Teoria da Pena PDF
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This document covers the theory of punishment. It discusses different theories and systems of punishment, along with important concepts like the application of penalties. The document includes the study of different aspects of the theory, providing a broad overview of the subject.
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TEORIA DA PENA ÍNDICE 1. VIAS DO DIREITO PENAL E FINALIDADE DA PENA............................................. 4 Vias do Direito Penal.......................................................................................
TEORIA DA PENA ÍNDICE 1. VIAS DO DIREITO PENAL E FINALIDADE DA PENA............................................. 4 Vias do Direito Penal.............................................................................................................................................................4 Finalidade da Pena.................................................................................................................................................................4 2. COMINAÇÃO DE PENAS E CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS..................................7 Cominação da Pena...............................................................................................................................................................7 3. JUSTIÇA RESTAURATIVA E TEORIAS RELACIONADAS ÀS PENAS................9 Justiça Restaurativa ou Terapêutica.......................................................................................................................... 9 4. FIXAÇÃO DA PENA: SISTEMA TRIFÁSICO E PRIMEIRA FASE..........................11 Sistema Trifásico..................................................................................................................................................................... 11 Primeira Fase.............................................................................................................................................................................. 11 5. FIXAÇÃO DA PENA: SEGUNDA FASE - APLICAÇÃO DAS ATENUANTES E AGRAVANTES......................................................................................................................14 Genéricas x Específicas......................................................................................................................................................14 Cálculo............................................................................................................................................................................................14 Aplicação Compulsória......................................................................................................................................................14 Parâmetro....................................................................................................................................................................................15 Atenuantes Genéricas (arts. 65 e 66)......................................................................................................................16 6. REINCIDÊNCIA................................................................................................................ 18 Conceito e Natureza Jurídica.........................................................................................................................................18 É Constitucional?....................................................................................................................................................................18 Quando se Verifica?..............................................................................................................................................................18 Relação Entre Crime e Contravenção Penal.......................................................................................................19 Temporariedade......................................................................................................................................................................19 Distinção.....................................................................................................................................................................................20 Consequências.......................................................................................................................................................................20 7. FIXAÇÃO DA PENA: TERCEIRA FASE - APLICAÇÃO DAS CAUSAS DE DI- MINUIÇÃO E AUMENTO DA PENA................................................................................. 21 Genéricas x Específicas......................................................................................................................................................21 Como Identificar?...................................................................................................................................................................21 Cálculo............................................................................................................................................................................................21 8. FIXAÇÃO DO REGIME PRISIONAL DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.23 Regimes de Cumprimento de Pena.........................................................................................................................23 Regra Geral Para a Reclusão.........................................................................................................................................23 Regra Geral Para Detenção........................................................................................................................................... 24 Pena Base no Mínimo Legal e Regime Prisional Mais Severo............................................................... 24 Crimes Hediondos................................................................................................................................................................25 9. PROGRESSÃO DE REGIME......................................................................................... 26 Introdução................................................................................................................................................................................. 26 Progressão de Regime Especial.................................................................................................................................27 Questões..................................................................................................................................................................................... 28 10. PENA DE MULTA......................................................................................................... 29 Conceito...................................................................................................................................................................................... 29 Sistema Bifásico de Aplicação.................................................................................................................................... 29 Multa Ínfima.............................................................................................................................................................................. 29 Pagamento................................................................................................................................................................................ 29 E se não pagar?.....................................................................................................................................................................30 Aspectos Finais......................................................................................................................................................................30 11. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS......................................................................... 31 Características...........................................................................................................................................................................31 Requisitos.....................................................................................................................................................................................31 Quantas PRDs Cumprir?..................................................................................................................................................32 Prestação Pecuniária (art. 45, CP).............................................................................................................................32 Perda de Bens e Valores...................................................................................................................................................32 Prestação de Serviços à Comunidade ou a Entidades Públicas (art. 46, CP).......................... 