Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas PDF

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Maria da Glória Gohn

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educação não-formal participação da sociedade civil educação conselhos escolares

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Este artigo aborda a educação não-formal, analisando sua relação com a participação da sociedade civil em conselhos escolares e movimentos sociais. O texto discute a diferença entre a educação formal e a educação informal, e explora as metodologias utilizadas na educação não formal.

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Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas Maria da Glória Gohn Resumo Abstract O trabalho apresenta um estudo so- Non-formal education, bre a educação não-formal e seu pa- pe...

Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas Maria da Glória Gohn Resumo Abstract O trabalho apresenta um estudo so- Non-formal education, bre a educação não-formal e seu pa- pel no processo educativo mais geral. civil society participation Considera-se a educação não-formal and councils structures in como uma área de conhecimento ain- da em construção. Estuda-se a possi- the schools bilidade deste processo em conselhos The paper presents a study about the de escolas e o aprendizado que resul- non-formal education and its role in ta da participação da so- the wide educative ciedade civil nestes con- process. It considers selhos. O trabalho se di- Maria da Glória Gohn the non-formal vide em duas partes: a Pós-Doutorado em Sociologia, education as an area primeira tem caráter teó- New School of University, New York of knowledge still in rico e discute a categoria Professora Titular da construction. It studies educação não-formal em UNINOVE e da UNICAMP the possibility of this si, seu campo e atributos. Pesquisadora I do CNPq educational process in Por meio da análise com- [email protected] the councils of schools parativa, busca-se dife- and the learning that renciá-la da educação results from the civil formal e da educação informal. A se- society participation in these councils. gunda investiga a categoria da edu- The paper has two parts: the first has a cação não - formal em conselhos es- theoretical character and discusses the colares, e em movimentos sociais que non-formal category, distinguishing it atuam na área da educação. from the formal and informal education Palavras-chave: Educação não-for- categories. The second one mal. Educação formal. Educação in- investigates the non-formal category in formal. Conselhos participativos. Par- the councils of the schools and in the ticipação da sociedade civil. Conse- social movements acting in the lhos de escolas. educational area. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 28 Maria da Glória Gohn Keywords: Non-formal education. processo com várias dimensões tais como: Formal education. Informal education. a aprendizagem política dos direitos dos Participative councils. Civil society indivíduos enquanto cidadãos; a capaci- participation. Council school. tação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ Resumen ou desenvolvimento de potencialidades; a aprendizagem e exercício de práticas que Educación no-formal, capacitam os indivíduos a se organizarem participación de la com objetivos comunitários, voltadas para a solução de problemas coletivos cotidia- sociedad civil y nos; a aprendizagem de conteúdos que estructuras de consejos possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de com- en las escuelas preensão do que se passa ao seu redor; a El objectivo de este trabajo es educação desenvolvida na mídia e pela realizar un estudio sobre la mídia, em especial a eletrônica etc. educación no-formal y sus roles en el proceso de educación más Quando tratamos da educação não- general. La educación no-formal es formal, a comparação com a educação un campo de conecimiento todavía formal é quase que automática. O termo en construcción. El trabajo investiga não-formal também é usado por alguns la posibilidad del proceso de investigadores como sinônimo de informal. educación no-formal en los consejos Consideramos que é necessário distinguir de las escuelas, y hace un análisis e demarcar as diferenças entre estes con- de las aprendizajes que estas ceitos. A princípio podemos demarcar seus experiencias generan hacia los campos de desenvolvimento: a educação consejeros. El trabajo fue ordenado formal é aquela desenvolvida nas escolas, en