Summary

Este documento discute a audiência de custódia no direito brasileiro. Abrange tópicos como a previsão legal, razões de implementação, questões sobre o presidente da audiência, delimitação de prazo, e o papel dos participantes, como juízes, Ministério Público e defesas. Explora também a relevância das videoconferências no contexto da audiência, e aborda a ausência de realização da audiência. Os seus objetivos centrais são fornecer informações sobre os aspectos legais do processo penal brasileiro, que são relevantes para estudantes de direito ou profissionais da área.

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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA ÍNDICE 1. PREVISÃO LEGAL................................................................................................................4 Conceito e Previsão Normativa......................................

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA ÍNDICE 1. PREVISÃO LEGAL................................................................................................................4 Conceito e Previsão Normativa.......................................................................................................................................4 Audiência de Custódia no Direito Brasileiro...............................................................................................................4 Finalidades............................................................................................................................................................................... 5 2. RAZÕES DE IMPLEMENTAÇÃO.........................................................................................6 Panorama Brasileiro.............................................................................................................................................................6 Estado de Coisas Inconstitucional................................................................................................................................6 3. QUEM DEVE SER APRESENTADO?..................................................................................8 Introdução................................................................................................................................................................................8 Preso por mandado judicial..............................................................................................................................................8 Preso anterior à resolução 213/15..................................................................................................................................8 Menores de Idade................................................................................................................................................................. 9 Congressistas......................................................................................................................................................................... 9 4. PRESIDENTE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA...............................................................10 Introdução.............................................................................................................................................................................. 10 Autoridades........................................................................................................................................................................... 10 5. PRAZO.................................................................................................................................12 Introdução...............................................................................................................................................................................12 Corte Interamericana.........................................................................................................................................................12 Outros Países.........................................................................................................................................................................12 Prazo no Brasil...................................................................................................................................................................... 13 6. VIDEOCONFERÊNCIA.......................................................................................................15 Introdução.............................................................................................................................................................................. 15 Problemática......................................................................................................................................................................... 15 Visões da Doutrina............................................................................................................................................................. 