33 PRD e Crimes Hediondos...............................................................................................................................................34 Conversão da PRD em PPL..........................................................................................................................................34 PRD Suspende Direitos Políticos...............................................................................................................................34 1. Vias do Direito Penal e Finalidade da Pena Vias do Direito Penal São as maneiras como o Direito Penal será utilizado a fim de punir o sujeito que comete um delito. A chamada primeira via do Direito Penal é, obviamente, a primeira que surgiu e a mais clássica: a aplicação da pena privativa de liberdade. Em seguida, a pena restritiva de direitos também se enquadrou na primeira via. Então, a forma mais essencial do Direito Penal é a aplicação desta sanção, que é a sua primeira via. A segunda via do Direito Penal é a aplicação de uma medida de segurança, através de uma sentença absolutória imprópria. Sabe-se que a imputabilidade é um dos elementos da culpabilidade. Quando o sujeito não tem as suas faculdades mentais, mas comete um fato típico e antijurídico, ele será submetido a uma medida de segurança, e não a uma pena privativa de liberdade, que consistirá em internação ou em tratamento ambulatorial, a depender da gravidade do delito e do seu grau de sanidade (pela dicção do Código Penal, apenas a gravidade do delito seria levada em conta, mas a doutrina e a jurisprudência entendem que desconsiderar outros fatores seria desarrazoado). Por fim, a terceira via do Direito Penal é a sua expressão mais moderna e que começa a enxergar a vítima como a principal ou uma das principais interessadas no processo penal. Logo, a reparação do dano que ela sofreu é o enfoque desta via penalista, objetivando que a vítima tenha seu prejuízo ressarcido. Inclusive, neste sentido, se a ação for penal pública condicionada à representação ou privada e houver um acordo homologado, haverá renúncia tácita ao direito de queixa ou representação. O legislador se preocupa com a reparação do dano ao ponto de, nos crimes em que o interesse da vítima é tão grande quanto ou até maior que o interesse do Estado em responder à conduta, entender que a reparação do dano basta e que o acordo aceito pela vítima faz com que ela não possa futuramente representar ou iniciar uma ação penal contra o sujeito ativo (art. 74, parágrafo único, Lei 9.099/1995). Isto ocorre porque a vítima se sente mais satisfeita com esse acordo do que com uma punição sancionatória mais baixa, além de estimular o réu a reparar o dano, pois ele não receberá pena privativa de liberdade ou pena restritiva de direitos. É também neste sentido que existe, por exemplo, o arrependimento posterior, em que o réu busca reparar o dano após o crime e tem sua pena diminuída (não é acordo). Finalidade da Pena TEORIA ABSOLUTA Para que existe a pena? A primeira teoria acerca do tema foi a Teoria Absoluta, que defendia ser a pena um simples castigo pelo mal injusto causado pelo sujeito, sem mais nenhuma finalidade. Ele cometeu um delito e receberá uma punição apenas. Era o caso, 4 por exemplo, da Lei de Talião. Quem defendia essa finalidade eram Kant e Hegel. Kant, inclusive, elabora uma situação em que uma ilha é habitada por centenas de pessoas e há um ordenamento jurídico interno. Um sujeito comete um delito e é preso. Porém, enquanto ele está preso, a ilha começa a inundar. O preso deve ser liberado para não morrer afogado? Kant entende que a pena é um castigo e o sujeito deve permanecer preso até o fim do seu castigo, mesmo que isso importe na sua morte. A crítica da Teoria Absoluta é que a pena passa a ser uma vingança. Claro que a vingança é algo natural do ser humano que deseja ver a pessoa punida, mas há uma crítica quando o papel assume o papel mais vingativo. TEORIA RELATIVA OU UTILITÁRIA Segundo a Teoria Relativa ou Utilitária, a pena tem uma finalidade primordial de prevenir a prática de um novo crime, ou seja, a pena não existe simplesmente para punir o sujeito que praticou a conduta proibida, mas sim para evitar que novos crimes sejam praticados. Neste sentido, ela serve tanto para evitar que o próprio sujeito volte a delinquir quanto que os demais sujeitos da sociedade cometam aquele delito. Quando se fala em prevenção geral, o objetivo é que toda a sociedade veja a consequência de praticar aquele delito e evite delinquir. É um “recado” dado a todos: quem cometer este crime, sofrerá esta punição. Por isso é chamada de geral, porque ela busca prevenir genericamente a prática do crime. A prevenção geral pode ser negativa ou positiva. Na negativa, é como se o Estado dissesse: não pratiquem crimes. É negativa exatamente porque reforça um não fazer, um não cometer crime (é geral porque se volta a todos e negativa porque determina que não se cometa o crime). Já na prevenção geral positiva, o Estado busca reafirmar o seu próprio sistema penal. É positiva porque busca demonstrar a todos (geral) que aquele sistema segue forte, segue válido, segue positivo. Critica-se a prevenção geral, negativa e positiva, pela utilização da pessoa como um meio. As pessoas, segundo esta crítica, é um fim em si mesmo, jamais exemplo para as demais. A prevenção também pode ser especial e o raciocínio é simples: enquanto a prevenção geral se volta a todos, a prevenção especial é específica em relação ao criminoso. É um recado para aquele sujeito que recebe a pena. Ela será negativa quando busca evitar que o criminoso volte a cometer um crime: não cometa outro crime, não seja reincidente, porque será novamente punido. Ela será positiva quando busca a ressocialização, a reinserção do indivíduo na sociedade. Critica-se, evidentemente, a real efetividade da ressocialização, porque, na prática, dificilmente o indivíduo se ressocializa. É mais comum, inclusive, que o sujeito saia “pior” do presídio. 5 TEORIA MISTA É uma espécie de mistura das teorias absoluta e relativa. A pena teria três fins: retribuir o mal causado (conforme Teoria Absoluta), prevenção geral e prevenção especial (conforme Teoria Relativa). E, conforme demonstra a redação do art. 59 do Código Penal, é a teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro. Portanto, no Brasil, a pena busca castigar o condenado e também prevenir que o próprio sujeito e que toda a sociedade venha a praticar o delito novamente. Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do aagente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. 6 2. Cominação de Penas e Classificação das Penas Cominação da Pena Cominar uma pena é a determinação em abstrato de qual será a pena para aquela conduta. Segundo o princípio da legalidade, só haverá punição criminal quando a conduta estiver descrita em lei e também houver uma pena cominada no dispositivo legal. Portanto, cominação é a determinação dos limites da pena em abstrato. O art. 121, CP, por exemplo, determina que quando alguém mata outra pessoa receberá uma pena de 6 a 20 anos (essa é a pena cominada, a pena em abstrato). Se o Tribunal do Júri, após um homicídio, estabelece uma pena de 12 anos para o acusado, ela será uma pena concreta, uma pena aplicada. A pena pode ser cominada isoladamente, ou seja, existe apenas uma pena no preceito secundário (o preceito primário é a descrição do crime, como o “matar alguém”, ao passo que o preceito secundário é a cominação da pena, como o “de 6 a 20 anos de reclusão”). No próprio tipo do homicídio, a pena será de 6 a 20 anos de reclusão, ou seja, existe apenas uma pena possível: a pena privativa de liberdade na modalidade de reclusão (art. 121, CP). A pena também pode ser cominada cumulativamente, ou seja, o preceito secundário apresenta duas penas diferentes. Por exemplo, o crime de roubo apresenta a pena de reclusão de 4 a 10 anos, além da multa. Portanto, o legislador cominou duas penas diferentes: a pena privativa de liberdade na modalidade de reclusão e a pena de multa. Ainda, apesar de mais incomum, a pena pode ser cominada paralelamente, quando o preceito secundário prevê duas modalidades da mesma pena. Por