Educação em Direitos Humanos - PDF
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ACAPS - Academia de Administração Prisional e Socioeducativa
2024
Bruna Roberta Wessner Longen, Samira Birck de Menezes
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Summary
Este manual de Educação em Direitos Humanos, produzido pela ACAPS para 2024, apresenta os princípios e diretrizes para a atuação de policiais penais no Brasil, considerando os Direitos Humanos para uma sociedade justa e equilibrada. Esse guia se baseia nas regras da administração pública e no regime disciplinar, mas enfatiza a base ética e jurídica dos Direitos Humanos para o exercício da autoridade.
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Curso de Formação Profissional – DPP – 2022 Educação em Direitos Humanos EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 2024 1 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa...
Curso de Formação Profissional – DPP – 2022 Educação em Direitos Humanos EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 2024 1 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Autores Bruna Roberta Wessner Longen Samira Birck de Menezes Este manual busca consolidar os princípios e diretrizes que norteiam a atuação do policial penal no âmbito dos Direitos Humanos, fundamentais para a construção de uma sociedade justa e equilibrada. Assim como as regras da administração pública e o regime disciplinar guiam o comportamento funcional, os Direitos Humanos oferecem uma base ética e jurídica essencial para a prática profissional, garantindo que o exercício da autoridade policial se alinhe aos preceitos de dignidade e respeito à vida humana. SECRETARIA DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL E SOCIOEDUCATIVA Carlos Antônio Gonçalves Alves Secretário de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa Joana Mahfuz Vicini Secretária Adjunta DEPARTAMENTO DE POLÍCIA PENAL Renata de Souza Diretora-geral Roberval D’Ávila Ferraz Diretor-geral Adjunto ACADEMIA DE ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL E SOCIOEDUCATIVA Leandro Lisboa Ferreira de Melo Diretor da Academia de Administração Prisional e Socioeducativa. 2 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS LISTA DE ILUSTRAÇÕES IMAGEM TÍTULO PÁGINA 01 Aspectos Fundamentais dos Direitos Fundamentais no Brasil 08 02 Juntos por Direitos Humanos 10 03 Sede da ONU 12 04 Infográfico: As 3 primeiras dimensões dos Direitos Humanos 22 05 Principais Violações aos Direitos Humanos 23 06 Pontos de vista 25 07 Véu 25 08 Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos 35 09 Artigo I – DUDH 36 10 Artigo II – DUDH 37 11 Artigo III – DUDH 37 12 Tribunal de Nuremberg 38 13 Folder da Promulgação da Convenção contra o Racismo 49 Principais reuniões ONU que influenciaram o sistema 51 14 socioeducativo brasileiro 15 ECA e sistema de garantia de direitos 60 16 Lei 12.962/2014 62 17 Adolescente em cumprimento de medida socioeducativa 64 18 Políticas Públicas do SINASE 65 19 Dados gerais sobre mulheres em privação de liberdade no Brasil 68 20 Bandeira LGBTQIA+ 86 Novo documento de identidade brasileiro, contendo campo com 90 21 nome social 22 Violência contra LGBTQIA+ 91 23 Adolescentes em privação de liberdade por orientação sexual 102 24 Principais Violações aos Direitos Humanos 104 25 Adolescentes em privação de liberdade por gênero 105 26 Esquema de atenção à saúde mental do adolescente 106 3 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS CEJA Centro de Educação de Jovens e Adultos CF Constituição Federal CN Congresso Nacional CNCD Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNJ Conselho Nacional de Justiça CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CP Código Penal CPP Código de Processo Penal CONTRAN Conselho Nacional de Trânsito DPP Departamento de Polícia Penal DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EDH Educação em Direitos Humanos ENEM Exame Nacional do Ensino Médio ENCCEJA Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos FUNAI Fundação Nacional do Índio HC Habeas Corpus IDC Incidente de Deslocamento de Competência INFOPEN Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias LGBTQIA+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexos e mais LEP Lei de Execução Penal MJSP Ministério da Justiça e Segurança Pública 4 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS MP Ministério Público OEA Organização dos Estados Americanos ONU Organização das Nações Unidas PGR Procuradoria Geral da República PNDH Programas Nacionais de Direitos Humanos SAP Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativa SENAPPEN Secretaria Nacional de Políticas Penais e Penitenciárias SNPCT Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TPI Tribunal Penal Internacional UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 5 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Sumário 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 8 2 CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO, CARACTERÍSTICAS E HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS........................................................................................................... 11 2.1 O que são Direitos Humanos?.................................................................. 11 2.2 Como a ONU e os Direitos Humanos se relacionam?.............................. 12 2.3 Classificações........................................................................................... 13 2.4 Características dos Direitos Humanos...................................................... 14 2.5 Gerações / Dimensões / Famílias.............................................................. 15 2.6 Multiculturalismo dos Direitos Humanos................................................ 24 3 DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA SOBRE DIREITOS HUMANOS.................. 28 3.1 Status dos documentos de Direitos Humanos no Brasil........................... 28 3.1.1 Status de Emenda Constitucional........................................................................ 28 3.1.2 Status Supralegal................................................................................................. 28 3.1.3 Fases dos Tratados Internacionais para Incorporação no Ordenamento Jurídico Brasileiro 29 3.1.4 Incidente de Deslocamento de Competência (IDC): Federalização dos Crimes contra os Direitos Humanos no Brasil................................................................................. 29 3.1.5 Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos – ONU..................... 33 3.1.6 Assembleia Geral da ONU.................................................................................. 34 3.1.7 Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)....................................... 35 3.1.8 Tribunal Penal Internacional (TPI)...................................................................... 39 3.1.9 Convenção Americana sobre Direitos Humanos/ Pacto de São José da Costa Rica (1969) 41 3.1.10 Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos / Regras de Mandela 42 3.1.11 Regras de Bangkok – Tratamento às Mulheres Presas........................................ 44 3.1.12 Lei do Habeas Corpus (Inglaterra, 1679)............................................................ 47 3.1.13 Bill of Rights (Declaração dos Direitos, Inglaterra – 1689)................................ 48 3.1.14 Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas correlatas de Intolerância.................................................................................................... 49 3.1.15 Reuniões da Organização das Nações Unidas (ONU) que influenciaram as diretrizes do sistema socioeducativo brasileiro................................................................... 51 3.2 Mecanismos de Direitos Humanos no Brasil........................................... 54 3.2.1 Direitos fundamentais e princípio da dignidade da pessoa humana.................... 54 6 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 3.2.2 Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil – MDHC............... 55 3.2.3 Lei de Prevenção e Combate à Tortura (Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997)..... 55 3.2.4 Lei de Combate ao Abuso de Autoridade (Lei n. 13.869, de 5 de setembro de 2019) 57 3.2.5 Audiência de Custódia e Juiz das Garantias........................................................ 58 3.2.6 Estatuto da Criança e do Adolescente................................................................. 60 3.2.7 Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA).... 63 3.2.8 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo............................................. 66 4 GRUPOS ESPECÍFICOS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E CIFRAS POLICIAIS............................................................................................................................... 