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Patrícia Vogado Silva
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This document is a study guide for an introductory law course, specifically, it covers perspectives of analyzing law including the dynamic and static perspectives. It introduces concepts such as legal fact, legal rule, and legal consequence, while contrasting law as objective and subjective. The document also discusses different legal disciplines like history of law, sociology of law, philosophy of law, and theory of law, along with their characteristics and functions.
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Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Professor Miguel Teixeira de Sousa Podemos definir o Direito como sendo um conjunto de normas jurídic...
Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I Professor Miguel Teixeira de Sousa Podemos definir o Direito como sendo um conjunto de normas jurídicas necessárias/imprescindíveis à convivência do Homem em sociedade, fundadas na ideia de justiça e que na coercibilidade encontram uma importante condição de eficácia. (António Santos Justo) § 1º Estudo do Direito Perspectivas de análise Para o estudo do direito podem ser consideradas duas perspectivas distintas: perspectiva dinâmica e perspectiva estática. A perspectiva dinâmica vê o direito como um conjunto de consequências ou efeitos jurídicos. São para esta essenciais conceitos como facto jurídico, regra jurídica e consequência/efeito jurídico. o Facto jurídico - facto que tem relevância jurídica (factos abrangidos por regras jurídicas). Factos jurídicos diferem de “factos brutos” pela sua relevância para o direito. Actos jurídicos Factos jurídicos Factos jurídicos stricto sensu São actos jurídicos todos os factos jurídicos que mostram ser resultados da acção humana. São, então, factos voluntários juridicamente relevantes. (ex: decisão de um tribunal) São, por sua vez, factos jurídicos stricto sensu todos os factos involuntários e não humanos juridicamente relevantes. (ex: catástrofes naturais; morte) o Regra jurídica – significado de uma fonte do direto. São estas que determinam a relevância jurídica dos factos, sendo então através da sua análise que podemos distinguir um “facto bruto” de um “facto jurídico”. Não há direito sem regras e as regras são o que define uma consequência jurídica. o Consequência/efeito jurídico – resultado da aplicação de uma regra jurídica a um facto jurídico. EXEMPLO: “A emprestou 1000€ a B” – é um facto jurídico porque se integra na previsão de uma regra jurídica. A aplicação dessa regra define a consequência, sendo essa a de que B é obrigado a restituir A na quantia emprestada. A perspectiva estática, por contraste, considera o direito em si mesmo, independentemente dos efeitos jurídicos. Baseia-se, assim, no estudo da regra e não no facto de esta ter ou não sido aplicada e de qual a consequência que essa aplicação originou. Esta é a perspectiva adoptada em Introdução ao Estudo do Direito. 1 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva A palavra “direito” pode ser aplicada objectiva ou subjectivamente: o Direito objectivo – direito em sentido jurídico. Pode ser estudado atendendo a várias disciplinas jurídicas. “O direito Português…” - law o Direito subjectivo – são consequências jurídicas, dado que derivam de regras jurídicas. Verifica-se a posição de um sujeito (titular do direito) quanto a uma determinada circunstância. “O direito do credor”; “o direito do proprietário” - right A perspectiva adoptada em Introdução ao Estudo do Direito é a do direito objectivo, uma vez que o direito subjectivo se relaciona com consequências jurídicas. Disciplinas Jurídicas o História do Direito – analisa a formação e evolução do direito. Olha para o direito como uma realidade cultural, pelo que muitas vezes tem por base várias parecenças entre culturas. É o exemplo do Direito Romano e o Direito Português o Sociologia do Direito – trata do direito enquanto factor social e, assim, determina as suas funções e a sua eficácia na sociedade. Conclui ser válido o direito que é observado e aplicado e defende que o direito existe para dar resposta a problemas sociais, pelo que a cada época história corresponde um direito