dos partes: la primera tiene un com conteúdos previamente demarcados; carácter teórico y discute la a informal como aquela que os indivíduos categoría educación no-formal, aprendem durante seu processo de sociali- haciendo distinción de la educación zação - na família, bairro, clube, amigos formal y de la educación informal. etc., carregada de valores e culturas pró- La segunda investiga la categoría prias, de pertencimento e sentimentos her- no-formal, en los consejos de las dados: e a educação não-formal é aquela escuelas y en los movimientos que se aprende “no mundo da vida”, via sociales del area educacional. os processos de compartilhamento de ex- Palabras clave: Educación no- periências, principalmente em espaços e formal. Educación formal. ações coletivos cotidianas. Vamos tentar Educación informal. Consejos demarcar melhor essas diferenças por meio participativos. Sociedad civile. uma série de questões, que são, aparente- Consejos de las escuelas. mente, extremamente simples, mas nem por isso simplificadoras da realidade, a saber: A educação não-formal designa um “Quem é o educador em cada campo Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas 29 de educação que estamos tratando? Em -formal ocorre em ambientes e situações in- cada campo, quem educa é o agente do terativos construídos coletivamente, segun- processo de construção do saber?” do diretrizes de dados grupos, usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas Na educação formal sabemos que são ela também poderá ocorrer por forças de os professores. Na não-formal, o grande certas circunstâncias da vivência histórica educador é o “outro”, aquele com quem de cada um. Há na educação não-formal interagimos ou nos integramos. Na educa- uma intencionalidade na ação, no ato de ção informal, os agentes educadores são os participar, de aprender e de transmitir ou tro- pais, a família em geral, os amigos, os vizi- car saberes. A informal opera em ambientes nhos, colegas de escola, a igreja paroquial, espontâneos, onde as relações sociais se os meios de comunicação de massa, etc. desenvolvem segundo gostos, preferências, ou pertencimentos herdados. “Onde se educa? Qual é o espaço físi- co territorial onde transcorrem os atos e os “Qual a finalidade ou objetivos de cada processos educativos?” um dos campos de educação assinaladas?” Na educação formal estes espaços são Na educação formal, entre outros ob- os do território das escolas, são instituições jetivos destacam-se os relativos ao ensino regulamentadas por lei, certificadoras, or- e aprendizagem de conteúdos historica- ganizadas segundo diretrizes nacionais. Na mente sistematizados, normatizados por leis, educação não-formal, os espaços educati- dentre os quais destacam-se o de formar o vos localizam-se em territórios que acom- indivíduo como um cidadão ativo, desen- panham as trajetórias de vida dos grupos e volver habilidades e competências várias, indivíduos, fora das escolas, em locais in- desenvolver a criatividade, percepção, formais, locais onde há processos interati- motricidade etc. A educação informal soci- vos intencionais ( a questão da intenciona- aliza os indivíduos, desenvolve hábitos, ati- lidade é um elemento importante de dife- tudes, comportamentos, modos de pensar renciação). Já a educação informal tem seus e de se expressar no uso da linguagem, espaços educativos demarcados por refe- segundo valores e crenças de grupos que rências de nacionalidade, localidade, ida- se freqüenta ou que pertence por herança, de, sexo, religião, etnia etc. A casa onde se desde o nascimento Trata-se do processo mora, a rua, o bairro, o condomínio, o clu- de socialização dos indivíduos. A educa- be que se freqüenta, a igreja ou o local de ção não- formal capacita os indivíduos a culto a que se vincula sua crença religiosa, se tornarem cidadãos do mundo, no mun- o local onde se nasceu, etc. do. Sua finalidade é abrir janelas de co- nhecimento sobre o mundo que circunda “Como se educa? Em que situação, em os indivíduos e suas relações sociais. Seus qual contexto?” objetivos não são dados a priori, eles se constróem no processo interativo, gerando A educação formal pressupõe ambien- um processo educativo.Um modo de edu- tes normatizados, com regras e padrões com- car surge como resultado do processo vol- portamentais definidos previamente. A não tado para os interesses e as necessidades Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 30 Maria da Glória Gohn que dele participa. A construção de rela- de e identificação de