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Bianca da Costa Maia Lopes Difusão de acervos arquivísticos O conceito de user experience no Sistema de Informações do Arquivo Nacional Prêmio Nacional de Arquivologia Maria Odila Fonseca 2018 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA ARQUIVO NACIONAL Difusão de acervos arquivísticos Prêmio Nacional de Arquivologia Maria Odila Fonseca 2018 Comissão Julgadora Diego Barbosa da Silva (presidente) Lúcia Maria Velloso de Oliveira Paulo Roberto Elian dos Santos Renato Tarciso Barbosa de Sousa Thiago Henrique Bragato Barros Bianca da Costa Maia Lopes Difusão de acervos arquivísticos O conceito de user experience no Sistema de Informações do Arquivo Nacional Prêmio Nacional de Arquivologia Maria Odila Fonseca 2018 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA ARQUIVO NACIONAL 2021 Copyright © 2021 Arquivo Nacional | Praça da República, 173, Centro Rio de Janeiro | RJ | 20211-350 | [email protected] | www.an.gov.br REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Presidente da República Jair Messias Bolsonaro Ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Gustavo Torres ARQUIVO NACIONAL Diretora-geral Neide Alves Dias De Sordi Coordenadora-geral de Acesso e Difusão Documental Patrícia Reis Longhi Coordenador-geral de Administração Leandro Esteves de Freitas Coordenadora-geral de Gestão de Documentos Mariana Barros Meirelles Coordenadora-geral de Processamento e Preservação do Acervo Aluf Alba Vilar Elias Coordenadora-geral regional no Distrito Federal Larissa Candida Costa Coordenadora de Pesquisa, Educação e Difusão do Acervo Leticia dos Santos Grativol Supervisora de Editoração Mariana Simões Supervisora de Programação Visual Giselle Teixeira Edição de texto e revisão Maria Cristina Martins Capa, projeto gráfico e diagramação Alzira Reis Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Maria Beatriz Nascimento – Arquivo Nacional) Lopes, Bianca da Costa Maia Difusão de acervos arquivísticos: o conceito de user experience no Sistema de Informações do Arquivo Nacional [recurso eletrônico] / Bianca da Costa Maia Lopes. -- Dados eletrônicos (1 arquivo : 3.048 kb). -- Rio de Janeiro : Arquivo Nacional, 2021. – (Prêmio Nacional de Arquivologia Maria Odila Fonseca; 3). Formato: PDF Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: World Wide Web Prêmio Nacional de Arquivologia Maria Odila Fonseca, categoria monografia, 2018. Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-995573-5-4 l. Arquivo Nacional (Brasil). 2. Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) – Brasil. 3. Serviços de Informação – Estudo de Usuários I. Título. II. Série CDD 025.17 Ficha catalográfica elaborada por Natália Marques de Souza (CRB7/5223) If you have knowledge, let others light their candles in it. Margaret Fuller Lista de abreviaturas e siglas AN Arquivo Nacional AI arquitetura de informação CIA Conselho Internacional de Arquivos Conarq Conselho Nacional de Arquivos Cotin Coordenação de Tecnologia da Informação Dacs Describing archives: a content standard Dibrate Dicionário brasileiro de terminologia arquivística Egad Expert Group on Archival Description Isaar(CPF) International Standard Archival Authority Record for Corporate Bodies, Persons and Families Isad(G) General International Standard Archival Description ISDF International Standard for Describing Functions Isdiah International Standard for Describing Institutions with Archival Holdings MAD Manual of archival description Nobrade Norma Brasileira de Descrição Arquivística RAD Rules for archival description Ramp Records and Archives Management Programme RiC Records in Context Sian Sistema de Informações do Arquivo Nacional SUS System Usability Scale TICs tecnologias da informação e comunicação Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UX user experience Sumário Introdução 8 Descrição arquivística: processo ou produto? 24 Difusão arquivística: do conceito à ação 29 Web 2.0 e UX design: caminhos para a difusão dos acervos arquivísticos 36 Análise empírica 41 Considerações finais 45 Referências 47 Anexo 51 Apêndices 52 Introdução Em que pese seu caráter científico, o leitmotiv da arquivologia não é outro senão a disponibilização dos arquivos à sociedade, consubstanciada pela comunicação do conteúdo informacional dos documentos de arquivo. Por essa perspectiva, difundir os arquivos implica fortalecer, de modo pragmático, o direito constitucional de aceder à informação e, por conseguinte, à cultura e à memória. Ainda que o sentido precípuo dos arquivos seja evidenciado na especificidade do caráter probatório e testemunhal de seus documentos, seu contorno científico extrapassa as relações fronteiriças com a administração, o direito, a cidadania e a historiografia (Bellotto, 2008). Os usos multiformes das informações que disponibilizam são experimentados pela sociedade por meio de tecnologias digitais cada vez mais ubíquas e, potencialmente, empoderadoras. Em sociedades democráticas, o acesso à informação é condição sine qua non para que a população dela se aproprie. Contudo, sua apropriação plena extrapola o mero provimento de acesso físico ou virtual aos documentos de arquivo, contemplando, também, o entendimento da informação pelo chamado cidadão comum, aquele que é leigo ou não especialista no campo arquivístico. Dessa forma, a inteligibilidade figura como um atributo capital para que a informação contida nos arquivos confira a estes uma conotação crítica e social, presumindo-se a compreensão esclarecida de seu conteúdo. Para tanto, dentre as finalidades mediatas da área, a difusão arquivística subentende predicados que perpassam a etapa de descrição arquivística, comportando tanto seu processo como seu produto. No âmbito dessa etapa, destaca-se que a formulação de instrumentos arquivísticos de referência visa abarcar a reconstrução do contexto arquivístico, a fim de representar e disponibilizar as informações sobre os acervos custodiados ao público dos arquivos (Oliveira, 2010). Contemporaneamente, a emergência de uma nova geração de instrumentos de referência on-line envolve aspectos de ordem tanto tecnológica quanto comunicacional, suscitando uma potencial ampliação do uso social dos acervos de instituições arquivísticas. Além disso, essa geração de instrumentos de referência reverbera a emergência do paradigma tecnológico Difusão de acervos arquivísticos 8 qualificado pelas chamadas tecnologias de informação e comunicação (TICs), no escopo de uma nova ordem informacional, assinalada pela reconfiguração das dinâmicas de produção, fluxo, disseminação e acesso à informação. Somada à desterritorialização dos saberes, a virtualidade da rede mundial de computadores acentua a interatividade e a velocidade exponencial do fluxo informacional, afetando o fenômeno arquivístico. Com efeito, as tecnologias digitais produzem significativas mudanças na cadeia de transferência de informação, em especial, no âmbito da difusão dos acervos arquivísticos, alterando padrões e comportamentos daqueles que os utilizam. Uma gama de recursos técnicos disponibilizados pela internet amplia os meios de busca e acesso às informações, ao passo que estremece a tradicional relação entre a instituição arquivística e seu público. Situar os arquivos nesse contexto tecnológico – que também não se furta a ser econômico, tecnopolítico e social – pressupõe, portanto, reconhecer um alargamento das perspectivas contemporâneas do pensamento arquivístico, atravessadas por múltiplos e fecundos campos do saber. Nesse horizonte, sustenta-se que a interlocução entre a arquivologia e as áreas afetas ao user experience (UX) design oportuniza contribuições tanto teóricas quanto práticas ao campo dos arquivos, em especial, à descrição e difusão arquivísticas. Nessa direção, a presente pesquisa realça como questão compreender de que forma a navegabilidade de instrumentos de referência on-line afeta o propósito de difusão dos acervos arquivísticos, considerando-se a usabilidade e a inteligibilidade desses instrumentos na rede. Desse modo, investiga-se a experiência de uso do Sistema de Informações do Arquivo Nacional (Sian), principal base de dados do Arquivo Nacional, tendo em vista a importância da interface usuário-sistema para a difusão arquivística do acervo custodiado por essa instituição. Especificamente, busca-se qualificar o comportamento do usuário na utilização dessa ferramenta, explorando-se o design da interação virtual entre ambos, além de verificar se o referido instrumento fornece ao usuário o apoio necessário para ampará-lo durante a sua experiência de consulta aos acervos arquivísticos. Além desta introdução, o presente trabalho se desdobra em cinco capítulos. Com base em revisão de literatura, o segundo busca suscitar uma reflexão acerca da descrição arquivística, pensada tanto como processo quanto produto. Em seguida, também partindo da literatura revista, são levantados conceitos e propósitos da difusão dos arquivos. Já no capítulo quarto, propõem-se alguns vislumbres interdisciplinares entre a arquivologia e áreas afetas às tecnologias digitais, apresentando-se a abordagem de UX design. O quinto capítulo demonstra a análise dos resultados da pesquisa, sendo seguido pela sexta e última seção, que traz à tona algumas reflexões finais quanto à investigação empreendida. Difusão de acervos arquivísticos 9 A dimensão da difusão arquivística Tradicionalmente, os arquivos surgem revestidos pela aura soturna daquilo que é privado, sagrado, oculto, desconhecido. Desde a Antiguidade, a prática de preservar e depositar documentos em lugares “seguros” qualifica os arquivos como posses preciosas, raridades, verdadeiros tesouros velados. Antes de lugar de memória (Nora, 1993), os arquivos são lugares de negação, de encobrimento: resguardam longínquas ilhas de segredos. Inúmeros são os exemplos que ilustram essa afirmação; no entanto, destaca- se a periodização estabelecida pelo francês Robert-Henri Bautier (1968 apud Schmidt, 2012, p. 98-99) sobre os arquivos: época dos arquivos de palácio; tesouro de Chartres; arquivos como arsenal da autoridade e arquivos como laboratório da história. Em cada uma das fases definidas, os arquivos se vinculam a uma dimensão de exceção: os dois primeiros, como patrimônios privados; o terceiro, à disposição do poder administrativo do Estado, e o último, à redoma da investigação histórica. Portanto, é factível pensar que os arquivos propendem à exclusividade e à exclusão. Dito isso, quando se toma por objeto a difusão dos arquivos, é preciso observar que não se trata de um processo natural: dar a conhecer os arquivos ao público vai de encontro à concepção patrimonial, religiosa e sigilosa que os circunda. Então, se o padrão reside na opacidade, como pensar a transparência nos arquivos? Parte dessa resposta consiste na compreensão da identidade da arquivologia como um “saber de Estado”, ancorado às circunstâncias