distinto. Divide-se em Sociologia do Direito Empírica (forma como o direito é utilizado e aplicado na sociedade) e Sociologia do Direito Teorética (análise teórica do direito como objecto social) o Filosofia do Direito – ocupa-se com questões como o que é o direito ou quais os valores a que este se sujeita. Estuda, então, o fundamento, a essência e o fim do direito. Divide-se em correntes, como a corrente jusnaturalista - não aceita a separação entre o que o direito que é e o que deve ser. Sé o direito é assim, é porque assim deve ser. O direito é definido em função de critérios como a justiça e a moral – critérios suprapositivos - e a corrente positivista - direito é definido em função de critérios jurídicos, baseando-se, ao contrário da corrente anterior, na distinção entre o direito que é e o direito que deve ser. “Se vigora, é direito”. Recorre a conceitos (soft concepts) como justiça, equidade, etc. o Teoria do Direito – analisa o direito vigente de maneira teórica (independente das consequências jurídicas). Procura elaborar conceitos para a análise do direito (hard concepts), como os de fontes do direito e de regras jurídicas, tentando construir o sistema jurídico (conjunto de regras). É, por exemplo, no tipo de conceitos utilizados que a Teoria do Direito contrasta com a Filosofia do Direito. Ciência do Direito A Ciência do Direito relaciona-se com a Metodologia do Direito (Metodologia da Ciência do Direito). O direito é observado através de uma perspectiva científica, relacionando- se com casos concretos. o Distinção: Distingue-se da Sociologia do Direito por analisar o direito como pertencendo à ordem do dever ser (realidade normativa), ao contrário da Sociologia que o estuda como pertencendo à ordem do ser (realidade social). Melhor, podemos dizer que a Sociologia do Direito examina o direito de um ponto de vista externo e 2 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva se foca na sua efectividade, ao contrário da Ciência do Direito, que olha para o direito de um ponto de vista interno e analisa-o na sua função de resolução de casos concretos. No que toca à comparação entre Ciência do Direito e Filosofia do Direito, verificamos que estas diferem na sua perspectiva de análise. A Filosofia do Direito pretende responder à pergunta “Quid est ius?” (“o que é o Direito?”) enquanto a Ciência do Direito procura responder à pergunta “Quid Iuris?” (“qual a solução dada pelo direito?”) Relativamente à Teoria do Direito, a Ciência difere-se por nos ensinar a resolver casos concretos do direito, ao contrário da primeira. o Caracterização: É uma ciência social que considera o direito não só como ele é legislado, mas também como é praticado e aplicado. É, também, uma ciência normativa porque determina como devem ser resolvidos os casos práticos de acordo com os critérios jurídicos. Podemos afirmar que a Ciência do Direito é uma ciência do espírito – “explicamos a natureza, compreendemos a vida do espírito” (DILTHEY). Isto significa que estudar o Direito é compreender o Direito e não explicar, por exemplo, as regras jurídicas. Em contraste, ciências como a Biologia não procuram compreender o que é a Biologia, mas sim explicar os fenómenos biológicos. Relativamente às tomadas de decisão em Direito, não temos de descobrir ou explicar, mas sim de fundamentar a decisão através de argumentos racionais (e não empíricos). A Ciência do Direito tem valores próprios porque não é arbitrária – justiça, segurança, equidade. o Funções: A Ciência do Direito comporta funções como: Função heurística (produtiva) – possibilita a resolução de casos concretos através do enunciado de proposições jurídicas e formulação de teorias. Função de sistematização – propõe classificações, elabora proposições e formula teorias coerentes entre si e para com o sistema jurídico Função estabilizadora (orientadora) – proposições e teorias criadas fornecem os chamados modelos de decisão. Estes evitam uma constante revisão sobre certos assuntos, criando condutas para a resolução de casos que se relacionem com esse assunto. Estes modelos de decisão advêm da existência de uma teoria dominante. Função crítica (político-legislativa) – chama-se através da Ciência do Direito a atenção para incoerências, insuficiências e lacunas do ordenamento jurídico. o Construção: A Ciência do Direito formula proposições – descrições de regras jurídicas - e teorias jurídicas – hipóteses/modelos de decisão de casos concretos. Uma teoria jurídica é bem formulada se permitir a solução de todos os casos que por ela devem ser abrangidos. Pode, no entanto, haver casos excepcionais onde a teoria não se aplica, por estes casos merecerem uma solução diferente. Apesar disto, não é uma teoria adequada uma teoria jurídica que não permita resolver casos que não merecem uma solução diferente dos outros. 