69 4.1 Mulheres................................................................................................... 69 4.2 Estrangeiros.............................................................................................. 75 4.2.1 Regularização Documental.................................................................................. 75 4.2.2 Garantia do Direito à Assistência Consular......................................................... 76 4.2.3 Garantia do Direito à Reunião Familiar.............................................................. 76 4.2.4 Promoção do Direito de Acesso à Informação.................................................... 77 4.2.5 Promoção e Sistematização de Contatos Consulares de Referência, Embaixadas, Representações Diplomáticas e do Ministério de Relações Exteriores (MRE)................... 79 4.3 Indígenas................................................................................................... 82 4.4 Pessoas Idosas.......................................................................................... 85 4.5 Pessoas com Deficiências......................................................................... 86 4.6 População LGBTQI+................................................................................ 88 4.6.1 Sexo Biológico, Identidade de Gênero e Orientação Sexual............................... 88 4.6.2 Política do Nome Social...................................................................................... 91 4.6.3 Crime de LGBTfobia.......................................................................................... 93 4.6.4 Resolução Conjunta CNPCP/CNLGBTQIA+ nº 2, de 26 março de 2024, que estabelece parâmetros para o acolhimento de pessoas LGBTQIA+ em privação de liberdade no Brasil.............................................................................................................. 95 4.6.5 Sistema Socioeducativo – LGBTQIA+............................................................. 103 4.7 Cifras Policiais e a importância da coleta segura de dados para efetivação de políticas públicas efetivas no combate às violações de Direitos Humanos... 105 4.8 Levantamento Nacional de Dados dos Adolescentes Privados de Liberdade............................................................................................................ 106 4.8.1 Adolescentes Femininas.................................................................................... 107 4.8.2 Saúde Mental no Sistema Socioeducativo......................................................... 107 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 111 6 REFERÊNCIAS........................................................................................................... 112 7 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 1 INTRODUÇÃO Os Direitos Humanos são garantias históricas que, ao longo do tempo, se adaptaram às necessidades específicas do mundo contemporâneo. Consistem em direitos naturais garantidos a todo e qualquer indivíduo e que devem ser universais, isto é, se estender a todos os povos, independentemente de classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político. Eles se baseiam na ideia de que todos os seres humanos nascem livres, iguais em dignidade e direitos, devendo ser respeitados e tratados com justiça. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os Direitos Humanos são “garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”. Ao longo da história, aspectos relevantes no contexto dos Direitos Fundamentais, os quais contemplam direitos individuais, coletivos, sociais e políticos e direitos inerentes à constituição de uma sociedade justa, constam em parte da legislação de diversas nações. Não obstante reconhecer a importância dos diversos documentos e instrumentos para garantia dos Direitos Humanos, ainda é notória sua busca pelos mais diversos grupos de pessoas que lutam por direitos básicos, como o simples fato de existirem sem violência, discriminação, pobreza extrema, estando expostas às vulnerabilidades acentuadas de um mundo sabidamente desigual. Percebe-se, pois, que o desafio para a eficácia dos Direitos Humanos está relacionado, principalmente, à falta de vontade política, muitas vezes sob a justificativa dos custos dos investimentos sociais e políticas públicas direcionadas. Entre os diversos direitos garantidos pela Declaração Universal de Direitos Humanos, documento norteador e marco que delineia a proteção universal dos Direitos Humanos básicos, estão o direito de ser tratado com igualdade perante as leis, direito à livre expressão política e religiosa, à liberdade de pensamento e de participação política, o direito ao lazer, educação, a cultura e ao trabalho livre e remunerado. São direitos universais, inalienáveis, indivisíveis e interdependentes, o que significa dizer 8 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS que valem para todos, em qualquer lugar e a qualquer momento; que não podem ser tirados e que não podem ser separados ou hierarquizados. A título de curiosidade, em 1999, o livro Guinness dos Recordes nomeou a Declaração Universal de Direitos Humanos como o documento mais traduzido do mundo, reforçando sua importância e essencialidade. Na ocasião, o texto estava disponível em 298 línguas. Atualmente, o texto está disponível em línguas e dialetos de todo o mundo, totalizando mais de 501 traduções. Na história constitucional brasileira, estes direitos aparecem desde a Constituição do Império, de 25 de março de 1824. A partir daí, direitos semelhantes vêm se ampliando e se aprimorando, conforme se depreende do resumo abaixo (DIMOULIS & MARTINS, 2018): Figura 1 – Aspectos dos Direitos Fundamentais no Brasil. Fonte: DIMOULIS & MARTINS (2018). 9 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Uma educação que tem fulcro nos Direitos Humanos está alinhada com documentos internacionais, a exemplo da DUDH da ONU, de 1948. Documentos dessa natureza desencadeiam um processo de transformação no comportamento social, pois os países signatários introduzem, no ordenamento jurídico, instrumentos e mecanismos internacionais de Direitos Humanos. Ao analisarmos os Direitos Humanos, ampliamos nossos horizontes. Este material em formato de apostila congrega questões pertinentes à disciplina de Educação em Direitos Humanos da Academia de Administração Prisional e Socioeducativa do Estado de Santa Catarina. Nossa intenção é ampliar o horizonte de expectativas do aluno, fazendo com que reflita e fomente sempre um tema imprescindível para o desenvolvimento de suas atividades profissionais. Bons estudos! As autoras.. 10 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 2 CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO, CARACTERÍSTICAS E HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS 2.1 O que são Direitos Humanos? Os Direitos Humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos, que regem o modo como os seres humanos individualmente vivem em sociedade e entre si, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que o Estado tem em relação a eles (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU). Também podemos considerar, complementando, que os Direitos Humanos são o conjunto de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito à sua dignidade, por meio de condições mínimas (fundamentais) de vida e desenvolvimento da personalidade humana (FILHO, 2010). Complemento: vídeo “O que são Direitos Humanos” (09 minutos e 31 segundos). Figura 2 – Juntos por Direitos Humanos. Fonte: Site JusBrasil – Surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). 11 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 2.2 Como a ONU e os Direitos Humanos se relacionam? A Organização das Nações Unidas (ONU) é uma organização internacional criada em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de manter a paz e a segurança internacionais, promover a cooperação entre os países e proteger os Direitos Humanos no mundo. Ela é composta por 193 Estados-membros e possui diversos órgãos e agências especializadas que atuam em diferentes áreas e locais. A ONU e os Direitos Humanos se relacionam de várias formas. Uma delas é por meio da elaboração e da adoção de tratados internacionais que estabeleçam normas e obrigações para os Estados-membros em relação à promoção e proteção dos Direitos Humanos. O documento mais importante nesse campo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com 30 artigos que sintetizam e reafirmam essa defesa. Outra forma de relação entre a ONU e os Direitos Humanos é por meio do monitoramento e da fiscalização do cumprimento dos tratados internacionais pelos Estados-membros. Para isso, existem diversos órgãos e mecanismos que recebem relatórios, denúncias, recomendações e queixas sobre violações de Direitos Humanos. Um exemplo disso são os Comitês de Direitos Humanos, que são órgãos compostos por peritos independentes que analisam os relatórios periódicos dos Estados- membros sobre a implementação dos tratados internacionais. O alto comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também desempenha um papel central nesse processo, atuando como defensor e guardião dos Direitos Humanos em todo o mundo. Além disso, a ONU realiza conferências, fóruns e programas de capacitação para promover a conscientização e ações concretas em prol dos Direitos Humanos. 