políticas e sociais decorrentes da Revolução Francesa, a partir do desenvolvimento técnico de seu “fazer”. Sobretudo, é primordial conceber que os arquivos só fazem sentido quando comunicados para o amplo público que os utiliza. Se um determinado acervo recebe tratamento arquivístico adequado e permanece na condição de “tesouro ignorado” (Duchein, 1983), o sentido primeiro dos arquivos é cumprido, porém, não há eficácia em seu processo comunicacional. Por essa razão, a difusão consiste em um recurso fundamental para o “desentesouramento” dos arquivos à sociedade. Por meio de diversos tipos de ações de difusão, as instituições arquivísticas devem atrair a atenção para o conteúdo de seu acervo e sua atividade finalística, a fim de dar publicidade ao que já é público, em termos legais, porém, desconhecido pela sociedade. Acima de tudo, o valor desse patrimônio é necessariamente construído por meio de seu conhecimento. De tal sorte, entende-se que o ato de dar a conhecer o universo documental dos arquivos, através de uma linguagem que o público final compreenda, carrega em si o desafio de tornar tais instituições mais populares, para que mais pessoas possam se apropriar do conhecimento que armazenam, compondo uma sociedade gradativamente mais crítica. Do ponto de vista da prática social, a presente proposta se justifica em sua ligação direta à democracia, alicerce imprescindível das sociedades contemporâneas, além da crescente preocupação em relacionar a difusão do conhecimento científico à dimensão da cidadania. Essa premissa alimenta a ideia de que um cidadão pleno é aquele que consegue articular as informações necessárias para atuar na pólis moderna: uma democracia composta por Difusão de acervos arquivísticos 10 cidadãos conscientes e responsáveis por suas decisões. Nesse sentimento profuso, a difusão dos arquivos insinua um viés politizante e almeja uma sociedade mais transparente, plural e informada, cujo projeto seria o acesso e compreensão de todos ao conhecimento de que, atualmente, poucos partilham. Nesse sentido, a relevância desta proposta de investigação encontra amparo na perspectiva de popularização do conhecimento científico, pressupondo-se a arquivologia uma ciência em construção (Schmidt, 2012, p. 25), bem como na ampliação dos usos sociais dos arquivos, permeada por aspectos culturais, políticos, econômicos, pedagógicos e tecnológicos. Pretende- se estimular contribuições interdisciplinares que favoreçam e ampliem, no âmbito da arquivologia, o diálogo entre as instituições arquivísticas e o chamado cidadão comum, representante do público leigo ou não especialista nesse campo, articulando elementos tecnológicos da rede mundial de computadores que concorram para a potencialização da comunicação dos arquivos à sociedade. Admite-se, então, que o potencial comunicacional dos arquivos abarcado pela difusão pode ser dilatado a partir da convergência teórica entre a arquivologia, a comunicação e as diversas áreas afetas às tecnologias digitais, a exemplo da arquitetura da informação e do design de interação. Em especial, o aporte da perspectiva de UX sobre os instrumentos arquivísticos de referência de nova geração deve ser reconhecido e explorado, a fim de reforçar os elos interdisciplinares entremeados à ciência dos arquivos. Para cumprir a investigação almejada, foram definidos alguns objetivos. O objetivo geral foi analisar a interação entre usuários e o Sistema de Informações do Arquivo Nacional (Sian) com base em parâmetros de navegabilidade e usabilidade, a fim de verificar se esse instrumento de referência atende ao propósito de difusão de acervos arquivísticos à sociedade, em que pese a sua compreensão pelos usuários. Os objetivos específicos foram os seguintes: identificar aspectos do Sian relacionados à sua acessibilidade, interface e modalidades de pesquisa; compreender a percepção dos usuários acerca do Sian, sob a ótica de UX design; e apontar aspectos do Sian passíveis de alteração, com vistas a facilitar e aperfeiçoar a qualidade da experiência de pesquisa pelos usuários. Quanto à sua natureza, a pesquisa é aplicada, estando mais voltada para a aplicação em uma realidade circunstancial do que para o desenvolvimento de teorias universais (Gil, 2008, p. 27), visando à produção de contribuições para o campo arquivístico. De acordo com a forma de abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, predominantemente, uma vez que busca responder questões particulares de uma realidade não quantificável. A ponte entre os mundos objetivo e subjetivo é sensível à interpretação de seus fenômenos, que nem sempre podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Segundo Minayo et al. (1998), os códigos das ciências são incapazes de abarcar a riqueza da realidade, uma vez que são referidos e recortados. Diante disso, afirma: As ciências sociais, no entanto, possuem instrumentos e teorias capazes de fazer uma aproximação da suntuosidade que é a vida dos seres humanos em sociedades, Difusão de acervos arquivísticos 11 ainda que de forma incompleta, imperfeita e insatisfatória. Para isso, ela aborda o conjunto de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos, nos sujeitos, nos significados e nas representações. (Minayo et al., 1998, p. 15) Contudo, a autora exclui quaisquer tentativas de dicotomia em relação aos dados quantitativos e qualitativos, já que descrevem uma relação de complementaridade (Minayo et al., 1998, p. 22). Ainda que a dinâmica de suas interações seja distinta entre si, a realidade que abrangem é apenas uma. Dessa maneira, aponta-se que a presente investigação também se apropria de métodos quantitativos para complementar a análise empreendida. A combinação entre ambas as abordagens decorre da potencialidade da obtenção de resultados mais detalhados, flexíveis e sensíveis, ao passo que também embasados por dados numéricos, capazes de descrever tendências e opiniões de uma determinada população. Desse modo, torna-se possível relacionar dados quantitativos e qualitativos coletados, no intuito de depreender as percepções dos usuários em relação ao instrumento de referência pesquisado, com maior acurácia, plasmando-se a realidade experimentada por tais usuários. Do ponto de vista de seus objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, pois pretende explorar um determinado campo para proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o mais explícito. Segundo Gil (2008, p. 27), “as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. Quanto aos seus procedimentos técnicos, a pesquisa é considerada tanto bibliográfica quanto documental. Parte do levantamento de referências bibliográficas já publicadas para angariar um volume de informações, de modo a constituir um arcabouço teórico de conhecimentos sobre o problema colocado. Em paralelo, também abrange materiais que ainda não receberam tratamento analítico, como os aspectos específicos do instrumento de referência que figura como campo empírico. A fim de lograr os objetivos desta pesquisa, foi iniciada a revisão bibliográfica sobre a descrição e a difusão arquivística, a evolução da web e estudos sobre UX design e usabilidade, recorrendo-se a diversos autores das respectivas áreas. Após a delimitação e contextualização do campo empírico, procedeu-se à coleta de dados, promovendo-se uma verificação empírica da percepção dos usuários selecionados sobre o Sian conforme suas experiências de uso. Como técnica utilizada para a coleta de dados da pesquisa, optou-se por um questionário do tipo websurvey, desenvolvido através da plataforma on-line Google Forms, prezando-se pelo anonimato dos respondentes. Esse questionário é composto por uma parte introdutória, cuja intenção consiste em apresentar brevemente o propósito da investigação, a fim de contextualizar o usuário respondente quanto à pesquisa empreendida, além de duas outras partes. Na primeira delas, quatro perguntas fechadas abrangem informações sobre o usuário, como o seu perfil, idade, formação e interesse. A segunda parte Difusão de acervos arquivísticos 12 do questionário envolve 11 perguntas fechadas e uma aberta, com foco direto sobre as percepções dos respondentes quanto ao uso do Sian. Dessa forma, em sua totalidade, o questionário contém 16 perguntas (vide apêndice 1). Em relação à segunda parte do questionário, algumas das perguntas fechadas contemplaram opções binárias de resposta (sim ou não), na medida em que outras obedeceram à escala Likert,1 permitindo melhor aferir o grau de conformidade do respondente com as afirmações propostas. Como caminho de investigação para verificar as dificuldades de interação dos usuários com o Sian, propôs-se uma adaptação do método empírico de avaliação de usabilidade System Usability Scale (SUS), combinado a duas normas e mais outro método de usabilidade, conforme o quadro 1. Essa adaptação encontra respaldo na ideia de que tanto normas como métodos de usabilidade denotam uma relação de complementaridade para a análise do sistema elegido como objeto de pesquisa. Quadro 1 Quesitos de análise de acordo com o método selecionado2 MÉTODO SELECIONADO QUESITOS ANALISADOS SUS (Brooke, 1986) Dez perguntas relacionadas à efetividade, eficiência e satisfação NBR ISO/IEC 9126-1 (2003)2 Inteligibilidade: facilidade do usuário em reconhecer a lógica de funcionamento do produto e sua aplicação Atratividade: evidencia a satisfação subjetiva do usuário durante o uso Apreensibilidade: medida da facilidade de utilização do software pelo usuário Operacionalidade: medida da facilidade de operação do sistema NBR ISO 9241-11 (1998) Eficácia: recursos gastos em relação à acurácia e abrangência Satisfação: ausência do desconforto e presença de atitudes positivas para com o uso de um produto Avaliação heurística da usabilidade Ajuda e documentação: o sistema deve fornecer mecanismos (Nielsen, 1995) de ajuda e documentação concretos e breves, apresentando a informação de modo que seja facilmente encontrada e focada nas tarefas do usuário Controle do usuário: utilização da linguagem do usuário, com conceitos que lhe são familiares, em vez de termos especializados do sistema Fonte: elaborado pela autora (2017). Criado em 1986 por Brooke (2013),3 o SUS é uma metodologia de grande repercussão pelo mundo, apresentando um questionário com dez questões capazes de abranger uma visão global do usuário sobre o sistema, em que o respondente assinala a sua resposta de acordo com uma escala Likert. 1 Escala psicométrica de cinco pontos desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Rensis Likert, permitindo a mensuração de interesses e atitudes dos respondentes. 2 A norma brasileira NBR ISO/IEC 9126-1 corresponde à norma internacional ISO/IEC 9126, criada em 1991. 