16 Posição do CNJ................................................................................................................................................................... 16 7. PARTICIPANTES................................................................................................................ 17 Quem participa?...................................................................................................................................................................17 Deveres do Juiz....................................................................................................................................................................17 MP e Defesa...........................................................................................................................................................................17 Decisões Judiciais após a audiência..........................................................................................................................18 8. CABE RECURSO?..............................................................................................................19 Introdução.............................................................................................................................................................................. 19 Aceleração Procedimental.............................................................................................................................................. 19 9. AUSÊNCIA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA................................................................... 20 O que deve ocorrer quando a audiência de custódia não é realizada?...................................................... 20 1. Previsão Legal Conceito e Previsão Normativa A audiência de custódia é a apresentação pessoal do preso ao juiz competente logo após a efetivação do cerceamento da liberdade (prisão em flagrante), oportunidade em que o magistrado analisará a prática de tortura ou maus tratos pelos policiais, bem como a necessidade da imposição de medidas cautelares prisionais ou não prisionais. Trata-se de um instituto que estava previsto primeiramente na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos(PIDCP): CADH Art. 7º. Direito à liberdade pessoal 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. PIDCP Art. 9º 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. Audiência de Custódia no Direito Brasileiro Ao adotar e internalizar essas convenções internacionais, o Brasil se comprometeu a efetivar os direitos nelas previstos. Até 2015, o país vivia um estado de coisas inconstitucional com relação aos procedimentos de prisões, visto que cada unidade federativa decidia os parâmetros para a apresentação do preso ao juiz - quando apresentava. Para tentar uniformizar a questão e garantir os direitos, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) editou a Resolução 213/2015, o que gerou certa polêmica acerca de sua constitucionalidade: um órgão do poder judiciário poderia regulamentar essa matéria? O CNJ pode criar obrigações para funções e carreiras de outros poderes? Na análise da ADI 5.240/15, o STF compreendeu que a resolução é constitucional, tendo em vista que o art. 2º da CADH estabelece que os países signatários devem implementar os direitos garantidos pela convenção por meio de leis ou medidas administrativas, quando 4 necessário. Assim, observa-se que a proteção de Direitos Humanos é ampla e não depende exclusivamente de aspectos formais - como o procedimento legislativo padrão. Somente com a Lei Anticrime (13.964/19), a audiência de custódia se tornou um procedimento positivado no Brasil, sendo inserida nos arts. 287 e 310 do CPP. Finalidades As finalidades da audiência de custódia são: garantir um processo penal de acordo com tratados internacionais; permitir que o juiz e o preso sejam apresentados pessoalmente; coibir a prática de tortura. 5 2. Razões de Implementação Panorama Brasileiro Tão importante quanto entender o conceito de audiência de custódia, é compreender os motivos pelos quais ela só foi implementada no Brasil em 2015 (pela resolução do CNJ) e novamente em 2019 (lei anticrime), sendo que a convenção de direitos humanos foi ratificada em 1992. De acordo com o DEPEN, o Brasil tinha mais de 750 mil pessoas presas, sendo quase metade em regime fechado. Isso representa uma superlotação do sistema carcerário, tendo em vista que o número de vagas é de pouco mais de 460 mil. Percebe-se um cenário onde o país prende um número de pessoas muito maior do que pode suportar. Para efeito de comparação, o Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo em números brutos, ficando em 26º se considerado o número de presos a cada 100 mil habitantes (veja reportagem sobre o tema aqui). Essa colocação no ranking se mantém mesmo com a queda no número de presos em 2020 e 2021 em função da pandemia de covid-19. O ritmo de encarceramento subiu consideravelmente desde 2000, o que sobrecarregou o sistema. PRESOS