interesses comuns e é ções sociais baseadas em princípios de parte do processo de construção da cida- igualdade e justiça social, quando presen- dania coletiva e pública do grupo. tes num dado grupo social, fortalece o exer- cício da cidadania. A transmissão de infor- “Quais são os resultados esperados em mação e formação política e sociocultural cada campo assinalado?” é uma meta na educação não formal. Ela prepara os cidadãos, educa o ser humano Na educação formal espera-se, sobre- para a civilidade, em oposição à barbárie, tudo que haja uma aprendizagem efetiva ao egoísmo, individualismo etc.. (que, infelizmente nem sempre ocorre), além da certificação e titulação que capacitam “Quais são os principais atributos de os indivíduos a seguir para graus mais cada uma das modalidades educativas que avançados. Na educação informal os re- estamos diferenciando?” sultados não são esperados, eles simples- mente acontecem a partir do desenvolvi- A educação formal requer tempo, local mento do senso comum nos indivíduos, específico, pessoal especializado, organi- senso este que orienta suas formas de pen- zação de vários tipos (inclusive a curricu- sar e agir espontaneamente. A educação lar), sistematização seqüencial das ativida- não- formal poderá desenvolver, como re- des, disciplinamento, regulamentos e leis, sultados, uma série de processos tais como: órgãos superiores etc. Ela tem caráter me- consciência e organização de como tódico e , usualmente, divide-se por idade/ agir em grupos coletivos; classe de conhecimento. A educação in- A construção e reconstrução de concep- formal não é organizada, os conhecimen- ção (ões) de mundo e sobre o mundo; tos não são sistematizados e são repassa- contribuição para um sentimento de iden- dos a partir das práticas e experiência an- tidade com uma dada comunidade; teriores, usualmente é o passado orientan- forma o indivíduo para a vida e suas do o presente. Ela atua no campo das emo- adversidades (e não apenas capacita- ções e sentimentos. É um processo perma- o para entrar no mercado de trabalho); nente e não organizado. A educação não quando presente em programas com -formal tem outros atributos: ela não é, or- crianças ou jovens adolescentes a edu- ganizada por séries/ idade/conteúdos; atua cação não-formal resgata o sentimen- sobre aspectos subjetivos do grupo; traba- to de valorização de si próprio (o que lha e forma a cultura política de um grupo. a mídia e os manuais de auto-ajuda Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda denominam, simplificadamente, como na construção da identidade coletiva do a auto-estima); ou seja dá condições grupo (este é um dos grandes destaques aos indivíduos para desenvolverem da educação não-formal na atualidade); sentimentos de auto-valorização, de ela pode colaborar para o desenvolvimen- rejeição dos preconceitos que lhes são to da auto-estima e do empowerment do dirigidos, o desejo de lutarem para grupo, criando o que alguns analistas de- ser reconhecidos como iguais (en- nominam, o capital social de um grupo. quanto seres humanos), dentro de Fundamenta-se no critério da solidarieda- suas diferenças (raciais, étnicas, reli- Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas 31 giosas, culturais, etc.); sibilitem o acompanhamento do tra- os indivíduos adquirem conhecimen- balho de egressos que participaram de to de sua própria prática, os indiví- programas de educação não formal; duos aprendem a ler e interpretar o Criação de metodologias e indicado- mundo que os cerca. res para estudo e análise de traba- lhos da Educação não formal em Algumas características campos não sistematizados. Aprendi- zado gerado por atos de vontade do da educação não-formal: receptor tais como a aprendizagem via metas, lacunas e Internet, para aprender música, tocar um instrumento etc.; metodologias Mapeamento das formas de educa- A seguir listamos algumas característi- ção não formal na auto aprendizagem cas que a educação não formal pode atin- dos cidadãos (principalmente jovens). gir em termos de metas, em processos pla- nejados de ações coletivas grupais: Metodologias O aprendizado da diferenças. Apren- A questão da metodologia merece um de-se a conviver com demais. Socia- destaque porque é um dos pontos mais fra- liza-se o respeito mútuo; cos na educação não-formal e a compa- Adaptação do grupo a diferentes cul- ração com as outras modalidades educati- turas, reconhecimento dos indivíduos vas que utilizamos no item anterior não re- e do papel do outro, trabalha o “es- solve muito. De