exemplo, que casa com um bígamo, sabendo dessa condição, é punido com 1 a 3 anos de reclusão ou detenção. Portanto, a pena será privativa de liberdade, mas pode variar entre a modalidade de detenção e de reclusão (a última é mais grave). Por fim, existem penas cominadas alternativamente, quando há duas penas, mas somente uma delas será aplicada no caso concreto. Por exemplo, no caso de injúria, o infrator será punido com a detenção de 1 a 6 meses ou com a pena de multa. Logo, o sujeito não será condenado por ambas as penas, mas a uma das duas possíveis. Classificação das Penas Através do critério constitucional, somente se considera pena aquilo que a Constituição Federal prevê como pena. Conforme o art. 5º, XLVI, as penas constitucionais, em rol exemplificativo, são a privação ou restrição de liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa e suspensão ou interdição de direitos. Ainda, a Constituição proíbe algumas penas no ordenamento jurídico, ou seja, o legislador até pode criar novas penas, mas não as listadas no art. 5º, XLVII, CF. As penas vedadas 7 na CF são a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, degredo ou desterro e cruéis. Também existe o critério do Código Penal, ou seja, é pena o que está prevista neste diploma. Conforme seu art. 32, são pena a privativa de liberdade, a restritiva de direto e a multa. A pena também pode ser classificada conforme o bem jurídico que ela atinge. A pena privativa de liberdade, evidentemente, implica em limitação ao direito de locomoção do condenado, é a prisão. A pena restritiva de liberdade, por sua vez, até limita, mas não de forma absoluta, a liberdade do condenado. A pena de multa afeta somente o patrimônio do sujeito. A pena restritiva de direitos limita alguns direitos específicos, mas não a liberdade. As penas corporais, vedadas, ofendem a integridade física do sujeito. 8 3. Justiça Restaurativa e Teorias Relacionadas às Penas Justiça Restaurativa ou Terapêutica É muito comum, como já afirmado, que a simples punição estatal não seja capaz de satisfazer a vítima. Neste sentido, com o Direito Penal cada vez mais preocupado com aquele que sofreu prejuízo, passa-se a buscar tratar o conflito penal por mediação, ou seja, fazer com que sujeito ativo e passivo se entendam e cheguem a um acordo entre si. Os crimes podem afetar bens jurídicos indisponíveis, mas também apenas bens disponíveis da vítima, como seu patrimônio, quando um acordo ou uma restauração dos danos pode ser suficiente. Isto também é importante porque o Estado costuma se preocupar em punir o criminoso, mas não em ressarcir a vítima. Se, por exemplo, um vizinho furta ou comete um estelionato contra outro, seria mais interessante que eles chegassem a um consenso. Em outros termos, justiça restaurativa é o oposto de justiça retributiva, representando um modelo novo e mais atual da justiça penal. A justiça retributiva parte da ideia de que todo e qualquer crime ofende algum interesse do Estado, motivo pelo qual o processo penal é marcado por meios formais, rígidos e inflexíveis. Logo, o Estado sempre há de estar presente na aplicação da lei penal. Na justiça restaurativa, por outro lado, entende-se que nem todos os crimes ofendem o interesse do Estado, pois muitos se restringem ao interesse do agressor e da vítima. É possível a solução destes problemas somente com a participação destes e da comunidade, sem a participação do Estado. Existe, inclusive, segundo parte da doutrina, uma parcela disso naquela disposição de que o acordo em ação penal privada ou pública condicionada à representação do ofendido implica em renúncia à queixa ou à representação. Por exemplo, em um estelionato (ação pública condicionada), seria possível o acordo e, assim, nem haveria mais processo penal.: Teorias Relacionadas à Pena. TEORIA DAS JANELAS QUEBRADAS OU BROKEN WINDOWS THEORY: É uma teoria mais vinculada à Criminologia do que ao Direito Penal em si. Ela surge para estudar a relação entre a pobreza e o Direito Penal. Desenvolvida em 1969 na Universidade de Stanford, Califórnia, por Philip Zimbardo. Ele e sua equipe abandonaram dois carros idênticos em Palo Alto e Bronx, locais de grande diferença social do país. Uma semana depois, o carro do Bronx foi completamente destruído e foi levado tudo que podia ser levado. No Palo Alto, porém, o carro estava intacto. Eles quebraram o vidro deste carro e, uma semana depois, este carro também estava depredado. Concluiu-se que não é a pobreza que determina a prática de crimes, mas a ausência do Estado e a sensação de abandono. A teoria propõe que o Estado puna com rigor todo e qualquer 9 crime, qualquer que seja sua gravidade, sob pena de incentivar indiretamente a prática de crimes mais graves. Em 1982, James Wilson e George Kelling, desenvolvendo ainda mais a teoria, constatam que a prática de crimes é maior nos locais em que o Estado está ausente por descuido, abandono, sujeira e etc. Esta teoria foi colocada em prática em Nova Iorque, na década de 1980, quando a cidade estava dominada pela criminalidade e suas máfias. O prefeito Rudolph Giuliani desenvolveu o movimento de lei e ordem (law and order). Dali em diante, nenhum ilícito, por menor que seja, seria punido com rigor, pois isto estimula a sensação de abandono. É a Política de Tolerância Zero, despencando os índices de criminalidades da cidade. TEORIA DOS TESTÍCULOS QUEBRADOS OU DESPEDAÇADOS OU BROKEN BALLS THEORY É comum que uma estrutura criminosa não seja totalmente eliminada de certo local, seja por ineficiência da lei, seja por impossibilidade fática. Esta teoria prega que o monitoramento constante faz com que essas pessoas mudem de localidade. Ela surge na Universidade de Chicago, fruto da experiência policial no combate à criminalidade. Quando ela começa a acompanhar e monitorar de perto potenciais criminosos, a pessoa tende a abandonar o propósito criminoso e se deslocar a outra localidade. TEORIA DO ABOLICIONISMO PENAL É um movimento doutrinário que surge na Noruega e na Holanda. Propõe a descriminalização da maioria das condutas e a despenalização das demais. As cifras negras do Direito Penal são os crimes praticados e que não chegam ao conhecimento do Estado, ou, quando chegam, não chegam a alguma resposta efetiva. As estatísticas revelam que a maioria dos crimes não são punidos, de forma que o Estado sobrevive com a não punição. Logo, todo o dinheiro gasto com o Direito Penal poderia ser aplicado com outras coisas mais eficientes. Luigi Ferrajoli, pai do garantismo penal, diz que o abolicionismo penal é uma utopia. Neste sentido, as cifras negras são os crimes que não chegam ao conhecimento do Estado. As cifras douradas são os crimes econômicos. As cifras verdes são os crimes ambientais de difícil constatação. As cifras rosas são as relacionadas à violência de gênero e orientação sexual. As cifras cinzas são as infrações resolvidas já na própria delegacia. 10 4. Fixação da Pena: Sistema Trifásico e Primeira Fase Sistema Trifásico A aplicação da pena é um ato discricionário juridicamente vinculado. Ela não é uma tarefa automatizada, não pode ser feita em procedimento padrão eletrônico, por exemplo, por respeito ao princípio da individualização da pena. O magistrado tem liberdade para fixar a pena no caso concreto, de forma fundamentada, mas há limites legais aos quais ele deve se ater. No passado, houve intenso debate doutrinário sobre como deveria ser aplicada a pena e quantas fases este processo teria. Apesar de alguns defenderem métodos bifásicos e até de quatro fases, prevaleceu, quanto à pena privativa de liberdade, o método trifásico, desenvolvido por Nelson Hungria (para a pena de multa, aplica-se o critério bifásico). Está inserida no art. 68 do Código Penal. Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. A primeira fase é prevista no art. 59 do Código Penal e é chamada de pena base. O juiz irá analisar uma série de circunstâncias relacionadas ao crime, previstas no dispositivo citado, e definir uma pena dentro dos limites abstratamente impostos (por exemplo, se for roubo, entre 4 e 10 anos). Ele jamais, na primeira fase, pode extrapolar os limites da pena abstrata. Na segunda fase, o juiz aplica as circunstâncias agravantes e atenuantes em relação à pena base. Costuma-se utilizar sempre um aumento ou uma diminuição de 1/6, mas sempre respeitando os limites abstratos. Por fim, na terceira fase, aplicam-se as causas de aumento e de diminuição de pena, frações que alteram a pena do delito e que podem resultar em pena maior ou menor que a própria pena abstrata. Como dito, a multa respeita um critério bifásico, previsto no art. 49 do Código Penal (primeiro número de dias-multa, pelos mesmos critérios da pena privativa de liberdade, e depois o valor do dia-multa, a partir de critérios econômicos. Primeira Fase Código Penal Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. 