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Aguiar, O.B.; Padrão, S.M. da população, embora possa parecer contraditório, como os direitos de liberdade e igualdade, por vezes, avaliados como divisíveis. E ainda reconhecer a luta por direitos legítima e como uma ferramenta de resis- tência cultural, política e s...

Aguiar, O.B.; Padrão, S.M. da população, embora possa parecer contraditório, como os direitos de liberdade e igualdade, por vezes, avaliados como divisíveis. E ainda reconhecer a luta por direitos legítima e como uma ferramenta de resis- tência cultural, política e social, em especial nas ditaduras e nos regimes fascistas (Soares, 2019). Nessa direção, o objetivo deste ensaio é apreender a realidade social, reconstruindo o processo histórico de instituição dos direitos humanos, em especial do direto humano à alimentação adequada protagonizado, em grande medida, pelas classes sociais, sendo, portanto, resultado dinâmico da ação humana, além da possibilidade de sua materialização ante os fenômenos da fome, da pobreza e da desigualdade social como reflexos da realidade. O direito humano à alimentação adequada é o objeto desta reflexão contextualizado no cenário do Brasil, percebido como parte de uma totalidade concreta integrante dos direitos humanos fundamentais, e cuja instituição é intrínseca às lutas e aos direitos conquistados pelos movimentos sociais, em permanente confronto com os interesses da acu- mulação capitalista. Nesse contexto, a fome, a pobreza e a desigualdade social são entendidas como expressões das contradições da sociedade capitalista que constituem a questão social. No sentido debatido por Iamamoto (1998, p. 27), “a questão social é apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura”. 2. A origem e controvérsias do direito humano à alimentação adequada O acesso permanente aos alimentos é considerado uma condição fundamental para a manutenção da vida de todos os indivíduos. Nes- se sentido, é inscrito como um direito inalienável e reivindicado como direito humano. Estar livre da fome e se alimentar regularmente com alimentos de qualidade são pressupostos para a materialização de outros direitos, portanto, indivisíveis e que afiançam a cidadania dos indivíduos (ONU, 1966). 126 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 Direito humano à alimentação adequada A história da alimentação no mundo foi marcada pelo medo da privação do alimento e pela desigualdade na distribuição da terra. O homem deixou a vida nômade, quando vivia em busca de alimentos e dependente dos caprichos da natureza, ainda na pré-história, quando começou a perceber a relação entre a terra e as sementes, e considerou que podia influenciar no processo de germinação, até então atribuído exclusivamente à natureza. A partir dessa descoberta, passou a viver em pequenas aldeias, iniciando, também, a atividade pastoril, sendo a alimentação consumida em pequenas quantidades e restrita a poucos alimentos (Ornellas, 2008). Nas sociedades feudais, a produção agrícola desenvolvida pelos camponeses se expandiu, em grande medida, devido ao fato de a maior parte da colheita ser apropriada pelos titulares da terra, que pressionavam os agricultores a aumentarem seu cultivo. A produção agrícola passou a ser o principal suporte da alimentação, particularmente da população mais pobre, sendo o pão e o vinho os alimentos básicos do regime ali- mentar. Nessa época, as grandes crises de subsistência eram frequentes e sistemáticas, ocasionando colheitas restritas, casos em que a fome se estendia entre os próprios camponeses e às camadas populares urbanas. O século XIV ficou marcado por ter sido atravessado pelas duas piores situações de insuficiência de alimentos, até aquela data, que atingiram todo o velho continente, sendo o estado de penúria agravado pelo apa- recimento da peste negra em 1348, que dizimou parcela significativa da população já enfraquecida pela fome (Riera-Melis, 2018). Esse cenário persistiu e se agravou ao longo de seis séculos. A res- trição aos direitos de utilização dos alimentos provenientes das florestas, as guerras religiosas e as grandes crises dos cereais foram alguns dos eventos que contribuíram para o agravamento e a propagação da fome. O desapossamento dos camponeses das propriedades rurais, apropriadas por nobres e burgueses, aos poucos transformou a agricultura de subsis- tência em uma agricultura de mercado, aumentando a subnutrição entre os camponeses que representavam quase 90% da