toda forma, na educação tranhamento”; formal as metodologias são, usualmente, Construção da identidade coletiva de planificada previamente segundo conteú- um grupo; dos prescritos nas leis. As metodologias de Balizamento de regras éticas relativas desenvolvimento do processo ensino/apren- às condutas aceitáveis socialmente. dizagem são compostas por um leque gran- de de modalidades, temas e problemas e O que falta na educação não-formal: não vamos adentrar neste debate porque Formação específica a educadores a não é nossa área de conhecimento. A edu- partir da definição de seu papel e as cação informal tem como método básico a atividades a realizar; vivência e a reprodução do conhecido, a Definição mais clara de funções e reprodução da experiência segundo os objetivos da educação não formal; modos e as formas como foram apreendi- Sistematização das metodologias uti- das e codificadas. Na educação não-for- lizadas no trabalho cotidiano; mal, as metodologias operadas no proces- Construção de metodologias que pos- so de aprendizagem parte da cultura dos sibilitem o acompanhamento do tra- indivíduos e dos grupos. O método nasce balho que vem sendo realizado; a partir de problematização da vida cotidi- Construção de instrumentos metodo- ana; os conteúdos emergem a partir dos lógicos de avaliação e análise do tra- temas que se colocam como necessidades, balho realizado; carências, desafios, obstáculos ou ações Construção de metodologias que pos- empreendedoras a serem realizadas; os Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 32 Maria da Glória Gohn conteúdos não são dados a priori. São cons- por meio deles podemos conhecer o projeto truídos no processo. O método passa pela socioeducativo do grupo, a visão de mundo sistematização dos modos de agir e de pen- que estão construindo, os valores defendidos sar o mundo que circunda as pessoas. Pe- e os que são rejeitados. Qual o projeto polí- netra-se portanto no campo do simbólico, tico-cultural do grupo, em suma. das orientações e representações que con- ferem sentido e significado às ações huma- Para finalizar a primeira parte deste tex- nas. Supõe a existência da motivação das to destacamos que também diferenciamos pessoas que participam. Ela não se subor- a educação não- formal de outras propos- dina às estruturas burocráticas. É dinâmi- tas de educação, apresentadas como edu- ca. Visa à formação integral dos indivídu- cação social, no século XX, porque a mai- os. Neste sentido tem um caráter humanis- oria daquelas propostas ao se dirigirem para ta. Ambiente não formal e mensagens vei- os excluídos objetivam, na maior parte das culadas “falam ou fazem chamamentos” às vezes, apenas inseri-los no mercado de tra- pessoas e aos coletivos, e as motivam. Mas balho. Entendemos a educação não - for- como há intencionalidades nos processos mal como aquela voltada para o ser hu- e espaços da educação não-formal, há mano como um todo, cidadão do mundo, caminhos, percursos, metas, objetivos es- homens e mulheres. Em hipótese alguma tratégicos que podem se alterar constante- ela substitui ou compete com a Educação mente. Há metodologias, em suma, que Formal, escolar. Poderá ajudar na comple- precisam ser desenvolvidas, codificadas, mentação dessa última, via programações ainda que com alto grau de provisorieda- específicas, articulando escola e comuni- de pois o dinamismo, a mudança, o movi- dade educativa localizada no território de mento da realidade segundo o desenrolar entorno da escola. A educação não- for- dos acontecimentos, são as marcas que sin- mal tem alguns de seus objetivos próximos gularizam a educação não-formal. da educação formal, como a formação de um cidadão pleno, mas ela tem também a Qualquer que seja o caminho metodoló- possibilidade de desenvolver alguns objeti- gico construído ou reconstruído, é de suma vos que lhes são específicos, via a forma e importância atentar para o papel dos agen- espaços onde se desenvolvem suas práti- tes mediadores no processo: os educadores, cas, a exemplo de um conselho ou a parti- os mediadores, assessores, facilitadores, mo- cipação em uma luta social, contra as dis- nitores, referências, apoios ou qualquer ou- criminações, por exemplo, a favor das di- tra denominação que se dê para os indivídu- ferenças culturais etc. Resumidamente po- os que trabalham com grupos organizados demos enumerar os objetivos da educação ou não. Eles são fundamentais na marcação não-formal como sendo: de referenciais no ato de aprendizagem, eles a) Educação para