11 Portanto, o juiz deve se ater aos oito critérios listados acima para escolher uma pena entre o limite máximo e mínimo. Por exemplo, a pena base do homicídio deve ficar entre 6 e 20 anos, jamais mais, jamais menos. Portanto, se todas as circunstâncias forem favoráveis, 6 anos; se todas forem desfavoráveis, 20 anos. O Código Penal não diz quanto aumenta e quanto diminui uma circunstância judicial, logo, o juiz não pode extrapolar a pena prevista pelo próprio legislador. Por exemplo, se entre a pena máxima e mínima há 16 anos, cada circunstância deve valer 2 anos (16 anos dividido por 8 circunstâncias). O que é o crime qualificado? É uma situação que altera a pena cominada do crime, ou seja, a pena abstrata. Por exemplo, o homicídio qualificado passa a ter pena de 12 a 30 anos, de forma que a pena base deve ficar nesse intervalo. E se há duas qualificadoras no caso concreto? O juiz a utiliza exatamente para qualificar o crime, ou seja, alterar o intervalo das penas. A segunda pode ser utilizada como agravante ou como causa de aumento de pena, se houver previsão assim. Se não existir, será uma circunstância judicial desfavorável para aumentar a pena base. O art. 59 fala em culpabilidade, que substitui o que antes se chamava de intensidade do dolo e grau da culpa. Esta culpabilidade, circunstância judicial do art. 59, é a mesma da Teoria do Crime? Não, o Código Penal cometeu um erro, pois a culpabilidade agora estudada deveria ser chamada de “grau de culpabilidade”, como o próprio STF já afirmou (Info 724). Todo agente culpável envolvido na prática de um crime será condenado, variando sua pena a depender do seu grau de culpabilidade. O comportamento da vítima é outra circunstância do art. 59 do Código Penal. Segundo o STJ, é uma circunstância neutra: se a vítima não interferiu, a pena fica igual; se a vítima “colaborou” com o crime, a pena base do réu será diminuída. Portanto, ela jamais iria piorar a situação do réu. Por exemplo, alguém saca dinheiro no banco e fica na rua contando as cédulas. Isso não justifica o crime, mas auxilia na sua ocorrência, diminuindo um pouco a pena do agente. Isto jamais deve ser utilizado para diminuir pena base em crimes sexuais. O dispositivo também fala dos antecedentes criminais. Os “bons” antecedentes seriam a simples ausência de situações com a justiça criminal. Se, porém, o juiz encontra “problemas” criminais, o sujeito tem maus antecedentes – é uma relação criminal, pouco importando dívidas, atos infracionais e etc. O que caracteriza os antecedentes? São apenas condenações definitivas do réu, ou seja, com trânsito em julgado, em respeito ao princípio da presunção de inocência ou de não culpabilidade. a: 12 Súmula 444, STJ: é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.. Qual é a validade dessa condenação anterior para fins de antecedentes, ou seja, vale por quanto tempo? Na reincidência, o Código Penal adota o sistema da temporariedade – a condenação vale por 5 anos após a extinção da pena para configuração de reincidência. Para fins de antecedentes, o diploma é silente. Existiam duas posições. A primeira dizia que ela valia por 5 anos, pois este é o teto da reincidência. Porém, prevalece que os antecedentes valem para sempre, adotando- se o sistema da perpetuidade, conforme entendimento do STF em repercussão geral reconhecida. 13 5. Fixação da Pena: Segunda Fase - Aplicação das Atenuantes e Agravantes Genéricas x Específicas As circunstâncias agravantes e atenuantes podem ser genéricas ou específicas. O nome ajuda bastante no raciocínio. As agravantes genéricas são aquelas que se aplicam a todos os crimes indistintamente, e, portanto, estão na Parte Geral do Código Penal. É o caso, por exemplo, da reincidência. As específicas, por outro lado, estão no próprio tipo penal ou na legislação extravagante e se aplicam só aos crimes específicos aos quais se referem. É o caso, por exemplo, da agravante de cometer crime de trânsito utilizando-se de veículo sem placas, com placas falsas ou adulteradas (art. 298, II, Código de Trânsito Brasileiro). Essa agravante não se aplicaria a um crime de estupro, mas sim a uma lesão corporal culposa cometida no trânsito. Cálculo Assim como ocorre com as circunstâncias judiciais (aqueles elementos do art. 59 que compõem a primeira fase da dosimetria da pena), o Código Penal não indica qual o valor das atenuantes e das agravantes. O STF, na AP 470, definiu que deve se considerar a fração de 1/6. Mais uma vez, se o legislador não previu o montante, não pode o julgador extrapolar os limites legais nessa fase. E por que 1/6? Porque esse é o menor valor de causa de aumento ou de causa de diminuição de pena previstos na legislação penal. Por exemplo, uma pena base de 6 anos com uma agravante resultará em 7 anos, desde que a pena máxima em abstrato do crime não seja inferior a isso. Da mesma forma, se fosse uma atenuante, a pena resultante seria de 5 anos, desde que a pena mínima em abstrato não fosse maior que isso. Aplicação Compulsória Não cabe ao juiz deixar de aplicar alguma agravante ou alguma atenuante que esteja presente no caso concreto, ou seja, sua aplicação é compulsória. E se tiver, por exemplo, duas agravantes e uma atenuante? Em regra, uma atenuante e uma agravante se compensam entre si, ou seja, uma agravante e uma atenuante implicam na manutenção da pena base. Contudo, existem as circunstâncias preponderantes, que são algumas agravantes ou atenuantes que compensam a outra, mas ainda assim aumentam ou diminuem um pouco, conforme redação do art. 67 do Código Penal. Ela “compensa, mas não muito”. As 14 circunstâncias preponderantes são as relacionadas aos motivos do crime, à personalidade do agente e à reincidência. Art. 67 - No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.. Por exemplo, o agente tem a atenuante do desconhecimento da lei e a reincidência. Como a reincidência é preponderante, não haverá total compensação, mas sim um leve aumento da pena perto de 1/6. Parâmetro Não importa a quantidade de agravantes e atenuantes, a pena jamais poderá extrapolar os limites legais, porque o Código Penal nunca indicou a quantidade de aumento ou diminuição delas (1/6 é uma construção jurisprudencial). Jamais o fim da segunda fase do homicídio, por exemplo, poderá resultar em pena menor do que 6 anos ou maior do que 20 anos. Súmula 231, STJ: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Agravantes Genéricas (arts.61 e 62, CP) As agravantes genéricas estão previstas em um rol taxativo nos arts. 61 e 62, aumentando, cada uma delas, em 1/6 a pena da primeira fase. É taxativo porque são situações que prejudicam o réu, logo, pelo princípio da legalidade, devem estar expressas em lei. As agravantes são de incidência obrigatória, ou seja, o juiz não pode deixar de aplicá-las no caso concreto, desde que não caracterizem bis in idem. Por exemplo, não se pode aplicar as agravantes de crime contra criança e de crime contra descendente no crime de infanticídio. A reincidência ainda será melhor estudada. Outras agravantes são o motivo fútil ou torpe (matou por dívida, por exemplo), a prática para ocultar ou assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime (o sujeito que esconde o cadáver da vítima), a traição, emboscada, dissimulação ou recurso que dificulte a defesa do ofendido (dopar a vítima), emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou que resulte perigo comum. 