12 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Imagem 3 – Sede da ONU. Fonte: Google Imagens. Complemento: vídeo “O que é a ONU?” (01 minuto e 18 segundos). 2.3 Classificações A classificação é um recurso didático que tem por finalidade permitir uma visão global de determinado assunto, a partir de categorias e grupos de temas. Em nosso estudo, faz-se necessário estudar de forma objetiva e direta a classificação dos Direitos Humanos. Assim, a classificação dos Direitos Humanos traduz como se deu a aplicação desses direitos ao longo do tempo e, portanto, reflete uma análise histórica da matéria. Neste ponto, é importante a compreensão do que são os Direitos dos Homens, os Direitos Fundamentais e os Direitos Humanos. Vejamos: Direitos dos Homens: são os direitos inatos à condição humana, conhecidos como direitos naturais, independentemente de normatividade, de cultura e costumes. Exemplo: direito à vida. Direitos Fundamentais: são os Direitos Humanos previstos na ordem jurídica interna. Exemplo: direito à vida positivado na Constituição Federal (1988). 13 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Direitos Humanos: positivação na ordem jurídica externa. Exemplo: direito à vida positivado no Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos – 1969). DIREITOS DOS HOMENS = DIREITOS NATURAIS DIREITOS FUNDAMENTAIS = POSITIVAÇÃO INTERNA DIREITOS HUMANOS = POSITIVAÇÃO EXTERNA 2.4 Características dos Direitos Humanos São características dos Direitos Humanos: Historicidade: os Direitos Humanos são frutos das demandas sociais de cada época; são direitos históricos e complementares, de modo que uma geração contempla a outra. Universalidade: garante que os Direitos Humanos envolvam todos os indivíduos, pouco importando a nacionalidade, a cor, a opção religiosa, sexual, política, etc.; ou seja, esses direitos se destinam a todas as pessoas (sem qualquer tipo de discriminação) e possuem abrangência territorial universal (em todo o mundo) (SOUZA, 2016). Inexauribilidade: inesgotável, pois sempre haverá novos direitos a serem protegidos, novas demandas sociais. Exemplo: o direito à internet era impensável no começo do século XX. Essencialidade: os Direitos Humanos são necessários à vida com qualidade dos indivíduos, significa dizer que os Direitos Humanos são inerentes ao ser humano, tendo dois aspectos: o aspecto material, que representa os valores supremos do homem e sua dignidade; e o aspecto formal, isto é, assume posição normativa de destaque (SOUZA, 2016). Imprescritibilidade: significa dizer que a pretensão de respeito e concretização de Direitos Humanos não se esgota com o passar dos anos, podendo ser exigida a qualquer momento. Dito de outra forma, o decurso do tempo não atinge a pretensão de respeito aos direitos que materializam a dignidade humana. A imprescritibilidade dos Direitos Humanos não deve ser confundida com a prescritibilidade da reparação econômica 14 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS decorrente da violação de Direitos Humanos. Trata-se de situações distintas, pretensões diversas (SOUZA, 2016). Indisponibilidade/Inalienabilidade: inalienabilidade de um direito ou coisa é quando se está diante de uma impossibilidade de atos de disposição, seja jurídica (renúncia, compra e venda, doação, etc.), seja material (destruição material do bem). Esta característica possui grande relevância prática no sentido de deixar claro que a preterição de um direito fundamental não estará sempre justificada pelo simples fato de que o seu titular esteja consentindo (ALVES, 2017). Essa característica é oriunda da dignidade da pessoa humana, vinculando-se à potencialidade de o homem se autodeterminar e de ser livre. Irrenunciabilidade: os Direitos Humanos fundamentais não podem ser objeto de renúncia. Dessa característica, advêm importantes discussões, como a renúncia ao direito à vida, a eutanásia, o suicídio e o aborto. 2.5 Gerações / Dimensões / Famílias A proposta de triangulação dos direitos fundamentais em gerações (também chamadas por alguns doutrinadores de dimensões ou famílias) é atribuída a Kasel Vasak, que a apresentou em conferência ministrada no Instituto Internacional de Direitos Humanos (Estrasburgo) em 1979, inspirado no lema da Revolução Francesa ("Liberdade, Igualdade e Fraternidade") e baseado em um processo histórico de institucionalização. 1ª Geração – Os direitos de primeira geração consolidaram-se na fase de resistência aos poderes dos monarcas absolutistas, em decorrência da luta da burguesia pela salvaguarda de direitos individuais básicos, tais como a vida, a liberdade e a propriedade (JUNIOR, 2011). A classe burguesa, à época, adquire importância política em razão de sua ascensão econômica. Surge, então, o Estado Moderno, centralizando o poder político. Os direitos de primeira geração têm por escopo a defesa das pessoas em face ao arbítrio dos governantes, mormente quanto à preservação de sua vida, de sua liberdade de locomoção, amplo exercício profissional e da possibilidade de constituírem patrimônio, sem que este seja confiscado pela exigência de tributos excessivos (SILVA, 2016). 15 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Destarte, o conteúdo dos direitos fundamentais nessa época seriam os direitos individuais relativos à liberdade e à igualdade, sendo que a base do Estado Liberal é o direito de propriedade privada, que é absoluto e intocável. Em suma, os direitos de primeira geração, que têm como marco as revoluções liberais do século XVIII, são os direitos de liberdade em sentido amplo, sendo os primeiros a constarem dos textos normativos constitucionais, a saber, os direitos civis e políticos. São denominados também “direitos de defesa”, pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado (dever de abstenção). Dentre eles, estão os direitos às liberdades, à vida, à igualdade perante a lei, à propriedade e à intimidade (RAMOS, 2019). São exemplos de documentos da 1ª geração: Brasil: Constituição do Império, de 1824, a primeira e única constituição do Brasil Imperial, bem como a primeira constituição a reger o território brasileiro; Constituição da República, de 1891, que teve como característica a instituição do regime republicano presidencialista e a separação entre o Estado e a Igreja. EUA: Declaração do Bom Povo da Virgínia, de 1776, que precede a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Inglaterra: Bill Of Rights, de 1689, a declaração de direitos que foi o primeiro documento oficial que garantiu a participação popular, por meio de representantes parlamentares, na criação e cobrança de tributos, sob pena de ilegalidade, vedando, ainda, a instituição de impostos excessivos e de punições cruéis e incomuns. França: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento culminante da Revolução Francesa, que definiu os direitos individuais e coletivos dos homens como universais. Palavras-chave da 1ª geração: liberdade; direitos civis e políticos. 2ª Geração – A segunda geração de Direitos Humanos nasce das lutas sociais que buscavam maior salvaguarda das condições necessárias ao desenvolvimento pleno da humanidade. 