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Direito Penal Economico - Luiz Regis Prado 2019.pdf

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PARTE I DELITOS CONTRA A ORDEM ECONÔMICA LEIS 8.137/1990 E 8.176/1991 BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993. ALONSO P ÉREZ, Francisco.Delitos contra el patrimonio y contra el orden socioeconómico: aspectos pena...

PARTE I DELITOS CONTRA A ORDEM ECONÔMICA LEIS 8.137/1990 E 8.176/1991 BIBLIOGRAFIA: ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993. ALONSO P ÉREZ, Francisco.Delitos contra el patrimonio y contra el orden socioeconómico: aspectos penales y criminológicos. Madrid: Colex, 2003. BAJO FERNÁNDEZ, Miguel; BACIGALUP O, Silvina.Derecho Penal Económico. Madrid: Ramón Areces, 2001. BASSOLS COMA, Martín.Ċonstitución y sistema económico. Madrid: Tecnos, 1988. BITTAR, Carlos Alberto. Teoria e prática da concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 1989. IDEM. Publicidade. In: FRANÇA, R. Limongi (Coord.).Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 62. BRUNA, S. V.O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: RT, 2001. CALDAS, Luís Filipe Território e espaço em Direito Penal Económico – novos temas e novos azimutesİn: COSTA, José de Faria (Coord.).Temas de Direito Penal Económico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. 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Destaca-se que a ordem econômica lato sensu não pode constituir-se em bem jurídico diretamente protegido (ou em sentido técnico), visto que não pode ser tido como elemento do injusto. Tão somente em sentido estrito pode ser tida como bem jurídico diretamente tutelado (ou em sentido técnico), ainda que manifestado em determinado interesse da Administração.3 Na verdade, impõe reconhecer, para efeito de proteção penal, a noção de ordem econômica lato sensu, apreendida como ordem econômica do Estado, que abrange a intervenção estatal na economia, a organização, o desenvolvimento e a conservação dos bens econômicos (inclusive serviços), bem como sua produção, circulação, distribuição e consumo.4 Assim, a tutela penal se endereça às atividades realizadas no âmbito econômico,5 e, de certo modo, no empresarial. Isso porque a atividade econômica e a atividade empresarial se imbricam mutuamente, sendo certo que “o exercício de uma atividade empresarial constitui a fonte principal do domínio material sobre todo tipo de bens jurídicos envolvidos na atividade econômica, isto é, não só sobre os especificamente econômicos – v.ġ., a livre concorrência –, e meio-ambientais, mas também sobre outros de diferente natureza que aparecem com frequência igualmente envolvidos de um modo típico na prática de atividade econômico-empresarial [...]”.6 Esse conceito de ordem econômica acaba por agasalhar as ordens tributária, financeira, monetária e a relação de consumo, entre outros setores, e constitui um bem jurídico-penal supraindividual,7 genericamente considerado (bem jurídico categorial), o que por si só não exclui a proteção de interesses individuais.8 Além disso, em cada tipo legal de injusto há um determinado bem jurídico específico ou em sentido estrito (essencialmente de natureza supraindividual), diretamente protegido9 em cada figura delitiva. Tal concepção fundamenta em sede penal um conceito amplo de delito econômico, mas não totalizador ou amplíssimo. No Brasil, as Constituições de 1824 e a de 1891 foram omissas em relação à tutela da ordem econômica. A Carta Magna de 1934 foi a primeira a dedicar um título especial à “Ordem Econômica e Social”, que deveria ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional. Contudo, não se mencionavam expressamente os abusos do poder econômico ou a tutela da concorrência.10 Posteriormente, a Constituição de 1937 dispôs no art. 13511 sobre a intervenção do Estado no domínio econômico, estabelecendo como e quando ela deveria ocorrer. Isso se deveu ao fato de que o surgimento do Estado Novo proclamou “o intervencionismo do poder público, para conciliar o bem coletivo com os direitos individuais [...]”.12 A Constituição de 1946, no art. 148, inserido no Título relativo à Ordem Econômica e Social, prescreveu que “A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros”. Em seguida, surgiu a Lei 4.137, de 10.09.1962, cujo escopo foi regular a repressão ao abuso do poder econômico. No seu art. 2.