população europeia. Apenas no final do século XIX, o problema começou a ser amenizado Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 127 Aguiar, O.B.; Padrão, S.M. com a adoção de novas tecnologias e formas de cultivo, aliadas à revo- lução nos transportes dos insumos, à produção de novos alimentos, ao desenvolvimento de técnicas de conservação e da indústria alimentar, que impulsionariam a produção e o abastecimento de alimentos (Flan- drin; Montanari, 2018). Em pouco tempo, no entanto, constrangimentos de ordem econômica limitaram o consumo alimentar dos trabalhadores ante a escassez e os altos preços praticados na comercialização dos alimentos. Os alimentos até então cultivados para a subsistência das famílias, no século seguinte, passam a ser uma mercadoria muito dis- putada e lucrativa. A expressão “Direito Humano à Alimentação Adequada”, em uma perspectiva ampliada e internacional, tem origem no Pacto Interna- cional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), adotado pela Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 1966. A inclusão do Direito Humano à Alimentação Ade- quada no PIDESC, após dez longos anos de sistemáticos debates, indica os conflitos para sua efetivação. O documento final demorou a encontrar consenso entre os países que participavam de sua elaboração, uma vez que diferentes atores buscavam se apropriar e atribuir sentidos diversos ao DHAA. O Pacto entra em vigor na ordem internacional apenas em janeiro de 1976 e é ratificado pelo Brasil, por meio do Decreto Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, quase três décadas após a adoção do Pacto (Leão, 2013). De acordo com Carvalho (2005, p. 10), os direitos sociais criam condições para que as sociedades se organizem no sentido de “reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da justiça social”. Em 1999, o Comentário Geral 12, sobre o artigo 11 do PIDESC, explici- ta em detalhes o direito à alimentação, amenizando controvérsias quando argumenta que o direito à alimentação adequada se realiza quando todo homem, mulher, criança, sozinho ou em comunidade, têm acesso físico e econômico, ininterruptamente, a uma alimentação adequada ou aos meios necessários para sua obtenção (ONU, 1999). A questão que se examina 128 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 Direito humano à alimentação adequada aqui, em relação ao Comentário Geral 12, é que apesar de apontar ele- mentos essenciais, estabelece previamente uma delimitação conceitual, apresentando uma proposição estática para o DHAA. Essa formulação não se coaduna com uma noção em movimento dialético e fruto de disputas políticas e conflitos econômicos e, portanto, em constante atualização, considerando os contextos e os tempos históricos (Corrêa; Oliveira, 2019). Um conceito em constante construção que traduzisse um movimento dinâmico seria mais condizente com a origem do processo de lutas que instituiu os diretos humanos ao longo da história, associado à tradição revolucionária, como avaliado e mencionado. A sequência de proposições, normas e acordos internacionais insti- tuídas, ao longo das últimas décadas, consolida como um direito humano fundamental o acesso permanente de todas as pessoas à alimentação ade- quada e de qualidade. Entretanto, mesmo com a aprovação desse conjunto de normativas, não se deve avaliar a materialização do DHAA de forma simplista e descontextualizada, considerando todos os indivíduos, a priori, como sujeitos de direito e, portanto, aptos a exercê-los, sem ponderar as reais e verdadeiras condições para sua efetivação (Corrêa; Oliveira, 2019). 3. Desigualdade e pobreza no Brasil: a indivisibilidade e a interdependência da questão O Brasil, instado por pactos e normativas internacionais, aprovou uma série de instrumentos e políticas, nas duas últimas décadas, na perspectiva de garantir o DHAA. Em 2005, teve início um processo de discussão que promoveu a formulação de programas e a aprovação de leis definindo estratégias para a realização progressiva desse direito. Nesse sentido, foi homologada a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), em 2006, considerada um passo importante nessa direção (ABRANDH, 2010). Em 2010, já tardiamente, o DHAA passa a ser assegurado entre os direitos sociais da Constituição Federal do Brasil, com a aprovação da Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 129 Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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