Recomendações SPS-SPP: Prática da Sesta da Criança (PDF)
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Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
2017
Alexandra Vasconcelos, Catarina Prior, Helena Estevão, Helena Cristina Loureiro, Rosário Ferreira e Teresa Paiva
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This document presents recommendations on the practice of naps for children in Portuguese nurseries and kindergartens. It emphasizes the importance of naps for children's health and well-being, addressing the risks of sleep deprivation. The recommendations aim to standardize best practices regarding daytime sleep for children aged 3 months to 6 years.
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RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA NAS CRECHES E INFANTÁRIOS, PÚBLICOS OU PRIVADOS Recomendação: a sesta deverá ser facilitada e promovida nas crianças até aos 5/6 anos de idade Riscos: a privação do sono na criança está associad...
RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA NAS CRECHES E INFANTÁRIOS, PÚBLICOS OU PRIVADOS Recomendação: a sesta deverá ser facilitada e promovida nas crianças até aos 5/6 anos de idade Riscos: a privação do sono na criança está associada a efeitos negativos a curto e a longo prazo em diversos domínios, tais como o desempenho cognitivo e aprendizagem, a regulação emocional e do comportamento, o risco de quedas acidentais, de obesidade e hipertensão arterial Grupos-alvo: crianças em creche [3 meses aos 36 meses de idade] e crianças em idade pré-escolar [3 aos 5/6 anos de idade] Locais: creches e infantários - estabelecimentos públicos ou privados Grupo de trabalho/autores: Alexandra Vasconcelos, Catarina Prior, Helena Estevão, Helena Cristina Loureiro, Rosário Ferreira e Teresa Paiva Data: 1ª versão: setembro 2016/ versão publicada: 1 de Junho de 2017 NOTA PRÉVIA A Secção de Pediatria Social (SPS) da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), de acordo com o artigo 4º dos seus Estatutos, tem por missão a proteção e promoção da defesa dos Direitos da Criança e do Jovem, inseridos numa sociedade em evolução. A atual situação de inexistência de recomendações claras sobre a sesta para a criança na creche e nos infantários condiciona um importante risco para a saúde e bem-estar atual e futuro das nossas crianças. Em Portugal as crianças, principalmente as que frequentam os estabelecimentos públicos, em norma, não realizam a sesta após os 3 anos de idade. Estas recomendações têm como objetivo uniformizar e promover a melhor prática para o sono diurno ou sesta da criança, desde os 3 meses aos 36 meses de idade [creche] e dos 3 até aos 6 anos de idade [pré-escolar], em estabelecimento público ou privado. INTRODUÇÃO A duração diária do sono diminui progressivamente ao longo do crescimento e múltiplos estudos populacionais têm procurado determinar o número de horas de sono adequado para cada faixa etária. Um recente consenso sobre a duração do sono na criança surgiu em Junho de 2016 nos Estados Unidos da América (EUA) pela Academia Americana de Medicina do Sono (American Academy of Sleep Medicine – AASM) que publicou (J Clin Sleep Med 2016;12(6):785–786) uma declaração subscrita pela Academia Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics – AAP). Este consenso foi possível após um projeto de 10 meses conduzido por um painel composto por 13 dos principais especialistas em sono em idade pediátrica dos EUA. O painel de especialistas analisou 864 artigos científicos publicados abordando a relação entre a duração do sono e a saúde em crianças e avaliou a evidência científica usando um sistema de classificação formal. Na Europa, a maioria dos países nórdicos recomenda um número de horas de sono na criança sobreponível ao preconizado pela AASM não existindo, no entanto, até à presente data nenhum consenso europeu nesta matéria. Em Portugal, a maior parte das crianças não consegue completar o tempo