3 Como parte de um programa de engenharia de usabilidade, John Brooke desenvolveu esse ques- tionário para que pudesse ser utilizado para mensurar de modo rápido como as pessoas perce- biam a usabilidade de sistemas computacionais nos quais trabalhavam (Brooke, 2013, p. 29). Difusão de acervos arquivísticos 13 A partir da adaptação proposta, as respostas obtidas que escapavam aos critérios de avaliação do SUS foram, complementarmente, analisadas sob o prisma de duas normas técnicas relacionadas à usabilidade, a saber, NBR ISO/IEC 9126-1 e NBR ISO 9241-11, e da avaliação heurística de usabilidade proposta pelo cientista da computação Jakob Nielsen (1995). Segundo Boucinha e Tarouco (2013, p. 3), a NBR ISO/IEC 9126-1 trata da primeira norma internacional que aborda o conceito de usabilidade, definindo para esta cinco subcaracterísticas: inteligibilidade, apreensibilidade, operacionalidade, atratividade e conformidade. Já a norma NBR ISO 9241-11 apresenta a definição de novos termos para a compreensão do conceito de usabilidade, como eficácia, eficiência, satisfação, contexto de uso e sistema de trabalho. Quanto à metodologia de avaliação heurística de usabilidade de Nielsen (1995),4 consiste em uma técnica preditiva para a avaliação sistemática da interface do usuário no tocante à sua usabilidade, tratando-se de um método tradicional: consiste da inspeção sistemática da interface do usuário com relação à sua usa- bilidade [...]. Seu procedimento básico é o seguinte: um avaliador interage com a interface e julga a sua adequação comparando-a com princípios de usabilidade reconhecidos, as heurísticas. (Winckler; Pimenta, 2002, p. 29) Nesse sentido, o método proposto pelo autor para a avaliação de interfaces envolve dez heurísticas. Contudo, a análise empreendida abarcou apenas duas, aplicáveis ao escopo da pesquisa: controle do usuário; e ajuda e documentação. Assim, o resumo do percurso metodológico trilhado é apresentado através do quadro 2. Quadro 2 Resumo do percurso metodológico ETAPA COMO FINALIDADE Revisão bibliográfica Análise de literatura especializada da Consolidar o marco teórico com o arquivologia e de áreas afetas ao UX corpo de conhecimento da pesquisa design Delimitação do campo Seleção do instrumento arquivístico Circunscrever o lócus da pesquisa empírico de referência cujas percepções de usuários serão analisadas Coleta dos dados Aplicação de questionário do tipo Levantar dados de pesquisa para a websurvey análise Análise dos resultados Combinação do método System Buscar responder ao problema da Usability Scale (SUS) com as normas pesquisa NBR ISO/IEC 9126-1 e NBR ISO 9241-11 e o método de avaliação heurística de Nielsen (2005) Fonte: elaborado pela autora (2017). A partir dessas quatro etapas definidas, buscou-se cumprir os objetivos propostos para esta investigação. 4 Baseado em 294 tipos de erros de usabilidade, o dinamarquês Jakob Nielsen propôs, como parâmetro para a avaliação da usabilidade de websites, dez itens de análise, as heurísticas. Difusão de acervos arquivísticos 14 O Sistema de Informações do Arquivo Nacional A escolha do campo empírico da investigação se justificou pela relevância tanto da instituição arquivística como da ferramenta analisada em si, respectivamente, o Arquivo Nacional brasileiro e o Sian. Dessa forma, é válida uma breve contextualização da instituição em que o sistema foi desenvolvido. Fundado em 1838, ainda sob a denominação de Arquivo Público do Império, o Arquivo Nacional (AN) foi organizado, em sua concepção, em três seções: Legislativa, Administrativa e Histórica (Estevão; Fonseca, 2011). Retrata-se à época de sua criação: Nos primeiros anos do Arquivo Público, e certamente nas décadas seguintes, o termo público, que tanto destaque teve na França, tinha um efeito mais subliminar do que concreto junto à população, a tomar pelo art. 10 do regulamento n. 2, segundo o qual os documentos não podiam ser franqueados a ninguém “sem licença do ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império”. Até mesmo a concessão de certidões (art. 11) supunha a aprovação da autoridade ministerial. (Estevão; Fonseca, 2011, p. 84) Adotando como parâmetro a instituição arquivística francesa, que já contava com meio século de existência quando criado, o AN desempenhou um papel relevante para a história da técnica e da disciplina dos arquivos no Brasil. Destaca-se, principalmente, a atuação de José Honório Rodrigues, diretor da instituição a partir de 1958, momento em que promoveu uma gestão marcada pela qualificação e aprimoramento de pessoal, assistência técnica, intercâmbio de profissionais e divulgação do conhecimento. Atualmente, o AN vincula-se hierarquicamente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, sendo responsável pela custódia do acervo permanente da esfera executiva da Administração Pública Federal. Segundo o seu relatório de gestão de 2015,5 conserva mais de 55 quilômetros lineares de acervo documental. Conforme seu sítio eletrônico,6 a instituição tem por finalidade implementar e acompanhar a política nacional de arquivos definida pelo Conarq, através da gestão, do recolhimento, do tratamento técnico, da preservação e da divulgação do patrimônio documental do país, garantindo pleno acesso à informação, com vistas a apoiar as decisões governamentais de caráter político-administrativo e o cidadão na defesa de seus direitos, e a incentivar a produção de conhecimento científico e cultural. Em termos editoriais, o AN publica a revista Acervo desde 1986, semestralmente até 2018, quando a periodicidade passou a ser quadrimestral. Seu objetivo é a divulgação de estudos e fontes nas áreas de ciências humanas e sociais aplicadas, em especial, história e arquivologia. Quanto à presença da instituição nas redes de comunicação eletrônica, 5 Disponível em: https://tinyurl.com/relatarqnac15. Acesso em: 8 jun. 2017. 6 Disponível em: http://www.arquivonacional.gov.br/index.php/institucional/historico.html. Acesso em: 3 jun. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 15 o site do AN expõe seis canais on-line: Facebook,7 Instagram,8 Pinterest,9 SoundCloud,10 Twitter11 e YouTube.12 Sua página na rede social Facebook apresenta 71.034 curtidas e é avaliada pelo seu público com 4,8 de cinco estrelas. No Instagram possui cerca de 96.300 seguidores e um volume de 1.118 publicações. No Pinterest, são 3.050 os que seguem suas 59 pastas, com 2.366 pins. No SoundCloud, verifica-se um pequeno público de 54 seguidores e um conteúdo de quatro faixas sonoras. Já a conta no Twitter, criada em junho de 2011, indica um público de cerca de 92.300 seguidores. Por último, seu canal no YouTube, disponível desde janeiro de 2015, possui 11.300 inscritos, totalizando 986.442 visualizações de seus oitenta vídeos. Além disso, o AN também exibe 24 exposições virtuais em seu sítio eletrônico, incluindo galerias de imagens. Tais números reforçam a expressividade da instituição no espaço virtual.13 Para os fins desta pesquisa, sobretudo, ressalta-se a disponibilização on- line da base de dados Sian, remetendo ao início dos anos 2000, para a consulta ao acervo arquivístico da instituição, que apresenta a ferramenta como principal meio de acesso às informações relacionadas ao acervo que custodia. Atualmente, é composta por 899 fundos, 511.344 dossiês e 120.491 itens documentais,14 e disponibiliza versões nos idiomas inglês e espanhol, além do português. Com o intuito de contextualizar o Sian, são apresentados a seguir dados desse sistema referentes ao seu acesso, sua interface e suas modalidades de pesquisa. Acesso Para obter acesso ao sistema é necessário realizar um cadastro do usuário em seu próprio sítio eletrônico, fornecendo informações pessoais relacionadas à sua identificação, documentação e endereço. O levantamento de dados sobre o acesso ao sistema compreendeu o intervalo entre os meses de fevereiro de 2016 e fevereiro de 2017, totalizando 343.021 acessos15 ao Sian. Nesse período, é importante ressaltar que houve uma mudança de interface, conforme o gráfico 1. A nova interface entrou “no ar” no dia 29 de agosto de 2016, a partir de então, sofrendo vários ajustes técnicos. 7 Disponível em: https://www.facebook.com/arquivonacionalbrasil/. Acesso em: 19 maio 2017. 8 Disponível em: https://www.instagram.com/arquivonacionalbrasil/. Acesso em: 19 maio 2017. 9 Disponível em: https://br.pinterest.com/arquivonacional/. Acesso em: 19 maio 2017. 10 Disponível em: https://soundcloud.com/arquivo-nacional. Acesso em: 19 maio 2017. 11 Disponível em: https://twitter.com/arquivobrasil. Acesso em: 19 maio 2017. 12 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCcB7XUfJLfmtXx5KRKWAwCg/. Acesso em: 19 maio 2017. 13 Dados verificados em fevereiro de 2020. 14 Disponível em http://sian.an.gov.br/sianex/log/estatistica.asp. Acesso em: 8 jun. 2017. 15 A compilação dos dados quantitativos de acessos foi realizada pelo administrador de rede da instituição, observando-se que esse número refere-se a “visitas únicas”, que identifica o usuário e consolida as páginas acessadas. Difusão de acervos arquivísticos 16 Uma estabilização relativa no sistema quanto ao cadastramento de usuários, navegadores, recuperação de dados etc. foi alcançada em cerca de 45 dias. Gráfico 1 Total de acessos ao Sian no período analisado Número de acessos Período Fonte: elaborado pela autora (2017), a partir de informações fornecidas pela Coordenação de Tecnologia da Informação (Cotin/AN). Fato interessante é que os acessos ao Sian ultrapassam os limites nacionais. Muitos outros países utilizam essa ferramenta para busca de acervos arquivísticos brasileiros, conforme o gráfico 2, que revela o volume de acessos ao sistema por continente. Após a América do Sul, com 91,34% do total de consultas, o maior número provém da América do Norte e, em seguida, da Europa. Destaca-se que não há registro pela América Central. Gráfico 2 Distribuição de acessos ao Sian por continente no período analisado Fonte: elaborado pela autora (2017), a partir de informações fornecidas pela Coordenação de Tecnologia da Informação (Cotin/AN). Difusão de acervos arquivísticos 17 Quanto à distribuição do quantitativo de acessos por país, observa-se pelo gráfico 3 que os três países que mais utilizaram o Sian no período analisado foram, após o Brasil, respectivamente, Itália, Estados Unidos e Portugal. Gráfico 3 Distribuição de acessos ao Sian por países no período analisado Fonte: elaborado pela autora (2017), a partir de informações fornecidas pela Coordenação de Tecnologia da Informação (Cotin/AN). Difusão de acervos arquivísticos 18 Em relação aos fundos e coleções mais consultados, estabeleceu-se como critério para a investigação os que superaram o quantitativo de 2.500 ocorrências durante o ano de 2016. Desse modo, foram compilados na tabela 1 os dados sobre os 17 fundos e coleções mais acessados pelos usuários do Sian em 2016: Tabela 1 Fundos/Coleções mais acessados em 2016 no Sian CÓDIGO DE QUANTIDADE DE ACESSOS FUNDO REFERÊNCIA REALIZADOS 1/1/2016 a 1/9/2016 a TOTAL 29/8/2016 31/12/2016 de acessos Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de BR RJANRIO