Heterónimos, Fernando Pessoa - Alberto Caeiro, Ricardo Reis

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Este documento apresenta os heterónimos de Fernando Pessoa, com foco nos poetas Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Aborda as suas características literárias e filosóficas, incluindo o fingimento artístico, a reflexão existencial e a relação com a natureza e a mortalidade. O documento explora as temáticas poéticas e a linguagem utilizada por cada heterónimo, oferecendo uma análise da obra de Pessoa.

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Heterónimos, Fernando Pessoa Alberto Caeiro Alberto Caeiro apresenta-se como um poeta bucólico, um poeta do real objetivo, pensa vendo e ouvindo, recusa o pensamento metafísico. Ao assumir-se metaforicamente como um “guardador de rebanhos”, o poeta exprime o seu desej...

Heterónimos, Fernando Pessoa Alberto Caeiro Alberto Caeiro apresenta-se como um poeta bucólico, um poeta do real objetivo, pensa vendo e ouvindo, recusa o pensamento metafísico. Ao assumir-se metaforicamente como um “guardador de rebanhos”, o poeta exprime o seu desejo de viver de forma simples e tranquila, procurando estar em comunhão e harmonia com a natureza. Caeiro é o poeta do olhar, faz o primado das sensações e atribui maior importância à visão. Assim, ele recusa o pensamento, pois “pensar é estar doente dos olhos”. O poeta deambula e surpreende-se com a renovação e novidade do mundo que observa. Ele escreve sobre a ordem natural do mundo, a simplicidade da vida rural e a objetividade, valorizando as sensações e recusando o pensamento. Concluindo, a natureza constitui o maior exemplo de vida para Alberto Caeiro. Temáticas: Fingimento artístico (o poeta bucólico): Na poesia de Caeiro, os elementos naturais assumem uma importância fundamental, constituindo o tema de muitos dos seus poemas. Assim, a Natureza é configurada, por um lado, como objeto de amor, com o qual o sujeito poético está em plena comunhão. Por outro, é apresentada como um espaço de deambulação. Nas suas deambulações, pode apreciar os diferentes aspetos do cenário campestre, captando, através dos sentidos, a sua diversidade. Na relação com a Natureza, Caeiro defende que o homem deve viver em harmonia com a Natureza, integrado nela e vivendo de acordo com os seus ritmos. Por fim, a Natureza é referida como objeto de observação, o espaço onde se colhe as suas sensações, que constituem matéria da sua poesia captada através dos sentidos. Reflexão existencial (o primado das sensações): Caeiro é o “Mestre” que Pessoa criou, o poeta que ele gostaria de ser: alguém que não procura um sentido para a vida ou para o universo, porque lhe basta aquilo que vê e sente em cada momento. Vive segundo o primado das sensações, sente sem pensar. É o criador do sensacionismo e também o Mestre dos outros heterónimos. Caeiro não procura conhecer nem adivinhar o sentido oculto nas coisas. Expressa um conceito de vida baseado na aceitação serena do mundo e da realidade, saboreia tranquilamente cada impressão captada pelo olhar. É o poeta do real objetivo, que vive no presente, sem pensar no passado e, por isso, não sofre de nostalgia, e sem pensar no futuro e, por isso, não tem medo da desilusão, nem mesmo da morte. Ricardo Reis Ricardo Reis é o poeta clássico que aceita com calma e lucidez a relatividade e a rapidez de todas as coisas. Através da influência da Antiguidade Clássica defende o epicurismo, o estoicismo, o neopaganismo e o horacianismo. A sua consciência da efemeridade da vida leva-o à indiferença à morte e à reflexão sobre a inexorabilidade do tempo, comparando a vida ao curso de um rio. A aceitação estoica do poder do destino é reveladora da atitude de abdicação, conduzindo-o à recusa das emoções. A filosofia estoica une-se à epicurista na medida em que esta defende a procura da felicidade relativa e da ataraxia e, por isso, da fuga aos sentimentos extremos e ao sofrimento e a indiferença face à morte. Assim