16 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Seus protagonistas foram as classes operárias, que apareceram em consequência da industrialização na Europa. Essa classe operária tinha formalmente resguardado direitos da primeira geração, mas eram explorados pelos detentores do capital, careciam de saneamento básico em suas residências, educação, atendimento médico e proteção jurídica adequada em face das péssimas condições de trabalho, de remuneração e jornada de trabalho (SILVA, 2016). A segunda geração está ligada ao conceito de igualdade e mais preocupada com o poder de exigir do Estado a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais, todos imprescindíveis à possibilidade de uma vida digna (SOUZA, 2017). Estes direitos aparecem na forma dos chamados direitos fundamentais, pois impõem ao Estado um conjunto de obrigações que se materializam em normas constitucionais, execução de políticas públicas, programas sociais e ações afirmativas. Cabe ao Estado a obrigação de cumpri-las, sujeito a sanções em caso contrário. Em suma, os direitos de segunda geração nasceram a partir do início do século XX, introduzidos pelo constitucionalismo do Estado social (Constituição Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919) e compõem-se dos direitos de igualdade em sentido amplo, a saber, os direitos econômicos, sociais e culturais, cujo adimplemento impõe ao poder público a satisfação de um dever de prestação preponderantemente positiva, consistente em um fazer estatal. São os reconhecidos direitos à saúde, à educação e à previdência, por exemplo. Nada obstante, prevalece hoje na jurisprudência superior que o "Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais, que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas" (RTJ 164/158-161, rel. min. Celso de Mello). E segue: "É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público" (RTJ 175/1212- 1213, rel. min. Celso de Mello). São exemplos de documentos da 2ª geração: 17 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Brasil: Constituição de 1934, redigida para organizar um regime democrático, que assegurasse à nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, segundo seu próprio preâmbulo. México: Constituição Mexicana, de 1917, atual lei suprema da federação mexicana. Alemanha: Constituição de Weimar, de 1919. Sua estrutura é dualista: a primeira parte tem por objetivo a organização do Estado, enquanto a segunda apresenta a declaração dos direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social (COMPARATO, 2006). Palavras-chave da 2ª geração: igualdade; direitos sociais, econômicos e culturais. 3ª Geração – Período importante no estudo dos Direitos Humanos, pois simboliza o fim da 2ª Guerra Mundial (1945) e a necessidade de uma nova forma de agir e pensar, baseando-se nos ideais de fraternidade e solidariedade de forma global e horizontalizada. A proteção de toda a humanidade ocorreria mediante a promoção da solidariedade, do compromisso com o bem comum. A concretização dos direitos difusos, sendo um encargo de toda a sociedade humana, seria a expressão mais concreta da solidariedade e não da fraternidade, que, para alguns, teria uma conotação puramente religiosa, razão pela qual a solidariedade seria o novo nome da fraternidade (FORTES, 2015). Os direitos de terceira geração são os direitos da comunidade, ou seja, têm como destinatário todo o gênero humano, como os difusos e coletivos, que se assentam na solidariedade. Dentre eles, destaque-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como os direitos ao desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade e à paz (este último com alguma divergência, conforme se verá). Em síntese conclusiva, nas palavras do Ministro Celso de Mello: Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou 18 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos Direitos Humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade (MS 22.164, rel. min. Celso de Mello, j. 30- 10-1995, P, DJ de 17-11-1995). Exemplos de documentos da 3ª geração: Brasil: Constituição da República, de 1946. Exemplos da importância desta Constituição são: a igualdade de todos perante a lei; a liberdade de manifestação de pensamento, sem censura, a não ser em espetáculos e diversões públicas; a inviolabilidade do sigilo de correspondência; a liberdade de consciência, de crença e de exercício de cultos religiosos; e a atual Constituição Federal de 1988 (também chamada de Constituição Cidadã – tida como uma das mais avançadas do mundo no âmbito das garantias individuais). Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: delineia os Direitos Humanos básicos, sendo adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948: todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outro estatuto. Palavras-chave da 3ª geração: solidariedade; direitos difusos e coletivos. Para além das 3 gerações inicialmente idealizadas por Karel Vasak, diversos doutrinadores desenvolvem os conceitos de quarta, quinta e até sexta geração dos direitos fundamentais. Após a terceira, contudo, não há mais unanimidade doutrinária. Segundo o brasileiro Paulo Bonavides, jurista, cientista político e reconhecido nacional e internacionalmente como um dos principais constitucionalistas do Brasil, os direitos fundamentais de quarta geração seriam aqueles resultantes da globalização e são exemplos o direito à democracia, à informação, ao pluralismo e, para alguns (como Norberto Bobbio), a bioética. Especificamente sobre o direito à democracia, está ele elencado, pois passaria a ganhar uma dimensão mais ativa em vários campos normativos. A participação direta, inclusive, fiscalizatória, configura um direito fundamental, cuja concretização tende a 19 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS melhor tutelar a ação do Estado, simultaneamente em termos éticos e de eficiência, qualificando o espaço público, dominado até então pela democracia meramente formal. 4ª Geração – Compreende os direitos à democracia, informação e pluralismo e a chegada de novos direitos, introduzidos no âmbito jurídico pela globalização política. Esses direitos também estão relacionados aos avanços no campo da engenharia genética. Exemplos de documentos da 4ª geração: Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, de 1997: confeccionado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), contempla em suas linhas que “com cada um dos países signatários assumindo o compromisso de divulgar seu conteúdo e pugnar pela busca de soluções que conciliam desenvolvimento tecnológico e respeito aos direitos do homem” (SANTOS, 2006). Paulo Bonavides também desenvolve uma quinta geração de direitos fundamentais, tendo como destaque o reconhecimento da normatividade do direito à paz. O autor critica Vasak, que teria, inicialmente, inserido a paz no âmbito dos direitos de terceira geração. 5ª Geração (para parte da doutrina) – Direito à paz mundial. Existe, ainda, uma posição doutrinária de que a quinta geração de direitos fundamentais aponta para uma nova preocupação no direito, que são as questões inerentes ao universo virtual ligado à internet, à robótica, ao direito cibernético, ao direito autoral pela internet e à proteção dos crimes virtuais. Bernardo Gonçalves Fernandes (2019) cita, ainda, com parte da doutrina, uma suposta sexta geração de direitos fundamentais, consistente no direito à água potável. O próprio autor, contudo, reconhece a desnecessidade de tal construção, já que estaria suficientemente abarcada pelo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (terceira geração). 20 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 6ª Geração – O acesso à água potável, componente imprescindível que oferece condição essencial para a existência da vida no planeta. O processo de aquecimento global, desertificação e a falta de água serão os maiores problemas a serem enfrentados nas próximas décadas, de modo que o reconhecimento da água potável como um direito humano fundamental específico, de sexta dimensão, se justifica pela necessidade de uma maior proteção à água potável, bem da humanidade, a fim de que sua qualidade permaneça para garantir uma sadia qualidade de vida para as presentes e as futuras gerações. Acerca das gerações/dimensões/famílias dos Direitos Humanos, importante destacar três essenciais observações: 1) a maior parte dos autores hoje prefere se valer da expressão “dimensões” de Direitos Humanos, em detrimento de “gerações”, partindo da premissa de que “gerações” poderia induzir à falsa ideia de que uma categoria de direitos substitui a outra que lhe é anterior. Uma geração, definitivamente, não sucede a outra. Pelo contrário, existe um acréscimo no rol desses direitos fundamentais; 2) todos os direitos fundamentais possuem a mesma proteção (característica da indivisibilidade) e contribuem para a realização da dignidade humana, interagindo para satisfação das necessidades essenciais do indivíduo (interdependência); 3) mais que isso, a cada dimensão assistimos também uma redefinição do sentido e conteúdo dos direitos anteriormente fixados. O direito de propriedade, por exemplo, deve ser interpretado em conjunto com os direitos sociais previstos no ordenamento, o que revela sua função social. Após a consagração do direito ao meio ambiente equilibrado, o direito de propriedade deve também satisfazer as exigências ambientais de uso (ZOUEIN, 2019). 21 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 22 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Imagem 4 – Infográfico: As 3 primeiras dimensões dos Direitos Humanos. Fonte: Site Politize (2018). 23 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Imagem 5 – Principais Violações aos Direitos Humanos. Fonte: Senado Federal. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2018/12/70- anos-da-declaracao-universal-dos-direitos-humanos 2.6 Multiculturalismo dos Direitos Humanos A Constituição Brasileira de 1988, apesar de ser uma das melhores já vistas no mundo, não abordou a fundo assuntos como a diversidade étnica e o pluralismo cultural, mas reconheceu de pronto o princípio da dignidade universal da pessoa humana, protegendo a liberdade e, principalmente, a igualdade dos cidadãos. Em razão 24 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS disso, as políticas públicas devem estar atentas e focadas nessas questões, dada a presença de diversos grupos socioculturais na sociedade. O multiculturalismo nada mais é que a existência e convivência em um país, região ou local de diferentes culturas e/ou tradições. Há uma mescla de culturas, de visões de vida e de valores. O multiculturalismo aceita diversos pensamentos sobre um mesmo tema, abolindo a ideia de pensamento ou modo de viver único. Existe o diálogo entre culturas diversas para a convivência pacífica, trazendo resultados positivos e benéficos a ambas (REIS, 2017). Predominam dois tipos de multiculturalismo, são eles: 1. Relativista: não se atém aos Direitos Humanos universais, aceitando que cada cultura seja livre para estabelecer seus valores e direitos. Não existe a possibilidade de proteção internacional dos Direitos Humanos nessa visão (REIS, 2017). 2. Universalista: permite a propagação e convívio de diferentes ideias com um denominador mínimo comum entre as partes (REIS, 2005). No multiculturalismo universalista, pode-se defender o caráter geral da Declaração Universal de Direitos Humanos (para todos, em qualquer nação, em qualquer tempo). Esta seria a base para o convívio entre os povos. Para alguns autores, os Direitos Humanos pela perspectiva ocidental atualmente são limitados, mesmo assim este limitador visa respeitar culturas e/ou tradições. Desta forma, nesta concepção de Direitos Humanos, não é possível aceitar o casamento infantil ou a circuncisão feminina que ocorrem em alguns países (REIS, 2017). Abaixo, duas imagens para reflexão acerca do Multiculturalismo dos Direitos Humanos: 25 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Imagem 6 – Pontos de vista. Fonte: http://blogs.20minutos.es/eneko/ Imagem 7 – Véu. Fonte: http://blogs.20minutos.es/eneko/ 26 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS No entanto, mesmo com o grau avançado das atuais discussões sobre o tema e com a grande estima da população em relação aos Direitos Humanos, ainda há diversos conflitos quando o assunto é encaminhado ao debate público. Por isso, em Relatório de Desenvolvimento Humano, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), afirmou-se que: Controlar a exclusão do modo de vida é intrinsecamente mais difícil do que controlar a exclusão social, econômica e política. A exclusão do modo de vida acontece quando é negado o reconhecimento e respeito à cultura de um grupo – étnico, linguístico ou religioso. E é refletida, muitas vezes, numa cultura que se considera “inferior”, ou nas práticas que não são reconhecidas. As formas mais extremas da exclusão resultam de políticas estatais de eliminação ou proibição do uso de línguas, de práticas religiosas, ou de outras práticas importantes como o vestuário, que são marcas visíveis da identidade – por exemplo, os turbantes usados pelos Sikhs, ou o lenço na cabeça usado por algumas mulheres muçulmanas (PNUD, 2004, p. 30). Mesmo que exista, em todos os planos, um discurso que afirme a importância e garantia dos Direitos Humanos, as violações a eles continuam acontecendo de forma intensa. Direitos Humanos que pareciam estar assegurados de forma plena são negados e, sobre esse assunto, cabe ressaltar que o direito à identidade pessoal deve ser aprimorado como meta humanitária, para que o homem possa se realizar como fim em si mesmo (BOLWERK; SANTOS, 2020). Ainda, sobre o tema, Krohling (2013, p. 206) explana o seguinte: Relacionar-se com o outro é compreender a vida do outro, expressa de forma estruturada culturalmente. Esta vida é um fenômeno do mundo-vivido e acontece no plano histórico. Portanto, só compreendemos quando aceitamos a historicidade e alteridade como ela se encontra na outra cultura ou no outro sujeito. Isso é respeitar a dignidade humana. Sendo assim, só haverá, de fato, um diálogo expressivo entre as culturas se elas forem capazes de discutir suas semelhanças e singularidades do ponto de vista do outro. A hermenêutica diatópica tem como base que os topoi de uma cultura nunca são completos e que podem ser integradas por outras culturas, através do diálogo intercultural (KROHLING, 2013, p. 207). 27 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 3 DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA SOBRE DIREITOS HUMANOS 3.1 Status dos documentos de Direitos Humanos no Brasil 3.1.1 Status de Emenda Constitucional Inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que introduziu o artigo 5, inciso 3º na Constituição Federal de 1988 (vigente), aduzindo que, nos casos em que os tratados internacionais de Direitos Humanos passarem por dois turnos de votação em cada casa do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado), por 3/5 dos seus membros, passará a ter força de emenda constitucional. Exemplo de documento que possui esse status: o Decreto nº 9.522, de 8 de outubro de 2018, que promulga o Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso às obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades. 3.1.2 Status Supralegal Possuem status supralegal os tratados de Direitos Humanos que não obtiverem aprovação no Congresso Nacional, conforme explicado anteriormente (trâmite do artigo 5º, inciso 3º da CF/88). Significa dizer que estarão acima da legislação ordinária nacional, não podendo, pois, uma lei ordinária revogar dispositivo de instrumento internacional de Direitos Humanos. Exemplo de documento que possui esse status: o Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 7º, que veda a prisão civil do depositário infiel. O Superior Tribunal Federal (STF), ao realizar o controle de convencionalidade, editou a súmula vinculante nº 25, proibindo a prisão do depositário infiel. Para a doutrina jurídica contemporânea, os tratados de Direitos Humanos sempre serão constitucionais, pois tratam do jus cogens, direitos mais importantes e fundamentais do ser humano, sobre os quais não cabe qualquer discussão. 28 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 3.1.3 Fases dos Tratados Internacionais para Incorporação no Ordenamento Jurídico Brasileiro Os tratados internacionais são, no mundo moderno, a fonte principal de textos formais e escritos de Direitos Humanos, celebrados por pessoas jurídicas de direito público externo, que podem ser Estados soberanos ou, ainda, organizações internacionais. O processo de formação dos tratados internacionais passa por seis fases distintas, a saber: negociação, assinatura, referendo do Congresso Nacional, ratificação, promulgação e publicação. Negociação + Assinatura: momento em que se verifica se o texto está de acordo com os anseios brasileiros. É um aceite precário em que o Brasil manifesta para a comunidade internacional seu interesse. A assinatura é de competência privativa do Presidente da República (referência ao Artigo 84, item VIII – Constituição Federal de 1988). Referendo ao Congresso Nacional: no Congresso Nacional (CN), o tratado pode ter dois caminhos. Caso não seja aprovado, o processo não segue adiante. Se aprovado, segue a tramitação com a emissão de um decreto legislativo (referência ao Artigo 49, item I – Constituição Federal de 1988). Ratificação: é a confirmação, de competência exclusiva do Presidente da República. É preciso atentar ao fato de que, nesta fase, estará presente o princípio da discricionariedade, uma vez que serão reanalisadas a conveniência e a oportunidade da assinatura para o Brasil; ou seja: pode vir a não ser mais interessante na ordem jurídica brasileira. Se continuar conveniente, com a ratificação do tratado, assume seus efeitos perante toda a comunidade internacional, confirmando sua assinatura. Promulgação + Publicação: possuem efeitos internos, para fins de validação e publicidade. 