º, descrevia um elenco de práticas consideradas formas de abuso do poder econômico, aumento arbitrário de lucros, provocação de condições monopolísticas, formação de grupo econômico em detrimento da livre deliberação dos compradores ou vendedores e exercício de concorrência desleal. Outro ponto relevante foi a criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com competência para aplicar a lei, investigar e reprimir os abusos do poder econômico (art. 8.º).13 A Constituição de 1967, no Título dedicado à Ordem Econômica e Social, determinava: “A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: [...] VI – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros” (art. 157).14 A EC 1, de 17.10.1969, determinou no art. 160: “A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: [...] V – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros; [...]”. No tocante à Constituição brasileira de 1988, estão consagradas as ideias de liberdade de iniciativa, condições de consumo, de emprego e saúde, bem como a de que o Estado possa intervir sempre que a liberdade de iniciativa não estiver sendo exercida em proveito da sociedade ou em desconformidade com os anseios sociais.15 A ordem econômica e financeira vem disciplinada de forma minudente no texto constitucional (arts. 170 a 181 da CF/1988), formando parte da denominada Constituição econômica, como marco jurídico para a ordem e o processo econômicos,16 em que se encontram ancorados os pressupostos constitucionais dos bens jurídicos que devem ser protegidos pela lei penal.17 A expressão Constituição econômica se apresenta como categoria conceitual que, do ponto de vista histórico emerge, para caracterizar a moderna noção de constitucionalismo que alberga um duplo aspecto. Vale dizer: ao lado da Constituição política – estatuto jurídico fundamental do poder político ou das relações entre o Estado e os cidadãos –, se posta a Constituição econômica – ordenação jurídica das estruturas e relações econômicas –, com implicação dos cidadãos e do Estado, sobretudo, em função de seu protagonismo no desenvolvimento da vida econômica, característico do Estado social de Direito (constitucionalismo econômico flexível).18 Vários são os princípios constitucionais reitores da ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal.19 Seus fundamentos são a valorização do trabalho humano e a livre-iniciativa, de modo a assegurar o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização estatal, salvo nos casos previstos expressamente em lei.20 Têm por fim garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Desse modo, ressalvadas as hipóteses previstas constitucionalmente, o Estado não deve intervir na atividade econômica, ou seja, apesar de legitimado para tal, está também limitado nos termos da própria Constituição. Por outro lado, a intervenção estatal direta no domínio econômico somente ocorre nos casos de relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional, conforme dispõe o art. 173 da Carta Magna.21 Excetuados esses casos, o Estado apenas pode interferir nos termos do art. 174 da Constituição Federal.22 Cumpre salientar que, apesar de se consagrar a iniciativa privada como um dos fundamentos da ordem econômica, devem-se priorizar os valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Essa é uma declaração de princípio que “tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1.º, IV, CF/198823)”.24 A eventual interferência estatal na economia, ou mesmo a exploração direta de uma atividade econômica e a possível monopolização de alguma área econômica, não a descaracteriza. A atuação do Estado visa apenas a organizar e racionalizar a vida econômica e social, impondo condicionamentos à atividade econômica.25 Na verdade, institui a Constituição um sistema de economia mista, com as peculiaridades inerentes ao Estado social de Direito por ela consagrado. Da livre-iniciativa, direito reconhecido e titularizado por todos de explorar atividades empresariais, decorre o dever de a respeitar, mediante a imposição de sanções, no caso da prática de atos que impeçam o seu pleno exercício. Com isso, o Estado visa a tornar efetiva a permissão que ele próprio assegura a todos e, ao mesmo tempo, auferir os benefícios que espera advenham dessa livre disputa.26 Nesse diapasão, há duas formas de concorrência que o Direito busca evitar e reprimir, a fim de prestigiar a livre concorrência: a desleal e a perpetrada com abuso de poder. A primeira é apurada em nível civil e penal e envolve apenas os interesses particulares dos empresários concorrentes; a segunda é reprimida também em âmbito administrativo, pois compromete as estruturas do livre mercado, atingindo um universo muito maior de interesses juridicamente relevantes, configurando os denominados crimes contra a ordem econômica.27 Interessa, neste trabalho, a análise destes últimos, cuja repressão encontra seu fulcro na própria Constituição, que, no art. 173, § 4.