15 Também são agravantes cometer crime contra ascendente, descendente irmão ou cônjuge, abusar de autoridade, prevalecer de relação doméstica ou coabitação e hospitalidade, abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão (como o padre que abusa de um jovem), crime contra criança, maior de 60, enfermo ou grávida. Ainda, quando o ofendido estava em proteção da autoridade, em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou calamidade pública ou desgraça particular do ofendido. E a pandemia? Os crimes praticados durante a pandemia devem receber essa agravante genérica? Está prevalecendo que não, porque a finalidade da agravante é punir o indivíduo que se utiliza de uma calamidade que facilita a prática do crime, o que não é o caso da COVID-19, como quando há uma enchente e as pessoas saem de casa por isso e o sujeito furta a residência. O estado de embriaguez preordenada também é caso de agravante genérica, que é a situação do sujeito que bebe para conseguir cometer um crime posteriormente. Haverá agravantes relacionadas ao concurso de pessoas. A primeira delas é para aquele que promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais, bem como aquele que coage ou induz a execução do crime, aquele que instiga ou determina a cometer crime alguém que está na sua autoridade ou que seja não-punível pela sua qualidade pessoal (como o professor que faz com que seu aluno cometa um crime consigo). Também é o caso de quem executa o crime ou nele participa mediante paga ou promessa de recompensa. Atenuantes Genéricas (arts. 65 e 66) As atenuantes genéricas estão previstas em rol exemplificativo, pois são situações benéficas ao réu. Logo, podem ser ampliadas pelo juiz no caso concreto. A primeira é ser o agente menor de 21 anos, na data do fato, ou maior de 70 anos, na data da sentença (é a mesma regra que diminui a prescrição pela metade). O objetivo é não atrapalhar tanto a vida de quem ainda tem muito tempo para se organizar e mudar de vida, bem como aquele que já está em seu trecho final e cujo cárcere poderia ser mais difícil pela maior fragilidade. Também atenuam a pena o desconhecimento da lei, o motivo de relevante valor social ou moral (quem mata o estuprador da região), aquele que busca reparar ou minorar as consequências ou o dano, com eficiência, antes do julgamento. É o caso, ainda, do crime de quem comete sob coação resistível ou em relação de ordem de autoridade superior e em influência de violenta emoção provocada por ato injusto, de quem confessa espontaneamente o crime, assim como quem comete sob influência de multidão, salvo se foi quem a provocou. 16 Ainda, por fim, cabe a atenuação da pena por circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, mesmo que não prevista em lei, situação que comprova o rol ser exemplificativo. A doutrina indica a coculpabilidade, que é a ideia de que o Estado deveria dar condições melhores de vida às pessoas, de forma que um sujeito que não tenha seus direitos fundamentais garantidos e comete um crime tem uma reprovabilidade menor. Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. 17 6. Reincidência Conceito e Natureza Jurídica A reincidência, como visto, é uma agravante genérica preponderante de natureza subjetiva ou pessoal. Ela é conceituada como a situação do agente que comete novo crime após uma sentença transitada em julgado, no Brasil ou no exterior, que o condenou por crime anterior. Qual a justificativa do tratamento mais gravoso para o reincidente? A pena tem finalidade de retribuição e prevenção (geral e especial). Quando o sujeito é reincidente, é possível dizer que houve falha na retribuição e na prevenção da pena. A retribuição é um castigo, que foi tão insuficiente que o agente voltou a delinquir. Evitou também a prevenção especial, pois não evitou a reincidência e não ressocializou o condenado. Logo, a nova pena deve ser mais grave. É Constitucional? A Defensoria Pública sustenta a inconstitucionalidade por ser resquício de Direito Penal do autor, ou seja, se pune a pessoa por quem ela é, além de configurar bis in idem, ou seja, dupla punição pelo mesmo fato. O STF entende que é constitucional. Não é Direito Penal do autor, porque a perseguição não advém de quem o sujeito é, mas sim pelo fato de ele ter cometido novo crime, ou seja, é expressão do Direito Penal do fato. E a punição não é pelo crime anterior, mas sim pelo novo crime, até porque sequer haveria punição se ele não cometesse esse novo crime. Quando se Verifica? É importante perceber que, ao contrário do que muita gente acredita, não é o simples fato de o agente cometer dois crimes que o torna reincidente, mas sim o cometimento do crime após uma condenação definitiva por outro crime. Por exemplo, o sujeito cometeu um crime (C1). Em seguida, comete outro crime (C2). Após outro tempo, há a condenação definitiva por C1. Não há reincidência, pois o sujeito não tinha sido condenado definitivamente no momento que cometeu o crime. Da mesma maneira, vindo a condenação definitiva por C2, ele não será reincidente, porque, quando praticou o crime, ainda não tinha nenhuma condenação definitiva. Primeiro exemplo: João praticou o Crime1, sendo, algum tempo depois condenado defi- nitivamente por C1. Tempos depois, prática o Crime2. Neste C2, ele é reincidente. Segundo exemplo: João praticou C1. Tempos depois, praticou C2. Mais tempo depois, vem a condenação definitiva por C1 e a condenação definitiva por C2. Ele não é reincidente, porque, quando praticou C2, não existia nenhuma condenação definitiva anterior. Terceiro exemplo: João praticou C1, C2, C3, C4, C5, C6 e C7. Depois disso tudo, recebe a condenação definitiva pelo primeiro dos crimes e não pratica mais nenhum crime. Ele será 18 primário em todos os crimes (é o que a jurisprudência chama de tecnicamente primário). Quarto exemplo: sujeito comete C1 e é condenado definitivamente. Pouco tempo depois da condenação definitiva, comete C2. É reincidente. Quinto exemplo: sujeito comete C1 e é condenado definitivamente. Ele cumpre a pena, que é extinta, e, 6 anos depois, comete novo crime (C2). Não será reincidente, pois se ultra- passou o período depurador de 5 anos (após 5 anos do cumprimento da pena, o agente não é reincidente). PROVA Como se prova a reincidência de alguém? Segundo o STF e o STJ, basta a folha de antecedentes, pois é um documento público que goza de fé-pública, superando a doutrina que defendia a necessidade de certidão do processo em que houve a condenação. Relação Entre Crime e Contravenção Penal Conforme o art. 7º da Lei de Contravenções Penais, há reincidência quando o agente comete contravenção (i) depois de cometer crime no Brasil ou no estrangeiro; ou (ii) depois de cometer contravenção no Brasil. Portanto, se o sujeito comete um crime, onde quer que seja, é condenado em definitivo, e depois comete uma contravenção, há reincidência. Se ele comete uma contravenção no Brasil, é condenado definitivamente, e comete nova contravenção, é reincidente. Porém, se comete contravenção no exterior, é condenado, e, depois, comete contravenção no Brasil, não é reincidente. Em suma: a contravenção praticada no exterior não vale para fins de reincidência. O art. 63 do Código Penal, por sua vez, diz que há reincidência quando o agente comete crime depois de ter sido condenado definitivamente por crime, no Brasil ou no exterior. Portanto, há uma lacuna da lei: a contravenção com condenação definitiva seguida de crime não implica reincidência, por simples ausência de previsão legal. Infração Penal Anterior Infração Penal Posterior Resultado Crime Crime Reincidente Crime Contravenção Penal Reincidente Contravenção Penal no Brasil Contravenção Penal Reincidente Contravenção Penal Crime Primário Temporariedade Como afirmado, a reincidência perdura por 5 anos após a data do cumprimento ou extinção da pena, computado, inclusive, o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, desde que não haja revogação. Portanto, há este período depurador: depois que a pena é extinta (não após a condenação, mas sim após a extinção da pena), haverá exclusão da condenação anterior para fins de reincidência. 19 Se o sujeito recebe livramento condicional ou suspensão condicional da pena e ela não é revogada, o tempo que ele estava em prova é contado no prazo de 5 anos. Por exemplo, o sujeito foi condenado em 01/05/2020 e encerrou a pena em 01/05/2025. Até 01/05/2030, será reincidente se cometer novo crime. Após esta data, será primário de novo. Distinção O reincidente genérico é aquele que comete dois crimes distintos, como tráfico e furto. O reincidente específico comete dois crimes idênticos, como dois furtos. Consequências Há impacto na progressão de regime, no livramento condicional, na suspensão condicional da pena, do processo e penas restritivas de direitos, dificultando ou obstando tais benefícios. 