cidadania; carregam visões de mundo, projetos societá- b) Educação para justiça social; rios, ideologias, propostas, conhecimentos c) Educação para direitos (humanos, acumulados etc. Eles se confrontarão com os sociais, políticos, culturais, etc.); outros participantes do processo educativo, d) Educação para liberdade; estabelecerão diálogos, conflitos, ações soli- e) Educação para igualdade; dárias etc. Eles se destacam no conjunto e f) Educação para democracia; Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas 33 g) Educação contra discriminação; descentralização da educação não descen- h) Educação pelo exercício da cultura, tralizou, de fato, o poder no interior das es- e para a manifestação das diferen- colas. Usualmente, esse poder continua nas ças culturais. mãos da diretora ou gestora, que o monopo- liza, faz a pauta das reuniões dos conselhos A educação não-formal e colegiados escolares, não a divulga com antecedência etc. A comunidade externa e os em ação: conselhos e pais não dispõem de tempo e, muitas vezes, colegiados na escola: nem avaliam a relevância de participar ou de estarem presentes nas reuniões. Além dis- espaços de educação so, usualmente, esses pais não estão prepa- não-formal rados para entender as questões do cotidia- Observa-se que inúmeras inovações no no das reuniões, como as orçamentárias. Só campo democrático advêm das práticas exercem uma participação ativa nos colegia- geradas pela sociedade civil que alteram a dos aqueles pais com experiência participati- relação estado-sociedade ao longo do tem- va anterior, extra-escolar, revelando a impor- po e constróem novas formas políticas de tância da participação dos cidadãos (ãs) em agir, especialmente na esfera pública não ações coletivas na sociedade civil. O caráter estatal. De fato, são inúmeras as novas prá- educativo que essa participação adquire, ticas sociais expressas em novos formatos quando ela ocorre em movimentos sociais institucionais da participação, tais como os comunitários, organizados em função de cau- conselhos, os fóruns, as assembléias po- sas públicas, prepara os indivíduos para atu- pulares e as parcerias. Em todas elas a arem como representantes da sociedade civil educação não-formal está presente, como organizada. E os colegiados escolares são processo de aprendizagem de saberes aos uma dessas instâncias. e entre seus participantes. Muitos funcionários das escolas são Ao analisarmos as possibilidades de par- membros dos conselhos e dos colegiados ticipação da comunidade educativa em uma escolares mas, usualmente, exercitam um escola, articulando-a aos processos de apren- pacto do silêncio, não participando de fato dizagem não-formal que os métodos de ges- e servindo de “modelo passivo” para ou- tão participativa desenvolvem, não podemos tros setores da comunidade educativa que deixar de tecer algumas considerações sobre compõem um colegiado. Por que eles se as estruturas de participação que já existem comportam assim? Porque, na maioria dos no interior das escolas, a exemplo dos distin- casos, estão presentes para referendar de- tos e diferenciados colegiados e conselhos. mandas corporativas, ou para fortalecer Nos conselhos se entrecruzam necessidades diretorias centralizadoras. Como elo mais advindas da prática da educação formal/es- fraco do poder, eles participam para ´com- colar, com a educação não-formal, princi- por`, para dar número e quorum neces- palmente no que se refere a participação dos sários aos colegiados, contribuindo com pais e outros membros da comunidade edu- esse comportamento para não construir cativa nas suas reuniões. nada e nada mudar. Observa-se que o processo brasileiro de Por que isso ocorre? Porque, embora Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 34 Maria da Glória Gohn os colegiados sejam um espaço legítimo e do formatos variados que vão de encon- de direito, e uma conquista para o exercí- tros regulares e periódicos entre especialis- cio da cidadania, até por serem previstos tas, interessados e gestores públicos, como em lei, essa cidadania tem que ser qualifi- no caso da saúde, a observatórios e gru- cada e construída na prática. Os projetos pos semi-institucionalizados do orçamento políticos dos representantes dos diferentes participativo. As novas práticas constituem, segmentos e grupos, seus valores, visões assim, um novo tecido social denso e di- de mundo etc. interferem na dinâmica des- versificado, tencionam as velhas formas de ses processos participativos. Para terem fazer política e criam novas