais, máquinas específicas. Ramos mistos/ Ramos que são superiores a estas divisões Direito bancário: é o conjunto de normas que regula as operações e os serviços prestados pelas instituições financeiras. Estabelece normas para a relação entre os bancos, as instituições financeiras e os seus clientes. É um ramo misto porque tanto atua em entidades publicas como em privadas. Direito internacional público: é o conjunto de normas que regula as relações entre estados ou entre estados e outras entidades de direito internacional. É um direito que regula a sociedade que é o mundo dividido em vários estados. Direito comunitário: conjunto de normas que resultam da atividade dos órgãos da união europeia Introdução ao Direito 19 Comissão de Curso de Criminologia A diferença entre direito publico e direito privado tem se vindo a esbater ao longo do tempo. Existe uma aproximação dos princípios do direito privado a algumas regras do direito público e uma aproximação de direito público a algumas regras e princípios de direito privado. Normas Jurídicas Uma norma é o critério de qualificação e decisão de casos concretos. A palavra norma era utilizada para descrever um equipamento de engenharia. A utilização da norma no sentido jurídico é uma metáfora: a norma é uma medição dos comportamentos. As normas jurídicas aparecem como normas de conduta, ou seja, visa conformar a conduta das pessoas (é apenas parcialmente correta). Não podemos dizer que todas as normas jurídicas são normas de conduta: → Normas retroativas, aplicam-se a factos passados, ou seja, não podem ser normas de conduta por ter sido uma ação que aconteceu no passado; → Normas produzem efeitos automáticos, a pessoa não tem de fazer nada para que seja aplicada este tipo de norma, por isso, não é uma norma de conduta; → Normas sobre normas: alguns artigos iniciais do cc (ex: artigo 1º) têm normas sobre normas, ou seja, não regulam a condutas das pessoas, mas sim a validade de outras normas. As normas jurídicas distinguem-se das decisões ou sentenças. Estas últimas aplicam-se a pessoas ou situações em concreto. Já as normas jurídicas são gerais e abstratas. As normas são pressupostas das decisões. Só existe uma decisão tendo em conta uma norma. Também de se pode distinguir as normas dos princípios. Quando se fala em princípios, estes não correspondem a normas. Os princípios são máximos ou formulas enunciadas de forma condensada que exprimem várias orientações ou valores de uma dada ordem jurídica num todo ou de um determinado ramo jurídico. São iniciações gerais que depois tem que ser concretizadas através de várias normas jurídicas. Por exemplo: o princípio da legalidade representa uma ideia que está subjacente a todo o ramo do direito penal, ideia essa que esta concretizada em normas concretas. Os princípios são vetores do sistema jurídico que depois são concretizados em normas concretas. As normas resultam dos princípios. 20 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Quando duas normas estão em conflito entre si, uma não vai ser aplicada. Nos princípios não existe esta ideia. Os princípios são argumentos que podem apontar uma solução. Os princípios são vetores que depois têm de ser equilibrados entre si. Os princípios jurídicos não são absolutos. As normas concretas, muitas vezes, resultam da conjugação de princípios. As normas têm uma estrutura bipartida. Por um lado, têm uma parte chamada de previsão ou hipótese e por outro lado, têm uma parte chamada estatuição. São aplicadas através do silogismo judiciário. → A previsão é a descrição de uma determinada situação real ou jurídica que resulta nas consequências jurídicas. Significa que esta previsão tanto pode ser um conjunto de eventos jurídicos como pode ser a descrição de eventos com exteriorização física. → A estatuição é o efeito jurídico associado à verificação da previsão. A norma jurídica, tendo em conta estas duas parte pode ser descrita da seguinte forma, se acontece a previsão então acontece a estatuição (não há uma forma correta de escrever uma norma, é preciso estar com atenção para se identificar). → Silogismo: é uma forma de argumentação composta por três partes uma premissa maior, uma menor e uma conclusão. → Silogismo judiciário: parte da aplicação do direito e dos tribunais. Os tribunais olham para as normas e para o caso concreto e veem de que forma se aplica. A premissa maior será a norma, a premissa menor será o caso concreto e a conclusão será a sobreposição entre ambas. (ex: Premissa Maior: quem matar será punido com uma pena de 5 anos; Premissa Menor: Joaquim matou; Conclusão: O Joaquim deve ser punido com uma pena de 5 anos de