OL 853.652 276.613 1.130.265 Fronteiras Serviço de Polícia Marítima, Aérea e de BR RJANRIO BS 30.708 110.528 141.236 Fronteiras – SP (Santos) Objeto voador não identificado (ovni) BR DFANBSB ARX 87.250 7.468 94.718 Departamento Nacional do Povoamento BR RJANRIO OB 19.943 26.709 46.652 Agência Nacional BR RJAN RIO EH 4.399 8.700 13.099 Comissão Nacional da Verdade BR RJANRIO CNV 5.378 5.823 11.201 Comissão encarregada do desembarque BR RJANRIO OH 8.570 – 8.570 e remoção para o interior dos imigrantes recém-chegados Série Interior – Estrangeiros: visto – BR RJANRIO A5 5.666 – 5.666 expulsão – permanência (IJJ7) Fotografias avulsas BR RJANRIO O2 2.926 2.588 5.514 Inspetoria Geral das Terras e Colonização BR RJANRIO 3D 5.489 – 5.489 Conselho de Segurança Nacional BR DFANBSB N8 5.149 – 5.149 Casa dos Contos BR RJANRIO 0M 4.434 – 4.434 Série Interior – Nacionalidades (IJJ6) BR RJANRIO A9 3.803 – 3.803 Serviço de Polícia Marítima, Aérea e de BR RJANRIO BO 3.371 – 3.371 Fronteiras – RJ Ministério da Justiça e Negócios Interiores BR RJANRIO 4T 2.956 – 2.956 Correio da Manhã BR RJANRIO PH – 2.830 2.830 Serviço de Censura de Diversões Públicas – RJ BR RJANRIO TN – 2.566 2.566 Fonte: elaborado pela autora (2017), a partir de informações fornecidas pela Coordenação de Tecnologia da Informação (Cotin/AN). Difusão de acervos arquivísticos 19 Interface Como apontado no gráfico 1, apenas a partir de outubro de 2016 a nova interface do Sian foi disponibilizada já com os ajustes técnicos necessários. Previamente, o sítio eletrônico apresentava outra interface a seus usuários, como exibido pela figura 1. Figura 1 Captura de tela de apresentação da interface anterior do Sian Fonte: sítio eletrônico do Sian. Acesso em: 18 maio 2016. Em sua interface atual, o Sian também disponibiliza ao público dois módulos: Fundos/Coleções e Mapa, este último englobando a memória da Administração Pública Federal. Todavia, conforme mostrado pela figura 2, já é possível notar algumas das principais mudanças da “nova” interface. Figura 2 Captura de tela de apresentação da atual interface do Sian Fonte: sítio eletrônico do Sian. Acesso em: 20 jun. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 20 Observa-se uma barra superior vermelha logo abaixo do título do sistema, que contém nove abas. São elas, respectivamente: Página inicial (representada por um ícone); Fundos/Coleções; Mapa; Favoritos; Estatística; Editar cadastro; Contatos; Ajuda e Sair. Pela aba Fundos/Coleções, opção de maior interesse para a presente investigação, o sistema oferece seis modalidades de pesquisa: livre, avançada, multinível, digital, instrumentos de pesquisa ou notação anterior. Em sua página inicial, há uma breve descrição sobre cada uma dessas opções. Modalidades de pesquisa Dentre as modalidades de pesquisa mencionadas, optou-se por destacar as três mais utilizadas pelos usuários em 2016:16 livre, avançada e multinível. Por meio da pesquisa livre (figura 3), é possível buscar por um termo a ser consultado em um campo abaixo da barra de ferramentas, selecionando-se dentre as opções “igual”, “início” ou “contém” o mecanismo de busca mais adequado para o termo procurado. Ao lado direito desse campo, há um ícone vermelho com uma interrogação que orienta os usuários acerca desses três mecanismos de busca, bastando que se passe o cursor do mouse sobre o ícone. Essa modalidade dispõe de filtros de pesquisa na coluna à esquerda, sendo possível indicar o período da busca, se a pesquisa se limitará apenas aos resultados que apresentem arquivos digitais e, ainda, o nível de descrição do termo buscado, obedecendo ao pressuposto da descrição multinível expresso na norma Isad(G), também refletido na Nobrade. Além desses pontos, essa modalidade mostra ao usuário quais os termos mais pesquisados, na parte inferior da tela. Figura 3 Captura de tela de pesquisa livre em Fundos/Coleções do Sian Fonte: sítio eletrônico do Sian. Acesso em: 30 jul. 2017. 16 Conforme dados do Sian compilados para a tabela 1. Difusão de acervos arquivísticos 21 Já a pesquisa avançada (figura 4) representa a modalidade de pesquisa com mais possibilidades de parâmetros de busca, como esperado, contando com cerca de vinte variáveis de itens de pesquisa, a saber: nível, cargo, gênero, espécie, formato, formato de escrita, estágio de tratamento, estado de conservação, local de produção, cidade/município, código de referência, idioma, ordenação, título, especificação do conteúdo, data, entidade, referência bibliográfica, termo de indexação e responsabilidades. Todavia, o sistema alerta o usuário de que a combinação máxima permitida para essa modalidade de busca envolve até quatro itens. Outro aspecto digno de nota é a existência de três ícones de interrogação para indicar mecanismos de ajuda ao usuário: “com arquivo digital”, título e o período entre datas. Figura 4 Captura de tela de pesquisa avançada em Fundos/Coleções do Sian Fonte: sítio eletrônico do Sian. Acesso em: 30 jul. 2017. Nas pesquisas através da opção multinível (figura 5), dois campos são disponibilizados ao usuário: título e código de referência. Dessa forma, o sistema possibilita buscas tanto por termos que figurem no título dos fundos ou coleções, como também por seus respectivos códigos de referência. Difusão de acervos arquivísticos 22 Figura 5 Captura de tela de pesquisa multinível em Fundos/Coleções do Sian Fonte: sítio eletrônico do Sian. Acesso em: 30 jul. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 23 Descrição arquivística: processo ou produto? Em meio a diversos sentidos atribuídos à descrição arquivística, destaca- se a sua manifestação como uma atividade intelectual que visa refletir a utilização de processos e métodos da área, a fim de representar as informações contidas nos acervos arquivísticos, evidenciando seu conteúdo e contexto. Nessa acepção, a descrição é também compreendida como uma forma de representação dos arquivos, tal qual pensada pela norte-americana Elizabeth Yakel: O termo “representação arquivística” capta, mais precisamente, os papéis do arqui- vista em reordenar, interpretar, criar substitutos e desenhar arquiteturas para siste- mas de representação que contenham esses substitutos para suprir ou representar os próprios materiais arquivísticos. (Yakel, 2003, p. 2, tradução da autora) Em consulta à base de dados on-line Multilingual Archival Terminology17 pelo termo descrição, não se encontraram definições, apenas uma remissão ao termo archival description,18 que apresenta quatro significados, conforme o quadro 3. Dentre as ocorrências retornadas por essa base de dados, observa-se que a primeira e a segunda são oriundas de um dicionário e um glossário de terminologia arquivística, respectivamente, enquanto as outras duas encontram respaldo no próprio conteúdo das normas internacionais de descrição arquivística. 17 Criada e disponibilizada pelo Conselho Internacional de Arquivos (CIA), essa base de dados tem como objetivo facilitar a comunicação e compreensão dos conceitos relacionados aos documentos em diversos idiomas, culturas e tradições da prática arquivística. Disponível em: http://www.ica. org/en/online-resource-centre/multilingual-archival-terminology. Acesso em: 20 jun. 2017. 18 Originalmente, buscou-se o termo description, que apontou para o termo archival description. Difusão de acervos arquivísticos 24 Quadro 3 Definições para o termo archival description na base Multilingual Archival Terminology DEFINIÇÃO FONTE 1) O processo de captura, análise, organização e registro da informação que International Council serve para identificar, gerenciar, localizar e explicar os acervos de arquivos e on Archives, 1999 repositórios de manuscritos, bem como os contextos e sistemas de documento que os produziram; 2) os produtos do processo acima. 1) O processo de análise, organização e registro de detalhes sobre os elementos Pearce-Moses, 2005 formais de um documento ou conjunto de documentos, como criador, título, datas, extensão e conteúdos, para facilitar o trabalho de identificação, gerenciamento e compreensão; 2) o produto de tal processo. A criação de uma representação precisa de uma unidade de descrição e suas International Council partes componentes, se for o caso, capturando, analisando, organizando e on Archives, 2004 registrando informações que sirvam para identificar, gerenciar, localizar e explicar os materiais de arquivo e o contexto e sistemas de documento que os produziram. Sinônimo: descrição. A criação de uma representação precisa de uma unidade de descrição e suas International Council partes componentes, se for o caso, capturando, analisando, organizando e on Archives, 1999 registrando informações que sirvam para identificar, gerenciar, localizar e explicar os materiais de arquivo e o contexto e sistemas de documento que os produziram. Esse termo também descreve os produtos do processo. Fonte: Multilingual Archival Terminology, traduzida pela autora (2017). Recorrendo à definição do Dicionário brasileiro de terminologia arquivística,19 o termo descrição consiste no “conjunto de procedimentos que leva em conta os elementos formais e de conteúdo dos documentos para elaboração de instrumentos de pesquisa” (Arquivo Nacional, 2005, p. 67). Embora pertinente, tal definição acomoda um aspecto redutor no tocante à associação da descrição arquivística apenas à produção dos instrumentos de pesquisa, recorrentemente, assimilados em sobreposição, preterindo-se outros produtos também derivados do processo descritivo (Oliveira, 2010, p. 45). Dessa maneira, Oliveira (2010) situa os instrumentos de pesquisa como produtos correspondentes apenas a uma parte desse processo, salientando que não contemplariam todo o conhecimento produzido pelo arquivista sobre o acervo. Uma dissociação entre ambos os conceitos também é percebida por Llanes Padrón (2016), similarmente, no âmbito da emergência de novas tecnologias na contemporaneidade: A evolução tecnológica alcançada nas últimas décadas do século XX permitiu dis- sociar o conceito de descrição do conceito de instrumento de pesquisa. A descrição consiste em elaborar uma representação (atividade) que pode ter diferentes formas de manifestação (instrumentos de consulta); a partir de uma base de dados descriti- va é possível obter diferentes formatos de saída (várias formas de exibição na tela ou diferentes tipos de impressos). (Llanes Padrón, 2016, p. 27, tradução da autora) Digno de nota é que, de maneira geral, a ausência de consenso quanto a essa questão decorre da forma por que a descrição é considerada pela literatura da área: para alguns autores, um produto; para outros, um processo. 