possibilidades como meta projetos emancipatórios, eles concretas para o futuro, em termos de op- devem ter como lastro de suas ações os ções democráticas. As novas práticas de princípios da igualdade e da universalida- interação escola/representantes da socie- de. Os colegiados devem construir ou de- dade civil organizada devem ser examina- senvolver essa sensibilidade por meio de das à luz dos processos da educação não- um conjunto de valores que venham a ser formal caracterizados na primeira parte deste refletidos em suas práticas. Sem isso, temos texto. São aprendizagens que estão geran- uma inclusão excludente: aumento do nú- do saberes. Processos difíceis, tensionados mero de alunos nas escolas e estruturas mas educativos para todos, pelo que tra- descentralizadas que não ampliam de fato zem de novo, pela resistência ou pela reite- a intervenção da comunidade na escola. ração obstinada do velho, que não quer Temos setores que pretensamente estão re- ceder à pressão das novas forças. presentando o interesse público, mas que na realidade defendem o interesse de gru- Movimentos sociais na pos e corporações, ou a manutenção do poder tradicional, cujo papel é exercer o área da educação controle, a vigilância em razão de uma fal- Cumpre mencionar, no campo dos movi- sa participação ordeira e voltada para a mentos sociais enquanto uma área de apren- responsabilização da comunidade ( pais, dizagem da educação não-formal, a luta pela mães e outros mais ) nas ações em que o educação. Essa luta nunca teve grande visibi- Estado se omite (SILVA, 2003). lidade como um ator independente, pois suas demandas foram, freqüentemente, incorpora- Não se deve perder de vista que, por das pelos sindicatos dos professores e demais intermédio dos Conselhos, a sociedade ci- profissionais da educação, ou por articulações vil exercita o direito de participar da gestão mais amplas, como a luta pela educação de- de diferentes políticas públicas, tendo a senvolvida, no período da Constituinte, pelo possibilidade de exercer maior controle so- Fórum Nacional de Luta pela Escola Pública. bre o Estado. Os fóruns são frutos das re- As reformas neoliberais realizadas nas escolas des tecidas nos anos 70/80 que possibili- públicas de ensino fundamental e médio, na taram aos grupos organizados olhar para década de 90, alteraram o cotidiano das es- além da dimensão do local; têm abrangên- colas e deram as bases para a mobilização de cia nacional e são fontes de referência e novas lutas e movimentos pela educação. Falta comparação para os próprios participan- de vagas, filas para matrículas, resultados de tes. As assembléias e plenárias têm ganha- exames nacionais, progressões continuadas Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas 35 (passagem de ano sem exames), deslocamen- pela educação envolvem a luta por direitos to de alunos de uma mesma família para dife- e são parte da construção da cidadania. rentes escolas, atrasos nos repasses de verbas Movimentos sociais pela educação abran- para merendas escolares, denúncias de frau- gem questões tanto de conteúdo escolar des no uso dos novos fundos de apoio à edu- quanto de gênero, etnia, nacionalidade, cação (especialmente o FUNDEF), entre ou- religiões, portadores de necessidades espe- tras, foram pautas da agenda do movimento ciais, meio ambiente, qualidade de vida, na área da educação. Registre-se ainda que a paz, direitos humanos, direitos culturais etc. crise econômica e o desemprego obrigaram Esses movimentos são fontes e agências de centenas de famílias das camadas médias a produção de saberes. O tema dos direitos procurar vagas nas escolas públicas. Além de é fundamental porque ele dá universalida- aumentar a demanda, essas famílias estavam de às questões sociais, aos problemas eco- acostumadas a acompanhar mais o cotidiano nômicos e às políticas públicas, atribuin- das escolas de seus filhos, desenvolvendo es- do-lhes caráter emancipatório. É a partir sas práticas na escola pública, antes mais fe- dos direitos que fazemos o resgate da cul- chada à participação dos pais. Com isso, em tura de um povo e de uma nação, especi- muitos bairros, as escolas passaram a desem- almente em tempos neoliberais que des- penhar o papel de centros comunitários, pois tróem ou massificam as culturas locais, re- a falta de verbas e a busca de solução para gionais ou nacionais. Partir da ótica dos novos problemas como a segurança, a vio- direitos de um povo ou agrupamento soci- lência entre os jovens e o universo das drogas al é adotar um