3 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Ciências auxiliares o Direito Comparado – permite comparar várias ordens jurídicas ou institutos de diferentes ordens jurídicas. Em grande escala, permite distinguir sistemas jurídicos (ex: sistema romano-germânico vs sistema anglo-saxónico) o Política do Direito – observa o direito de uma perspectiva crítica, fornecendo orientações para o desenvolvimento/aperfeiçoamento do direito vigente. Baseia-se numa visão do que o direito deve ser e não numa visão do que ele é presentemente. A Política do Direito é o que nos mostra o pensamento jurídico dominante e os valores que predominam na sociedade. o Ciência Económica – sendo o direito responsável pela regulação da produção e da distribuição dos bens, tem obrigatoriamente de se cruzar com as regras económicas que controlam esses temas. É desta relação Direito vs Economia que nasce a Análise Económica do Direito, que determina quais as regras jurídicas a aplicar para uma utilização mais eficiente dos recursos económicos § 2º Ordem social e normativa Ser e dever ser A distinção entre o ser e o dever ser remonta a Hume e, mais tarde, a Kant. O ser é descrito – “Hoje está Sol” – o dever ser é prescrito – “Estejam atentos!” O ser pertence ao domínio da razão teórica – razão que orienta o conhecimento – e o dever ser ao da razão prática – razão que orienta a acção. O ser é existente – “é o não é” – e o dever ser é vigente – “vigora ou não vigora” O ser não pode ser considerado válido ou não válido, mas sim verdade ou não verdade. Por contraste, o dever ser não pode ser tomado como verdadeiro ou falso, uma vez que não descreve (ao contrário do ser) nenhuma realidade. Este segundo é, então, tido como válido ou inválido. EXEMPLO: “Em Portugal existe pena de morte” É uma proposição jurídica – ordem do ser – neste caso falsa porque não existe cá pena de morte “Saiu hoje um Artigo agora presente no Código Penal que reintroduz a pena de morte” (O artigo) É uma norma jurídica – ordem do dever ser – neste caso inválida porque a pena de morte é anticonstitucional Esta distinção entre ser e dever ser no âmbito da verdade e da validade torna-se clara na utilização do discurso indirecto. EXEMPLO: “A Teresa disse que está a chover” Se a Teresa realmente afirmou que está a chover, então a proposição é verdadeira. No entanto, ela pode tê-lo afirmado e, na realidade, estar Sol. Neste caso, estamos perante uma afirmação falsa. “O sargento Bento deu uma ordem ao coronel Carlos” Não podemos saber se é ou não verdade que o sargento Bento deu, de facto, uma ordem ao coronel Carlos. No entanto, podemos afirmar que essa ordem, qualquer que seja, é inválida, uma vez que um sargento não tem qualquer autoridade perante um coronel. Isto mostra-nos que no âmbito do dever ser não podemos falar de outra coisa que não de validade ou invalidade. O dever ser pode, ao contrário do ser, ser violado. 4 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Nenhum dever ser pode ser tido como uma proposição analítica – aquelas em que a verdade depende apenas do significado dos seus termos – nem como uma proposição sintética – aquelas cuja verdade depende de algo que tem de ser provado. “A verdade da descrição de um dever ser é independente da validade do dever ser descrito.” – Miguel Teixeira de Sousa Nenhum dever ser pode ser tido como sintético – não pode ser verdadeiro em si mesmo – nem como analítico – não é comprovável por factos empíricos. Como principal consequência desta distinção entre ser e dever ser, temos a chamada falácia naturalista – impossibilidade de deduzir qualquer ser de um dever ser e qualquer dever ser de um ser. “Se as premissas de um silogismo são ambas do modo indicativo, a