prisão). Características das normas As normas têm características tendenciais que vão de encontro às características do ordenamento jurídico: → As normas são imperativas ou têm um caracter prescritivo. A aplicação das normas não é opcional. As normas assim que a sua previsão esteja preenchida vão dar origem à consequência prevista na norma. (ex: Normas facultativas: atribuem Introdução ao Direito 21 Comissão de Curso de Criminologia faculdades às pessoas. Esta norma é imperativa, pois resulta da própria lei. Estas normas podem ser prescritivas ao contrário.) → São gerais e abstratas. Uma norma geral aplica-se a um conjunto indeterminado de pessoas. As normas devem ser abstratas porque têm que abranger um conjunto indeterminado de situações. o Generalidade VS Pluralidade: A generalidade é diferente de pluralidade. Uma norma pode ser geral e não ser plural e vice-versa. Por exemplo, existe um conjunto de normas destinadas ao presidente da República. Estas normas são gerais, mas não são plurais, porque não se pode prever o próximo presidente, mas são dirigidas a uma única pessoa. → São violáveis: são normas de dever-ser, não as de ser. Ainda assim esta característica é meramente tendencial, na medida em que existe normas que não podem ser violáveis, por exemplo as normas automáticas, porque produzem efeito apenas no mundo do direito. → Coercibilidade. É a possibilidade da imposição da norma através do uso da força ou da imposição da sanção de uma norma através do uso da força. Tipos de Normas No que diz respeito à sua relação com a autonomia privada podem ser: → Normas injuntivas: obrigam de forma absoluta, independentemente da vontade das partes. (ex: interesses públicos). Estas podem ser: o Normas proibitivas: são normas que proíbem uma determinada atuação ou conduta (ex: artigo do Código Civil - não podem ser testemunhas os menores de 16 anos, entre outros). o Normas precetivas: são normas que impõem uma determinada conduta (ex: artigo 4º do Código de Estrada) → Normas dispositivas: são normas cuja aplicação depende, em maior ou menor grau, da vontade das partes. (interesses particulares). São de 3 tipos: o Normas facultativas: são normas que atribuem uma determinada faculdade, isto é, nos atribuem um direito (ex: se eu fizer um livro posso pedir os direitos autorais). o Normas supletivas: são normas que só se aplicam quando as partes não tenham acordado em sentido diverso (ex: caso da determinação do preço de um produto). 22 Faculdade de Direito da Universidade do Porto o Normas interpretativas: são normas criadas e que visam atribuir um alcance em sentido próprio a certas declarações das pessoas em caso de dúvida (ex: artigo 2226 do CC). No que diz respeito ao seu âmbito de aplicação: → Normas gerais: é uma norma que cria um regime de regra; cria um regime indeterminado de situações; face a outras normas é mais abrangente no âmbito de aplicações. → Normas especiais: não indo contra a norma geral criam um regime diferente mais afinado para um conjunto determinado de situações. A norma especial tem um âmbito de aplicação menor do que a geral. → Normas excecionais: é uma norma que vai contra o regime geral. Não podem ser objeto de aplicação analógico. o Só conseguimos distinguir uma norma geral, especial e excecional, quando a comparamos com outras normas. o Esta qualificação é relevante por exemplo, para a aplicação do artigo 11º do CC. Este artigo trata da aplicação da analogia de normas. Quando existe uma lacuna jurídica, uma das formas de regular estas lacunas, é aplicar a analogia de normas. As normas excecionais não se podem aplicar por analogia. No que diz respeito à revogação tacita das normas, quando existe uma alteração de regra geral, essa alteração não determinada por si só a alteração de regras especiais ou excecionais. Nota: Quando falamos de normas especiais, muitas vezes, estas que regulam uma situação em concreto, podem ganhar autonomia face à norma geral e gerar um ramo jurídico. No que diz respeito ao âmbito de aplicação territorial das normas, podem ser: → Universais: por exemplo, a proibição do genocídio. Ou seja, é aplicada em qualquer parte do mundo → Comunitárias: dão-se numa dada comunidade, por exemplo, a União Europeia. → Nacionais: regras que se aplicam em todo o território de um país. As normas nacionais não têm de ser emitidas por um órgão nacional. → Regionais: regras que se apliquem apenas numa dada região. → Locais: regras que se aplicam apenas em alguns concelhos, por exemplo. Introdução ao Direito 23 Comissão de Curso de Criminologia Há normas jurídicas que se aplicam a todo o mundo, há outras que só se aplicam em partes do mundo (por exemplo, UE), outras que só se aplicam em países. As normas podem ser completas ou incompletas. Significa que algumas disposições legais não são completas, no sentido em que delas não resulta uma norma jurídica completa, porque estão incompletas (ou lhes falta parte da previsão ou toda a previsão, ou lhes falta parte da estatuição ou toda a estatuição) - ex: definições legais, as classificações legais, as enumerações legais, as remições, as ficções e as presunções. As normas completas são aquelas onde é fácil identificar a previsão e a estatuição. No que diz respeito ao regime sancionatório, podem ser: → Normas mais que perfeitas: são normas que têm duas sanções diferentes, uma para o ato e uma para o ofensor (ex: a venda de drogas é proibida e ao mesmo tempo em alguns casos é penalizada. A pessoa que vende a droga também é sancionada). → Normas perfeitas: são normas cuja consequência é a nulidade do ato (ex: À luz do direito da família uma pessoa não pode ser coagida a casar) → Normas menos que perfeitas: são normas cuja violação tem associada uma consequência diferente da invalidade do ato. Normalmente tem como consequência uma sanção do próprio indivíduo (ex: é proibido o casamento a pessoas menores de idade, porém se alguém menor de 16 anos ou mais casar, viola esta regra, mas é valido. No entanto não pode administrar os seus bens. O ato é valido, mas existe uma consequência para a pessoa que violou a norma). → Normas imperfeitas: é uma norma que não tem qualquer sanção associada (ex: algumas normas da Constituição; direitos programáticos - Constituição). As normas podem ser também substantivas ou adjetivas. As primeiras visam regular litígios e definem o conteúdo das relações jurídicas. Normas adjetivas visam regular a atuação das instâncias publicas de julgamento que terão de decidir sobre aplicação do direito substantivo (direito processual). No que diz respeito ao conteúdo das normas podem ser: → Naturalístico: utilizam conceitos cujo conteúdo é facilmente compreendido por qualquer cidadão. 24 Faculdade de Direito da Universidade do Porto → Jurídico: as normas podem utilizar conceitos cujo significado não resulta daquilo que é a nossa intuição enquanto cidadãos, mas sim cujo significado resulta do direito enquanto ciência jurídica (ex: aquilo que é um cidadão, aquilo que é um contrato, etc). → Técnico: normas utilizam conceitos cujo significado resulta, não do direito, não do bom senso, mas sim de outra ciência (ex: o conceito de higiene, o conceito de morte, o conceito de doença, etc). Apenas resulta do significado que lhes é dado de outra ciência. As normas podem se dividir consoante tenham um conteúdo rígido ou flexível. As normas de conteúdo rígido possuem uma previsão e estatuição devidamente delimitadas e fechadas. O que significa que o julgador vai ter muita facilidade a aplicar aquela norma, porque a sua previsão e estatuição já estão fechadas. As normas com conteúdo flexível, cabe ao julgador do caso concreto decidir a pena concreta do caso (direito penal). Técnicas Legislativas Codificação: é a agregação com carater duradouro de normas relativas a uma área relevante do direito. Sendo que esta agregação tem três características: sintética, científica e sistemática. A codificação distingue-se, por exemplo, daquilo que é a compilação e daquilo que é consolidação. Apareceu sobretudo depois do iluminismo, até la o que existiu foi compilações e consolidações de normas. À medida que apareciam problemas, apareciam normas para resolver esses problemas. Isto causava problemas naquilo que é a consolidação de normas, pois não se sabia onde elas apareciam. Para resolver esta questão, criaram-se as compilações, onde tentavam organizar as normas por exemplo, pelo seu momento de aplicação. No entanto, também existia muitos problemas, porque existia muitas normas repetidas e revogadas. Para resolver estas questões, criou-se então os códigos (organizados por temas específicos) que eram sistemáticos, no sentido em que estavam organizados. Eram sintéticos no sentido em que evitavam a repetição de regras e regras revogadas. Eram científicos no sentido em que correspondiam a uma tentativa de regular de forma completa uma determinada ordem do direito. Os estatutos são conjuntos de normas que regulam determinadas profissões e conjuntos de normas. Introdução ao Direito 25 Comissão de Curso de Criminologia As leis orgânicas, são leis que regulam a forma de funcionamento de um determinado serviço público. Divisão dos diplomas legais em partes ou secções: a divisão de diplomas através de livros, títulos, capítulos, secções e subsecções. Ajuda a encontrar a lei que deva