Poema em Linha Reta - Álvaro de Campos - PDF
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Álvaro de Campos
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Este é um poema intitulado "Poema em Linha Reta", por Álvaro de Campos. O poema aborda temas como a autocrítica, a condição humana e a busca por identidade.
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CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 65 r Alvaro de Campos*...
CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 65 r Alvaro de Campos* Poema em Linha Reta Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, I ndescu Ipavelm en te s uj o. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenlio enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenliosido grotesco, mesquinho, subm isso earrogante, Que tenlio sofrido enxovalhos c calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenlio feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, En, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenlio par nisto tudo neste mundo. Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? O principes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil c errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso en falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza. * Alváro de Campos é um doslieterônimos do poeta português Femado Pessoa (1 888-1935) que, todavia, em carta a Adolfo Casais Monteiro esclarece: “Álvaro dc Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (...), é engenheiro naval (porGlasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade (...), tipo vagamente judeu português (...) Ensinou-lhc latim um tio beirão que era padre”. CO NFLU ENCES - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 66 AUGUSTO DOS ANJOS* VERSOS ÍNTIMOS Vês?! Ninguém assistiu ao form idável Enterro de tua última quimera. Som ente a Ingratidão — esta pantera — Foi tua com panheira inseparável! A costum a-te à iama que te espera! O Hom em , que, nesta terra m iserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de tam bém ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, am igo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! * Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos ((1884-1914), capixaba, foi professor de geografia do Colégio Pedro fl no Rio de Janeiro. Seu único livro de poemas, E h, se caracteriza pela temática da morbidez e do pessimismo, em metrificação disciplinada repleta de extravagâncias vocabulares até então inusitadas. CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 67 JOÃO DA CRUZ E SOUZA* Acrobata da dor Gargalha, ri, num riso de tormenta, como um palhaço, que desengonçado, nervoso, ri, num riso absurdo, inflado de uma ironia e de uma dor violenta. Da gargalhada atroz, sanguinolenta, agita os guizos, e convulsionado Salta, gavroche, salta clown, varado pelo estertor dessa agonia lenta... Pedem-te bis e um bis não se despreza! Vamos! retesa os músculos, retesa nessas macabras piruetas d’aço... E embora caias sobre o chão, fremente, afogado em teu sangue estuoso e quente, Ri! Coração, tristíssimo palhaço. * João da Cruze Souza(1861-1898), catarinense, inaugurador do simbolismo no Brasil. Filho de escravos africanos alforriados, sofreu impiedosa campanha nos meios literários da época. Entre suas obras destacam-se Broqueis (1893) e Faróis (1900. publicada após sua morte). CONFLUÊNCIAS - REVISTA INTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 68 ToRQuATo nEtO* Let’s play that quando eu nasci um anjo louco muito louco veio 1er a minha mão não era um anjo barroco era um anjo muito louco, torto com asas de avião eis que esse anjo me disse apertando minha mão com um sorriso entre dentes vai bicho desafinar o coro dos contentes vai bicho desafinar o coro dos contentes let’s play that * Torquato Pereira de Araújo Neto (1944-1972), nascido eniTeresina, no Piauí, 1'oi um dos menlores intelectuais do movimento tropicalista.Um dia após completar 28 anos de idade, ligou o gás do banheiro e suicidou-se. Deixou um bilhete: “Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar”. O poema acima foi musicado por Jards Macalé f Fórum Social Mundial 2005: ensaio fotográfico Wilson Madeira Filho Porto Alegre RS, janeiro de 2005