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human rights history socio-political development legal philosophy

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Aguiar, O.B.; Padrão, S.M. 1. Uma breve história dos direitos humanos lementos da história são importantes para construir as ideias que E são elaboradas socialmente e determinam as ações humanas. Na história dos direitos humanos, Venâncio e Vieir...

Aguiar, O.B.; Padrão, S.M. 1. Uma breve história dos direitos humanos lementos da história são importantes para construir as ideias que E são elaboradas socialmente e determinam as ações humanas. Na história dos direitos humanos, Venâncio e Vieira (2011) se referem a uma peça de argila do Império Persa do século VI a.C., conhecida como Cilindro de Ciro, como registro da primeira carta de direitos humanos. Os direitos naturais eram velhos conhecidos dos gregos, da pólis sur- giam todos os direitos e obrigações dos cidadãos, sua autoridade cobria todas as esferas do comportamento humano. Para os gregos clássicos, a liberdade se limitava ao direito de participar do governo da cidade, não se cogitava a possibilidade de se buscar objetivos pessoais, os direitos individuais eram desconhecidos (Gobbi, 2001). Os direitos fundamentais e humanos foram sendo instituídos pau- latinamente, com diferentes gradações e nuances até a Idade Média, nos sistemas absolutistas e feudais, dependentes de iniciativas locais, de reis e nobres, com a participação ou a conivência das igrejas. Lopes (2011), ci- tando Bobbio (1992), descreve que embora possa parecer uma contradição aproximar os direitos humanos do Estado absoluto, foi esse contexto que possibilitou o desenvolvimento e a proclamação dos direitos do homem e do cidadão. Os direitos humanos eram resultado das lutas do povo pelo exercício real dos direitos idealmente concebidos, cujas razões, se quisermos compreendê-las, devem ser buscadas não mais na hipótese do estado de natureza, mas na realidade social da época e suas contradições. O jurista Karel Vasak, conforme Franco Filho (2008), buscou demons- trar a evolução dos direitos humanos utilizando a expressão “gerações”. Nesse processo, a “primeira geração” de direitos humanos reconhecidos se instituiu na fase de resistência aos poderes dos monarcas absolutistas, em decorrência do enfrentamento da burguesia como classe organizada, pela salvaguarda de direitos individuais básicos, tais como: da preservação de sua vida, de sua liberdade e da possibilidade de constituírem patrimônio, sem que este fosse confiscado pela exigência de tributos excessivos. O feudalismo em decadência começaria a dar lugar ao capitalismo. 122 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 Direito humano à alimentação adequada O marco dos direitos documentado foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembleia Nacional Francesa em 26 de agosto de 1789. A Declaração proclama que todos os cidadãos devem ter garantidos os direitos de “liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão”. A “segunda geração” de direitos humanos nasce das lutas sociais que buscavam uma maior defesa das condições necessárias ao desen- volvimento pleno da humanidade, tendo como protagonistas as classes operárias, que surgiram e se organizaram como consequência da indus- trialização na Europa. Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado assume o papel de administrador da sociedade e mediador de conflitos e, por meio de laços internacionais, se estabelece um núcleo fundamental de Direitos Humanos Internacionais, se intensificando o processo de inter- nacionalização que se encerra na elaboração da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), de 1948, que pretende tornar universal o reconhecimento dos Direitos Humanos (Vieira Junior, 2015). A partir da instituição da Declaração Universal de Direitos Humanos, se consolida a perspectiva de que os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser providos e respeitados, bem como se consagra um consenso acerca dos valores a serem seguidos por todos os Estados, compreendidos como um conjunto de direitos universais. O processo de internacionalização pode ser creditado, em especial, à ideia de que a existência de um efetivo sistema de proteção internacional evitaria futuras violações, como as praticadas durante a Segunda Guerra, assim como possibilitaria a responsabilização internacional do Estado em caso de omissão, violação e falta de reparação (Corrêa; Oliveira, 2019). As denominadas “terceira e quarta gerações” de direitos não possuem uma identificação clara dos agentes operadores, pois emergiram dos ape- los de uma sociedade massificada, visando à preservação dos interesses coletivos ou difusos relacionados com a proteção do meio ambiente, a preservação do patrimônio histórico e cultural, a qualidade de vida nos ambientes urbano e rural, a tutela sobre a comunicação social, a bioética, Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 123 Aguiar, O.B.; Padrão, S.M. a ampliação dos direitos políticos, a autodeterminação dos povos, o amplo acesso à informação e a preservação da privacidade. Alguns novos direitos são apenas os antigos adaptados às novas exigências do momento, isto é, alguns dos direitos fundamentais da primeira e da segunda geração estão sendo revitalizados e até mesmo ressignificados, obtendo impor- tância, de modo especial, em face das novas formas de agressão que se expressam nas sociedades na atualidade (Soares, 2019). Observa-se que a denominação apresentada, em relação às diferentes gerações de direitos, considera apenas sua sequência histórica, sem aden- trar no mérito acerca da universalidade, indivisibilidade e interdependên- cia entre os direitos, atributos consagrados pela Declaração dos Direitos Humanos de 1948. São declarados indivisíveis porque para a realização da cidadania e da dignidade humana a garantia de