princípio ético, moral, ba- levou-as à busca de parcerias, no bairro ou seado nas necessidades e experiência acu- na região, com outros organismos e associa- mulada historicamente dos seres humanos ções organizadas. Assim, as escolas passa- e não nas necessidades do mercado. A óti- ram a ser, além de espaços de formação e ca dos direitos possibilita-nos a construção aprendizagem da educação formal, centros de de uma agenda de investigação que gera desenvolvimento da educação não-formal, sinergias e não compaixão, que resultam agentes de construção de territórios civilizató- em políticas emancipadoras e não compen- rios, articuladoras de ações que retomem o satórias. Fora da ótica da universalidade sentido da civilidade humana. No entanto, dos direitos caímos nas políticas focaliza- essa influência não advém apenas de uma das, meras justificativas para políticas que tendência da escola em direção ao bairro: no promovem uma modernização conservado- interior da escola também existem novos es- ra. A ótica dos direitos como ponto de par- paços de participação, tais como os distintos tida poderá nos fazer entender as mudan- conselhos tratados acima. ças sociais em curso. Tendo em vista que um dos principais Listamos, a seguir, alguns dos princi- sujeitos da sociedade civil organizada são pais eixos das demandas pela educação os movimentos sociais, é importante regis- nos movimentos sociais envolvendo as es- trar que os movimentos pela educação têm colas. A cada luta corresponde um momento caráter histórico, são processuais e ocor- do processo de aprendizagem, típico da rem, portanto, dentro e fora de escolas e educação não-formal, a saber: em outros espaços institucionais. As lutas Lutas pelo acesso; Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 36 Maria da Glória Gohn Aumento de vagas; aborda a educação como promotora de me- Escola pública com qualidade; canismos de inclusão social. Entende-se por Gestão democrática da escola; inclusão as formas que promovem o acesso Escola com projetos pedagógicos que aos direitos de cidadania, que resgatam al- respeitem as culturas locais; guns ideais já esquecidos pela humanidade, Valor das mensalidades das escolas como o de civilidade, tolerância e respeito ao particulares; outro; contestam-se concepções relativas às Por políticas públicas; formas que buscam, simplesmente, integrar Realização de experiências alternativas; indivíduos atomizados e desterritorializados, Luta no processo de implantação de em programas sociais compensatórios. novos modelos, experiências ou re- formas educacionais, envolvendo or- A gestão compartilhada em suas diferen- ganização, trajetória das experiênci- tes formas de conselhos, colegiados etc. preci- as, acompanhamento, construção de sa desenvolver uma cultura participativa nova, cultura política, redefinição do con- que altere as mentalidades, os valores, a for- ceito de participação ; ma de conceber a gestão pública em nome Luta dos professores e outros profissi- dos direitos da maioria e não de grupos lob- onais da educação por condições bistas. Isso implica a criação de coletivos que salariais e de trabalho; desenvolvam saberes não apenas normativos Lutas dos estudantes por vagas, con- - legislações, formatos de aplicação de verbas dições, mensalidades, refeitórios, etc., embora esses itens também sejam impor- moradia, contra discriminações, etc. tantes, dado o papel dos fundos públicos no campo de disputa política em torno das ver- bas públicas. É preciso desenvolver saberes Conclusões e desafios que orientem as práticas sociais, que constru- Articular a educação, em seu sentido am novos valores, aqui entendidos como a mais amplo, com os processos de forma- participação de coletivos de pessoas diferentes ção dos indivíduos como cidadãos, ou ar- com metas iguais. Isto tudo está no campo da ticular a escola com a comunidade edu- educação não-formal. cativa de um território é um sonho, uma utopia, mas também uma urgência e uma Entretanto, se não houver sentido nas for- demanda da sociedade atual. Por isso tra- mas de participação na área da educação, balhamos com um conceito amplo de edu- com projetos de emancipação dos cidadãos cação que envolve campos diferenciados, que objetivem mudanças substantivas e não da educação formal, informal e não-for- instrumentais, corre-se o risco de se ter espa- mal. Acreditamos que propostas se fazem ços mais autoritários do que já eram quando com idéias e fundamentos; por isso, dedi- centralizados. Como democratizar esses es- camos a primeira