conclusão será igualmente do modo indicativo” – Poincaré (o mesmo acontece com o modo imperativo) O dever ser deriva sempre de um querer, apesar de tal não significar nem que qualquer querer é um dever ser (base dos regimes totalitários) nem que um dever ser pode ser reduzido a um simples querer. “O querer de quem estabelece um dever ser deve, ele mesmo, ter por base valores compatíveis com a respectiva ordem normativa.” – Miguel Teixeira de Sousa Normatividade da ordem social A sociedade rege o seu comportamento tanto por regras de dever ser, como por hábitos/usos sociais. Existem numa sociedade várias ordens normativas, como: o Ordem moral – orienta a sociedade para a realização do bem. É uma ordem intra- individual (do sujeito para consigo próprio) e regula aspectos como o decoro (honestidade, dignidade, decência, …) o Ordem do trato social – são os chamados convencionalismos sociais, dos quais são exemplo as normas da boa educação ou da cortesia. É uma ordem intersubjectiva e as sanções que dela podem resultar são baseadas na reprovação social. o Ordem jurídica – é constituída por regras jurídicas e é uma, também, uma ordem intersubjectiva. Trata-se da mais importante ordem normativa de ordem social, sendo a única cujas regras dispõem de coercibilidade – susceptibilidade de impor pela força o cumprimento de uma regra jurídica ou de uma sansão. O comportamento da sociedade é essencialmente determinado pela posição social que cada indivíduo nela ocupa. (Ex: aluno tem atitudes diferentes consoante está numa aula ou com os amigos). grupos indivíduos interagem e cooperam directamente entre si Interacção instutuições social indivíduos não interagem mas a sua conduta individual altera o sistema ex: moda global 5 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Existem dois modelos base de interacção social: Os grupos sociais são conjuntos de pessoas que interagem entre si e estabelecem relações sociais. Os membros de um grupo partilham certas ideias/convicções. São realidades inter-individuais, dado resultarem da interacção entre os seus membros. Num grupo, a ordem social depende dos interesses dos seus membros e é construída por eles mesmos. As instituições, por sua vez, são independentes dos membros que a compõem, tornando-se supra-individuais. Nestas, há uma ordem social que é imposta aos seus membros, sendo-lhes geralmente atribuído um status. Este status é o resultado das regras institucionais, pelo que todos têm de comportar igualmente certas sansões. (ex: instituição familiar, instituição de ensino, instituição política, …). Tendo as instituições uma ordem normativa própria, estas apresentam funções de socialização – distribuem diferentes papéis sociais aos seus membros – e de estabilização – definem normas de comportamento de acordo com valores próprios. A participação de um indivíduo em diversos grupos e instituições permite-lhe atingir diversos fins. Por causa desta ordem normativa inerente às instituições, alguns juristas acreditam que as regras das instituições devem ser recebidas pelo Direito – institucionalismo jurídico. (Oliveira Ascensão). Surge ainda uma outra corrente – neo-institucionalismo – que defende a ideia de que o Direito não só deve receber e recebe de facto essas regras provenientes das instituições, como ainda cria algumas delas (ex: casamento, contracto, propriedade) (Weinberger) Conclui-se, então, que se é importante o papel das instituições na produção de direito, fornecendo estas ao legislador uma ordem normativa “pré-formatada”, também é importante que essas mesmas instituições não estejam nunca fora ou acima do direito, não se impondo nunca a sua ordem normativa ao legislador. Ordem social e ordem jurídica O direito justifica-se pelo facto de os humanos não viverem isolados (alteridade). “O direito só existe na sociedade – ubi ius ibi societas – mas também é imprescindível em qualquer sociedade – ubi societas ibi ius.” A necessidade do direito provém do facto de existir uma escassez de bens necessários às necessidades humanas. Isto torna importante a existência de normas que facilitam a compatibilização entre a sociedade. Para além disso, as pessoas tem geralmente tendência a dar preferência às suas necessidades e aos seus interesses, sendo este egoísmo