3.1.4 Incidente de Deslocamento de Competência (IDC): Federalização dos Crimes contra os Direitos Humanos no Brasil A proteção dos Direitos Humanos é um tema de grande relevo em todo o mundo, não podendo ser diferente no Brasil, que, através da Constituição de 1988, buscou dar 29 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS efetividade a esses direitos, tendo como núcleo essencial a dignidade da pessoa humana. A abordagem do tema é feita principalmente por meio do direito constitucional, mas, na seara jurídica, diversos ramos convergem para a efetivação do texto constitucional, a exemplo do direito penal e processual penal. No Brasil, o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, configurando-se um instrumento que visa pôr fim às violações aos Direitos Humanos, à impunidade, que vieram aumentando devido à inoperância das instituições dos Estados-membros da Federação, e às pressões internacionais para efetivação desses direitos assegurados em tratados internacionais e no próprio ordenamento jurídico brasileiro. O Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) foi introduzido no Ordenamento Jurídico brasileiro como forma de adequá-lo às Cortes internacionais e aos tratados de Direitos Humanos assinados pelo Brasil. Isso porque o Estado brasileiro vinha recebendo destaque diversas vezes e, ao longo de vários anos, pelos inúmeros casos de graves transgressões aos direitos e garantias fundamentais, sendo acusado de negligência na apuração e resolução desses crimes. Conforme a Constituição Federal vigente, em seu artigo 109, cabe aos juízes federais a competência de processar e de julgar: §5º Nas hipóteses de grave violação de Direitos Humanos, o Procurador- Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal (Incluído pela Emenda Constitucional 45/2004). Trata-se de instituto que visa, em linhas gerais, deslocar a competência do âmbito Estadual para a esfera Federal quando o caso implicar em “grave violação de Direitos Humanos” e que objetiva “assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de Direitos Humanos”. Para Fabiano Melo (2016, p. 348), é um instrumento político-jurídico para assegurar o cumprimento das obrigações internacionais que o Estado brasileiro assume na proteção e garantia dos Direitos Humanos. Segundo ele, é amplo o espectro de direitos que possam ensejar o IDC – pelo fato de o § 5º se referir a uma expressão 30 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS abrangente: grave violação de Direitos Humanos –, daí a margem do julgador para a delimitação da incidência do instituto. O único legitimado para requerer o incidente é o Procurador-Geral da República (apesar de haver propostas para alargar essa legitimidade) e a competência para seu julgamento é do Superior Tribunal de Justiça (STJ). De acordo com o art. 1º, parágrafo único, da Resolução n. 06, de 16/02/2005 do STJ, a competência para julgar o IDC será da Terceira Seção, órgão composto por ministros da 5ª e da 6ª turmas. Segundo André de Carvalho Ramos (2018, p. 57), “o IDC decorre da internacionalização dos Direitos Humanos e, em especial, do dever internacional assumido pelo Estado brasileiro de estabelecer recursos internos eficazes e de duração razoável”. São requisitos para a instauração do IDC: 1) a constatação de grave, efetiva e real violação de Direitos Humanos; 2) a possibilidade de responsabilização internacional, decorrente do descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais; e 3) a evidência de que os órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso com a devida isenção (incapacidade das autoridades locais de oferecer respostas efetivas). De fato, por se tratar de exceção à regra geral da competência absoluta, somente deve ser efetuado em situações excepcionalíssimas, mediante a demonstração de sua necessidade e imprescindibilidade ante provas que revelem descaso, desinteresse, ausência de vontade política, falta de condições pessoais e/ou materiais das instituições – ou de uma ou outra delas – responsáveis por investigar, processar e punir os responsáveis pela grave violação a direito humano, em levar a cabo a responsabilização dos envolvidos na conduta criminosa (IDC 10/DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 28/11/2018, DJe 19/12/2018). Exemplo 1: o primeiro IDC analisado pelo STJ envolveu o homicídio cometido em face da Irmã Dorothy Stang, religiosa norte-americana que realizava trabalhos em favor da reforma agrária e dos povos da Amazônia. 31 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS O deslocamento foi rejeitado, pois se considerou que as autoridades estaduais encontravam-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária estadunidense, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos Direitos Humanos. Após três julgamentos, o mandante do crime foi condenado a 30 anos de prisão (IDC 1/PA, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em 08/06/2005, DJ 10/10/2005, p. 217). Para admissão do IDC, como dito, deve haver a demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder com a persecução penal. A federalização ou o deslocamento exige prova concreta da incapacidade das autoridades locais de investigarem e julgarem o caso, não bastando o “rumor” ou a gravidade abstrata do caso. Exemplo 2: o IDC 2 envolveu o homicídio de um vereador e defensor dos Direitos Humanos, autor de diversas denúncias contra a atuação de grupos de extermínio na fronteira dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, ocorrido em 24/01/2009, no município de Pitimbu/PB. Nesse caso, o STJ considerou que era “notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas próprias” e admitiu o deslocamento para a Justiça Federal da Paraíba (IDC 2/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 27/10/2010, DJe 22/11/2010). Exemplo 3: o STJ também admitiu o deslocamento no IDC 3/GO, que envolvia policiais militares na composição de grupos de extermínio. Considerou-se que o Estado de Goiás foi omisso na investigação de tais agentes. Os demais requisitos estavam preenchidos e ocorreu o deslocamento – IDC 3/GO, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 02/02/2015. Exemplo 4: no IDC 14/ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/08/2018, que versava sobre a greve de policiais militares do Estado do Espírito Santo, o STJ entendeu que não houve inércia das instâncias locais em julgar os 32 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS supostos crimes militares, nem havia risco de responsabilização internacional do Brasil e, por isso, negou o deslocamento. Complemento: vídeo “Dorothy Stang” (02 minutos e 35 segundos). 3.1.5 Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos – ONU O Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos baseia-se em um conjunto de normas, órgãos e mecanismos internacionais que surgiram no contexto dos pós-Guerras com o intuito de promover a universalização da proteção dos Direitos Humanos, até então limitada às soberanias dos Estados. O Sistema Internacional dos Direitos Humanos constitui-se de dois sistemas que coexistem: Sistema Global e Sistema Regional, destacando-se, neste último, os sistemas regionais Europeu, Africano e Interamericano. O Sistema Global de Proteção aos Direitos Humanos é exercido pelas Nações Unidas, a qual atua por meio de normas de alcance geral e de alcance especial. As normas de âmbito geral são aquelas voltadas à proteção de todos os indivíduos de forma genérica e abstrata, sem diferenciações específicas (ex.: Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). Já as normas de alcance especial são destinadas a indivíduos e grupos específicos, como refugiados, mulheres, crianças, entre outros, os quais apresentam peculiaridades que justificam a necessidade de proteção especial no tocante aos Direitos Humanos (ex.: Convenção sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis; Convenção para a Eliminação de toda a Discriminação contra a Mulher; Convenção sobre os Direitos da Criança; Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial). BRASIL NO SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS: o Brasil ratificou a maior parte dos instrumentos internacionais no âmbito do Sistema Global da ONU, destacando-se: - Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1992); - Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1992); - Convenção para a Eliminação de toda a Discriminação contra a Mulher (1984); - Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (1968); - Convenção sobre os Direitos da Criança (1990). 33 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Ainda, o Brasil ratificou os dois Protocolos Facultativos ao Pacto de Direitos Civis e Políticos relativos à abolição da pena de morte e a possibilidade de denúncias individuais. Por sua vez, coexistentes com o Sistema Global, conforme já mencionado, há os Sistemas Regionais, dentre os quais se destacam: o Europeu, Interamericano e o Africano. Esses Sistemas Regionais apresentam maior homogeneidade entre seus membros quando comparados ao Sistema Global, o que torna seus mecanismos de proteção relativamente mais eficazes em relação aos mecanismos do Sistema Global. Tais Sistemas Regionais fazem parte de sistemas de integração nacional, cujas atribuições vão além de apenas a defesa dos Direitos Humanos. Assim, por exemplo, no caso da Europa, a organização matriz é o Conselho da Europa (1949), enquanto nas Américas tem-se a Organização dos Estados Americanos (1948) e, na África, a Organização da Unidade Africana, substituída pela União Africana em 2002. 