º, estabelece: “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.28 Ressalte-se que o poder econômico é um dado de fato inerente ao livre mercado, isto é, os agentes econômicos são necessariamente desiguais, uns mais fortes do que os outros.29 Não seria possível ignorar ou pretender a eliminação desse poder. O que o Direito pode fazer é disciplinar o seu exercício, reprimindo certas modalidades de iniciativa que ameacem ou possam ameaçar as estruturas do livre mercado, v.ġ., o domínio de mercados, a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário de lucros. Desse modo, se o empresário titular do poder econômico o exerce ao competir com os demais agentes atuantes no mesmo mercado, e lucra ou tira vantagens de sua posição destacada, não há nada de irregular nisso. O exercício do poder econômico que não tenha e não possa ter o efeito de dominância de mercado, de eliminação da concorrência ou aumento arbitrário de lucros não é considerado abusivo e, por conseguinte, não é objeto de repressão legal. Somente quando a própria competição está em risco, configurando exercício abusivo, é que há a repressão.30 No contexto histórico-legislativo de repressão às condutas configuradoras de abuso do poder econômico, devem ser citadas: a Lei 8.158/1991 cujo objetivo era agilizar e dar celeridade aos procedimentos administrativos da Lei 4.137/1962, transferindo à Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), vinculada ao Ministério da Justiça, a apuração e a proposição de medidas cabíveis para a correção de comportamentos lesivos à concorrência; a Lei 8.137/1990, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e a Lei 8.884, de 11.06.1994, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – em Autarquia e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Em relação a esta última, visa-se à repressão administrativa às infrações da ordem econômica, a qual compete ao CADE, órgão que possui jurisdição em todo o território nacional. Contudo, essa jurisdição é administrativa, e não judicial. Além de buscar coibir as práticas infracionais, tem esse órgão atribuições preventivas, v.ġ., as relacionadas com a aprovação dos atos que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência ou resultar dominação de mercado, como os de concentração empresarial. Merece destaque também a criação da Secretaria de Direito Econômico – SDE (art. 13 da Lei 8.884/1994) que surgiu “para suprir a necessidade de um órgão que pudesse agir de forma mais aberta, sem os limites em que se deve conter a ação de um órgão judicante como o CADE, e que viesse a intervir na ação dos agentes econômicos alertando-os, fiscalizando, propondo soluções e compromissos, levando posteriormente ao CADE as matérias sujeitas a seu julgamento”.31 A Lei 8.884/1994 foi parcialmente revogada (arts. 1.º a 85 e 88 a 93) pela Lei 12.529/2011, que transfere para o CADE “os cargos pertencentes ao Ministério da Justiça atualmente alocados no Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico, bem como o DAS-6 do Secretário de Direito Econômico” (art. 121, parágrafo único), mas não extinguiu a referida Secretaria. Todas essas disposições constitucionais e legislativas destinam-se a combater ou atenuar o poder de controle das mais variadas formas de concentração econômica sobre os mercados, bem como tutelar a concorrência, a fim de impedir as práticas comerciais abusivas que, de algum modo, provoquem distorções nos mecanismos de mercado, acabando por incapacitá-los a realizar sua tarefa de reguladores da economia.32 1.2. ARTIGO 4.º DA LEI 8.137/1990 Art. 4.º Constitui crime contra a ordem econômica: I – abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; (Redação dada pela Lei 12.529 de 2011). II – formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas; c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa (Redação dada pela Lei 12.529 de 2011). Bem jurídico e sujeitos do delito: Tutelam-se a livre concorrência e a livre-- iniciativa, fundamentos basilares da ordem econômica. Desse modo, as ações que colocam em perigo ou efetivamente violam essa liberdade, assegurada constitucionalmente a todos, configuram crime contra a ordem econômica. A livre concorrência vem a ser “a liberdade para competir no mercado, consistindo a concorrência na existência de diversos agentes que, num mesmo tempo e espaço, buscam um mesmo ou similar objetivo. [...]