19 Criado em 2005, o Dicionário brasileiro de terminologia arquivística (Dibrate) é editado e publicado pelo Arquivo Nacional em versão física e digital. Sua elaboração resultou de um grupo de trabalho da própria instituição em conjunto com o Conarq (Balmant, 2016, p. 71). Difusão de acervos arquivísticos 25 Sob a ótica de Geoffrey Yeo (2016, p. 135),20 os debates acerca da descrição arquivística apontam para a sua compreensão tanto como um processo quanto um produto. Sob esse prisma, relata que as percepções da comunidade arquivística sobre a descrição diferem quanto à ênfase atribuída a seus papéis e funções: visões distintas tendem a reforçar aspectos como o controle, o acesso, a autenticidade ou o contexto. Cabe ressaltar que não se trata de perspectivas incompatíveis, necessariamente, e sim complementares. Para Oliveira (2010, p. 43), em sua tese de doutorado, apesar da literatura da área identificar como finalidades da descrição, tradicionalmente, o controle e o acesso do acervo, diversos elementos compõem camadas de compreensão para a representação do contexto arquivístico, reforçando a cientificidade da descrição dos arquivos e sua abordagem como uma função de pesquisa. Já no intuito de recompor os aspectos históricos da descrição arquivística, Andrade e Silva (2008, p. 17) realçam a importância da relação entre o conhecimento do contexto e o resultado dessa atividade, indicando a necessidade desse processo abarcar elementos sobre o ambiente de criação, assim como outros retirados do próprio conjunto documental descrito. O trabalho do arquivista, dessa forma, contemplaria a descrição do conteúdo, da estrutura e do contexto dos documentos, preservando a imparcialidade e a autenticidade do documento de arquivo. Luciana Duranti (2011), por sua vez, sublinha a relação entre a descrição arquivística e a autenticidade, tratando a primeira como uma comprovação da autenticidade de documentos de um fundo e de todas as suas inter-relações: “o único papel importante que os arquivistas têm em relação à autenticidade é descrever os documentos sob sua custódia em contexto, tornando explícita, estabilizando e perpetuando seus relacionamentos com seus criadores e entre eles [...]” (Duranti, 2011, p. 78, tradução da autora). A italiana corrobora, assim, o ponto de vista de Yeo (2016), pelo qual afirma que os autores que enfatizam o contexto ou a autenticidade da descrição demonstram privilegiar um enfoque sobre a presunção de prova dos documentos e as ações que os produzem. Depreende-se que cumpriria ao arquivista, ao operacionalizar o processo descritivo, compreender o contexto dos documentos de arquivo descritos, bem como a interação entre a unidade de informação arquivística e os seus usuários. Para tanto, ressalta-se a criação e aplicação de normas específicas. A partir de um levantamento bibliográfico, Oliveira (2010) aponta as normas de descrição arquivística de maior relevância para a área e destaca: o Manual de arranjo e descrição de arquivos (vulgo Manual dos arquivistas holandeses), em 1898; Manual of archival description (MAD), em 1986, 1989 e 2000; Rules for archival description (RAD), em 2008; Isad(G): Norma Geral Internacional de Descrição Arquivística, 2003; e Describing archives: a content standard (Dacs), 20 Geoffrey Yeo é pesquisador honorário na University College London (UCL), cujo interesse de pesquisa é, entre outros, a contextualização e descrição de documentos. Disponível em: http://www.ucl.ac.uk/dis/people/geoffreyyeo. Acesso em: 23 jun. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 26 em 2008. No Brasil, o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) foi o responsável pelo desenvolvimento da Norma Brasileira de Descrição Arquivística (Nobrade), a partir da Isad(G), publicada pelo Arquivo Nacional brasileiro em 2006. Cabe ressaltar que, em 2012, o Conselho Internacional de Arquivos (CIA) constituiu um grupo de trabalho21 com 21 especialistas em descrição arquivística, oriundos de 13 países distintos, visando à promoção de melhores práticas nessa temática. Entre 2012 e 2016, o grupo buscou desenvolver um padrão descritivo para conciliar, integrar e construir um modelo a partir das quatro normas de descrição – Isad(G), Isaar(CPF), ISDF e Isdiah –, intitulado Records in Context (RiC). Ainda em 2016, na forma de rascunho, o modelo conceitual proposto foi submetido à comunidade arquivística para consulta pública, tendo recebido contundentes críticas pelo InterPARES Trust.22 Em que pese a variedade das críticas que lhe foram endereçadas, importa aqui apresentar uma delas, referente ao foco sobre o papel dos usuários na proposição dessa modelagem: O papel dos usuários tem sido cada vez mais um tópico de investigação na literatura cien- tífica desses últimos anos. Novas tecnologias oferecem novas e inimagináveis possibili- dades de interação com instrumentos de pesquisa, sugerindo, por um lado, a necessidade de reconsiderar e redefinir o papel de instrumentos de pesquisa e, por outro, o papel dos usuários. Os usuários devem ser uma preocupação primária de qualquer projeto que trate de descrição. Este foco nos usuários deve ser preliminar para qualquer definição de ele- mentos de descrição. Sem uma análise minuciosa e compreensão do público-alvo – isto é, a natureza e as características do público – o modelo seria, inevitavelmente, impreciso, se não completamente errado. (InterPARES Trust, 2016, p. 7, tradução da autora) Na medida em que os usuários dos arquivos se relacionam com os acervos descritos na etapa de difusão, julga-se imperativo incluir sua perspectiva em debates sobre a descrição arquivística e suas normas. Do mesmo modo, é oportuno compreender a conjuntura tecnológica que perpassa as relações entre esses usuários ao se aceder às informações contidas nos acervos arquivísticos. Retomando a definição mencionada inicialmente por Yakel (2003), a autora aponta que “o próprio ato de representação arquivística, projetado para solicitar e fornecer acesso a acervos através de instrumentos de pesquisa, também pode criar barreiras para o uso” (Yakel, 2003, p. 2, tradução da autora). Nesse sentido, consiste em condição essencial que os pesquisadores conheçam e compreendam os esquemas, códigos e linguagens que envolvem os sistemas implícitos de privilegiar, classificar e selecionar: ainda que regidos por normas, remetem a um reconhecido grau de subjetividade. Segundo Yeo (2016), os arquivistas estão cada vez mais convencidos de que a representação nunca é per- feita, de que concessões precisam ser feitas, de que as normas não são universais, mas 21 Expert Group on Archival Description (Egad). Disponível em: http://www.ica.org/en/ about-egad. Acesso em: 27 jun. 2017. 22 Os comentários tecidos pelo InterPARES Trust à proposta preliminar do modelo Records in Context encontram-se disponíveis em: https://interparestrustblog.files.wordpress. com/2016/12/interparestrust_commentsonric_final2.pdf. Acesso em: 27 jun. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 27 produtos localizados de sociedades específicas [...]. Mas já que o trabalho descritivo é necessariamente seletivo, os arquivistas também tomam decisões conscientes sobre o que incluir em suas descrições, o que enfatizar e o que ignorar, e essas decisões inevi- tavelmente privilegiam alguns aspectos em detrimento de outros. (Yeo, 2016, p. 149) No escopo desta investigação, destaca-se a relevância do papel da descrição dos arquivos com ênfase sobre o acesso, uma vez que essa função se entrelaça com a participação dos usuários e suas demandas por informações, sendo fundamental para a difusão do conhecimento sobre os arquivos. Sem embargo, entende-se que a descrição arquivística comporta um processo e também os seus respectivos produtos, dentre os quais se incluem os instrumentos de referência. Difusão de acervos arquivísticos 28 Difusão arquivística: do conceito à ação Concebida como uma das funções arquivísticas (Rousseau; Couture, 1998, p. 265), a difusão representa uma estratégia fundamental para a projeção dos arquivos ante a sociedade, a partir do desenvolvimento de atividades que encurtem o distanciamento entre as instituições arquivísticas e seu público em geral. Digno de nota é que Rousseau e Couture (1998) não chegam a definir o que se entende por essa função. Afinal, do que fala a arquivologia quando fala em difusão? Ao investigar a base de dados on-line Multilingual Archival Terminology,23 disponibilizada pelo CIA, averigua-se que a definição constante para o termo difusão é proveniente de Portugal, remetendo às Normas Portuguesas de Documentação e Informação CT7. A partir de tal acepção, depreende-se a “função do serviço de arquivo que visa promover o conhecimento do respectivo acervo documental”. Curiosamente, o termo não foi definido pelo Dibrate, embora apareça no significado do termo “disseminação da informação”. É no mínimo sintomático que uma das funções arquivísticas não apresente uma definição dicionarizada. Como termo relacionado à difusão, em português, essa base de dados aponta divulgação. Ao buscá-lo, encontra-se a acepção do Dibrate, correspondendo ao “conjunto de atividades destinadas a aproximar o público dos arquivos, por meio de publicações e da promoção de eventos, como exposições e conferência”. Em seguida, navegando-se pelo termo relacionado à divulgação, em língua inglesa, encontra-se outreach program. É a partir desse vocábulo, definido pelo próprio CIA como “organized activities of archives intended to acquaint potential users with their holdings and their research and reference value”, que se destacam outros termos relacionados multilíngues, conforme o quadro 4: 23 Liderado na University of British Columbia por Luciana Duranti, em 2010, o projeto foi fundado pelo CIA e InterPARES. Consiste em uma base de dados de uso da terminologia arquivística em 16 idiomas, utilizada como ferramenta de referência para arquivistas e pesquisadores. Disponível em: http://www.ica.org/en/about-multilingual-archival-terminology. Acesso em: 2 jun. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 29 Quadro 4 Pesquisa do termo difusão ao outreach program na Multilingual Archival Terminology Difusão > divulgação > outreach program Língua Termo(s) relacionado(s) Árabe Bielorusso навукова-інфармацыйная дзейнасць архіва Chinês 推介项目 Croata program otvaranja arhiva Holandês archiefeducatie Farsi Francês action culturelle; activités culturelles Alemão Archivpädagogik; Öffentlichkeitsarbeit Grego Πολιτιστική δράση Italiano programma di diffusione al pubblico Japonês アウトリーチ事業 Panjabi Português difusão; divulgação Russo информационно-просветительская программа; научно- информационная деятельность архива; публикационная деятельность Espanhol programa de difusión Fonte: elaborado pela autora (2017), a partir da Multilingual Archival Terminology. Conforme as variações de cada língua, notam-se aspectos distintos da difusão, como a conotação cultural (francesa), pedagógica (alemã) e educacional (holandesa). Assim, vai-se ao encontro das reflexões da historiadora e bibliotecária Heloísa Bellotto, notável pensadora do campo dos arquivos. Para a autora, cabem aos arquivos públicos três formas de difusão – editorial, cultural e educativa –, papel que delineia seus contornos sociais e os projetam na comunidade. O arquivo é a “consciência histórica” da administração. Também pode sê-lo relati- vamente à comunidade, se souber captar as potencialidades que, nesse sentido, lhe oferece seu acervo. A par da cultura tradicional, os arquivos podem enveredar pelo caminho da divulgação verdadeiramente popular, sem se esquecer do constante reaquecimento de suas relações com seus usuários correntes: os pesquisadores – os cidadãos comuns ou historiadores. (Bellotto, 2006, p. 228, grifos nossos) É oportuno destacar três aspectos da visão da autora. Em primeiro lugar, o dimensionamento social dos arquivos, em paralelo às suas funções precípuas de custódia, preservação, tratamento e organização dos fundos arquivísticos, atreladas ao apoio às atividades da administração pública. Em seguida, a potencialidade mencionada dos arquivos em relação à comunidade, isto é, o que podem vir a ser, o que podem representar, incluindo, também, a potencialidade dos arquivos comunicarem seus acervos. Por último, quando Bellotto (2006) destaca que os arquivos podem se embrenhar no caminho de uma “divulgação verdadeiramente popular”, nota-se que, no âmbito da difusão arquivística, há espaço para uma perspectiva que relaciona o ato de divulgar ao caráter popular. O uso do advérbio “verdadeiramente” ratifica que há um Difusão de acervos arquivísticos 30 caminho de divulgação, contudo, esse trajeto pode se intensificar ainda mais a partir de atividades de cunho popular. Para Bellotto (2006), a difusão educativa compreende um serviço educativo da própria instituição arquivística, por meio de visitas escolares e ações que visem dar conhecimento aos acervos custodiados, imbuídas de uma qualidade didática. Quanto à difusão cultural, contemplaria eventos não apenas sobre o fenômeno arquivístico, mas também sobre outras temáticas culturais, com inspiração no conteúdo do acervo institucional. A organização de exposições é um exemplo de como a ideia dos arquivos pode ser difundida, embora a autora utilize o substantivo disseminação: “a repercussão de uma exposição na imprensa escrita e falada é fator de disseminação da ideia de arquivo: seu alcance é muito grande” (Bellotto, 2006, p. 229, grifo nosso). Segundo Berche (apud Cruces Blanco, 2007), deve-se reconhecer que “nossa época não descobriu o papel da difusão cultural, esta remonta à segunda metade do século XIX para encontrar os primeiros indícios de abertura dos arquivos para um público não erudito” (Cruces Blanco, 2007, p. 15). Já a difusão editorial consiste nas publicações, consideradas canais de comunicação com o exterior (da arquivologia), uma vez que informam outros meios, como a comunidade, a administração e a academia, sobre o acervo documental. Ponto importante é que a autora considera os instrumentos de pesquisa como um gênero de publicação, uma vez que propiciam o acesso do pesquisador ao documento primário. Nessa acepção, Bellotto (2006) considera o historiador, o administrador e o cidadão e afirma: Ora, a nenhum deles será possibilitado o acesso à informação requerida se não lhes for possível conhecer o conteúdo dos documentos do arquivo, sua tipologia, o ór- gão que os produziu e as inter-relações existentes entre eles. Isso só se realiza por meio da publicação de instrumentos de pesquisa, que são o elo entre os documentos procurados e o usuário. (Bellotto, 2006, p. 230) Já em sua tese de doutorado, Oliveira (2010) aborda a difusão dos arquivos ao abranger a atividade de descrição: Como atividade científica, a descrição arquivística deve abarcar todas as etapas de pesquisa e análise, bem como prever o registro e divulgação do conhecimento pro- duzido em todas essas etapas. A documentação sobre todo o processo é essencial para que o acesso à informação e aos documentos ocorra assegurando a difusão do conhecimento sobre os arquivos e oferecendo autonomia ao usuário. (Oliveira, 2010, p. 54, grifos nossos) Para essa autora, a formulação de instrumentos de pesquisa deve abranger a reconstrução do contexto arquivístico para representar e disponibilizar as informações sobre os acervos ao público dos arquivos, mediante a etapa de descrição arquivística. Ao compreendê-la como uma sorte de projeto de pesquisa para a produção de conhecimento sobre esses acervos, os instrumentos de pesquisa figuram como produtos científicos que são meio de divulgação e acesso aos acervos arquivístivos. Difusão de acervos arquivísticos 31 Portanto, Oliveira entende que esses instrumentos comunicam sobre os arquivos, contribuindo para o desempenho da função de difusão, apesar de não se inserirem no escopo de uma comunicação formal dos arquivos: os instrumentos de pesquisa não são validados pelos pares da comunidade arquivística, servem diretamente ao usuário dos arquivos. Por sua vez, no quinto capítulo do livro Archivística general: teoría y práctica, a espanhola Herrera (1991) aborda as funções de “transmitir, difundir e servir” das ciências da documentação. Ainda que a obra esteja voltada aos documentalistas, ante a tradição da abordagem espanhola, a autora inclui os arquivos em sua visão. Ela chama atenção para a dinamização da difusão como uma característica obrigatória aos documentalistas, bibliotecários e arquivistas, enfatizando o papel indispensável dos meios informáticos, diante do volume de informação de que tratam. A difusão não tem outro objetivo senão o serviço aos usuários através da comunica- ção da informação dos documentos. O mais importante no momento de distinguir a maneira de difundir em uns e outros está na rapidez, no imediatismo exigido dos documentalistas. O desenvolvimento histórico não carece desse imediatismo, tampouco a leitura. Isso não impede que a informação nos arquivos e bibliotecas seja fornecida para qualquer demandante seu. (Herrera, 1991, p. 161, tradução e grifo da autora) Cruces Blanco (2007) ressalta que o termo difusão é encontrado no Diccionario de terminología archivística, sendo compreendido como: Função arquivística fundamental cuja finalidade é, por um lado, promover e gene- ralizar a utilização dos fundos documentais dos arquivos e, por outro, participar a sociedade do papel que os arquivos desempenham nela. Ele supõe que desde os arquivos deve-se trabalhar para colocar à disposição do público, em geral, meios materiais e intelectuais suficientes e ágeis, que permitam o conhecimento sobre o que é um arquivo, o que se faz nessa instituição e como podem ser empregados os documentos ali conservados. (Cruces Blanco, 2007, p. 4, tradução da autora) Já Ramírez (2009), ao situar a difusão dos arquivos como importante ferramenta de projeção social ante a sociedade, traz uma dimensão bem aproximada da visão adotada para esta pesquisa: Difundir os arquivos consiste em desenvolver, de maneira prática, o direito que têm os cidadãos de aceder à cultura (Martínez, 1999). Nessa direção, a difusão persegue como objetivo central atrair ao cidadão, seja especialista ou não, sobre o conteúdo desses centros arquivísticos: seus fundos documentais, as instituições produtoras de documentos, a evolução histórico-geográfica e a identidade que descansa na infor- mação contida nos documentos. (Ramírez, 2009, p. 188, tradução e grifo da autora) Dessa maneira, a abordagem de Duff (2016, p. 190)24 é sintomática quando afirma que “utilizar arquivos requer inteligência arquivística, o que inclui conhecimento de teoria de arquivos, práticas e procedimentos, estratégias de redução de certezas e ambiguidades e habilidades inteligíveis”. 24 Wendy Duff é professora e decana da Faculty of Information da University of Toronto, onde desenvolve pesquisas sobre o acesso e os usuários dos arquivos. Disponível em: https:// ischool.utoronto.ca/profile/wendy-duff/. Acesso em: 1 jul. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 32 Na direção de dinamizar a difusão, ao apontar estratégias para a am- pliação do uso social dos arquivos, Alberch i Fugueras (2000, p. 6) indaga se é possível tornar inteligível a um amplo público a informação sistematizada por instrumentos de descrição arquivística, bem como o que deveria mudar para faci- litar a compreensão e utilização dos instrumentos que, apesar de refletirem uma organização de arquivos exemplar do ponto de vista profissional, demonstram-se opacos para a maioria do público não especializado. Por esse prisma, nota-se que o autor acredita que instrumentos de pesquisa, da forma como são concebidos, não atendem à multiplicidade de demandas de seus usuários. Citado por Rockembach (2015, p. 104), Alberch i Fugueras atribui à função cultural dos arquivos a qualidade de eixo norteador para a realização da difusão, remontando às ações pioneiras realizadas pelo arquivo nacional da França, a partir de exposições de sigilografia e paleografia de seu acervo, na segunda metade do século XX, assim como os serviços educativos dessa instituição. Nesse sentido, Bellotto (2006, p. 234) também destaca o êxito da criação de serviços educativos envolvendo os arquivos e a sociedade, ideia concebida logo após a Segunda Guerra Mundial. Dentre as atividades desenvolvidas pelo serviço educativo dos arquivos franceses, menciona: visitação; aula de história no arquivo; atendimento de aluno isoladamente ou em grupos; concurso Jovem Historiador; divulgação de reproduções de documentos e publicações; exposição de originais no recinto do arquivo e atividades diversas. Resultado de um estudo do programa Ramp,25 o francês Michel Duchein apresenta, em 1983, considerações sobre os obstáculos que se opõem ao acesso, à utilização e à transferência da informação custodiada nos arquivos. Destaca a origem e evolução da noção de acesso aos arquivos; o direito à acessibilidade dos arquivos, pelo viés jurídico; tendências de investigação histórica; e o público em geral e seu acesso aos arquivos. No terceiro capítulo, ao expor barreiras que dificultam essa acessibilidade, atenta para a publicidade do seu conteúdo: “de nada serviriam leis e regulamentos que garantam a liberdade de acesso aos arquivos se a existência e o conteúdo de seus documentos permanecem ignorados pelo público” (Duchein, 1983, p. 39, tradução da autora). Na medida em que os arquivos não alcançam o amplo público, escapam ao seu sentido precípuo. Duchein (1983) ilustra, pontualmente, o cenário problemático de sua época, não muito distante do atual: Em geral, salvo raras exceções, os arquivos são pouco conhecidos pelo público; apenas os historiadores e os administradores sabem o que contêm e como acessar o material que conservam. Os programas de televisão e os artigos jornalísticos têm pouco efeito e somente esbarram superficialmente a atenção do público. As expo- sições de documentos, sobretudo, as reuniões de explicação destinadas aos estu- dantes e alunos, logram resultados mais profundos, porém só alcançam um público 25 No escopo do projeto Records and Archives Management Programme (Ramp), estabelecido em 1979, a Unesco publica regularmente estudos e diretrizes sobre a gestão de documentos, em especial. Disponível em: http://www.unesco.org/archives/new2010/en/ramp_studies. html. Acesso em: 2 jun. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 33 restrito. Pode-se afirmar que, em quase todas as partes, os arquivos constituem um tesouro ignorado. (Duchein, 1983, p. 39, tradução da autora) Assim, são apontadas iniciativas que surgem para remediar esse quadro sintomático, muitas por ação do CIA e da Unesco. Eventos, exposições, publicações e programas televisivos, organizados no âmbito das “semanas sobre os arquivos”, obtinham níveis de resultados diferenciados, a depender dos países em que eram desenvolvidos. Nesse bojo, Duchein (1983) atenta para o fato de que as instituições arquivísticas26 mais relevantes e antigas costumam contar com um serviço de relações públicas, responsável pela difusão de informações sobre os arquivos, seu conteúdo e seu acesso. Constata, ainda, o fato de que muitos pesquisadores dos arquivos ignoram quais são os documentos em que podem encontrar o que buscam, necessitando da ajuda especializada dos arquivistas. A utilização de instrumentos de pesquisa é apresentada pelo francês como ferramenta para o acesso aos arquivos: “pode-se, então, afirmar que o acesso aos arquivos depende tanto das leis e regulamentações pertinentes como do número e da qualidade dos instrumentos de pesquisa” (Duchein, 1983, p. 40, tradução da autora). Assim, no campo dos arquivos, o autor destaca como esforços principais da segunda metade do século XX a elaboração, a publicação e a automatização de diferentes instrumentos de referência, tais quais guias, repertórios e índices. Mais de três décadas após a publicação do autor, observa-se que há, no cenário brasileiro, o aumento da preocupação dessas instituições quanto à difusão dos arquivos. Segundo Rockembach (2015, p. 105), a complexidade que uma perspectiva arquivística emergente acarreta requer novos olhares e estudos sobre a difusão, atentando-se para três elementos: o usuário da informação, o conteúdo a ser difundido e o uso das tecnologias de informação e comunicação. Oliveira (2010) também salienta o uso crescente da web como plataforma para a divulgação dos acervos e a mudança de perfil dos usuários, nos últimos anos, como pontos a serem incorporados pelas discussões da área. Nesse contexto, afirma a autora: Se antes a divulgação dos instrumentos de pesquisa, resultado da descrição arqui- vística, era realizada por meio da publicação dos inventários e catálogos, com o advento da tecnologia web cada vez mais as instituições arquivísticas fazem uso desse território virtual para assegurar a visibilidade institucional e de seus acervos. (Oliveira, 2010, p. 54) 26 Em aula ministrada no curso de graduação em arquivologia da Unirio, em maio de 2017, José Maria Jardim ressalta que instituições arquivísticas se diferem de serviços arquivísticos. Uma instituição arquivística é uma organização cuja atividade-fim é a gestão, preservação e acesso à informação arquivística, entre outras atribuições. Já um serviço arquivístico, em uma empresa, representa uma atividade-meio, oferecendo suporte às atividades-fim da organização, seja esta um banco, um hospital ou uma escola. Difusão de acervos arquivísticos 34 Nesse sentido, o caminho proposto por Rockembach (2015) expõe ele- mentos que vão ao encontro da presente investigação, em uma perspec- tiva interdisciplinar: A difusão em arquivos consiste na busca de estratégias que visem à acessibili- dade (facilitar o acesso, procurar vencer as barreiras tecnológicas e linguísticas), transparência (tornar público), atingir determinado público (através do marketing e demais ferramentas auxiliares), entender qual é o público (estudo de usuários e comportamento informacional), estudar as competências informacionais do pú- blico (literacia informacional/educação informacional, distinguindo-a da educação patrimonial), realizar a mediação (selecionar, filtrar, acrescentar qualidade infor- macional na recuperação de conteúdos), procurando uma maior proximidade dos usuários à informação contida nos acervos, por meio de vários canais de comunica- ção ou aqueles considerados mais adequados, considerando três vértices principais: os usuários, o conteúdo e a tecnologia. (Rockembach, 2015, p. 113) Todavia, entende-se que, em vez de estratégias que visem à acessibilidade, trata-se de buscar facilitar o acesso, atentando para a diferença conceitual entre ambos os termos. Segundo o Dibrate, o termo acesso é definido como “1. possibilidade de consulta a documentos e informações; 2. função arquivística destinada a tornar acessíveis os documentos e a promover sua utilização”, ao passo que acessibilidade, como “condição ou possibilidade de acesso a serviços de referência, informação, documentação e comunicação”. Cumpre destacar, ainda, a perspectiva crítica de Chaves (2017), ao indagar o que deve efetivamente ser difundido pelos arquivos em seu artigo “Difusão nos arquivos: difundir o quê”. Para o autor, a difusão de arquivo apresenta como “princípio incontornável divulgar, ou disseminar: a instituição em toda sua complexidade; todos os trabalhos técnicos voltados para as suas atividades finalísticas; os conhecimentos produzidos que requerem disseminação; e o acervo sob sua custódia” (Chaves, 2017, p. 10, grifos nossos). Quanto à prática de difusão do acervo, em especial, Chaves (2017) relaciona a elaboração de instrumentos de referência à amplitude do público usuário dos arquivos: A melhor e mais eficiente prática de difusão do acervo é o desenvolvimento dos instrumentos de pesquisa (catálogos, guias e inventários). Quanto mais desenvol- vidos e minuciosos esses instrumentos, mais amplo será o público usuário dos ar- quivos. Quanto menos complexos esses instrumentos, aumenta-se a dependência (arriscada) a funcionários com conhecimentos técnico e empírico que deverão au- xiliar as demandas dos pesquisadores. (Chaves, 2017, p. 11) O autor também destaca que os serviços de difusão realizados pelas instituições arquivísticas devem ter, como compromisso principal, a disseminação de conhecimentos específicos produzidos na instituição, isto é, devem focar suas ações sobre as atividades finalísticas institucionais. Por fim, é capital pontuar a observação de uma lacuna na literatura arquivística quanto à definição do termo difusão. Ressalva-se que há pesquisas sobre essa função, porém, ainda são escassas as investigações que a aprofundam, demonstrando certa fragilidade tanto de sua teoria como de sua prática. Difusão de acervos arquivísticos 35 Web 2.0 e UX design: caminhos para a difusão dos acervos arquivísticos Nas últimas décadas, o advento da tecnologia da informação, no bojo de um novo paradigma, é concebido como a “transferência de uma tecnologia baseada principalmente em insumos baratos de energia para outra que se baseia, predominantemente, em insumos baratos de informação, derivados do avanço da tecnologia em microeletrônica e telecomunicações” (Freeman, 1988, p. 10, tradução da autora).27 Por outro lado, as transformações tecnológicas interagem com a economia e a sociedade, demarcam mudanças sociais que arquitetam a chamada sociedade da informação. Nesse sentido, para além de uma sociedade informacional, o paradigma da tecnologia da informação provocou uma transformação social através de seu uso, conformando uma sociedade em rede. No contexto arquivístico, a disponibilidade de novos recursos informacionais ampliou os horizontes de busca e recuperação da informação e estremeceu a tradicional relação entre usuário e informação. Os usuários dos arquivos, antes agentes passivos na comunicação com as instituições arquivísticas, adquirem outro tipo de postura, figurando tanto como produtores quanto receptores da informação, conforme as suas necessidades específicas. Nessa direção, a arquivista norte-americana Kate Theimer (2011b) propõe o termo “arquivos 2.0” para se referir a uma abordagem da prática arquivística que estimula a promoção de abertura e flexibilidade, descartando a mera associação dos arquivos à geração específica da web 2.0 ou como uma perspectiva puramente tecnológica, futurista. A partir dessa abordagem, argumenta-se que “os arquivistas devem ser centrados no usuário e abraçar oportunidades para usar a tecnologia para compartilhar conjuntos documentais, interagir com os usuários e melhorar a eficiência interna” (2011b, p. 60, tradução da autora). Depreende-se, assim, a influência da tecnologia aplicada ao campo dos arquivos como característica de uma cultura do compartilhamento da informação no ambiente digital on-line. Os efeitos da rede mundial de computadores atravessam o comportamento desses usuários ao propiciarem, também, maior visibilidade institucional aos arquivos, revestindo as instituições arquivísticas de maior quantidade de usuários 27 Também citado por Manuel Castells (2003, p. 107). Difusão de acervos arquivísticos 36 (Mariz, 2012). Considerando que, além do aspecto quantitativo, a qualidade da relação entre esses atores é vital para o êxito da difusão dos acervos arquivísticos, duas direções de discussão convergem para os propósitos desta investigação: a potencialidade do uso de recursos interativos oferecidos pela web 2.0 e o aporte teórico da user experience design28 no cenário arquivístico. Assim, é oportuno expor alguns aspectos relacionados à evolução tecnológica da web que, da década de 1990 à atualidade, acompanhou as transformações de diferentes formas de disponibilização da informação para o público conectado. Concebido por Berners-Lee (1996) cerca de meio século após os trabalhos de Vannevar Bush (1945) sobre o hipertexto, o projeto da world wide web mesclou técnicas de recuperação de informação com o hipertexto para dimensionar a criação de um sistema de informação em nível global. A web tradicional ou web 1.0 consistiu em uma plataforma estática, uma espécie de vitrine informacional. Já na década de 2000, a segunda geração popularizou- se como web 2.0, agregando novos recursos que destacam seu papel como plataforma interativa e sua arquitetura de participação: blogs, redes sociais, wikis, compartilhamento de vídeos on-line, computação na nuvem, dentre outros (O’Reilly, 2005). Robredo (2010) atenta para o caráter de interoperabilidade dessa geração da web: A web 2.0 é vista por alguns como uma segunda geração do desenho e da evolução da web, que facilita a comunicação e o compartilhamento da informação, a intero- perabilidade e a colaboração, com a subsequente proliferação de redes comunitá- rias e sociais, hospedagem de serviços e aplicações, compartilhamento de vídeos, wikis, blogs e folksonomias. (Robredo, 2010, p. 16) Theimer (2011a, p. 126) pontua as mais significativas mudanças entre a primeira e a segunda geração da web: manifestação da rede como plataforma, possibilitando o acesso de dados desde qualquer local