ser aplicada. Dento dos diplomas costuma existir uma Parte Geral. Parte geral: são um conjunto de regras que se vão aplicar de forma coerente ao longo de todo o diploma, desta forma, evitam repetições (ex: no Código Civil, a parte geral vai ter informação relativa à contagem de prazos). Presunções: no termos do artigo 342 do CC, quem quer exercer um determinado direito tem de fazer prova dos pressupostos da existência desse direito. Muitas vezes, pode ser difícil provar especificamente o facto que dá origem a um direito (ex: hoje de manhã, o meu aspirador estava a funcionar, quando chegar a casa vejo que o meu vizinho está a circular com peças do meu aspirador. Quando chego a casa, vejo que o meu aspirador não está a funcionar. Então, o meu vizinho roubou as peças. Porém, não tenho provas em concreto para justificar a minha acusação. Por isso, parto do princípio de que por ter visto o meu vizinho a sair da minha casa com peças que pareciam as do meu aspirador, posso considerá-lo culpado). As presunções podem ser de dois tipos: legais e judiciais. → As judiciais são aquelas que são juízos de probabilidades que um juiz faz em julgamento. → Presunções legais: Muitas vezes, é o próprio legislador que faz presunções na lei então, quando acontece A podemos partir do pressuposto que B aconteceu. Estas presunções podem ser absolutas ou relativas. o As absolutas são aquelas em que o legislador partindo de um facto conhecido afirma a verificação de um facto desconhecido sem possibilidade de prova em contrário. Isto é, o legislado parte do facto A para considerar o facto B e não aceita que se faça prova da existência do facto B. o Nas relativas, o legislador parte do facto A para se verificar parte B, mas permite que se faça prova da existência do facto B, neste caso existe uma inversão do onus da prova. As presunções legais são sobretudo um meio para facilitar a prova. Como diversos factos jurídicos exigem provas complexas, muitas vezes, o legislador facilita esta prova através das presunções legais. 26 Faculdade de Direito da Universidade do Porto Ficção de grau: o legislador assume que um determinado facto é na verdade um facto totalmente diferente e aplica a este facto o regime daquele outro. Isto é, por exemplo, no direito romano, apenas os cidadãos romanos tinham direito a realizar testamentos, os escravos não podiam. As pessoas que eram capturados na guerra, tornavam-se escravos. Se um cidadão fosse para a guerra e fosse capturada pelo inimigo tornava-se escrava. Se esta pessoa tivesse feito um testamento, perdia-o. Os romanos criaram uma ficção: vamos ficcionar que as pessoas que foram capturadas, morreram e então o seu testamento continua válido (artigo 275, artigo 275 nº2 do Código Civil). Aparecem como forma de o legislador conseguir soluções justas sem ter de criar regimes próprios para determinadas situações. As ficções são utilizadas em ordenamentos jurídicos onde são essenciais a estabilidade e a certeza. Por outro lado, as ficções servem para não haver repetições de regimes na lei. Definições legais: o direito enquanto ciência necessita de ter e utilizar conceitos exatos e muitas palavras são polissémicas. É muito importante que o direito apareça e defina alguns conceitos que vamos utilizar. Estas definições são muito relevantes para efeitos de certeza jurídica. Ajudam a dar alguma previsibilidade na forma como as normas são aplicadas. No entanto, o legislador deve utilizar as definições de forma coerente. As definições não funcionam por si só, apenas em conjunto com normas e outras previsões e estatuições (ex: Artigo 202º, artigo 874º, artigo 204º do CC). Podem ser relativas e absolutas. Uma definição relativa aplica-se apenas dentro de um determinado diploma. Uma definição absoluta aplica-se a qualquer diploma legal. Remissões legais: são a técnica através do qual o legislador preenche total ou parcialmente a previsão ou a estatuição de uma norma remetendo para o conteúdo de outra norma. As remissões podem ser de previsão ou estatuição, consoante sejam uma estatuição ou previsão. → Podem ser remissões extrasistemáticas que resultam das normas do direito internacional privado (são especiais, na medida em que não resolvem o problema diretamente, mas escolhem as normas que resolvem o problema), ou seja, remetem para normas de outros códigos. As remissões podem dificultar excessivamente a aplicação do direito e isto pode resultar em duas circunstâncias diferentes: o abuso do legislador em usar as definições (temos que andar a "saltar" de artigo em artigo até chegar à aplicação do artigo final) e ao remeter de um regime para outro, é preciso ter em conta as