. Nesse domínio, a concorrência decorre, como consequência necessária, da liberdade de iniciativa econômica, sendo então adjetivada como ‘livre’, isto é, acessível a todos, liberta de certos obstáculos que têm por efeito impossibilitar ou dificultar sobremaneira a acessibilidade, a todos, de ofertar, num mesmo mercado, bens ou serviços iguais, similares ou análogos, por parte de diversos operadores”.33 Sujeito ativo é, fundamentalmente, o empresário, bem como aquele que detém de alguma forma essa condição jurídica (exerce atividade de empresário). Conforme dispõe o caput do art. 966 do Código Civil, é “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. É a pessoa que organiza uma atividade econômica de produção ou de circulação de bens ou serviços, e por ela responde (delito especial próprio). Pode ser tanto a pessoa física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.34 Saliente-se que, pelo fato de o Direito Penal ser informado pelos princípios da responsabilidade penal subjetiva, da pessoalidade da pena e da culpabilidade,35 são sujeitos ativos o empresário individual ou os sócios integrantes da empresa comercial; jamais esta, por lhe faltar a consciência e vontade de atuar. Assim, a infração à ordem econômica exige que o sujeito ativo da infração detenha poder de mercado,36 isto é, o poder econômico capaz de, por seu abuso, restringir ou limitar a livre concorrência no mercado relevante.37 São sujeitos passivos os empresários concorrentes prejudicados no seu direito de livre competição econômica, em virtude do abuso do poder econômico ou do controle de mercado praticado por empresários individuais ou empresas e, em alguns casos, os consumidores. Tipicidade objetiva e subjetiva: O art. 4.º, caput, estabelece que constitui crime contra a ordem econômica qualquer prática que se subsuma em uma das modalidades previstas nos incisos seguintes, de forma que somente há crime contra a ordem econômica se o agente realiza um dos comportamentos enumerados. O inc. I versa sobre a conduta “abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas”. O abuso do poder significa excesso de uso do poder ou de um direito por parte de alguém. Por conseguinte, a expressão abuso do poder econômico traz a ideia de mau uso do poder econômico, um desvirtuamento ou aplicação deformada, ardilosa, da faculdade de tomar certas atitudes, em detrimento de outrem.38 Esse abuso de poder deve estar dirigido a dominar o mercado, ou eliminar, total ou parcialmente, a concorrência, ou seja, esse é o especial fim de agir consubstanciado nesse dispositivo. O conceito de abuso do poder econômico não é de fácil delimitação, pois envolve a conjugação de uma série de situações caracterizadoras do exercício abusivo do poder econômico, o que cria o risco de imprecisão conceitual, rechaçável desde o ponto de vista do princípio da legalidade, em especial sua vertente da determinação.39 Com efeito, não é qualquer ato irregular realizado pelo detentor do poder econômico que é considerado para fins de configuração do abuso. Este último deve ser verificado no contexto da livre-iniciativa e concorrência, em que o detentor do poder desvia sua função (finalidade) com o fim de dominar o mercado, restringir ou eliminar a livre concorrência.40 Dominar significa estar em condições de impor sua vontade sobre o mercado, e isso independe de o domínio ser exercido em apenas uma parcela pequena do território nacional, já que, em razão da natureza do produto, qualidade e preço dos transportes, o mercado pode ser nacional, regional ou local. Mercado vem a ser o ponto abstrato de convergência entre compradores e vendedores e sua amplitude pode variar geograficamente em virtude das condições retromencionadas.41 Em sentido geral, o termo designa “um grupo de compradores e vendedores que estão em contato suficientemente próximo para que as trocas entre eles afetem as condições de compra e venda dos demais. Um mercado existe quando compradores que pretendem trocar dinheiro por bens e serviços estão em contato com vendedores desses mesmos bens e serviços. [...] pode ser entendido como o local, teórico ou não, do encontro regular entre compradores e vendedores de uma determinada economia. [...] é formado pelo conjunto de instituições em que são realizadas transações comerciais [...]