provido de conexão à internet; processo de abertura de interfaces técnicas e padrões; websites voltados para a experiência de cada usuário; ampliação do sentido de interatividade; criação de conteúdo pelos usuários e integração da conexão entre estes. Compreendidas em conjunto, essas transformações alteraram a maneira como as pessoas acessam e interagem com a informação disponibilizada na rede. Em seguida, a geração da web semântica (terceira geração da web – 3.0) como uma proposta de extensão da atual (Berners-Lee et al., 2001) permite a interação entre computadores e pessoas através de novas tecnologias e linguagens, a partir da representação do conhecimento e da criação de ontologias, apontando para ainda maiores desafios tecnológicos. Atualmente, parte dos sítios eletrônicos das instituições arquivísticas busca se adaptar ao formato da web 2.0, enquanto outra ainda está aprisionada à mentalidade da web 1.0 (Theimer, 2009). O cenário brasileiro não é diferente: 28 Também conhecida como design de experiência de usuário, porém, o uso do termo em inglês é predominante. Difusão de acervos arquivísticos 37 como apontado por Mariz (2012), tais instituições brasileiras gerenciam tecnologias atuais com base em parâmetros utilizados por tecnologias anteriores. No início, a maior parte das informações disponíveis na rede era semelhante aos documentos impressos, textuais. Com o tempo e a adaptação aos novos ambientes, os sites foram se tornando mais complexos. Porém, com poucas exceções, os sites de instituições arquivísticas brasileiras ainda não saíram daquele estágio inicial. (Mariz, 2012, p. 147) A partir de levantamento realizado por Jardim (1999), observou-se que a porcentagem de websites de instituições arquivísticas públicas brasileiras que apresentavam, à época, instrumento de pesquisa on-line em base de dados era muito baixa, correspondendo a apenas 15% do total de sítios institucionais. Desde então, o autor destaca a necessidade de ampliação das informações contidas nos arquivos através dos instrumentos de pesquisa, incentivando mecanismos que proporcionem maior interatividade. No ano subsequente, a elaboração pelo Conarq de diretrizes recomendando a parametrização de informações dispostas nos websites das instituições arquivísticas brasileiras norteou, em um primeiro momento, a disposição e disseminação da informação sobre os arquivos na rede. Nessa direção, “a maioria dos arquivos percebeu o valor de usar a web para publicar informação sobre si e seus acervos – geralmente, na forma de colocar on-line instrumentos de pesquisa” (Theimer, 2011a, p. 123, tradução da autora). O advento da web 2.0, o entrelaçamento virtual e célere do fluxo informacional, o surgimento da Isad(G) e da Nobrade, a ampliação das políticas de acesso à informação e a tendência de transparência e accountability29 na governança pública são fatores que acarretam o encurtamento da distância virtual entre o usuário e as instituições arquivísticas. Nesse cenário, destaca- se um processo de transição dos instrumentos de pesquisa tradicionais, como o guia e o inventário impressos, por exemplo, para uma nova geração de instrumentos de pesquisa ou de referência30 on-line. De fato, as recentes tecnologias simplificaram a disseminação da informação descritiva (Yeo, 2016), no entanto, será que essa informação se tornou mais simples para o seu usuário? Por esse prisma, Yeo (2016) sinaliza uma lacuna quanto a iniciativas para identificar boas práticas em métodos de apresentação e recuperação da informação descrita, desconhecendo-se como a tecnologia afeta, com efeito, as possibilidades de uso das descrições: “na ausência de normas estabelecidas, os usuários, ao consultarem uma gama de recursos on-line, frequentemente 29 Contextualiza-se que o termo anglófono accountability, comumente traduzido para a língua portuguesa como prestação de contas ou responsabilização social, carrega um sentido ainda mais amplo. Além do ato de prestar contas, consistiria na obrigação em si da administração pública de prestar contas. 30 Segundo Andrade e Silva (2009), prioriza-se a terminologia instrumentos arquivísticos de referência em vez de instrumentos de pesquisa, já que tais ferramentas não comportariam em si mesmas as pesquisas, e sim artefatos referenciais. Por essa razão, opta-se pelo uso do primeiro termo neste artigo, em detrimento do segundo. Difusão de acervos arquivísticos 38 precisam aprender uma nova interface e sintaxe de recuperação para cada site que visitam” (Yeo, 2016, p. 152). Gilliland-Swetland (2001) pontua que a inconsistência na forma de apresentação dos instrumentos de referência os torna incompreensíveis ao usuário leigo: Em geral, tanto os arquivistas como seus usuários utilizam a mesma versão do instrumento de pesquisa e versões simplificadas ou visualizações alternativas raramente são preparadas para o uso público. Embora a eficácia desta forma em facilitar o uso de materiais de arquivo nunca tenha sido sistematicamente exami- nada, todas as indicações são de que o instrumento de pesquisa como atualmente concebido desempenha um trabalho bastante fraco em direcionar as necessidades, práticas e comportamentos do usuário não acadêmico. (Gilliland-Swetland, 2001, p. 200, tradução da autora) Nessa lógica, ao apontar estratégias para a ampliação do uso social dos arquivos, Alberch i Fugueras (2000, p. 6) indaga se é possível tornar inteligível a um amplo público a informação sistematizada por instrumentos de descrição arquivística, bem como o que deveria mudar para facilitar a compreensão e utilização dos instrumentos que, apesar de refletirem uma organização de arquivos exemplar do ponto de vista profissional, demonstram-se opacos para a maioria do público não especializado. Resta claro que a construção de instrumentos de referência deve atender aos seus usuários em sentidos múltiplos. A aposta nas tecnologias é certamente a única opção válida, já que a ampliação do uso social dos arquivos envolve, necessariamente, promover a sua utilização, e considerar o conceito de ciberespaço como um incentivo que joga a favor das instituições que, como os arquivos, contam com um grande capital informativo. (Alberch i Fugueras, 2000, p. 10, tradução da autora) A multiplicidade de demandas dos usuários dos arquivos enseja uma abordagem mais dinâmica e flexível, salientando uma renovação da maneira pela qual esses interagem com as instituições arquivísticas. Nesse diapasão, a área de UX caminha ao encontro dessa necessidade, ao passo que é considerada uma recente área do design e apresenta metodologias específicas para projetos de produtos digitais, com ênfase no design centrado no usuário.31 De acordo com a definição dada pela norma internacional ISO 9241-210 (Human-centred Design for Interactive Systems), o termo user experience corresponde às percepções e respostas dos usuários resultantes do uso e/ou antecipação do uso de um produto, sistema ou serviço. Essa norma ainda complementa que a UX é consequência, dentre alguns fatores: da performance do sistema; do comportamento interativo; da capacidade “assistiva” do sistema interativo; além do estado físico e psicológico do usuário, a partir de suas experiências anteriores, preferências, percepções, habilidades e contexto de uso. Diante disso, fica evidente que a área se relaciona com várias disciplinas para se desenvolver. 31 Apesar da norma ISO 9241-210 sinalizar a preferência pelo termo human-centred design, na prática, considera-o como sinônimo do termo user-centred design. Difusão de acervos arquivísticos 39 Conforme o modelo elaborado por Saffer (2009), as relações interdisciplinares da área de UX são apresentadas em um diagrama,32 circunscrevendo a navegação, por exemplo, às disciplinas de arquitetura da informação, design visual e design de interação (vide anexo 1). Yeo (2016) admite que haja potencial para que a navegação se torne mais sofisticada em ambientes digitais por meio de “técnicas desconhecidas do mundo do papel”. Contudo, reconhece que “os arquivistas ainda não sabem a melhor forma de tornar os instrumentos de pesquisa on-line navegáveis (browsable/navigable).” (Yeo, 2016, p. 153) Em especial, a arquitetura de informação (AI) trata de disciplina nuclear do UX design, oferecendo aportes teóricos relevantes para o campo dos arquivos. Segundo Zwies (2000, p. 11, tradução da autora), é definida como “a arte e a ciência de organizar a informação para ajudar as pessoas a satisfazer suas necessidades de informação de forma efetiva […] o que implica organizar, navegar, marcar e buscar mecanismos nos sistemas de informação”. Nessa acepção, a AI relaciona-se mais com a estruturação física das informações, de modo a aperfeiçoar a navegação dos usuários pelos sistemas, do que propriamente com o conjunto de elementos que compõem as relações de interação dos usuários, pelo viés da UX. Em estudo sobre a distinção dos conceitos de user experience e usabilidade, Padovani, Schlemmer e Scariot (2012) realizam ampla revisão de literatura sobre a questão e inferem que, com a evolução do conceito tradicional de usabilidade, este fora abrangido pelo termo user experience. Dessa forma, ressaltam que os “métodos de avaliação com envolvimento participativo dos usuários também podem ser utilizados para analisar a user experience” (Padovani; Schlemmer; Scariot, 2012, p. 8). A partir do pressuposto de que o UX design visa tornar a relação usuário- sistema a mais espontânea e fluida possível, buscando evitar que o sistema se transforme em um obstáculo ao usuário, percebe-se que essa área pode oferecer diversas contribuições à arquivologia. Assim, destaca-se o potencial da UX no tocante à elaboração de instrumentos arquivísticos de referência on-line que possam ser intuitivos, inteligíveis e agradáveis ao usuário. Para além de prover acesso, a difusão dos acervos arquivísticos através desses instrumentos deve evitar um produto hermético, isto é: concebido de e para especialistas da área arquivística e/ou afins. 32 Disponível em: http://www.kickerstudio.com/2008/12/the-disciplines-of-user-experience. Acesso em: 9 jun. 2017. Difusão de acervos arquivísticos 40 Análise empírica A análise empreendida teve o propósito de avaliar o comportamento do usuário na utilização do Sian por meio de suas percepções quanto à experiência de uso, explorando-se o design da interação virtual entre usuário e sistema. Adicionalmente, buscou-se verificar se essa ferramenta fornece ao usuário o apoio necessário para ampará-lo durante a sua experiência de pesquisa aos acervos arquivísticos. A partir desse caso específico, visou-se extrapolar as recomendações de apresentação e uso do sistema para outros instrumentos arquivísticos de referência on-line. Durante o período de 30 de maio a 30 de junho de 2017, foram obtidas 46 respostas completas ao questionário, uma vez que todas as questões eram obrigatórias para a sua

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