20 7. Fixação da Pena: Terceira Fase - Aplicação das Causas de Diminuição e Aumento da Pena Genéricas x Específicas Assim como ocorre com as agravantes e atenuantes, também existem causas de aumento e de diminuição de pena genéricas e específicas. As causas de aumento e de diminuição de pena genéricas são aquelas previstas na Parte Geral do Código Penal e se aplicam a todos os crimes indistintamente. É o caso, por exemplo, da causa de diminuição de pena da tentativa ou da causa de aumento de pena do concurso formal próprio e do crime continuado. Por outro lado, existem causas de aumento e de diminuição de pena específicas, que são aquelas previstas no próprio tipo penal e que somente se aplica para ele. Por exemplo, o art. 157, § 2º, II, CP prevê que a pena do roubo é aumentada de 1/3 até a metade se cometido o crime em concurso de pessoas. Tal disposição não pode ser aplicada, por exemplo, para a extorsão, pois é uma causa de aumento de pena genérica. Como Identificar? As causas de aumento e de diminuição são frações definidas pelo legislador de aumento ou diminuição da pena, não se confundindo com as qualificadoras, que alteram a pena em abstrato e são utilizadas logo na primeira fase da dosimetria. Essa variação pode ser fixa (aumenta em 1/3, por exemplo) ou variável (aumenta de 1/6 a 2/3). Por exemplo, a tentativa diminui a pena de 1 a 2/3. Se o sujeito cometeu um crime de homicídio na forma tentada e a pena fixada após a segunda fase era de 6 anos, poderá o juiz diminuí-la de 2 a 4 anos.. Cálculo A Como, ao contrário das agravantes, atenuantes e circunstâncias judiciais, as causas de aumento e de diminuição de pena têm sua variação prevista pelo legislador, é possível que o juiz extrapole os limites legais. Um homicídio simples, na terceira fase, pode ter pena menor do que 6 anos ou maior do que 20 anos. No exemplo acima, por exemplo, pode ser que o condenado por homicídio na forma tentada receba pena de apenas 2 anos. E se houver uma causa de aumento e uma causa de diminuição de pena? Ambas serão aplicadas, pouco importando a ordem, pois se trata de uma multiplicação. Por exemplo, uma pena de 12 anos reduzida em 1/4 e aumentada pela metade ela vai sempre resultar em 13,5 anos. 21 E se houver mais de uma causa de aumento ou mais de uma causa de diminuição? Aplica uma e, sobre o resultado, aplica a outra, ou seja, da mesma maneira (como se fosse juros sobre juros). Uma situação peculiar deve ser analisada: quando há duas causas de aumento de pena na parte geral, o juiz deve aplicar ambas; quando há uma da parte geral e outra da especial, também deve aplicar ambas. Contudo, quando há duas causas de aumento ou de diminuição de pena na parte especial, o juiz pode escolher entre aplicar ambas ou apenas a maior delas. Uma tabela resume bem: 1ª causa de aumento/diminuição 2ª causa de aumento/diminuição Quais serão aplicadas? Parte Geral Parte Geral Ambas Parte Geral Parte Especial Ambas Juiz escolhe entre aplicar uma Parte Especial Parte Especial (maior) ou as duas 22 8. Fixação do Regime Prisional da Pena Privativa de Liberdade Regimes de Cumprimento de Pena Após chegar a uma pena (depois das três fases), é necessário estabelecer em qual regime o sujeito irá cumprir sua pena. O Brasil conta com três regimes diferentes de cumprimento de pena: fechado, semiaberto e aberto. O regime fechado está previsto no art. 34 do Código Penal. Ele deve ser cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média, deve haver trabalho no período diurno (a regra é dentro da cadeia, mas cabe fora em obras públicas) e isolamento durante o repouso noturno. O regime semiaberto, previsto no art. 35 do Código Penal, deve ser executado em colônia agrícola, industrial ou simular, com trabalho comum durante o dia. Admite-se o trabalho externo e a frequência a cursos supletivos, profissionalizantes e de instrução de segundo grau ou superior. O regime aberto, que está no art. 36, CP, é aquele em que o condenado deve trabalhar, frequentar curso ou outra atividade autorizada, fora do estabelecimento prisional e sem vigilância, devendo se recolher à sua casa no período de folga. Regra Geral Para a Reclusão Os crimes são punidos, quanto à pena privativa de liberdade, com reclusão ou detenção. Uma das principais diferenças entre elas é exatamente a definição do regime inicial de cumprimento de pena. A primeira lição é: a pena de reclusão é mais grave que a pena de detenção e é a única que admite regime inicial fechado. A primeira regra referente à reclusão é de que, em regra, o sujeito reincidente começa a cumprir pena no regime fechado, mas o STJ, conforme a Súmula 269, flexibiliza a regra e admite que o reincidente comece sua pena no semiaberto, desde que sua pena seja até de 4 anos e que as circunstâncias judiciais lhe sejam favoráveis. Súmula 269, STJ: é admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a 4 anos, se favoráveis as circunstâncias judiciais. Portanto, mesmo para o STJ, reincidente jamais iniciará no regime aberto, mas pode começar pelo regime semiaberto se sua pena não superar 4 anos e as circunstâncias judiciais forem favoráveis. O segundo critério se dá em relação ao indivíduo primário que recebe uma pena de reclusão. Neste caso, a regra é que a quantidade de pena irá decidir o seu regime inicial 23 de cumprimento de pena. Se a pena do primário condenado em reclusão é maior do que 8 anos, ele deve começar no regime fechado. Se a pena for maior que quatro e chegar até 8, semiaberto. Por fim, se a pena for até de 4 anos, pode começar logo no regime aberto. O terceiro critério aplicável, além da reincidência e da quantidade de pena, se dá com as circunstâncias judiciais, aquelas do art. 59 do Código Penal. Por exemplo, um sujeito primário que recebe pena de reclusão de 5 anos, em regra, seria condenado ao regime semiaberto. Porém, se ele tinha bons antecedentes, ajudava a comunidade e tinha boas circunstâncias judiciais, pode o juiz definir o regime inicial aberto para o cumprimento de pena. Regra Geral Para Detenção Como já afirmado, a detenção é mais branda que a reclusão e admite como regime inicial de cumprimento de pena apenas o semiaberto e o aberto (atenção: o sujeito condenado em crime por detenção pode até cumprir pena no regime fechado, mas desde que isto seja resultante de uma regressão de regime, ou seja, alguma falta que ele cometeu durante o cumprimento de pena que fez com que lhe fosse piorado o regime). Os critérios para a definição são os mesmos: reincidência ou primariedade, quantidade de pena e circunstâncias judiciais. Portanto, a regra é basicamente a mesma, mas com as adaptações. Se o sujeito for reincidente, ele receberá o regime semiaberto, mas, mais uma vez, se as circunstâncias judiciais forem favoráveis, pode o juiz determinar o regime aberto. Se o sujeito for primário, o que vai definir é a quantidade de pena: se maior de 4 anos, será semiaberto; se até 4 anos, será aberto. Porém, mais uma vez, o juiz pode alterar esse regime a depender das circunstâncias judiciais. Pena Base no Mínimo Legal e Regime Prisional Mais Severo Como já foi estudado, na primeira fase da dosimetria, aquela em que se fixa a pena base, o juiz se utiliza das circunstâncias judiciais para fixar uma pena base. Essas mesmas circunstâncias judiciais são utilizadas para o juiz definir o regime inicial de cumprimento de pena. Logo, não faz sentido que o juiz aplique uma pena base no mínimo (o que significa que ele considera que as circunstâncias são favoráveis) e depois aplicar um regime prisional mais gravoso do que aquele que seria aplicado apenas com a eventual reincidência e a pena (o que significa que ele considera as circunstâncias desfavoráveis. Por exemplo, no tráfico de drogas, cuja pena é de 5 a 15 anos, o juiz aplica a pena base em 5 anos. Porém, ele diz que o tráfico é grave e, mesmo primário, aplica o regime fechado ao sujeito. Isto não é admissível, por força da Súmula 440, STJ. 24 Súmula 440, STJ: Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito. E SE HOUVER ERRO NA FIXAÇÃO DE REGIME? Por respeito à coisa julgada e ao juiz natural, o juiz da execução não pode alterar o regime fixado na sentença. A parte deve ingressar com habeas corpus ou revisão criminal para tanto. Crimes Hediondos Antigamente, o art. 2º, §1º da Lei dos Crimes Hediondos determina o cumprimento de pena inicialmente no regime fechado, pouco importando a pena e as circunstâncias. O STF declarou a inconstitucionalidade, por violação da individualização da pena e da proporcionalidade. Logo, as regras aplicadas pelo Código Penal devem ser aplicadas normalmente, cabendo, por exemplo, a imposição de regime semiaberto. 