. Ele se expressa, sobretudo, na maneira como se organizam as trocas realizadas em determinado universo por indivíduos, empresas e governo. A formação e o desenvolvimento de um mercado pressupõem a existência de um excedente econômico intercambiável e, portanto, de certo grau de divisão e especialização do trabalho”.42 Assim, a dominação do mercado não diz respeito a toda a atividade econômica, e sim a segmentos delineados, cujos contornos devem ser estabelecidos para caracterizar o tipo, pois, por mais poder econômico e político que se tenha, não há como ocorrer o domínio global da economia do País. Por isso a necessidade de especificar os limites do ramo de fornecimento de produtos ou serviços em que se manifesta domínio econômico. Nesse contexto, é necessário traçar uma delimitação, tanto geográfica quanto material, do mercado para saber se há ou não o seu controle.43 Destaque-se que a Lei 8.884, de 11.06.1994, estabelecia no art. 20, § 3.º, a presunção de controle e consequente domínio, quando o agente econômico desenvolve operações que abarquem 20% do mercado.44 Atualmente, a presunção é prevista pelo art. 36, § 2.º, da Lei 12.529/2011: “§ 2.º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia”. Além do escopo de domínio do mercado, é previsto ainda, nesse inciso, o abuso do poder econômico com vistas à eliminação, total ou parcial, da concorrência. Eliminar significa suprimir, acabar, afastar toda ou parte da concorrência.45 A concorrência, na técnica dos negócios, seja comercial ou civil, significa “disputa, porfia ou pretensão, o ato pelo qual a pessoa procura estabelecer competição de preços, a fim de que apure as melhores condições em que possa efetivar a compra ou realizar a obra. [...] Parece ter o sentido próprio de igualdade o u simultaneidade, visto que tal como esta expressão, mostra a existência concomitante de várias pretensões sobre o mesmo objeto. Mas, na verdade, não se afasta de seu sentido de disputa ou de competição, apresentada sobre a mesma coisa, o que, em realidade, o é, embora queira indicar a igualdade de direitos entre os disputantes”.46 É de notar que a concorrência é um princípio essencial ao sistema das empresas, de forma que, quanto maior é o número de empresas, em determinado ramo de produção ou comércio, maior é a competição de que se beneficia o público. Daí a necessidade dos governos de fomentar a pequena e a média empresa, a fim de que não pereçam ante as grandes, em especial por meio da fixação artificial de preços e do controle sobre as redes de distribuição ou de fornecedores, entre outras.47 Desse modo, a concorrência vem a ser a “situação do regime de iniciativa privada em que as empresas competem entre si, sem que nenhuma delas goze da supremacia em virtude de privilégios jurídicos, força econômica ou posse exclusiva de certos recursos. Nessas condições, os preços de mercado formam-se perfeitamente segundo a correção entre oferta e procura, sem interferência predominante de compradores ou vendedores isolados”.48 Isso propicia que os capitais circulem livremente entre os vários ramos e setores, de modo a haver a transferência dos menos rentáveis para os mais rentáveis em cada conjuntura econômica. Assim, nesse inc. I, o abuso do poder econômico se dá mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas.49 Por ajuste, na seara penal, entende-se o acordo, livre e consciente, feito entre vários indivíduos com o objetivo de praticar um fato punível.50 O acordo é “a convenção ou ajuste entre contratantes, conjugando suas vontades para a efetivação do ato negocial, gerando uma obrigação de dar, de fazer ou não fazer”.51 A empresa, elemento normativo jurídico, “é a organização técnico- econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade”.52 É a atividade, e não a pessoa que a explora.53 A empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. Na primeira hipótese, o exercente da atividade econômica se chama empresário individual; na segunda, sociedade empresária.54 O inc. II dispõe que constitui delito contra a ordem econômica “formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando [...]”