PROVISÓRIOS Além do número de presos, há o aspecto da natureza da prisão. Cerca de 34,7% dos presos no Brasil ainda não tem a condição definitiva (dados de janeiro a junho do DEPEN), o que representa a 2ª pior média mundial, ficando atrás somente da Índia (69%). A consequência direta é a superlotação e a existência de motins, rebeliões e crimes dentro das penitenciárias. Diante desta realidade do sistema prisional, a audiência de custódia cumpre o papel de reduzir o número de prisões preventivas desnecessárias, dando uma oportunidade objetiva/ concreta de aplicação das medidas cautelares substitutivas previstas no Código de Processo Penal. Estado de Coisas Inconstitucional Retomando o que foi explicado anteriormente, o estado de coisas inconstitucional foi uma das bases para a positivação da audiência de custódia. Trata-se de um instituto jurídico de origem colombiana no qual a corte suprema do país observa que, em decorrência da inércia estatal, existe um cenário de violação em massa de direitos humanos. Tal situação foi constatada e declarada nos autos da ADPF 347/2015, onde o STF determinou liminarmente: o descontingenciamento das verbas do Fundo Penitenciário Nacional; e 6 a determinação de que a audiência de custódia seja implementada no prazo máximo de 90 dias. 7 3. Quem deve ser apresentado? Introdução Após entender o conceito e o contexto de aplicação da audiência de custódia, passamos a falar dos sujeitos que devem ser apresentados ao juiz competente. A regra geral é de que o preso em flagrante deve ser apresentado. Isso está previsto no art. 1º da resolução do CNJ e também está incluído no capítulo da prisão em flagrante no CPP. CPP Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: [...] Porém, existem outras situações a serem consideradas. Preso por mandado judicial O preso por mandado judicial é o sujeito que: é conduzido à prisão após sentença condenatória para iniciar o cumprimento da pena; ou tem prisão preventiva decretada diretamente na investigação criminal; ou recebe prisão temporária. Dispõe o art. 13 da resolução do CNJ que a necessidade de audiência de custódia se estende aos presos por cumprimento de mandados de prisão, cautelar ou definitiva, aplicando-se os procedimentos que forem cabíveis. Além disso, o art. 287 do CPP abarca a situação de infração inafiançável: Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia. Preso anterior à resolução 213/15 Os sujeitos que foram presos antes da implementação da audiência de custódia e que não tenham sido apresentados ao juiz em outra audiência ao longo do processo, têm garantido o direito de serem apresentados à autoridade judicial. 8 Menores de Idade Ao falar dos menores de idade, devemos lembrar que eles não cometem crimes, mas sim atos infracionais equiparados. Dessa forma, eles se submetem ao regime previsto no ECA - são apreendidos e internados, não encarcerados. Portanto, o menor apreendido em flagrante passa pelo seguinte procedimento: É liberado aos pais ou responsável, quando comete ato infracional de gravidade reduzida; É apresentado ao MP para uma oitiva informal e sua remissão/perdão (se for o caso), quando co- mete ato infracional de gravidade elevada. Caso o menor seja processado, ele só é internado provisoriamente com decisão judicial. Entendendo o rito do ECA, podemos interpretar a situação de duas formas diferentes: considerar que o ECA é mais protetivo do que o CPP e, portanto, a audiência de custódia não tem compatibilidade com os procedimentos de apreensão de menores de idade; ou considerar que a parte do ECA que envolve a apreensão de menores deve ser revogada e refor- mulada de modo a comportar a audiência de custódia. Na prática, o ECA é aplicado e não há audiência de custódia para menores infratores. Congressistas Em razão da imunidade formal, os deputados e senadores não podem ser presos, exceto em caso de flagrante de crime inafiançável. Incorrendo nessa hipótese, o parlamentar fica detido e os autos são enviados para a Casa Legislativa pertinente em até 24 horas, a qual deve decidir pela manutenção ou pelo relaxamento da prisão - decisão tomada pelo voto da maioria dos membros. Quanto à aplicação da audiência de custódia, existem duas posições doutrinárias divergentes: A CF/88 é superior ao CPP e à resolução do CNJ e, portanto, o rito previsto nela deve prevalecer (sem audiência de custódia); e A audiência de custódia deve ser realizada pelo STF, aplicando-se a mesma lógica para as autori- dades com foro privilegiado. 9 4. Presidente da Audiência de Custódia Introdução Em um primeiro momento, analisar o tema “presidência da audiência de custódia” pode parecer inútil, visto que a lógica aponta para o juiz como o órgão competente para realizá- la. Porém, se observarmos a CADH com atenção, vemos que o art. 7º indica o juiz ou outra autoridade autorizada pela lei: Art. 7º [...] 