sendo, Reis pretende aproveitar a vida e os prazeres do momento presente, já que tem consciência da efemeridade da vida. Concluindo, a aceitação passiva da realidade e da tranquilidade fazem da vida uma natural condenação à morte. Temáticas: Fingimento artístico (o poeta clássico): Reis é um monárquico, educado num colégio de jesuítas latinistas. Ele é a representação de toda a sabedoria do passado, todo o património moral da tradição humanista, mas também é um esforço lúcido e disciplinado para obter a calma. Escreve essencialmente em odes de tipo horaciano e cultiva temas como o neopaganismo, o horacianismo, o estoicismo e o epicurismo. Uma Ode era um texto lírico que se destinava a ser cantado, retratando temas importantes, com o objetivo de elogiar ou homenagear. O neopaganismo defendia a hierarquização ascendente – animais, homens, deuses e Fado, que a todos preside. O epicurismo demanda da felicidade e do prazer relativos; indiferença perante as emoções excessivas e preferência pelo estado de ataraxia (tranquilidade sem perturbação; moderação nos prazeres; indiferença face à morte); O estoicismo é a aceitação das leis do Tempo e do Destino; resignação perante a frágil condição humana e o sofrimento; culto da autodisciplina e da abdicação voluntária de sentimentos e compromissos. Reflexão existencial: a consciência e a encenação da mortalidade: Ricardo Reis, consciente do fluir inexorável do tempo, aceita a efemeridade da vida bem como a inevitabilidade da morte. Tem consciência da mortalidade, sendo parte da condição humana, pois na vida tudo passa. Para enfrentar o medo da morte, faz uma autêntica encenação da mortalidade: defende que é preciso viver cada instante, sem pensar no futuro, numa perspetiva epicurista de saudação carpe diem, através da autodisciplina, da abdicação, da renúncia a compromissos afetivos e sociais, da aceitação da calma e serena da vida, da submissão ao Destino e da aceitação da inevitabilidade da morte. É um conformista que pensa que não vale a pena nenhum desejo, pois o homem não pode escolher e tudo está determinado por uma ordem superior. Ricardo Reis, consciente do fluir inexorável do tempo, aceita a efemeridade da vida bem como a inevitabilidade da morte. Tem consciência da mortalidade, sendo parte da condição humana, pois na vida tudo passa. Para enfrentar o medo da morte, faz uma autêntica encenação da mortalidade: defende que é preciso viver cada instante, sem pensar no futuro, numa perspetiva epicurista de saudação carpe diem, através da autodisciplina, da abdicação, da renúncia a compromissos afetivos e sociais, da aceitação da calma e serena da vida, da submissão ao Destino e da aceitação da inevitabilidade da morte. É um conformista que pensa que não vale a pena nenhum desejo, pois o homem não pode escolher e tudo está determinado por uma ordem superior. Álvaro de Campos Temáticas: O imaginário épico: Reflexão existencial (sujeito, consciência e tempo, nostalgia da infância): Campos toma consciência profunda de si próprio, da falta de coincidência entre o que idealiza e o que consegue concretizar e, ainda, da inevitabilidade da passagem do tempo. Diferentes sentimentos disfóricos invadem a sua consciência: a abulia, o tédio, o cansaço e a solidão. Na sua face intimista, verifica-se ainda o isolamento e o desejo de recuperação da infância, encarada como paraíso perdido. E é aqui que, tal como Pessoa, experimenta a “nostalgia da infância”, vivenciada como um tempo simbólico da inconsciência e de felicidade. Além disso, é dominado por uma angústia existencial e pela “dor de pensar”. Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre Fernando Pessoa e os seus heterónimos «Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. [...] E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto, vejo... E tenho saudades deles. [...]» Fernando Pessoa, Antologia Poética, Lisboa, Relógio D’Água, 2013 Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre Os heterónimos A palavra heterónimo deriva do grego e significa «outro nome». O recurso aos heterónimos consiste numa passagem da expressão pessoal para uma personificação estética do texto ou da escrita. Segundo Pessoa, a origem dos seus heterónimos deriva do seu lado histérico ou histeroneurasténico, o qual assume aspetos mentais que o levam ao silêncio e à poesia. Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre O fingimento artístico: o poeta bucólico Deambulação e contemplação da Natureza. Integração, comunhão e harmonia com os elementos naturais e afastamento social. No poema «O Guardador de Rebanhos», Caeiro apresenta-se como «um pastor», usando essa máscara poética pela semelhança existente entre ambos: um e outro deambulam; um e outro vivem em comunhão com a Natureza; um e outro observam o ambiente que os rodeia. Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre O fingimento artístico: o poeta bucólico Simplicidade e felicidade primordiais. Bucolismo como máscara poética. Vivência tranquila no tempo presente. Charles-Émile Jacque, Paisagem com Rebanho, 1872. Caeiro vive em plena sintonia com os elementos da Natureza, sendo para ele essencial a ausência de pessoas para a criação do ambiente de paz. Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre Ser parte da harmonia universal da Natureza. Fingimento artístico Abolir o pensamento. de Caeiro Viver tranquila e alegremente no seio da mãe Terra. Criação Artística Negar a intelectualização Libertar-se da excessiva de emoções. introspeção, da dor de pensar. Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre Reflexão existencial: o primado das sensações Os sentidos (o tato, a visão, a audição, o paladar, o olfato) e as sensações opõem-se ao conhecimento intelectual. «Em Caeiro, imagina-se o encontro e a descoberta da “eterna novidade do mundo”, numa atitude de “pasmo essencial”, num presente absoluto, no fundo num tempo sem tempo que é o da visão “originária”: a visão em que se vê tudo sempre da primeira vez, em que não há reencontros, mas encontros sempre novos e puros.» Manuel Gusmão, A Obra de Alberto Caeiro, Coleção «Textos Literários». Lisboa, Editorial Comunicação, 1986, pp. 66-68 Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre O poeta das sensações Sensacionismo: a sensação sobrepõe-se ao pensamento. Observação objetiva da realidade. Rejeição do pensamento abstrato e da intelectualização. «Filosofia» da antifilosofia. Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre Linguagem, estilo e estrutura Alberto Caeiro tenta transmitir, através das suas palavras, a inocência e a pureza da sua visão. Daí, algumas vezes, a simplicidade quase infantil do estilo. Linguagem simples, familiar, objetiva, prosaica e oralizante. Presença de máximas e de aforismos. Vocabulário concreto. Síntese da subunidade Alberto Caeiro, o Mestre Linguagem, estilo e estrutura  Predomínio de construções sintáticas coordenadas e subordinadas adverbiais (comparativas, causais e temporais).  Predomínio do presente do indicativo.  Verso livre e, normalmente, longo.  Irregularidade estrófica, rítmica e métrica.  Ausência de rima (versos soltos).  Recursos expressivos predominantes: comparação, metáfora, anáfora, repetição. Síntese Ricardo Reis, «o clássico» Principais influências filosóficas da cultura clássica em Ricardo Reis Epicurismo Neopaganismo Estoicismo Horacianismo Síntese Ricardo Reis, «o clássico»  Efemeridade da vida e inevitabilidade  Aceitação das leis do Destino e do da morte. Tempo.  Privilégio do prazer de cada momento.  Supressão do desejo, do prazer, da angústia e do lamento.  Busca da felicidade relativa e da ausência de perturbação (ataraxia).  O acaso impossibilita a providência.  Altivez e indiferença (egoísmo  Autodisciplina e despojamento de epicurista) – abdicação voluntária. bens materiais e espirituais.  Perceção direta da realidade e do ciclo da Natureza. Síntese Ricardo Reis, «o clássico»  (Re)aparecimento dos antigos deuses na arte ou na literatura, a partir do século XVIII.  