. Sobre o acordo e o ajuste já foram tecidas as considerações pertinentes. O convênio é “o instrumento de declaração de vontades que se encontram e se integram, dirigindo--se, todas elas, a um objetivo comum, sem que, portanto, umas às outras se oponham; não há oposição e sim conjugação de interesses”,55 e a aliança é “o acordo, a coligação feita entre instituições ou pessoas para um fim comum”.56 Ofertante é quem oferece bens ou serviços no mercado, por determinado preço e em determinado período de tempo.57 Todas essas figuras aqui previstas, na verdade, contém a mesma ideia, qual seja, a celebração de convenções para dominar o mercado ou eliminar, total ou parcialmente, a concorrência. A alínea a desse inciso dispõe sobre as condutas que visem à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas. A fixação artificial é aquela oriunda de concerto entre ofertantes. Caracteriza-se pelo acordo feito entre estes no intuito de fixar preços ou quantidades vendidas ou produzidas, a fim de dominar ou eliminar, total ou parcialmente, a concorrência. Preço é “o valor econômico expresso em unidades monetárias e quantificado por elas, de tal sorte que quando dois bens apresentam o mesmo preço, eles podem tranquilamente ser permutados, pois terão idêntico valor”.58 No dispositivo em análise, tem-se o que se denomina preços concertados, que podem ter como finalidade tanto o aumento como a redução dos preços. Nesse sentido, pouco importa a eventual razoabilidade de preços fixados entre concorrentes, pois a uniformidade destes é anticoncorrencial. Assim, as tabelas de preços uniformes, ainda que não impositivas, são, em princípio, prejudiciais à concorrência, porque afetam o poder de decisão individual de cada agente econômico de estabelecer seus próprios preços, de conformidade com seus custos.59 Para a configuração da infração, é necessário que haja efetivo acordo entre os agentes envolvidos. Não é suficiente o efeito da padronização de preços ou quantidades vendidas ou produzidas, mas também a ocorrência real de entendimento com vistas ao tratamento concertado da questão. Isso porque, se os preços são uniformes ou paritários, sem, contudo, existir acordo nesse sentido, não há infração.60 A alínea b versa sobre o entendimento entre ofertantes que vise ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas. O controle regionalizado do mercado diz respeito àquele efetuado e concentrado em determinada região, ou seja, quando certo segmento de atividade econômica, em determinada base territorial, passa a ser explorado por empresa ou grupo de empresas. Não se deve olvidar, como mencionado, a presunção de controle, correspondente ao percentual de 20% ou mais, estabelecido pela Lei 12.529/2011 (art. 36, § 2.º). Assim, se as operações desenvolvidas são dessa ordem, caracterizado está o controle. No que se refere à empresa, são pertinentes as considerações feitas quando da análise do inc. I. Grupo de empresas é aquele “formado por meio de convenção, pelo qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns”.61 Na alínea c está previsto o acordo entre ofertantes que vise ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. Para a caracterização do controle são pertinentes as considerações acima expostas, de conformidade com o disposto no art. 36, § 2.º, da Lei 12.529/2011. Em detrimento da concorrência significa em prejuízo da competição ou disputa que deve existir na seara comercial, industrial ou econômica e que nada mais é que a consagração da livre-iniciativa, prevista como um dos fundamentos da ordem econômica. Desse modo, as práticas colusivas entre ofertantes que visem ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores caracterizam crime contra a ordem econômica. O tipo subjetivo é representado pelo dolo, elemento subjetivo geral dos tipos constantes no art. 4.º e incisos, ou seja, para sua configuração exigem--se a consciência e a vontade de realizar o tipo objetivo do delito. Ademais, há a presença do elemento subjetivo do injusto consistente num especial fim de agir, que, nesses casos, é o de dominar o mercado ou eliminar, total ou parcialmente, a concorrência (delitos de tendência). Todas as modalidades enumeradas nesse artigo são delitos de resultado. A consumação ocorre com o abuso do poder econômico, mediante o domínio do mercado ou eliminação, total ou parcial, da concorrência, através das formas constantes nos incisos e alíneas. É admissível a tentativa. Causas de aumento e de diminuição da pena: As penas previstas no art. 4.