o que torna essencial a existência do direito. O direito mostra-se, assim, fundamental para assegurar uma vida que não se baseie apenas na sobrevivência. O direito é uma realidade humana – estabelece regras de conduta humana e, dirigindo- se apenas às pessoas – é uma realidade social – é inerente à vida em sociedade – e é uma realidade cultural – é transmitido às gerações seguintes e, numa visão alargada, podemos mesmo dizer que o direito é cultura. No que toca às ordens normativas, o direito é uma ordem normativa distinta da ordem do ser. Existem dois tipos de leis distintos: leis do ter de ser e leis do dever ser. 6 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva “Todos os homens acabam por morrer” – “Não deves matar” (Radbruch) Isto mostra-nos a existência de duas espécies de leis distintas – leis do ter de ser (“must”) e leis do dever ser (“ought”). As leis do ter de ser exprimem algo que se vai realizar independentemente de tudo o resto e as leis do dever ser ordenam algo que pode ou não ser realizado. Algumas correntes jusfilosóficas associam o direito à ordem do ter ser, afirmando que a Ciência do Direito é igual a qualquer ciência natural como a Biologia. Disto advém que o direito é analisado como um fenómeno causa-efeito – (“Se A, então B”). Isto é a base do realismo jurídico. No entanto, isto não está correcto, na medida em que o direito é inseparável do dever ser. Não se verifica uma relação causa-efeito mas sim uma relação facto-efeito jurídico – (“Se A, então deve ser B”). Delimitação da normatividade A existência de uma ordem dita natural em qualquer sociedade não faz com que esta ordem seja regulada pelas normas da natureza. Isto significa apenas que há uma ordem social de ordem normativa que é respeitada, em geral, por toda a sociedade. Isto demonstra a diferença entre as leis de ordem normativa e as leis da natureza. As leis da natureza/leis naturais são gerais, pois não tratam de objectos singulares ou de quantidade finita; são universais porque são independentes do espaço e do tempo e valem mesmo que sejam submetidas a condições irreais; não são violáveis, pois se essa lei não se verifica, não é lei. São leis descritivas, sendo a ordem natural uma ordem de necessidade – é regida por leis naturais que enunciam uma relação causa-efeito. Por sua vez, a ordem social é uma ordem de liberdade. As leis de ordem normativa deixam sempre a liberdade ao agente de escolhe entre cumprir ou não determinada regra. Com isto, surge a diferença entre o “estar (ou ser) obrigado a” e o “ter a obrigação de”. No primeiro caso, não estamos perante uma ordem normativa precisamente porque o agente não tem liberdade para escolher entre cumprir ou não o que lhe é proposto – princípio da coacção. No segundo caso, no entanto, estamos perante uma ordem normativa dado que há espaço para escolha por parte do agente. Tal como as ordens normativas, também a técnica orienta a conduta humana. Esta diz- nos que “Se queremos A, temos de fazer B”, sendo B a estratégia – técnica - para atingir o objectivo A. Isto impõe-nos uma inferência prática ou um silogismo. A técnica é orientada pela contingência – “Se A…” – e pela racionalidade instrumental – “então usa-se o meio B”. EXEMPLO: “S, residente em Lisboa, quer ir a um concerto no Porto. Só se S for ao Porto é que pode ir ao concerto. Logo, S tem de ir ao Porto.” Na técnica, podemos distinguir entre regras descritivas – fornecem instruções sobre como resolver um problema - e regras tecnológicas – determinam como atingir um certo resultado. As regras técnicas enunciam um ter de ser (“must”). As ordens normativas e técnicas intersetam-se sempre que estamos perante uma ordem normativa que impõe ao agente a obtenção de determinado resultado. EXEMPLO: “P deve entrar ao trabalho às 9h. Para isso, P tem de sair de casa com 1h de antecedência. Logo, para chegar a horas, P tem de sair às 8h” 7 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva § 3º Ordem jurídica e direito Posição do direito O direito não pode ser produzido e aplicado fora do ambiente social em que se insere, uma vez que surge como resposta às exigências colocadas pela sociedade. Podemos assim dizer que a crescente complexidade das sociedades gerou uma crescente complexidade no direito. Apesar