Renascimento da essência pagã, pela eliminação da racionalidade abstrata e pela rejeição da metafísica ocidental.  Cosmovisão hierárquica ascendente – animais, homens, deuses e Fado. Síntese Ricardo Reis, «o clássico»  Visão estoico-epicurista da existência.  Perceção aguda da transitoriedade temporal, da brevidade da vida e inevitabilidade da morte e do Destino.  Inutilidade do esforço e da indagação sobre o futuro.  Apelo ao carpe diem, à entrega moderada ao prazer.  Culto da aurea mediocritas (preferência por uma vivência calma num local recatado).  Presença do locus amoenus (lugar aprazível).  Autodomínio que evita as paixões e aceitação voluntária do destino. Síntese Ricardo Reis, «o clássico» Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Três características da filosofia de Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos vida presentes são: Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. (Enlacemos as mãos).  fruição contemplativa e serena da Natureza; Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,  fruição moderada dos Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, prazeres fugazes que são Mais longe que os deuses. concedidos; (…)  consciência da efemeridade Ricardo Reis, Poesia (ed. Manuela Parreira da Silva), da vida e da importância de 2.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, pp. 49-50. usufruir o momento Presente. Síntese Ricardo Reis, «o clássico» Reflexão existencial: a consciência e a encenação da mortalidade Homem Morte Momento inevitável de niilismo. A vida é o adiamento da Brevidade da vida e a hora fatal. consciência da mortalidade. Fragilidade humana grandiosidade/inexorabilidade do tempo O Homem deve “encenar”, prevendo do instante final. Síntese Ricardo Reis, «o clássico» (…) Se aqui, à beira-mar, o meu indício  Fugacidade da vida, da Na areia o mar com ondas três o apaga. passagem invencível do Tempo Que fará na alta praia e da pequenez dos nossos atos; Em que o mar é o Tempo?  Debilidade humana, perante forças maiores. Ricardo Reis, op. cit., pp. 79-80 Síntese Ricardo Reis, «o clássico» Efemeridade da vida «carpe diem horaciano, «base estoica: renúncia do epicurista» (fruir a vida que nos prazer, moderação» (com é concedida, sem desassossegos autodisciplina e aceitação do ou dúvidas existenciais). que não controlamos). Síntese Ricardo Reis, «o clássico» Linguagem, estilo e estrutura A estética defendida nas odes de Ricardo Reis visa uma impersonalidade austera, a desafiar as injúrias do tempo. O que interessa é modelar o pensamento, porque a expressão virá a seguir, obediente.  Linguagem culta, erudita e latinizante.  Estilo e forma complexos espelham o conteúdo.  Tom didático e moralista (conselhos expressos no imperativo ou no conjuntivo com valor exortativo; uso da 1.ª pessoa do plural).  Tom coloquial na presença de um interlocutor. Síntese Ricardo Reis, «o clássico» Linguagem, estilo e estrutura  Preferência pela composição poética em ode.  Regularidade estrófica, rítmica e métrica (versos predominantemente decassilábicos e hexassilábicos).  Ausência de rima (versos soltos).  Predomínio de construções sintáticas subordinadas e com influência da sintaxe latina (inversão da ordem frásica padrão).  Privilégio do presente do indicativo e uso frequente da primeira pessoa do plural; utilização do gerúndio com valor aspetual imperfetivo.  Recursos expressivos predominantes: anástrofe, metáfora, aliteração, apóstrofe. Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade O fingimento artístico: o poeta da modernidade Rompe com a tradição Produz um novo real, através dos estética anterior. vários modos de sentir.  Apologia da civilização  Exacerbação e simultaneidade contemporânea moderna, das sensações. industrial e tecnológica.  Ideais excessivos e chocantes, que  A sensação como método chegam a defender a violência e a cognitivo da realidade. guerra. Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade O fingimento artístico: o poeta da modernidade É através do processo sensorial que Na demanda de conhecer e se atingirá a compreensão do mundo. apreender o cosmos, desdobra-se em Não existe uma realidade propriamente diversas maneiras de sentir (as dita; apenas as sensações, diversas e sensações permitem-nos «viajar» tanto fragmentadas permitem a perceção de exterior como interiormente). «pedaços» do real. Movimento artístico de vanguarda, que pôs em causa toda a arte, as tradições e conceções do passado, celebrando a vida moderna e o futuro - Modernismo. Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade O imaginário épico: a exaltação do Modernismo e o arrebatamento do canto Exaltação da civilização cosmopolita e da Modernidade enquanto nova era do progresso humano. Exaltação eufórica da máquina, da força, da velocidade, da agressividade, do excesso. Pablo Picasso, Fábrica na Horta do Ebro, 1909. Poder da força da sensação, da emoção, aliadas a uma construção poética inovadora; Superior capacidade de «construção e desenvolvimento ordenado de um poema», como expressão da civilização moderna. Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade O arrebatamento do canto  o cântico reflete a grandiosidade da matéria épica;  poema extenso, com versos livres e longos;  estilo esfuziante e torrencial; ritmo estonteante; Umberto Boccioni, Dinamismo de um Ciclista, 1913.  êxtase discursivo: abundância de recursos expressivos; onomatopeias, empréstimos, neologismos, interjeições, pontuação expressiva, … Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade Reflexão existencial: sujeito, consciência e tempo; nostalgia da infância No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. Álvaro de Campos, op. cit., p. 403. Amedeo Modigliani, O Rapaz, c. 1918. Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade Reflexão existencial: sujeito, consciência e tempo; nostalgia da infância  Consciência dramática da identidade fragmentada.  Ceticismo perante a realidade e a passagem do tempo.  Angústia existencial, solidão, abulia, cansaço e morbidez.  Introspeção e pessimismo – dor de pensar.  A náusea, a abjeção e o «sono» da vida quotidiana. George Seurat, Menino Sentado no Prado, 1883.  Evasão para o mundo da infância feliz, irremediavelmente perdido. Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade O discurso de Álvaro de Campos Cariz eufórico, excessivo, dinâmico, Estilo abúlico e sonolento. apesar de processualmente repetitivo. (em consonância com temáticas (adequado à exaltação do mundo intimistas e introspetivas). moderno) Multiplicidade da civilização mecânica Criação emotiva e espontânea, e pluralidade de sentimentos e independentemente do seu estado de sensações do eu lírico. espírito. Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade Linguagem, estilo e estrutura  A forma espelha o conteúdo da mensagem poética.  Verso livre e, normalmente, longo.  Irregularidade estrófica, rítmica e métrica.  Ausência de rima (versos soltos).  Linguagem simples, objetiva, prosaica, onomatopeias, neologismos, empréstimos, topónimos e antropónimos.  Inclusão de vários registos de língua (do literário ao calão). Síntese Álvaro de Campos, o poeta da modernidade Linguagem, estilo e estrutura  Vocabulário concreto (sobretudo do campo lexical da Mecânica e da Indústria).  Construções sintáticas nominais, gerundivas, infinitivas e, por vezes, presença de frases atípicas, experimentais.  Privilégio do presente do indicativo.  Recursos expressivos predominantes: aliteração, anáfora, apóstrofe, enumeração, gradação e metáfora.  