25 9. Progressão de Regime Introdução O que foi estudado é o regime inicial de cumprimento de pena, ou seja, aquele em que o condenado irá começar a cumprir a pena. Porém, preenchidos certos requisitos, o sujeito pode progredir de regime, como, por exemplo, indo do fechado para o semiaberto. A competência para determinar a progressão de regime é o juiz da vara de execuções criminais, pois ele se torna responsável por praticamente tudo após a sentença penal condenatória transitada em julgado. É importante lembrar que não se pode, abstratamente, prever um regime integralmente ou inicialmente fechado. A redação original da Lei dos Crimes Hediondos determinava que o condenado cumpriria toda a pena em regime fechado, o que foi declarado inconstitucional pelo STF. Com a mudança para regime inicial fechado, o STF também determinou a inconstitucionalidade. Como dito, para que o sujeito possa progredir de regime, ele deve preencher certos requisitos. Os requisitos são subjetivos e objetivos. Agora serão analisados os requisitos objetivos para que o sujeito possa progredir de regime. O critério objetivo de progressão de regime é o cumprimento de uma parte da pena, cujo percentual ou fração varia conforme o crime. É importante saber que o Pacote Anticrime, de 2019, alterou os requisitos objetivos da progressão de regime. Como a mudança é recente, é necessário saber como eram os requisitos (até porque eles seguem aplicados para os condenados antes do Pacote Anticrime quando a mudança foi prejudicial). Antes do Pacote Anticrime, a regra era: para crimes comuns, o sujeito deveria cumprir 1/6 da pena; os crimes hediondos variavam em 2/5 ou 3/5, sendo primário ou reincidente, respectivamente. A alteração do Pacote Anticrime no art. 112 da Lei de Execução Penal ampliou para diversos percentuais para a progressão de regime. É possível tentar estabelecer uma lógica para ajudar a lembrar. Primeiramente, sempre o reincidente terá um percentual maior do que o primário em relação semelhante. Além disso, a lei apresenta, em regra, a seguinte sequência para ir aumentando os percentuais: crime sem violência ou grave ameaça, crime com violência ou grave ameaça, crime hediondo e crime hediondo com resultado morte (a lei veda o livramento condicional quando envolver crime hediondo com resultado morte). 16% da pena, se o condenado for réu primário e o crime não consistir em violência ou grave ameaça; 20% da pena, se o condenado for reincidente em crime que não contenha violência ou grave ameaça; 25% da pena, se o condenado for primário, mas o crime envolver violência ou grave ameaça; 26 30% da pena, se o condenado for reincidente em crime que envolva violência ou grave ameaça; 40% da pena, se o condenado for primário na prática de crime hediondo ou equiparado; 50% da pena, se o condenado for primário e tiver praticado crime hediondo ou equi- parado com resultado morte, não cabendo, nesta hipótese, o livramento condicional; se ele exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; se for condenado pelo crime de constituição de milícia privada; 60% da pena, se o condenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado; 70% da pena, se o condenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, não cabendo o livramento condicional. Além dos requisitos objetivos, que são essas porcentagens que o condenado deve cumprir, ele deve cumprir requisitos subjetivos (que não se alteraram com o Pacote Anticrime). Para progredir de regime, o condenado deve ter boa conduta carcerária, atestada pelo diretor do estabelecimento prisional. Admite-se o exame criminológico? Nem sempre o atestado conferido pelo diretor do presídio é completo o suficiente para que o juiz tenha certeza sobre a progressão, de forma que pode ser que uma equipe multidisciplinar avalie o criminoso e avalie sua progressão de regime ou não. Pela morosidade disso, é uma situação excepcional que exige uma decisão motivada (Súmula 439, STJ). Progressão de Regime Especial É uma situação específica que se aplica às mulheres gestantes ou mãe ou responsável por criança (até 12 anos) ou com deficiência, prevista no art. 112, § 3º, LEP. Para que essa pessoa obtenha a progressão especial (se não cumprir esses requisitos, deverá ir para a progressão “normal”), ela não pode ter cometido crime com violência ou grave ameaça e não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente. Nesse caso, ela precisa cumprir apenas 1/8 da pena para progredir de regime. Ainda, deve ser primária, ter bom comportamento e não ter integrado organização criminosa. §3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V - não ter integrado organização criminosa. 27 Se essa mulher voltar a delinquir, o art. 112, § 4º, LEP determina a revogação do benefício, ou seja, vai voltar para o regime em que estava. Questões E se o indivíduo progride do regime fechado para o semiaberto, mas não tem vaga? O HC 641.320, STF, determinou que não se pode ir direto para o regime aberto, pois é vedada a progressão per saltum. Assim, deve criar essa vaga mandando alguém do semiaberto próximo do aberto e já progredir. Caso não seja possível, deve aguardar a vaga no aberto. Em último caso, a prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica é uma hipótese. Como dito, não cabe a progressão per saltum, ou seja, não é possível ir direto do fechado para o aberto jamais. É possível usar o habeas corpus para obter a progressão de regime? A Lei de Execuções Penais prevê o agravo em execução, que é muito mais devagar, além do fato de que os requisitos de progressão são fáceis de comprovar. Apesar do HC não ser o instrumento correto, é comum que os tribunais não conheçam do instrumento, mas dê de ofício a progressão de regime, o que é possível. 28 10. Pena de Multa Conceito A pena de multa é uma espécie de sanção penal patrimonial que consiste no pagamento de quantia em dinheiro em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Sistema Bifásico de Aplicação Como estudado, a pena privativa de liberdade é definida a partir de um critério trifásico, ou seja, são três fases distintas que deve o juiz passar para chegar à pena adequada. A pena de multa, por sua vez, é composta de um sistema bifásico, ou seja, o juiz irá atravessar duas fases para chegar ao seu valor no caso concreto. O sistema é de dias- multa, ou seja, primeiro se define o número de dias-multa e depois o seu valor. Esse nome existe porque, antigamente, o não cumprimento da pena de multa era convertida em pena privativa de liberdade e a conversão se dava pela quantidade de dias-multa restantes. A primeira etapa ou fase é a definição da quantidade de dias-multa, em que o juiz irá definir um número entre 10 e 360 dias-multa. O que o juiz leva em conta para definir a quantidade de dias-multa? As mesmas coisas que leva em consideração para definir a pena privativa de liberdade. Depois que o juiz define a quantidade de dias multa, ele vai para a segunda fase, em que irá decidir o valor de cada dia-multa, que variará entre 1/30 de salário mínimo a 5 salários mínimos. Logo, será a multiplicação do número de dias multa (10 a 360) pelo seu valor (1/30 a 5 salários mínimos) que determinará o valor da multa a ser pago pelo condenado. Multa Ínfima E se a multa tiver um valor irrisório, ou seja, for muito baixa, ela deve ser cobrada? Claramente ela será pouco efetiva, pois gastará o Estado muito mais cobrando do que o que efetivamente receberá. Porém, o que se deve ter em mente é que o intuito dessa multa não é arrecadação para os cofres públicos, mas sim sancionar, ou seja, a multa tem caráter de pena e deve sempre ser cobrada. Pagamento O condenado deve pagar a sua pena de multa em 10 dias após o trânsito em julgado da sua condenação. É possível dividir a pena de multa? Sim, conforme determina o art. 50, caput, CP, conforme as circunstâncias e de forma a ser determinada pelo próprio magistrado. 29 É possível descontar a multa da folha de pagamento do indivíduo? Sim, entre 10 e 25% do valor da folha, conforme art. 168 da LEP. E se não pagar? Até a Constituição Federal de 1988, a multa era convertida em pena privativa de liberdade. Desde então, ela será executada como dívida de valor perante o juiz da execução penal, aplicando-se as normas relativas às dívidas ativas da Fazenda Pública. Em outros termos: primeiramente, havia a conversão em pena privativa de liberdade. Depois da CF/1988, a Fazenda Pública deveria cobrar a multa inadimplida através de uma execução fiscal, perdendo a pena seu caráter criminal e se tornando uma dívida. Com o Pacote Anticrime, atualmente, o Ministério Público cobra a dívida perante o juízo da execução criminal, mas com a regra da dívida ativa da Fazenda Pública. Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. É possível que o MP proponha medidas assecuratórias no decorrer do processo penal visando o futuro adimplemento da pena de multa, como o arresto ou sequestro de bens e ativos do réu. Aspectos Finais Não cabe habeas corpus contra a decisão que condene o sujeito apenas à pena de multa ou em relação aos processos em que a multa seja a única pena cominada, porque o HC é instrumento que visa a resguardar a liberdade de locomoção, o que não está em risco diante de uma pena de multa, haja vida a vedação da conversão da multa em pena privativa de liberdade. Por fim, sendo uma pena como qualquer outra, gera reincidência normalmente e suspende os direitos políticos. 