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. Nesse sentido, surge a dúvida acerca da possibilidade da lei brasileira criar outra autoridade para presidir a audiência de custódia. Autoridades DELEGADO DE POLÍCIA Até a implementação da audiência de custódia no Brasil, o delegado de polícia analisava a prisão em flagrante e depois remetia o auto de prisão em flagrante para um magistrado. Em tese, isso cumpria os critérios da CADH. Entretanto, desde o julgamento do estado de coisas inconstitucionais, a prisão em flagrante precisa ser analisada por uma autoridade imparcial e independente, além de competente para determinar a prisão. É esse último aspecto que merece destaque, visto que o delegado não é competente para determinar a prisão ou seu relaxamento. MINISTÉRIO PÚBLICO Com relação à presença do MP como presidente da audiência de custódia, temos um caso interessante como paradigma, resolvido pela Corte Europeia de Direitos Humanos (caso Huber vs. Suíça). Nessa ocasião, o colegiado fixou o entendimento de que a autoridade que preside a audiência de custódia deve ser imparcial e independente, com total desvinculação em relação ao Poder Executivo, bem como em relação aos direitos discutidos no processo. Pegando esta definição e transportando para o Direito brasileiro, é possível concluir que o MP não pode presidir a audiência porque atua como titular da ação penal, ou seja, não se trata de um órgão imparcial. 10 JUIZ Compreendendo que somente o magistrado é competente para presidir a audiência de custódia, passamos ao entendimento de qual juiz deve fazê-lo. Via de regra, o juiz competente para presidir a audiência é o do local em que o crime se consumou. Quando o juiz competente não se encontra na comarca, o tribunal em questão deve ter uma escala de substituição para suprir a ausência (vide art. 3º da Resolução 213/15 CNJ). Além disso, podem existir situações mais complexas: Em caso de flagrante realizado em comarca diversa da qual o crime se consumou (numa fuga, por exemplo), o preso deve ser conduzido até o juiz competente (comarca onde o crime se consumou); Nos casos em que o preso possui foro privilegiado (por prerrogativa de função), deve ser direciona- do ao Tribunal competente para a realização da audiência (ex: prisão de prefeito). 11 5. Prazo Introdução Abordar o prazo da audiência de custódia é adentrar em um dos temas mais importantes, visto que o cumprimento do objetivo desse instituto pode ser prejudicado pela demora. Primeiramente, é importante notar que a CADH traz uma previsão aberta sobre o prazo, determinando somente que o preso deve ser conduzido à presença da autoridade sem demora (art. 7º, 5). O mesmo ocorre com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos - não há um prazo específico. Corte Interamericana A ausência de um prazo específico na convenção se justifica pelas peculiaridades de cada país signatário, ou seja, cada nação consegue administrar e efetivar seus procedimentos em um certo ritmo - não cabe à um órgão supranacional fixar um mesmo prazo. Porém,tal diversidade não deve serutilizada como motivo para procedimentos demasiadamente demorados, visto que isso viola os Direitos Humanos. Nesse sentido, a Corte Interamericana possui alguns precedentes indicando o que seria um procedimento inadequado. Caso Acosta Calderón vs. Equador: A audiência foi realizada quase dois anos após a prisão em flagrante, o que foi considerado fora dos padrões; Caso Tibi vs. Equador: A audiência foi realizada mais de cinco meses após a prisão em flagrante, configurando também uma violação de direitos; Caso Castillo Petruzi y outros vs. Peru: 36 dias para a realização da audiência - inadequado; Caso Cabrera Garcia y Montiel Flores vs. México: 5 dias para a audiência - inadequado; Caso López Álvarez vs. Honduras: Ficou estabelecido que o prazo de 24 horas, contadas da prisão, é legal, coerente e adequado aos direitos estabelecidos pela convenção. Outros Países A título de curiosidade, esses são os prazos para a audiência de custódia praticados em outros países: Alemanha: 24 horas; Espanha: 72 horas; França: 24 a 96 horas, conforme a gravidade do crime; Peru: 24 horas (regra geral) a 15 dias (terrorismo, tráfico e espionagem); Argentina: 6 horas. 12 Prazo no Brasil Logo no art. 1º da Resolução 213/15, o CNJ traz uma previsão acerca do prazo para a realização da audiência de custódia: Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão. O prazo, portanto, é de 24 horas. Contudo, existe um pequeno conflito entre a comunicação do flagrante na Constituição Federal e na Resolução do CNJ. Na CF/88, está previsto que a prisão em flagrante deve ser comunicada imediatamente, mas na Resolução do CNJ, está definido que a comunicação da prisão é o encaminhamento do auto de prisão em flagrante. Res. 213/15 CNJ Art. 1º [...] § 1º A comunicação da prisão em flagrante à autoridade judicial, que se dará por meio do encaminhamento do auto de prisão em flagrante, de acordo com as rotinas previstas em cada Estado da Federação, não supre a apresentação pessoal determinada no caput. O que é realmente aplicado? O conceito presente na resolução do CNJ. Considera-se que o juiz foi efetivamente comunicado de uma prisão quando ele recebe o auto de prisão em flagrante. Assim, o procedimento completo se dá da seguinte