Nas composições intimistas, o fôlego modernista e épico decai num estilo abúlico, deprimido, aproximando-se do registo poético do ortónimo. ramxiÊs u? ani TEORIA FERNANDO PESSOA - POESIA DOS HETERÓNIMOS A QUESTÃO DA HETERONÍMIA Pessoa tem consciência de que, dentro de si, existem outros «eus» que sentem e pensam de maneira dife­ rente. Mas não só sentem e pensam, como também escrevem de maneira diferente da do ortónimo. Para explicar tudo isto. Fernando Pessoa decide escrever uma carta a um seu amigo, Adolfo Casais Monteiro (janeiro de 1935), na qual descreve a origem, o aspeto físico, a personalidade e a maneira de escrever de cada um dos seus três heterónimos (poetas): Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Todos eles são fruto da imaginação de Pessoa; no entanto, por serem tão diferentes, em termos literários, o poeta optou por «imaginá-los» como se fossem reais, daí que tenham «existências» específicas e individuais. «Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (...), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890 {...). Este, como sabe, é engenheiro naval {...), mas agora está aqui em Lisboa em inatividade. Caeiro era de estatura média, e embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. ÁIvb ro de Campos é alto (...), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos - o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português (...), monóculo.» Carta de Fernanda Pessoa a Adolfa Casais Monteiro. 13 dejaneiro de 1935. Lisboa. A POESIA HETERONÍMICA Não gosta de estar no meio das pessoas; Exemplo: Alberto Caeiro, «0 guardador Aprecia a solitude e o silêncio dos ambientes rurais; o poeta de rebanhos» Aprecia a Natureza e a profissão diretamente «bucólico» ligada a ela - pastor/guardador de rebanhos. Apóstrofe a uma amada, Lídia {como os autores Exemplos: clássicos, Petrarca, Camões); «Segue o teu destino». Ricardo Reis, Referências a entidades da Mitologia Greco-latina «Ponho na altiva o poeta «clássico» mente o fixo esforço» (Adónis. Minos, Átropos. «barqueiro sombrio»); Arte poética clássica. Futurismo (louvor dos resultados do progresso Exemplos: Álvaro de científico e tecnológico - as máquinas, automó­ «Ode triunfal». «Ode Campos. □ poeta veis, entre outros). marítima», «Passagem da modernidade das horas» Casta Pinheiro, Fernando Pessoa - Heterónimos, 1978 211 NEMUII EXAME NttlINAL * Caminho, deambulação pela Natureza: sente apenas o que lhe é dado sentir por meio dos cinco sentidos, nada Exemplos: Alberto Caeiro: mais; «0 guardador de o primado das * Ausência total de pensamentos; rebanhos» e «Poemas sensações * Ausência de filosofia; - Inconjuntos -18» * Sensações vividas como se fossem as primeiras. Raf laxào axiattncial * Epicurismo / carpe diem; Exemplos: * Estoicismo. «Vem sentar-te Ricardo Reis: comigo. Lídia», a consciência «Não tenhas nada nas e a encenação mãos». «Nada fica de da mortalidade nada». «Mestre, são plácidas» * Sujeito entediado com a vida; Exemplos: Álvaro de Campos: * Sofrimento pela consciência do que o rodeia sobre­ «Passagem sujeito, consciência tudo em se tratando de pessoas; das horas», e tempo; nostalgia «Aniversário», da infância * Saudades da infância, que surge distante, portanto «Trapo» inalcançáveis e distantes as boas memórias. 0 imaginário épico Álvaro de Campos: Louvor aos progressos da ciência, como fundamen­ matéria épica: tais na mudança do Passado para o Futuro; Exemplos: a exaltação do Escrita desenfreada e permeada de exageros moti­ «Ode triunfal*. Moderno vados pelas sensações novas e vibrantes de um «Ode marítima» o arrebatamento mundo novo, com novas máquinas, navios, automó­ do canto veis, engrenagens. Almada-Negreiros, Retrato de Fernando Pessoa, 1959 212 nktkiês u? ani TEORIA CONCEITOS IMPORTANTES DA FILOSOFIA DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA ( na poMia da Ricardo Reis qua estes conceitos ganham vida, modelando genericamente a sua escrita) Epicurismo: Filosofia ensinada pelo ateniense Epicuro de Samos, no século IV a.C.. e continuada pelos seus discípulos, designados epicuristas Princípios fundamentais: -para alcançar a felicidade plena e absoluta, é necessário vencer os nossos medos e desejos intensos de maneira a conseguir estabilidade e equilíbrio interiores; -tudo aquilo que a vida nos oferecer como prazer deve ser observado com cautela, para que daí não adve­ nham