de sono recomendado para a sua idade. É consabido que nas instituições educativas pré-escolares a prática da sesta é habitualmente realizada até aos 3 anos mas que a partir desta idade deixa de ser facilitada ou permitida. A privação da sesta e a não realização do total de 1 RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA horas de sono diárias são uma problemática frequente na prática clínica pediátrica e motivo de preocupação para os pediatras e médicos de família assim como para as respetivas famílias. Neste contexto, a Secção de Pediatria Social (SPS) da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) solicitou a um painel de 5 reconhecidas peritas nacionais nesta área que emitisse parecer/consenso sobre a recomendação para a sesta das crianças até aos 5/6 anos de idade, isto é, até ao fim do período pré-escolar. Estas recomendações nacionais descritas em seguida pretendem constituir um guia, baseado na realidade nacional, na prática clínica pediátrica e na análise cuidada e sistematizada dos dados clínicos disponíveis na literatura e no consenso anteriormente referido. O SONO NA CRIANÇA Não se pode viver sem dormir, assim como não se pode viver sem respirar. A alternância entre a vigília e o sono constitui um ritmo fundamental da espécie humana assumindo particular importância durante a infância. Contrariamente ao que se pode julgar, o sono, ao qual consagramos um terço da nossa existência, não se limita a uma simples ausência de vigília. O sono é um estado muito complexo que serve para reorganizar todas as nossas funções e garantir a nossa recuperação física e psíquica. Durante o sono há renovação celular, produção de hormonas e anticorpos assim como síntese de proteínas e regulação metabólica. Nas crianças o sono contribui de forma importante para o seu crescimento corporal. Ao nascer, os ciclos de sono não são influenciados pela alternância entre o dia e a noite. O bebé dorme em média 17 horas e é a fome que o desperta. Gradualmente, após o 1º mês de vida, o sono vai-se consolidando em torno do período noturno. Por volta dos 6 meses o lactente faz 2 a 3 sestas durante o dia. A partir de 1 ano de idade, a duração do sono diminui em média para 14 a 11 horas e a criança faz três períodos de sono, um de noite e dois de dia: de manhã e à tarde. Entre os 15 e os 30 meses de idade suspende espontaneamente a sesta da manhã, mantendo a sesta da tarde que só abandonará entre os 3 e os 5 anos, ou mais tarde, em algumas crianças. Em relação ao número total de horas diárias de sono, as recomendações na declaração de consenso publicada pela AASM são as seguintes: 1) Lactentes dos 4† aos 12 meses: 12 a 16 horas por 24 horas (incluindo sestas) 2) Crianças de 1 a 2 anos: 11 a 14 horas por 24 horas (incluindo sestas) 3) Crianças de 3 a 5 anos: 10 a 13 horas por 24 horas (incluindo sestas) 4) Crianças de 6 a 12 anos: 9 a 12 horas sono noturno por 24 horas 5) Adolescentes de 13 a 18 anos: 8 a 10 horas sono noturno por 24 horas † - Não foram contempladas nestas recomendações idades inferiores a 4 meses devido a uma ampla variação dos normais padrões e duração de sono nesta faixa etária, bem como à insuficiente evidência científica de associação com consequências na saúde. Poderemos estimar que as crianças de 1 a 2 anos necessitam de 10 -11 h de sono noturno e 2-4 h de sesta e as crianças de 3 a 5 anos 10 -11 h noturnas e 1-3 h de sesta. O sono saudável exige duração/tempo adequado, boa qualidade, regularidade e ausência de distúrbios ou perturbação do sono. É da responsabilidade das famílias cumprir as regras essenciais para a higiene do sono, por: 1) promover um horário regular de deitar a criança todos os dias mantendo essa regularidade aos fins-de-semana, com uma diferença máxima de 30 minutos; 2) ter uma rotina de deitar estabelecida com um ritual que precede a ida para a cama sempre idêntico (vestir o pijama-lavar os dentes-contar história, a título de exemplo); 3) deitar a criança ainda acordada permitindo o uso de objeto de transição como uma fralda, chucha ou boneco; 4) evitar adormecer em local que não a própria cama; 5) evitar atividade estimulante antes de adormecer como exercício físico e 6) não permitir a utilização de ecrãs (televisão, telemóvel, tablet ou consola de jogos) antes de adormecer. 