de não pertencer à ordem do ser, o direito deve sempre respeitar a realidade ou a chamada natureza das coisas. Num dos seus sentidos, a natureza das coisas é uma realidade preexistente que o direito tem de respeitar, como aspectos físicos (tempo), biológicos (morte), psicológico (sentimentos), económicos (leis da economia) e sociais (cultura da sociedade). O direito representa uma das ordens normativas da sociedade e, apesar de ser a mais importante e de ser essencial em qualquer sociedade, não é nem deve ser aplicado a todas as relações sociais. Assim, segundo o princípio da subsidiariedade do direito, este não se deve sobrepor a outras ordens normativas quando estas regulem com sucesso as relações sociais às quais se aplicam. A aplicação do direito só é necessária quando é importante que seja o Estado a assegurar o cumprimento das suas regras ou quando as O direito deve limitar-se a proteger certos bens – os bens jurídicos. Se as regras jurídicas existem para proteger pessoas, coisas e situações, os bens jurídicos são então definidos como tudo o que é relevante para a vida em comunidade jurídica e que o legislador tem interesse em preservar. São, por exemplo, aqueles que satisfazem as necessidades básicas das pessoas. A subsidiariedade do direito implica que exista uma certa área que o direito não abrange. A essa área chamamos espaço livre do direito ou espaço ajurídico, que deve ser protegido. Pode ser estabelecido por parte do legislador que uma conduta seja permitida, obrigatória ou proibida. Todas as obrigações e proibições têm de ser estabelecidas pelo legislador, pelo que podemos concluir que algo que não é à partida tido como obrigatório ou proibido, é permitido – “Favor libertatis”. Assim, é permitido tudo o que não é obrigatório ou proibido. A liberdade de um sujeito implica sempre, no entanto, a restrição à liberdade de outro. Deste modo, as regras com significado permissivo são essenciais para legitimar a restrição imposta à liberdade do agente. Funções do direito o Função constitutiva – direito constitui uma realidade que não existem sem ele – “não há direito fora do direito”, p.e, sem direito um homicídio continua a ser um homicídio mas não é crime de homicídio, pelo que não é julgado. Isto mostra-nos que “sem leis penais não há crime”. Sem direito, uma promessa não é jurídica, podendo eventualmente ser apenas social ou moral. Esta função constitutiva está também presente nos conceitos jurídicos, como “dever” ou “validade”. Estes 8 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva conceitos apenas existem dentro do direito, pelo que a nada se referem sem ele. São, por construírem a sua própria referência, conceitos auto-referenciais. O direito constitui um agregado jurídico e nele encontramos regras que cumprem duas funções em simultâneo – orientar condutas (razões para agir ou não agir) e fundamentar juízos (razões para julgar). Assim, existe no direito uma razão prática – direito determina o que se deve ou não fazer – e uma razão juridicativa – direito determina como julgar. o Função política – apresenta uma função política através da organização do poder político – combate à anarquia – e impondo-lhe limites – combate ao totalitarismo. Anarquia – domínio do Homem sobre o Homem; ausência de regras Totalitarismo – aplicação de regras por parte de um poder político sem qualquer controlo Para se opor ao totalitarismo, o direito divide os poderes soberanos e a competência dos órgãos políticos e garante as liberdades cívicas, gerando o Estado de direito. o Função social – torna-se clara no plano das relações entre indivíduos e nas relações entre a sociedade e esses indivíduos. O direito define quais os comportamentos proibidos, obrigatórios e permitidos, tornando-os mais previsíveis. O direito regula também a contribuição da sociedade para os indivíduos – serviços como educação e saúde – e dos indivíduos para a sociedade – como os impostos. o Função pacificadora – o direito determina os modos de solução dos conflitos internos da sociedade, aplicando sanções aos que não respeitam as suas regras. A confiança no direito necessária para que este desempenhe uma função pacificadora relaciona-se com o Estado e com a rule of law – o governo é também obrigado a cumprir as regras