º, I e II, são aumentadas de 1/3 até a metade nas hipóteses em que as condutas ocasionem grave dano à coletividade ou o delito seja cometido por servidor público no exercício de suas funções, ou seja, praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde (art. 12 da Lei 8.137/1990). De outro lado, o art. 16, parágrafo único, da lei em comento prescreve que, “nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena reduzida de um a dois terços”. Essa disposição foi acrescentada ao art. 16 pela Lei 9.080, de 19.07.1995, e assemelha-se a dois outros dispositivos legais, a saber: o parágrafo único do art. 8.º da Lei 8.072/1990 e o art. 4.º da Lei 12.850/2013 (colaboração premiada). Estabeleceu-se aqui uma causa de redução de pena, que se constitui em direito subjetivo do réu, presentes os pressupostos legais de incidência da norma. A causa de diminuição aplica-se aos crimes contra a ordem tributária, desde que cometidos em quadrilha, coautoria ou participação, e desde que a revelação seja espontânea, não estando ela condicionada à ocorrência de qualquer motivo especial. Trata-se de uma causa de diminuição de pena incidente sobre a magnitude da culpabilidade. O problema que se coloca é quanto ao alcance da chamada revelação da trama criminosa e que enseja a incidência dessa causa de redução. Cabe ao intérprete fixar tal alcance por meio de uma interpretação sistemática, cotejando o presente dispositivo com o contido no art. 8.º da Lei 8.072/1990 e no art. 4.º da Lei 12.850/2012. Assim, as revelações feitas espontaneamente devem fornecer elementos para identificação de outros membros da quadrilha, de coautores ou partícipes, de forma a propiciar o esclarecimento do evento criminoso ou mesmo de outros, ainda em apuração ou sub judice.62 Pena e ação penal: A sanção penal que recai sobre os crimes em exame é de dois a cinco anos de reclusão e multa.63 A ação penal é pública incondicionada, nos termos do art. 15 da Lei 8.137/1990, que dispõe: “Os crimes previstos nessa lei são de ação penal pública, aplicando-se- lhes o disposto no art. 100 do Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”. 1.3. ARTIGOS 5.º E 6.º DA LEI 8.137/1990 Art. 5.º Constitui crime da mesma natureza: I – exigir exclusividade de propaganda, transmissão ou difusão de publicidade, em detrimento de concorrência; II – subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço; III – sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada; IV – recusar-se, sem justa causa, o diretor, administrador, ou gerente de empresa a prestar à autoridade competente ou prestá-la de modo inexato, informando sobre o custo de produção ou preço de venda. Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso IV. Art. 6.º Constitui crime da mesma natureza: I – vender ou oferecer à venda mercadoria, ou contratar ou oferecer serviço, por preço superior ao oficialmente tabelado, em regime legal de controle; II – aplicar fórmula de reajustamento de preços ou indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente; III – exigir, cobrar ou receber qualquer vantagem ou importância adicional de preço tabelado, congelado, administrado, fixado ou controlado pelo Poder Público, inclusive por meio da adoção ou de aumento de taxa ou outro percentual, incidente sobre qualquer contratação. Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, ou multa. Esses artigos foram integralmente revogados pela Lei 12.529, de 2011. 1 Cf. DELMAS-MARTY, M.; GIUDICELLI-DELAGE, G. Droit Pénal des Affaires, p. 11; PATERNITI, C. Diritto Penale dell’economia, p. 11-12. 2 BAJO FERNÁNDEZ, M.; BACIGALUPO, S. Derecho Penal Económico, p. 17. 3 Idem, p. 17-18. Vide também MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, C. Derecho Penal Económico. P.G., p. 96-97. 4 Cf. ANTOLISEI, F. Manuale di Diritto Penale 5 Refere-se a situações ou fatos econômicos de natureza geral (PATERNITI, C. Op. cit., p. 41). 6 GRACIA MARTÍN, L. Prolegómenos para la lucha por la modernización y expansión del Derecho penal y para la critica del discurso de resistencia, p. 84. 7 Vide, sobre o tema, PRADO, L. R. Bem jurídico-penal e Constituição, p. 94 e ss. 8 Cf. TIEDEMANN, K. Lecciones de Derecho Penal Económico, p. 32. 9 Assim, de certo modo, MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, C. Op. cit., p. 59. 10 Art. 115 da Constituição de 1934: “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos uma existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica”. 11 Art. 135 da Constituição de 1937: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos

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