30 11. Penas Restritivas de Direitos Características As penas restritivas de direito são marcadas pela substitutividade e pela autonomia. A substitutividade significa que elas substituem uma pena privativa de liberdade, ou seja, em regra, não haverá no preceito secundário do tipo penal uma pena restritiva de direitos, mas sim uma pena privativa de liberdade, que será aplicada pelo juiz e, se os requisitos estiverem presentes, será substituída por uma pena restritiva de direitos. Ela é autônoma, por sua vez, porque se for cumprida sem nenhuma intercorrência, a execução penal restará extinta. Requisitos Para que o sujeito condenado a uma pena privativa de liberdade possa receber uma ou algumas penas restritivas de direito em substituição, deve preencher alguns requisitos previstos no Código Penal. Primeiramente, conforme art. 44, I, CP, o crime cometido não pode ter violência ou grave ameaça. Portanto, esses crimes com tal gravidade jamais terão a pena substituída por uma pena restritiva de direitos. Ainda, caso o crime não contenha violência ou grave ameaça, é necessário avaliar a pena. Se o crime for culposo, pouco importa a pena (o sujeito sequer tinha dolo, parece razoável que ele receba uma pena restritiva de direitos). Se o crime for doloso, a pena deve ter até 4 anos no máximo. Em seguida, não cabe a substituição quando o sujeito seja reincidente em crime doloso, em regra. Contudo, se as circunstâncias judiciais estiverem favoráveis ao condenado, pode o juiz ainda assim substituir a pena, desde que ele não seja reincidente específico (mesmo crime). Por fim, a substituição deve ser suficiente para os fins da pena. Em suma: 1. Crime sem violência ou grave ameaça; 2. Pena aplicada de até 4 anos, se doloso; qualquer pena, se crime culposo, pouco importando pena ou reincidência; 3. Sem reincidência em crime doloso, em regra, admissível a substituição se as circunstâncias recomendarem, salvo se for reincidente específico; 4. Suficiência (art. 44, III, CP - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta so- cial e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente). O art. 44, § 3º, CP deve ser transcrito, pois é o dispositivo que admite a substituição para o reincidente, desde que não seja reincidência específica. 31 §3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. Quantas PRDs Cumprir? Se a condenação original for de pena privativa de liberdade de até 1 ano e for possível a substituição, ela poderá ser substituída por uma pena restritiva de direitos ou por uma pena de multa. Se a pena for maior que isso, caberá a substituição por duas penas restritivas de liberdade ou uma pena privativa de liberdade com uma pena de multa, conforme art. 44, § 2º, CP. §2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. Prestação Pecuniária (art. 45, CP) Enquanto a multa é paga com base no critério bifásico de dias-multa para o Fundo Penitenciário Nacional, a prestação pecuniária é um pagamento à vítima, seus dependentes, entidade pública ou entidade privada de destinação social, cujo valor será de 1 a 360 salários mínimos. Quando o sujeito é condenado a uma prestação pecuniária e a paga para a vítima, haverá desconto em eventual indenização civil. Por exemplo, ele foi condenado a pagar R$10.000,00 à vítima a título de prestação pecuniária. Depois, em ação cível, foi condenado a pagar indenização de R$20.000,00 à vítima. Nesse caso, quando ele for pagar a indenização, ele descontará os R$10.000,00 já pagos como prestação pecuniária. O pagamento da prestação pecuniária não necessariamente será em dinheiro, caso os beneficiários assim aceitem. Por exemplo, o condenado dá uma casa. Pode ser paga em serviços, como quando alguém está fazendo uma reforma e o condenado é pedreiro ou pintor. Perda de Bens e Valores É uma pena de perda de bens e valores do condenado em favor do Fundo Penitenciário Nacional (assim como a multa), desde que a lei especial não altere a destinação do valor, como ocorre, por exemplo, na Lei do Racismo. Qual é o valor máximo da perda de bens e valores? É o montante do prejuízo causado ou o montante do proveito obtido pelo agente ou pelo terceiro, o que for maior. Se o sujeito 32 rouba um celular de R$2.000,00 e o vende por R$1.000,00, a perda de bens e valores será de dois mil reais. Prestação de Serviços à Comunidade ou a Entidades Públicas (art. 46, CP) A impressão que passa é que o legislador a considera a mais gravosa das penas restritivas de direitos, pois ele impõe um critério extra: só cabe para as condenações acima de 6 meses de pena privativa de liberdade. Portanto, penas abaixo desse patamar não podem ser substituídas pela prestação de serviços, mas podem ser por outras penas restritivas de direito. A prestação de serviços à comunidade se dá em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres. As tarefas lhe serão atribuídas conforme as suas aptidões, ou seja, é necessário buscar um lugar que se adeque com as habilidades que ele tem. Alguém que trabalha em escritório não vai prestar a pena em um andaime. Como que é o trabalho? Elas são cumpridas em uma hora por dia de condenação, sem prejudicar a hora de trabalho. Se a pena for superior a 1 ano, ele pode cumprir em tempo menor, desde que não inferior à metade. Portanto, o Código Penal se fixou ao critério da hora-tarefa – cada hora prestada vale por um dia de prestação. Por isso que, em regra, a pena é cumprida de sábado ou domingo, quando o sujeito trabalha 7h e cumpre 7 dias de pena em um único dia. Quando a pena privativa de liberdade substituída pela prestação de serviços à comunidade for maior que 1 ano, poderá (faculdade) o sujeito cumprir a pena em menos que isso, desde que não inferior à metade. Exemplo 1: o sujeito foi condenado a 1 ano, trabalha 7h por semana e cumpre a pena em 1 ano. Exemplo 2: o sujeito foi condenado a 1 ano e 6 meses e trabalha 7h sábado e 7h domin- go. Logo, ele cumpre 2 semanas a cada semana. Portanto, ele cumprirá toda a pena em 9 meses. Outras PRD são: proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como mandato eletivo (o crime deve ter conexão com as funções); a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículos; proibição de frequentar determinados lugares; proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos; limitação de final de semana (é a obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5h, em casa de albergado ou estabelecimento adequado). 33 PRD e Crimes Hediondos Cabe penas restritivas de direitos em crimes hediondos e equiparados? Por mais que seja difícil de acontecer na prática, pelas penas altas e pela usual presença de violência ou grave ameaça, é possível, como no tráfico de drogas do art. 33, caput, da Lei de Drogas. Havia proibição de PRD no tráfico na própria Lei de Drogas, mas o STF entendeu pela sua inconstitucionalidade. O STJ, inclusive, já concedeu PRD a um condenado por tráfico de drogas. Conversão da PRD em PPL Haverá a reconversão da PRD em PPL quando houver descumprimento injustificado da restrição de direitos aplicada. Por exemplo, o condenado não cumpre os serviços à comunidade e não apresenta nenhuma justificativa para tanto. A reconversão obrigatória é um incidente da execução penal, ou seja, ocorre durante a execução da pena. Logo, é necessário observar o contraditório e a ampla defesa, sendo imperioso intimar o condenado para que ele justifique o não cumprimento. Exemplo 1: a PPL era de 1 ano e o juiz substituiu por 1 ano de PRD. Ele cumpriu esta pena por 10 meses e parou injustificadamente. O juiz a converte em PPL por 2 meses. Exemplo 2: a PPL era de 1 ano e o juiz substituiu por 1 ano de PRD. Ele cumpriu esta pena por 11 meses e 29 dias e parou injustificadamente. No último dia, ele não aparece. O juiz re- converte em PPL por 30 dias – quando faltar menos de 30 dias, este será o prazo de reclu- são ou detenção a ser cumprido. E se a pena for de prisão simples? O CP fala em detenção e reclusão. Neste caso, não há saldo mínimo. No segundo exemplo, o condenado cumpriria 1 dia de prisão simples. Como se aplica esta regra nas penas que são pecuniárias? Por exemplo, a pena de 1 ano foi convertida em prestação pecuniária de 1000 reais. Ele pagou 500. A reconversão se dá por 6 meses. Diante de uma nova condenação, o juiz da execução penal irá decidir entre converter a PRD em PPL ou manter as duas, caso seja possível o cumprimento. Pode haver conversão nas hipóteses do art. 181, LEP, como desaparecer e não cumprir PRD, exercer direito restringido ou cometer falta grave. PRD Suspende Direitos Políticos A CF determina a suspensão dos direitos políticos em caso de condenação criminal, enquanto perdurarem seus efeitos. Logo, mesmo em caso de substituição por pena privativa de liberdade, os direitos políticos são suspensos. 34 Segundo a Súmula 643 do STJ, a execução da PRD depende do trânsito em julgado da condenação, não bastando a prisão em segunda instância. 35 TEORIA DA PENA