sofrimentos e perturbação do corpo, do espírito, da alma; -o essencial é manter um corpo saudável e livre das contingências dos desejos, num espírito esclarecido, tranquilo e sereno; -em conclusão. Epicuro procurava conseguir, na prática da vida de cada ser humano, a felicidade plena por meio do controlo dos exageros corporais e espirituais, dos medos relativamente ao Destino e aos deuses, e por meio do alcance diário da serenidade. Carpe díem: -Expressão oriunda do Latim, que, à letra, significa «Aproveita o momento», «Goza o dia», extensível ao conselho de aproveitar e degustar totalmente o tempo presente, correspondendo a um apelo à vivência plena do agora, do imediato, pois ninguém sabe o que acontecerá num momento seguinte, num futuro próximo ou distante. Estoicismo: * Filosofia ensinada pelo ateniense Zenão de Cítio. no século III a. C. Princípios fundamentais; -é necessário desenvolver no ser humano uma lógica e racionalidade tais que o impeçam de sucumbir a sentimentos destrutivos, negando-os e vencendo-os; -só uma pessoa pensadora e esclarecida consegue perceber a lógica e as regras do mundo para as cumprir e assegurar a ética e o bem-estar pessoal e interpessoal; -relações humanas: evitar sentimentos de raiva, inveja, vingança, ciúme e exploração ou escravização do outro, mesmo que para isso tenha de sofrer humilhações e rebaixamentos; -o prazer e a satisfação de desejos físicos são inimigos do homem sábio, por isso devem ser combatidos; -a virtude e o Bem são os únicos caminhos que levam o ser humano à felicidade plena. 213 NEMUII EXAME NACIINAL Alberto Caeiro Formas poéticas (estrofe, verso, rima) -«Não me importo comas rimas. Raras vezes/Há árvores iguais, uma ao lado da outra.» Primado das sensações -«Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la /E comer um fruto é saber-lhe o sentido.»; -«Eu não tenho filosofia, tenho sentidos». Seleçào de vocábulos ao serviço do bucolismo -«rebanhos», «pastor», «vento», «sol», «Natureza», «pôr do sol», «planície», «borboletas», «flores», «cordeirinho», «nuvem», «erva», «atalhos», «girassol», «estrada», «chuva», «árvore», «mãos», «pés», «nariz», «boca», «olhar»...; -formas verbais no pretérito imperfeito do indicativo ou no gerúndio, as quais contribuem para o reforço da ideia de movimentação pelo campo. Enumeração, gradação, polissíndeto, personificação, metáfora - «Sou um guardador de rebanhos. / 0 rebanho é os meus pensamentos / E os meus pensamentos são todos sensações.»; - «Penso com os olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca.» Ricardo Reis Seleçào de vocábulos eruditos associados à Antiguidade Clássica - «óbolo», «Ãtropos», «perene». «Fado», «grégio». Linguagem, astilo e estrutura Anástrofe, apóstrofe, gradação -«Qualquer pequena cousa de onde pode/Brotar uma ordem nova em minha vida./Lídia, me aterra.»; - «Neera. passeemos juntos (...) / Lembremo-nos. Neera»; - «trocar beijos, abraços e carícias». Epicurismo -«Amemo-nos tranquilamente (...) mais vale estarmos sentados ao pé um do outro»; -«Abdica/E sê rei de ti próprio». Estoicismo -«Cada um cumpre o destino que lhe cumpre (...)/O Fado nos dispõe, e ali ficamos.»; -«E deseja o destino que deseja». Carpe diem -«Colhe /o dia, porque és ele.»; -«A vida /passa e não fica, nada deixa e nunca regressa» (consciência e encenação da mortalidade). Álvaro de Campos Seleçào de vocábulos ao serviço do arrebatamento do canto - «Forte espasmo», «maquinismos em fúria», «grandes ruídos modernos», «Ó minhas contempo­ râneas* Apóstrofes, onomatopéias, gradação, anáfora - «Mas. oh! minha Ode Triunfal,»; - «Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá! / Hup-lá. hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!»; - «Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia»; - «Caiu pelas escadas / Caiu das mãos /Caiu». Irregularidade estrófica, métrica e rimática (ao serviço do arrebatamento do canto e da exaltação do Moderno). 2U

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