2 RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA Se cabe às famílias promover o sono noturno de qualidade e em quantidade, é da responsabilidade das creches e dos estabelecimentos pré-escolares, para as crianças que os frequentem, garantirem o mesmo para o sono diurno, isto é, a sesta. O SONO DAS CRIANÇAS PORTUGUESAS Tendo em especial consideração que a sesta na criança em idade pré-escolar não está garantida para a maioria das nossas crianças, consideramos que existe uma elevada percentagem de crianças em privação crónica de sono. As crianças em idade pré-escolar (3 a 5/6 anos de idade) devem idealmente realizar 10 a 13 horas de sono/dia, entre 10 -11 horas de sono noturno e 1 a 3 horas de sesta. A criança que inicia o seu dia no estabelecimento pré-escolar entre as 08h e as 09h necessita de cerca de 1h30 para que acorde, seja higienizada, ingira um pequeno-almoço adequado e seja para lá transportada. Assim, terá que ser acordada entre as 07h e as 07h30. Devido à realidade e limitações/impedimentos à qualidade de vida quotidiana familiar, principalmente para as famílias inseridas num contexto urbano, é de salientar que uma elevada percentagem só consegue que as suas crianças em idade pré-escolar (3 aos 5/6 anos) adormeçam entre as 21h e as 22h. Por conseguinte, a média de sono noturno será, na melhor das probabilidades, de apenas 9 a 10 horas. Atendendo ao anteriormente exposto, se para a criança entre os 3 e os 5 anos de idade, a duração total do sono em 24 horas deverá ser de 10 a 13 horas há de imediato uma falta de 2 a 4 horas de sono. Num elevado número de crianças esta privação motiva a ocorrência de sestas tardias ou no trajeto até casa, com interferência no sono noturno e a alterações de comportamento que se repercutem sobre o bem-estar da criança e da família. Desta forma, se a criança não fizer uma sesta ao início da tarde com uma duração mínima de 1 a 2 horas está em óbvia privação de sono. A realização deste simples exercício prático permite-nos concluir que se a sesta não for promovida e incentivada nos estabelecimentos pré-escolares (públicos ou privados) as crianças ficam sujeitas a uma privação de sono crónica com consequências para a sua saúde orgânica e mental. O estudo de Loureiro H demonstrou que as crianças portuguesas, em idade pré escolar, dormem em média 10h06 minutos com um desvio padrão (dp) de 56 minutos, sendo a hora de deitar, durante a semana, em média às 21h00 (dp 30 minutos) e de levantar às 7h20 minutos (dp 28 minutos). Ao fim de semana as crianças deitam-se em média 1 hora mais tarde, mas habitualmente a hora de acordar nesta idade é semelhante à praticada durante a semana, o que se traduz habitualmente numa privação de sono. Noutros países europeus, o tempo médio de sono é de 11 horas e 08 minutos (dp 60 min) aos 4 anos, variando entre 9.7 -14h e de 11h04 (dp 54 min) aos 5 anos variando entre 9.5-13.3h, portanto bastante superior ao encontrado nas crianças portuguesas. Para este tempo de sono contribui sem dúvida a sesta realizada nestas idades. Num estudo populacional português realizado por Silva FG et al, que incluiu 1450 crianças, verificou-se que aos 2 anos 97% das crianças dormiam a sesta, reduzindo-se este número para 68% aos 3 anos, 28,9% aos 4 anos e apenas 7,8% aos 5 anos. Todavia, aos 8 anos ainda dormiam regularmente a sesta 1,6% das crianças, o que ilustra a variabilidade individual das características do sono. Estes dados são semelhantes em diferentes culturas, traduzindo uma necessidade universal de sono diurno para uma grande percentagem de crianças até aos 5 anos. Em comparação com os restantes países europeus