parte do texto a qualifi- paços? Como ressignificá-los para que as cação e diferenciação de um conceito que obras e serviços realizados numa escola, por tem centralidade no tema que estamos dis- exemplo, não sejam vistos como dádivas de cutido, qual seja: a importância da edu- uma diretora, ou de algum político ou admi- cação não-formal. nistrador público, e sim como direito da po- Reiteramos neste texto a perspectiva que pulação? Como resgatar o direito à educa- Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas 37 ção enquanto política educacional ao nível permanente, uma atividade de ação e refle- das instâncias locais, sem esquecer que elas xão. Não basta um programa, um plano, ou são parte de um todo que extrapola as fron- mais um conselho. É preciso reconhecer a exis- teiras nacionais? Como gerar novas políticas tência e a importância da educação não-for- na gestão dos fundos públicos? mal no processo de construção de uma socie- dade sem injustiças, democrática.. São desafios e tarefas gigantescas. Não dá para contar apenas com heroísmos de al- Construir cidadãos éticos, ativos, parti- guns gestores públicos bem intencionados ou cipativos, com responsabilidade diante do de poucas lideranças da sociedade civil, pois outro e preocupados com o universal e não construir sentido e significados novos na ges- com particularismos, é retomar as utopias e tão da escola é uma prática que tem que se priorizar a mobilização e a participação da pautar por um outro olhar em relação ao pa- comunidade educativa na construção de pel da escola num dado território. Não é mais novas agendas. Essas agendas devem con- possível permanecer no conformismo diante templar projetos emancipatórios que tenham de espaços dominados por antigos métodos como prioridade a mudança social, qualifi- clientelistas, pela ordem tradicional. É preciso quem seu sentido e significado, pensem al- criatividade e ousadia porque as novidades ternativas para um novo modelo econômi- só ganham força quando passam a ter hege- co não excludente que contemple valores de monia em certos coletivos organizados mais uma sociedade em que o ser humano é cen- amplos. Por isso, é preciso voltar os olhos para tro das atenções e não o lucro, o mercado, a organização da sociedade civil, para os pro- o status político e social, o poder em suma. cessos de educação não-formal que nela se A educação não - formal é um campo vali- desenvolvem, e para o papel que a escola oso na construção daquelas agendas, e para pode ter como campo de formação de um dar sentido e significado às próprias lutas novo modelo civilizatório. Precisamos de uma no campo da educação visando à transfor- nova educação que forme o cidadão para atuar mação da realidade social. nos dias de hoje, e transforme culturas políti- cas arcaicas, arraigadas, em culturas políticas Concluímos este texto com uma proposta transformadoras e emancipatórias. Isso não se de caráter sociopolítico: a de transformar faz apenas em aulas e cursos de formação as escolas em centro de referências civili- tradicionais, formulados no gabinete de algum zatórias nos bairros onde se localizam. Para burocrata, e sim a partir da prática da gestão isso propomos a articulação dos processos compartilhada escola/comunidade educativa, de participação da sociedade civil organi- no exercício das tarefas de que a conjuntura zada com as escolas. Propomos, em suma, de uma dada escola, numa determinada co- a articulação da educação formal com a munidade territorial, necessite. Participar dos não-formal para dar vida e viabilizar mu- conselhos e colegiados das escolas é uma ur- danças significativas na educação e na gência e uma necessidade imperiosa, mas exige sociedade como um todo. uma preparação contínua, um aprendizado Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006 38 Maria da Glória Gohn Referências BAUMAN, Z. Community. Cambridge: Polity, 2001. COLL, C. Educação, escola e comunidade: na busca de um compromisso. Pátio: revista pedagógica, Porto Alegre, ano 3, n. 10, p. 8-12, 1999. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. GOHN, M. G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. 2. ed. São Paulo: Cor- tez, 2003. ______. Educação não-formal e cultura política. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. ______. Movimentos e lutas sociais na História do Brasil. São Paulo: Loyola, 1995. ______. Movimentos sociais e educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2003. ______. 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