3.1.6 Assembleia Geral da ONU A Organização das Nações Unidas (ONU) é uma organização intergovernamental criada para promover a cooperação internacional. A Assembleia Geral da ONU é o principal órgão deliberativo dessa importante organização mundial. É nela que os Estados-Membros da Organização (193 países) se reúnem para discutir os assuntos que afetam a vida de todos os habitantes do planeta. Na Assembleia Geral, todos os países têm direito a um voto, ou seja, existe total igualdade entre os seus membros. Assuntos em pauta: paz e segurança, aprovação de novos membros, questões de orçamento, desarmamento, cooperação internacional em todas as áreas, Direitos Humanos, etc. As resoluções – votadas e aprovadas – da Assembleia Geral funcionam como recomendações e não são obrigatórias. Principais funções: 1. discutir e fazer recomendações sobre todos os assuntos em pauta na ONU; 2. discutir questões ligadas a conflitos militares – com exceção daqueles na pauta do Conselho de Segurança; 34 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 3. discutir formas e meios para melhorar as condições de vida das crianças, dos jovens e das mulheres; 4. discutir assuntos ligados ao desenvolvimento sustentável, meio ambiente e Direitos Humanos; 5. decidir as contribuições dos Estados-Membros e como estas contribuições devem ser gastas; 6. eleger os novos Secretários-Gerais da Organização. Complemento: vídeo “ONU” (01 minuto e 57 segundos). 3.1.7 Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é o documento marco na história dos Direitos Humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948, estabelecendo, pela primeira vez na história mundial, a proteção universal dos Direitos Humanos. A DUDH apresenta dois aspectos (formal e material): 1. Aspecto Formal: resolução da Assembleia Geral da ONU composta por 30 artigos. 2. Aspecto Material, que está subdividido em: Doutrina Tradicional: a DUDH não teria força obrigatória, uma vez que se trata de uma resolução, recomendação e, ao longo dos seus 30 artigos, não existem mecanismos de fiscalização, nem sanções. Doutrina Moderna: a DUDH, em relação à forma, é uma resolução. Contudo, acerca do conteúdo, possui força de caráter obrigatório por abordar normas de jus cogens, ou seja, as mais importantes ao ser humano. 35 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Preâmbulo da DUDH: Imagem 8 – Preâmbulo Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quatro liberdades individuais importantes foram consagradas após a 2ª Guerra Mundial: liberdade de expressão, liberdade religiosa, liberdade de viver sem penúria/miséria, liberdade de viver sem medo. 36 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Imagem 9 – Artigo I – DUDH. Destaca-se, do artigo 1º, os seres humanos como seres livres e iguais em dignidade e direitos. Vê-se que a DUDH consagra, logo em seu início, direitos da 3ª geração/dimensão. 37 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Imagem 10 – Artigo II – DUDH. Observação pontual ao artigo 2º: Característica consagrada da universalidade. Imagem 11 – Artigo III – DUDH. Observação pontual ao artigo 3º: A similaridade com o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, vigente. Complemento: vídeo “DUDH” (06 minutos e 03 segundos). 38 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 3.1.8 Tribunal Penal Internacional (TPI) O TPI foi fundado com base no pós-segunda grande guerra (a partir de 1945), em virtude de alguns tribunais de exceção terem sido criados nesse período, de extrema vulnerabilidade, para lidar com as violações aos Direitos Humanos ocorridos principalmente entre 1938 e 1945 (como, por exemplo, o Tribunal de Nuremberg). Após a Segunda Guerra Mundial, os representantes dos governos dos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e União Soviética constituíram um acordo para decidir as atitudes a serem tomadas em relação aos crimes ocorridos durante a guerra, surgindo, assim, o Tribunal de Nuremberg. Este tribunal, considerado de exceção e pioneiro – ou seja, criado com condição temporária e após o episódio ocorrido –, foi responsável pelo julgamento de lideranças do partido nazista alemão, assim como Martin Bormann, vice-líder do partido nazista e assessor próximo de Hitler, Rudolf Hess, vice-líder do partido nazista, e Wilhelm Frick, Ministro do Interior. Imagem 12 – Tribunal de Nuremberg. No Brasil, por meio do Decreto 4.388, de 2002, o artigo 1º retrata que: “O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, apenso por cópia ao presente Decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém” (BRASIL, 2002). 39 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Características do TPI: a) Independência: não se vincula a nenhum Estado, nem mesmo é subordinado à ONU (apenas se relaciona); b) Permanência: sede em Haia (Holanda), mas pode também funcionar de forma itinerante em outros locais; c) Complementar: atua apenas quando a legislação interna falhar. Não age em paralelo com o Estado. Competência Material: a competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto (Artigo 5º). Nos termos do presente Estatuto, o TPI terá competência para julgar os seguintes crimes: a) crimes de genocídio; b) crimes contra a humanidade; c) crimes de guerra; d) crimes de agressão (um Estado interferindo na soberania de outro, por exemplo). Fases do Tribunal Penal Internacional (TPI): 1ª fase: leitura das acusações, em que o agente se declara culpado ou inocente. 2ª fase: defesa, apresentação de provas e documentos pertinentes. Idiomas do Tribunal Penal Internacional (TPI): Oficiais: inglês, francês, russo, chinês, espanhol e árabe. De trabalho: inglês e francês. Artigo 26: exclusão da jurisdição aos menores de 18 anos; ou seja, o agente deverá ter o limite de 18 anos na data dos fatos. Quem julga? 18 juízes fluentes em ao menos uma das línguas de trabalho e que possuam competência reconhecida em matéria de Direitos Humanos e direito humanitário. Penas: O TPI não admite a pena de morte. Pena máxima de 30 anos e, em algumas situações, admite pena em caráter perpétuo. NE BIS IN IDEM – Artigo 20: nenhuma pessoa poderá ser julgada pelo Tribunal por atos constitutivos de crimes pelos quais este já a tenha condenado ou absolvido. 40 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS 3.1.9 Convenção Americana sobre Direitos Humanos/ Pacto de São José da Costa Rica (1969) A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, é um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi subscrita durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa Rica, entrando em vigor em 18 de julho de 1978. Essa Convenção pode ser considerada o tratado-regente do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos, incorporado no Brasil em 1992 pelo Decreto 678. Os Estados signatários desta Convenção se “comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à sua jurisdição, sem qualquer discriminação”. O Brasil, por sua vez, é parte da Convenção Americana desde 1992, tendo ela sido promulgada no país por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro daquele ano. O Brasil também reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998, por meio do Decreto Legislativo nº 89, que aprovou em seu artigo 1º: A solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional (BRASIL, 2002). O Estado brasileiro se encontra plenamente integrado (desde 1998) ao sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos, inclusive com algumas condenações por descumprimento dos deveres previstos na Convenção Americana. A Convenção trata, em seu artigo 4º, do direito à vida e da vedação à pena de morte por delitos políticos ou comuns conexos com crimes políticos. Veda também a pena de morte aos menores de 18 anos, maiores de 70 e mulheres grávidas (por exemplo, pode impor a pena de morte à mulher grávida, mas não pode executar). Em seu artigo 5º, retrata sobre direito à integridade pessoal, reforçando que as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. No artigo 6º, trata da proibição à escravidão e menciona o direito à liberdade pessoal. Também passa a listar as garantias judiciais, como o direito de ser ouvido em 41 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente e imparcial; a presunção de inocência; a plena igualdade; a assistência de intérprete ou tradutor; o tempo hábil para defesa e defensor, etc. O artigo 10 abarca o direito à indenização no caso de ter sido condenado por erro judiciário. Quais os mecanismos de fiscalização para saber se os Estados estão cumprindo o pacto? Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos: é o órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA). Fiscaliza e impõe pena de responsabilidade na seara internacional. Comissão: 7 membros comissários com mandato de 4 anos (+4), possuindo caráter administrativo. Corte: 7 membros juízes com mandato de 6 anos (+6), possuindo caráter contencioso/jurisdicional. Por fim, no contexto do sistema socioeducativo, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que interpreta e aplica as disposições do Pacto de San José da Costa Rica, tem estabelecido padrões importantes para proteger os direitos dos adolescentes no sistema socioeducativo, incluindo a proibição de tratamento desumano, a ênfase na individualização das medidas socioeducativas, a importância da participação dos jovens no processo e a necessidade de garantir a sua reintegração social. 