o estudo evidencia que o tempo total de sono diário apurado nas crianças portuguesas em idade pré-escolar é dos mais baixos, principalmente entre os 4 e os 5 anos de idade. Os autores tiveram em conta a referência da meta-análise de Gallard et al, revelando que as crianças portuguesas dormem, em média, menos 1 hora. A diferença chega a 1,5 horas aos quatro e cinco anos. Os autores explicam este fenómeno da seguinte forma: “As crianças portuguesas em idade pré-escolar não se deitam muito mais cedo que as crianças mais velhas, ao contrário do que acontece noutros países. Assim, a conservação de um tempo de sono adequado para a idade fica muito dependente da sesta. De facto, aos 4 e 5 anos verifica-se uma redução drástica da frequência da sesta que origina tempos de sono mais curtos. Da nossa experiência clínica, a hora de deitar tardia relaciona-se com a flexibilidade dos pais na hora de deitar mas também com os horários do fim do dia das famílias. O ideal será 3 RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA que as crianças sejam deitadas mais cedo mas, quando isso não é possível a curto termo, defendemos que a sesta deve ser permitida ou mesmo encorajada depois dos 3 anos.” O número total de horas de sono parece não ser afetado pela existência de sestas, sendo que as crianças que dormem a sesta têm tendência para se deitarem um pouco mais tarde, mas numa sociedade em que frequentemente constatamos uma quantidade insuficiente de sono noturno, as sestas podem ser a possibilidade de as crianças em idade pré-escolar completarem a sua necessidade de sono. VANTAGENS DA SESTA Existe clara evidência científica de que dormir com qualidade e no número de horas recomendado, numa base regular, está associado a melhores resultados na saúde, nomeadamente a nível da atenção, comportamento, aprendizagem, memória, regulação emocional, qualidade de vida e saúde mental e física. Tem aparecido, no entanto, uma ou outra referência sugerindo a possibilidade da sesta poder perturbar o sono noturno. A sesta parece promover uma alteração qualitativa na memória que envolve a abstração. A abstração, particularmente importante para os lactentes em desenvolvimento, é essencial no desenvolvimento cognitivo e da linguagem, permitindo grande plasticidade na aprendizagem. Na idade pré-escolar, a sesta tem sido referida como recurso valioso para a consolidação da memória. Efetivamente, estudos efetuados em vários grupos etários indicam que à medida que crescem e têm uma maior maturação neurológica, as crianças suportam períodos de vigília cada vez mais longos entre um período de aprendizagem inicial e a consolidação da memória dependente do sono. Assim, a janela de tempo durante a qual o sono tem impacto na memória é muito mais estreita nos lactentes, pelo que beneficiam em fazer uma sesta dentro das primeiras 4 horas após a aprendizagem, de forma a fazerem a extração e a retenção da informação recebida. Os períodos de sono mais frequentes permitem-lhes codificar e consolidar o afluxo contínuo de informação a que são expostos diariamente. Num estudo efetuado por Kurdziel L et al verificou-se que as sestas, nas crianças em idade pré-escolar, favorecem a aprendizagem na medida em que facilitam a memorização adquirida precocemente durante o dia quando comparadas com intervalos equivalentes em vigília. Este benefício da sesta é maior nas crianças que fazem a sesta de uma forma habitual apesar da idade. A diminuição do desempenho quando privadas da sesta não é recuperada durante a noite de sono subsequente. Consideraram assim que as sestas nas crianças favorecem o cumprimento dos objetivos académicos da educação precoce e que, por isso, deve ser preservada a respetiva oportunidade. Estes autores consideraram mesmo a indicação da sesta para apoio de crianças com dificuldades de aprendizagem. ATÉ QUANDO SE DEVE REALIZAR A SESTA Como entre os adultos, existem “grandes” e “pequenos” dormidores. Algumas crianças aos 4 