forma: O indivíduo é preso e os agentes policiais comunicam imediatamente ao juiz, por força do art. 5º, LVII, CF, utilizando o sistema de comunicação do seu respectivo tribunal; Em até 24 horas da prisão, o Delegado deve formalizar o auto de prisão em flagrante e enviá-lo ao juiz competente; Recebido o auto de prisão, inicia-se o prazo para a realização da audiência de custódia. Em resumo, a contar da prisão, são 48 horas até a audiência, mas 24 horas em relação ao recebimento do auto de prisão em flagrante. Vale analisar as situações em que o preso encontra-se incapacitado de comparecer à audiência por conta de um acidente ou enfermidade. Nesses casos, se possível, o juiz, a acusação e a defesa se deslocam para o local. Diante da impossibilidade de deslocamento, a audiência é designada para a primeira data possível. Por fim, ressalta-se que o CPP foi alterado pela lei anticrime, possuindo agora previsões expressas acerca da audiência de custódia. Quando a prisão for decorrente de mandato, 13 a audiência deve ser realizada imediatamente após a prisão. Nas hipóteses de prisão em flagrante, segue o procedimento comum. 14 6. Videoconferência Introdução A videoconferência está prevista no processo penal brasileiro para interrogatório, ou seja, já em sede de audiência de instrução e julgamento, nas hipóteses do art. 185, §§2º a 6º do CPP: Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. § 2º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento; II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código; IV - responder à gravíssima questão de ordem pública. § 3º Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência. § 4º Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código. § 5º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. § 6º A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil. Problemática O problema está na omissão quanto ao uso de tecnologia tanto na Resolução do CNJ, como no CPP: não há previsão expressa do uso de videoconferência para a audiência de custódia. Existe um precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Suárez Roser vs. Equador) onde o colegiado determinou que o preso deve ser apresentado pessoalmente ao magistrado, não podendo ser utilizados meios tecnológicos em substituição à presença física das partes. 15 Convém observar, no entanto, que a decisão foi tomada em um contexto pré-pandêmico. Isso significa que a Corte valorizava muito mais a presença física para garantir que os Estados não negligenciassem o dever de realizar a audiência. Diante da série de avanços tecnológicos e das mudanças provocadas pelo novo coronavírus, houve um movimento de adaptação em cada país. Visões da Doutrina Caio Paiva: O preso somente é conduzido e apresentado se realmente comparecer perante um juiz. Videoconferência é exceção; Fauzi Hassan Choukr: Dificuldades públicas não podem obstar direitos fundamentais e, portanto, a videoconferência não pode ser utilizada; Mauro Andrade e Pablo Aflen: A videoconferência pode ser usada na audiência de custódia, se configurar uma das hipóteses do art. 185 do CPP. Posição do CNJ No início do cenário pandêmico, em março de 2020, o CNJ suspendeu a realização das audiências de custódia, sob o argumento de que a presença física do preso e dos servidores públicos representaria um risco à saúde. Porém, ao existir questionamento acerca da possibilidade de videoconferência (julho/2020), o CNJ definiu que elas não poderiam ser realizadas por vídeo, porque a presença física é necessária. Contudo, observando o agravamento da situação de calamidade pública no Brasil, o uso de videoconferência foi autorizado enquanto existir a pandemia de covid-19. Para tanto, é necessário que o preso esteja sozinho em uma sala (ou acompanhado de seu advogado, somente) e que o caminho de condução do preso até a sala da audiência seja registrado em vídeo. 16 7. Participantes Quem participa? A partir da leitura do art. 310 do CPP, podemos inferir que são participantes da audiência de custódia: Juiz; Acusado; Defesa; Acusação. Deveres do Juiz O art. 8º da resolução do CNJ traz um rol de responsabilidades para o juiz competente que irá presidir a audiência de custódia. São deveres do juiz: Esclarecer qual a finalidade da realização da audiência de custódia; Informar sobre o direito constitucional ao silêncio; Comunicar o preso sobre os direitos constitucionais relacionados ao cerceamento de liberdade (nomeação de advogado, comunicação à família, etc.); Perguntar ao preso sobre as circunstâncias da prisão ou apreensão (inclusive sobre o tortura e maus tratos); Verificar se houve realização de exame de corpo de delito (e determiná-lo quando necessário); Não perguntar com a finalidade de produzir provas; Sanar irregularidades; e Identificar hipóteses de gravidez, existência de filhos/dependentes, histórico de doença grave (incluídos transtornos mentais e dependência química). MP e Defesa Art. 8º [...] § 1º Após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação, permitindo-lhes, em seguida, requerer: I - o relaxamento da prisão em flagrante; II - a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão; III - a decretação de prisão preventiva; IV - a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa. 17 A acusação e a defesa podem fazer perguntas acerca da necessidade e da legalidade da prisão, quando julgarem pertinentes. Tais perguntas são feitas primeiramente ao juiz, para então fazê-las ao preso. Isso porque, caso alguma pergunta saia dos limites (por exemplo, se relacionando ao mérito), o magistrado deve indeferi-la. Além disso, as partes podem fazer pedidos de relaxamento de prisão ou imposição de medidas cautelares (prisionais ou não). Decisões Judiciais após a audiência Ao final da audiência, o magistrado pode decidir por uma das seguintes hipóteses: Relaxamento de prisão: ocorre quando a prisão é ilegal; Concessão de Liberdade Provisória: ocorre quando a prisão não é necessária; Decretação de Prisão Preventiva: ato obrigatório nos casos do art. 310, §2º do CPP e dependen- te de análise do juiz nos casos do art. 312; Decretação de medidas diversas da prisão: todas as hipóteses do art. 319 do CPP. 18 8. Cabe Recurso? Introdução Tendo em vista que, ao final da audiência de custódia, o magistrado deve tomar uma decisão, surge a dúvida sobre a possibilidade de recurso. Não há previsão específica sobre isso, porém, é possível analisar com base em alguns dispositivos do CPP. As decisões que o juiz pode tomar estão abarcadas por completo pelas hipóteses de interposição de Recurso em Sentido Estrito (RESE), mais especificamento no art. 581, V, CPP: Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: V - que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante; Sendo assim, RESE é o recurso adequado para contestar decisões proferidas pelo juiz ao final da audiência de custódia. Isso inclui a conversão da prisão em flagrante em preventiva, ainda que não esteja expressamente elencado no artigo citado. Aceleração Procedimental É comum o uso de HC para acelerar os procedimentos, visto que é algo que pode ser concedido de ofício pelo juiz e também possui prioridade de tramitação nos tribunais. Temos um caso que demonstra bem essa aplicação, gerando uma divergência de opiniões (Caso de Xapuri no Acre): 02/04/16: Sujeito preso em flagrante por roubo; 04/04/16: Auto de prisão em flagrante chega ao juiz; 05/04/16: Audiência de custódia. Denúncia verbal apresentada e recebida pelo juiz. Defesa preliminar também apresentada. No período da tarde, houve audiência de instrução e julgamento e prolação da sentença. Isso gera certa polêmica no campo doutrinário porque, apesar da eficiência do processo ser um valor constitucional, os demais direitos fundamentais envolvidos também devem ser resguardados. Assim, entende-se que um tempo razoável para a elaboração das peças, coleta de informações e provas, além de testemunhas é benéfico para o processo, porque ajuda a chegar numa decisão justa, mais próxima da realidade. Apesar da polêmica, o processo citado não teve nenhuma ilegalidade, visto que todos os atos foram exercidos por vontade das partes e respeitando os direitos dos envolvidos. O que deve ser evitado é a determinação, por parte do juiz, de apresentação de acusação e defesa já na audiência de custódia. 19 9. Ausência da Audiência de Custódia O que deve ocorrer quando a audiência de custódia não é realizada? Existem posições divergentes na doutrina, porém o entendimento majoritário é de que a AC é uma garantia dos presos em razão do disposto na CADH. Logo, o próprio flagrante e outras medidas impostas ao indivíduo que não teve AC, estão carregados de nulidade absoluta (vício insanável). Nesta hipótese, a liberdade plena do indivíduo deve ser restaurada imediatamente, sem quaisquer condicionantes. A autoridade que dá causa à ausência da AC, sem motivação idônea, responde administrativa, civil e penalmente por sua omissão (vide art. 310, §3º do CPP). Isso significa que o atraso pode ser justificado e fundamentado, mas a não realização da AC é inconcebível. O atraso na audiência de custódia sem motivação idônea torna a prisão ilegal, a qual deve ser imediatamente relaxada pela autoridade competente. Por outro lado, o §4º do art. 310 também afirma que não há prejuízo da decretação imediata de prisão preventiva. Para uma melhor compreensão, segue uma pequena linha do tempo: Indivíduo é preso: 24hrs para o APF; APF recebido: 24hrs para realizar a AC; AC não realizada dentro do prazo: aplicação do art.310, §§ 3º e 4º (24hrs onde ainda é possível decretar preventiva ou relaxar a prisão); AC não realizada novamente: prisão ilegal e necessidade de relaxamento. ATENÇÃO: Toda essa estrutura de prazos e procedimentos foi suspensa pelo julgamento conjunto das ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. O Min. Fux afirmou que é preciso definir primeiro o que é “motivação idônea” e que os prazos não levam em consideração as particularidades do Brasil. Logo, há previsão legal, mas os efeitos estão suspensos. Assim, na prática, o atraso é tratado com Habeas Corpus. 20 Audiência de Custódia

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