3.1.10 Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos / Regras de Mandela A ONU atualizou, em 2015, as Regras Mínimas para Tratamento de Presos, as quais teriam sido criadas em 1955. As atualizações do documento objetivaram ampliar o respeito à dignidade das pessoas presos, garantir o acesso à saúde e o direito de defesa, regulando punições disciplinares, tais como o isolamento e a redução de alimentação. O texto teve aprovação da Assembleia Geral da ONU em outubro de 2015. A este documento foi dado o nome de “Regras de Mandela”, considerando o fato de terem sido concluídas na África do Sul, pelo ex-presidente Nelson Mandela. Tal atualização, por certo, cedeu e considerou a transformação então ocorrida no âmbito da 42 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS execução da pena, haja vista que o documento original, conforme supracitado, datava de 1955. Desde então, efetivamente se logrou aferir um encarceramento mais do que crescente e com ele o alargamento de precaríssimas condições carcerárias, inclusive em solo brasileiro, onde o sistema prisional é considerado um estado de coisas inconstitucional. Contudo, o objetivo das referidas regras não é descrever um sistema penal modelo, mas estabelecer princípios e regras de boa organização penal e da prática relativa ao tratamento das pessoas presas, razão pela qual se deixa claro que, dadas as variações de condições jurídicas, sociais, econômicas e geográficas existentes no mundo, estas regras servem para o estímulo constante de superação das dificuldades práticas, sem, no entanto, se mostrarem impositivas de um todo (CAPPELARI, 2016). Finalidade das Regras de Mandela: humanização da justiça criminal, uma vez que essas regras representam diretrizes a serem adotadas pelos Estados, sendo claro que os Estados terão suas particularidades, como: a) Contato entre presos e seus defensores: aos presos, deverá ser dado o direito de se comunicar sobre assuntos legais com seus advogados, de forma privada, ainda que se tenha monitoramento por uma autoridade presente. Esse monitoramento não deve ser passível de audição e devem ser fornecidos ao preso materiais para escrita, se assim ele o desejar. b) Nascimentos ocorridos no interior de estabelecimentos penais: a regra é que o nascimento não ocorra dentro da unidade prisional. Não sendo possível, a mulher não poderá sofrer o uso de imobilizadores no período anterior, durante e após o parto. Caso o nascimento ocorra dentro da unidade prisional, esta informação não poderá constar no registro de nascimento da criança. c) Impossibilidade de proibição do contato com a família como sanção disciplinar: o diretor não poderá punir o preso com essa restrição, salvo em casos excepcionais de segurança. Obs.: judicialmente é permitido. Exemplo: Lei Maria da Penha. d) Uso de imobilizadores: podem ser usados nos termos da legislação de cada Estado em situações específicas. Contudo, o uso de imobilizadores que causem dor física e sofrimento não deve ser tolerado, exceto em casos que fujam à completa normalidade, de acordo com a situação fática. 43 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS e) Trabalho da pessoa presa: para presos provisórios, não deverá ser obrigatório. Caso queiram, deverá ser oportunizado e remunerado. f) Doença grave e óbito na família da pessoa presa: o preso deverá ser imediatamente comunicado em caso de doença grave ou morte na família. Deverá ser dada a oportunidade de acompanhar o funeral ou visitar hospitais, ainda que desacompanhado, se as circunstâncias permitirem. g) Remoção e transporte de pessoas presas: privação da superexposição, transporte da forma mais discreta possível. h) Funcionários em contato com a pessoa presa: o contato direto com o preso deverá ser feito sem arma de fogo, exceto em situações específicas. i) Separação das pessoas presas: separação em galerias específicas; homens e mulheres; natureza do crime; provisórios e definitivos. 3.1.11 Regras de Bangkok – Tratamento às Mulheres Presas As Regras de Bangkok são diretrizes relevantes estabelecidas pelas Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas, servindo como orientações para os governos. O aprisionamento de mulheres é um fenômeno que tem aumentado significativamente no Brasil nas últimas décadas, trazendo impacto para as políticas de segurança, administração penitenciária, assim como também para as políticas específicas de combate à desigualdade de gênero. Referido encarceramento merece destaque. Uma pesquisa realizada pelo World Female Imprisonment List, no final do ano de 2023, revelou que o Brasil apresenta a terceira maior população carcerária feminina do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Com cerca de 40 mil mulheres encarceradas (2023), nos últimos anos o país apresentou um crescimento exponencial desses números, quadruplicando essa população em apenas 20 anos. Cerca de 45% dessas mulheres se encontram em prisão preventiva, segundo levantamento realizado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais e Penitenciárias. Ana Elisa Bechara, professora e vice-diretora da Faculdade de Direito da USP, explica que o aumento de encarceramentos é global, observando-se também uma explosão das prisões masculinas. Contudo, no caso dos encarceramentos femininos, 44 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS existe a presença de um fenômeno marcante: o crescimento do aprisionamento por crimes relacionados ao tráfico de drogas. “Quando a gente fala sobre o tráfico de drogas, não é que as mulheres são líderes desse tipo de criminalidade. A liderança é masculina, mas essa liderança normalmente tem uma companheira que acaba tomando conta quando este homem está preso ou quando ele é promovido. Então, as mulheres assumem essas funções dentro de uma estrutura mais patriarcal e acabam sendo mais encarceradas”, analisa a professora (GALVÃO, 2023). As mulheres em situação de prisão possuem demandas e necessidades específicas, fato esse agravado por históricos de violência familiar e condições como a maternidade, a nacionalidade estrangeira, a perda financeira ou o uso de drogas. Não é possível desprezar, nesse cenário, a distinção dos vínculos e relações familiares estabelecidos pelas mulheres, bem como sua forma de envolvimento com o crime, quando comparados com a população masculina, o que repercute de forma direta nas condições de encarceramento a que estão submetidas. Historicamente, o viés masculino tem sido tomado como regra para o contexto prisional, com prevalência de serviços e políticas penais direcionados para homens, deixando em segundo plano as diversidades que compreendem a realidade prisional feminina, que se relacionam com sua etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade, entre tantas outras nuanças (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2014). Há deficiência de dados e de indicadores sobre o perfil de mulheres em privação de liberdade nos bancos de dados oficiais governamentais, o que contribui para a invisibilidade das necessidades dessas pessoas. O principal marco normativo internacional para abordar essa problemática são as Regras de Bangkok, as quais propõem um olhar diferenciado para as especificidades de gênero no encarceramento feminino. Apesar de o Brasil ter participado ativamente das negociações para a elaboração das Regras de Bangkok e para a sua aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas, até o momento, percebe-se pelos números anteriormente demonstrados que elas não foram constituídas em políticas públicas consistentes e eficazes em nosso país. 45 ACAPS – Academia de Administração Prisional e Socioeducativa [email protected] | (48)3665-9097 | @acapsscoficial 2024 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS A Lei 13.769/2018 trouxe alterações tanto ao Código de Processo Penal como à Lei de Execuções Penais em relação à prisão das mulheres gestantes e mães de crianças até 12 anos, destaca-se do texto legislativo: Artigo 1º – Esta Lei estabelece a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência e disciplina o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade de condenadas na mesma situação; Artigo 2º – O Capítulo IV do Título IX do Livro I do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos 318-A e 318-B: Artigo 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa; II – não tenha cometido crime contra seu filho ou dependente. Artigo 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código. Artigo 3º – A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: Artigo 72. [...] VII – acompanhar a execução da pena das mulheres beneficiadas pela progressão especial de que trata o § 3º do art. 112 desta Lei, monitorando sua integração social e a ocorrência de reincidência, específica ou não,