anos de idade despertam em plena forma depois de dormirem apenas 10 horas e não conseguem fazer a sesta, enquanto outras têm dificuldade em acordar após 11 horas de sono noturno e necessitam de uma sesta de 1 a 2 horas no início da tarde. Podem ser indicadores que a criança está já pronta para um único ciclo diário de sono à noite quando: 1) há resistência prolongada na hora de adormecer à noite porque não está cansada; 2) apresenta despertares noturnos ou acorda muito mais cedo de manhã em comparação com a rotina prévia; 3) incapacidade em adormecer durante o período inicial de 30 a 40 minutos de sesta e 4) tem a capacidade de passar todo o dia acordada com preservação da atenção, humor e atividade sem necessidade de ter uma sesta. Embora o sono insuficiente esteja ligado a uma variedade de problemas comportamentais, de atenção e cognitivos, nem todas as crianças têm as mesmas alterações em resultado da perda de sono ou em associação a um sono mais curto. 4 RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA A variabilidade individual na necessidade do sono é influenciada por fatores genéticos, comportamentais, médicos e ambientais. Uma compreensão mais clara dos mecanismos biológicos subjacentes à necessidade do sono requer ainda investigação científica. Como anteriormente destacado, durante o período pré-escolar a maior parte das crianças precisa de cumprir biologicamente um ciclo de sono bifásico (sono noturno + sesta). A partir dos 4/5 anos de idade algumas crianças começam a transição para o ciclo de sono monofásico (só sono noturno) embora a franca maioria continue a necessitar de realizar a sesta até aos 5/6 anos de idade para permitir o pleno desenvolvimento da sua saúde e bem- estar. Efetivamente não existem recomendações claras que estabeleçam quando é que uma criança deixa de precisar da sesta ou de quanto tempo esta deve durar. Na ausência de evidência científica, mas perante um balanço dos possíveis benefícios e deletérias consequências que a privação da sesta pode ter numa criança, a possibilidade de a fazer deve ser implementada até à idade escolar, devendo as necessidades de sono ser tidas em conta, individualmente. REPERCUSSÕES A CURTO E A LONGO PRAZO À luz dos conhecimentos científicos atuais, a privação da sesta em idade pré-escolar pode condicionar um vasto leque de perturbações orgânicas, físicas, psíquicas e emocionais, por vezes, com consequências a curto e longo prazo, que podem mesmo ser irreversíveis. Por outro lado, dormir regularmente mais do que as horas recomendadas pode estar associado igualmente a efeitos adversos à saúde, como hipertensão, diabetes, obesidade e problemas de saúde mental. As famílias preocupadas com a qualidade ou quantidade de sono da sua criança, quer seja por estar a dormir muito pouco ou muito além das horas recomendadas anteriormente referidas, deverão consultar o pediatra ou o médico de família da criança para a avaliação de uma possível patologia do sono. Sabe-se que a perda de sono e a sua fragmentação afetam de modo direto o humor e a sua regulação, com irritabilidade e distúrbios na modulação dos afetos. As manifestações da privação de sono infantil são variadas, desde os vulgares sinais de sonolência, como esfregar os olhos ou deitar a cabeça sobre a mesa de trabalho, a comportamentos externalizantes, como aumento da impulsividade, agitação motora e agressividade, bem como distração e incapacidade para concluir tarefas. Nas crianças, a privação de sono está, ao contrário dos adultos, mais frequentemente relacionada com sintomas de impulsividade e pouca atenção que podem ser confundidos com a perturbação de défice de atenção e hiperatividade. A privação de sono afeta também as funções neuro-cognitivas com diminuição da flexibilidade do pensamento, do raciocínio abstrato, da destreza motora e da memória, com subsequente comprometimento da aprendizagem. Há ainda uma relação clara estabelecida com o aumento de lesões acidentais e