todos os direitos passa a ser igualmente imprescindível. Nesse sentido, os direitos não podem ser conflitantes, ou seja, a satisfação de um não pode justificar a não reali- zação de outros. E ainda, são interdependentes e inter-relacionados, pois a materialização de um direito é requisito para o exercício dos demais. A declaração procurava associar direitos civis e políticos com direitos econômicos, sociais e culturais, “unificando o discurso Liberal e Social através da harmonização de Liberdade e Igualdade” (Daly, 2011, p. 4). As normativas e as concertações, instituídas ao longo da história de reconhecimento dos direitos fundamentais e humanos, são frutos de longos processos de enfrentamento e conflitos na história da ampliação dos direitos dos povos, mas também avaliados como uma expressão da dinâmica colonial e imperialista do capitalismo, que busca, ainda hoje, manter, por meio desses instrumentos, países periféricos dependentes e subordinados à economia central e global (Soares, 2019). Não obstante, é possível identificar, a partir da metade do século passado, uma mudança na perspectiva do discurso dos direitos humanos, até então associado a uma tradição revolucionária, que passa a se afeiçoar, por meio de uma gramática de dignidade humana despolitizada e das políticas liberais, com o desenvolvimento capitalista e o próprio colonialismo (Corrêa; Oliveira, 2019). 124 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 Direito humano à alimentação adequada É necessário admitir que os avanços são inquestionáveis na insti- tuição de diretos e que as lutas sociais pela concretização de políticas públicas que garantam a materialização e o reconhecimento continuam e se acirram. Assume-se, contudo, que os direitos humanos no mundo não se materializaram nem estão garantidos de forma universal e equânime, em especial o direito humano à alimentação adequada (DHAA) e em paí- ses periféricos, mesmo após a constituição de normativas e arcabouços legais e jurídicos, inclusive acordos internacionais que promoveram as condições de exigibilidade. Nesse aspecto, a avaliação de Corrêa e Oliveira (2019, p. 31) expressa uma posição que parece ser inequívoca: “Embora o processo de internacionalização dos direitos humanos seja concebido hegemonicamente como linear e consagrador de uma sociedade justa, a realidade invisibilizada — mas, perturbadora — desse processo é que no mundo atual a maioria esmagadora da população não é sujeito de direitos humanos, e sim meros objetos dos discursos pelos quais essa hegemonia se forma”. É forçoso reconhecer que a história das lutas sociais mais recentes, pela conquista de direitos, caminha passo a passo com a consolidação e a hegemonia do capitalismo e da sociedade de classes no mundo. Con- traditória, a sociedade de classes ostenta direitos civis, sociais e políticos que se propõe a garantir e, dialeticamente, contribui com a manutenção da exploração estrutural promovida pelo capital. É peculiar que as lutas pelos direitos humanos se originem de condições exasperantes dos explo- rados e dos oprimidos, mas deságuem em alguma forma de distribuição de proteções, garantias, deveres e responsabilidades que são típicas do capitalismo, mas que não atentam contra o fundamental de sua socia- bilidade (Mascaro, 2017). Essas considerações não têm a intenção de esgotar nem simplificar o tema entendido como um grande desafio do mundo contemporâneo, que envolve dilemas insolúveis e inegociáveis, diferentes conceitos, ca- tegorias, abordagens políticas e ideológicas, além de análises teóricas que tratam de violações de direitos. A intenção é discutir o DHAA como um direito indivisível da situação de fome, pobreza e desigualdade social Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 125 Aguiar, O.B.; Padrão, S.M. da população, embora possa parecer contraditório, como os direitos de liberdade e igualdade, por vezes, avaliados como divisíveis. E ainda reconhecer a luta por direitos legítima e como uma ferramenta de resis- tência cultural, política e social, em especial nas ditaduras e nos regimes fascistas (Soares, 2019). Nessa direção, o objetivo deste ensaio é apreender a realidade social, reconstruindo o processo histórico de instituição dos direitos humanos, em especial do direto humano à alimentação adequada protagonizado, em grande medida, pelas classes sociais, sendo, portanto, resultado dinâmico da ação humana, além da possibilidade de sua materialização ante os fenômenos da fome, da pobreza e da desigualdade social como reflexos da realidade. O direito humano à alimentação adequada é o objeto desta reflexão contextualizado no cenário do Brasil, percebido como parte de uma totalidade concreta integrante dos direitos humanos fundamentais, e cuja instituição é intrínseca às lutas e aos direitos conquistados pelos movimentos sociais, em permanente confronto com os interesses da acu- mulação capitalista. Nesse contexto, a fome, a pobreza e a desigualdade social são entendidas como expressões das contradições da sociedade capitalista que constituem a questão social. No sentido debatido por Iamamoto (1998, p. 27), “a questão social é apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura”. 2. A origem e controvérsias do direito humano à alimentação adequada O acesso permanente aos alimentos é considerado uma condição fundamental para a manutenção da vida de todos os indivíduos. Nes- se sentido, é inscrito como um direito inalienável e reivindicado como direito humano. Estar livre da fome e se alimentar regularmente com alimentos de qualidade são pressupostos para a materialização de outros direitos, portanto, indivisíveis e que afiançam a cidadania dos indivíduos (ONU, 1966). 126 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 143, p. 121-139, jan./abr. 2022 Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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