devidas alterações dos casos Introdução ao Direito 27 Comissão de Curso de Criminologia (ao pegar em normas de um ramo jurídico para outro, precisamos ter em conta que elas não estão a ser aplicadas no seu "habitat natural"). → Exemplo de remição de estatuição: artigo 665º do Código Civil (serve para não haver uma repetição de artigo aplicáveis). → Exemplo de remição de previsão: artigo 294º do Código Penal (nós só percebemos a previsão legal desta previsão se formos ver os artigos citados). Enumerações legais: muitas vezes, o legislador não consegue criar uma circunstância legal para a previsão legal (descrição de uma circunstância padrão). O legislador não cria apenas uma circunstância padrão, mas prevê várias situações para aquela previsão. As enumerações legais podem ser de 2 tipos: exemplificativa e taxativa. Na enumeração exemplificativa, o legislador descreve situações em que se pode aplicar a norma, mas não descarta a aplicação da norma noutras situações semelhantes. Por outro lado, na enumeração taxativa, o legislador diz que aquela norma apenas se aplica se se verificar aquelas circunstâncias específicas enumeradas (aparecem nos ramos do direito público) Clausulas gerais: são a forma que o direito tem de estabelecer, de uma forma genérica e ampla, determinadas previsões legais, muitas vezes utilizando conceitos indeterminados (ex: artigo 257º do Código Civil). Tem como objetivo aplicar determinadas previsões gerais ao máximo de situações possíveis. Conceitos Indeterminados: são o oposto daquilo que são os conceitos definidos através das definições legais. Os conceitos indeterminados são usados pelo legislador por serem polissémicos, vagos ou ambíguos, porosos - no sentido em que permite ao direito absorver conceitos extrajurídicos. Os conceitos indeterminados não têm uma definição legal rígida. A utilização de conceitos indeterminados permite que a norma jurídica se adapte à realidade existente a cada momento (ex: prazo razoável, medidas apropriadas, justa causa, justo impedimento, atividade perigosa, usos de comércio, bons costumes - todos estes conceitos variam dependendo da situação). Modo de produção das normas - como é que as normas jurídicas aparecem na sociedade A forma como as normas jurídicas aparecem nas sociedades varia ao longo do tempo. As normas têm de ser adaptadas à sociedade. O direito tem de evoluir. Esta evolução faz se através de factos sociais que criam, modificam ou extinguem normas jurídicas. A estes dá-se o nome de fontes do direito que são factos que criam, modificam 28 Faculdade de Direito da Universidade do Porto ou extinguem normas jurídicas ou ajudam a interpretar as normas existentes. O que são fontes variam ao longo do tempo. Estas fontes podem ser de dois tipos: → Fontes imediatas: são as fontes que efetivamente criam, modificam ou extinguem as normas → Fontes mediatas: são factos que ajudam a perceber o conteúdo das normas jurídicas. Ex: Normas corporativas são normas que são imitidas por determinadas corporações (ex: ordem dos médicos; ordem dos advogados). São normas que não resultam de leis propriamente ditas, mas são fontes do direito. Fontes do Direito Costume: o comportamento das pessoas dita as normas. O direito aparece em 1º lugar através de práticas gerais, uniformes e prolongadas no tempo quando existe nessas práticas a convicção da sua obrigatoriedade ou permissibilidade. O costume corresponde ao corpus (elemento físico do costume) e ao animus (elemento subjetivo do costume). Não basta a existência da prática de uma sociedade para ser considerada norma jurídica, é preciso a crença de que a pratica é obrigatória para se tornar uma norma jurídica. O costume desaparece quando algum dos seus elementos deixa de existir (a prática ou a obrigatoriedade). Nesse caso, o costume cessa e a norma desaparece. O costume muitas vezes relaciona-se com a lei. Nesta relação há três hipóteses: → O costume segundo a lei: segue a lei. → O costume contrário à lei: não segue a lei. Existe casos em que a lei prevalece sobre o costume (ex: a criação das normas de higiene no século XIX proibiam, por exemplo, que as pessoas fossem enterradas na igreja, que era um costume) e casos em que o costume prevalece sobre a lei (ex: caso das touradas de barrancos). → O costume para lá da lei: é o costume que completa as normas jurídicas resultantes da lei. Fundamentos para aceitarmos o costume como fundamento de fonte do direito: considerou-se que o costumo era fonte de normas jurídicas, porque consistia de uma vontade tacita do legislador. Atualmente, considera-se que o costume é a expressão direta da vontade do povo. Introdução ao Direito 29