quedas frequentes, tendencialmente ao fim da tarde. O défice de sono durante os primeiros anos de vida pode ainda vir a ter consequências a longo prazo na saúde e bem-estar do adolescente e do adulto. A duração curta de sono em crianças tem sido associada a elevados índices da massa corporal (IMC) alguns anos mais tarde e na idade adulta. Um estudo longitudinal efetuado por Snell et al demonstrou que as crianças que dormiam mais tinham, cinco anos mais tarde, IMC mais baixos e menores taxas de excesso de peso, particularmente no grupo de crianças mais jovens (3 aos 7,9 anos). Um estudo longitudinal com 32 anos de duração, de Landhuis et al, sugere que um tempo de sono reduzido na infância está inversamente relacionado com o risco de ter obesidade na idade adulta, independentemente de outros fatores que possam estar associados. Além das consequências sobre o neurodesenvolvimento e o comportamento, os distúrbios do sono na infância têm sido associados à ocorrência de patologia orgânica do foro cardiovascular, imunológico, do metabolismo da glicose e da função endócrina, nomeadamente com risco aumentado de excesso ponderal/obesidade e de hipertensão arterial. 5 RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA A disrupção do sono infantil e juvenil tem efeitos deletérios nos pais, aumentando nomeadamente o risco de depressão materna e de disfunção familiar. REPERCUSSÕES DA PRIVAÇÃO DO SONO NA CRIANÇA CONSEQUÊNCIAS A CURTO PRAZO Irritabilidade/birras Distúrbios na modulação do humor e dos afetos Maior reatividade emocional Humor variável Perda do controle emocional Falta de atenção/distração Incapacidade de concluir tarefas Perturbação da função neuro-cognitiva Diminuição da flexibilidade do pensamento Diminuição do raciocínio abstrato Perturbação da memória Alteração do comportamento Sonolência diurna Agressividade Impulsividade/hiperatividade Alteração motora Diminuição da destreza motora Aumento de lesões acidentais e quedas frequentes CONSEQUÊNCIAS A LONGO PRAZO Aprendizagem Mau rendimento escolar Comportamento Hiperatividade e défice de atenção Psicológicas Ansiedade Depressão Alterações orgânicas Alteração da função endócrina Alteração da função imunológica Alteração do metabolismo do açúcar (glicose) Obesidade/excesso ponderal Hipertensão arterial Perturbação da vida familiar Aumento do risco de depressão materna Aumento do risco de disfunção familiar RECOMENDAÇÕES Estas recomendações têm como objetivo uniformizar e ajudar a promover a melhor prática para o sono diurno ou sesta da criança, desde os 3 meses aos 36 meses de idade [creche] e dos 3 até aos 6 anos de idade [pré-escolar], em estabelecimento público ou privado. Atendendo à enorme variabilidade interindividual em necessidades de sono e não sendo possível estabelecer uma regra apenas baseada na idade, é importante sublinhar que a sesta não deverá ter carácter obrigatório. Perante um balanço dos benefícios e deletérias consequências que a privação da sesta pode ter numa criança, a possibilidade de a fazer deve ser implementada até à idade escolar, devendo as necessidades de sono das crianças ser tidas em conta, individualmente. É atualmente prioritário assegurar a todas as crianças uma quantidade suficiente de sono de boa qualidade nos momentos apropriados, de acordo com as suas necessidades individuais. RECOMENDAÇÕES GERAIS: 6 RECOMENDAÇÕES SPS-SPP: PRÁTICA DA SESTA DA CRIANÇA A – Devem ser proporcionadas as condições adequadas (leito/colchão, ambiente calmo, escuro, com temperatura adequada, limitação de ruído e com vigilância) a todas as crianças em idade pré-escolar a fim de assegurar a qualidade do sono da sesta. B – Cada criança deve ter um plano individual de sesta, acordado com a família. C – A sesta deve ser promovida pela educadora de infância na presença de manifestações de privação de sono ou necessidade de sesta pela criança. RECOMENDAÇÕES PARTICULARES: A SESTA NA CRECHE Crianças com menos de 24 meses de idade (