previamente estabelecidas pelo direito, permitindo uma maior previsibilidade perante as suas acções. No entanto, não basta aumentar as sanções e a repressão, sendo muito mais vantajosa a partilha de valores e a estabilidade social. O Direito e a moral Tendo em conta que o direito e a moral são duas ordens normativas distintas, é necessário saber que critério deve ser usar para as distinguir, que relações têm entre si – perspectiva empírica - e que relações deveriam verificar-se – perspectiva normativa. A grande diferença entre o direito e a moral prende-se com a exterioridade das regras jurídicas e com a interioridade das regras morais. Esta distinção foi enunciada por Fichte e depois aproveitada por Kant, baseando-se no seguinte: EXEMPLO: “Sujeito A tem a intenção de matar B” – esta é uma ideia moralmente errada, dado que A, mate ou não B, tem essa intenção/vontade. Em termos jurídicos, no entanto, não há relevância nesta questão, uma vez que essa vontade não foi exteriorizada. “Sujeito A mata B” – nesta segunda situação, dada a ocorrência da exteriorização da intenção previamente enunciada, o direito já não fica indiferente e julga o sujeito A de acordo com o presente, neste caso, no Código Penal. No entanto, isto não significa que a intenção do agente seja irrelevante para o direito ou que a exteriorização da conduta não tenha importância para a ordem normativa da moral. Em direito, existe inclusivamente distinção entre uma acção dolosa – agente tem intenção de provocar o resultado obtido – ou uma acção negligente – agente não tinha intenção de provocar o tal resultado. O direito faz ainda uma ressalva perante a coação 9 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva física ou moral pelo que, nesses casos, as leis são específicas e diferentes das aplicadas ao agente que cometa a violação da lei de livre vontade. Mesmo sendo ordens normativas distintas, podemos muitas vezes verificar que os grandes problemas de ordem moral são também grandes problemas no mundo do direito. Este é o caso, por exemplo, do aborto ou da procriação medicamente assistida. o Perspectiva empírica – direito e moral relacionam-se por coincidência ou não coincidência. Existem regras jurídicas que coincidem com regras morais – concordância – e normas jurídicas que divergem de normas morais ou lhes são moralmente neutras – não concordância. Num caso de concordância, pressupõe-se que ocorre a valoração da moral por parte do direito feita, por exemplo, através da incorporação de regras morais no direito (ex: proibição da pena de morte) ou da atribuição de relevância jurídica a valorações morais (ex: dever da obediência – art. 128º CC). Essa valoração da moral pelo direito pode ainda ser feita por atribuição de relevância jurídica a deveres morais sem que estes se tornem também deveres jurídicos (ex: obrigações naturais). Num caso de não concordância, podemos estar perante regras indiferentes da moral para o direito e do direito para a moral ou perante regras jurídicas que contrariam regras morais (ex: aborto, eutanásia). o Perspectiva normativa – o direito não deve ficar indiferente perante a moral. Este deve, no entanto, receber da moral apenas aquilo que se mostra importante para a convivência social. Isto está então relacionado com o princípio da necessidade – direito recebe apenas o que lhe é necessário, deixando para a ordem moral tudo o resto que ela contém. Este princípio resulta do facto do direito e a moral terem perspectivas diferentes relativamente à mesma situação. EXEMPLO: para o direito, a proibição de homicídio prende-se com a necessidade de assegurar a convivência em sociedade pois essa é uma função do direito. Para a moral, no entanto, a proibição de homicídio está relacionada com o “fazer o bem” e com o “ter amor ao próximo” e não com a convivência em sociedade. Isto corresponde à tese de separação – direito e moral não têm ou não deve sequer ter uma coincidência necessária. Para obter esta separação direito – moral, podemos percorrer duas vias: - Direito considera indiferente o que é moral, não assumindo qualquer posição (ex: áreas da moral que não regulam a organização da sociedade e das quais o direito, assim, não precisa.) - Direito limita-se a permitir o que é moral e o que é imoral, deixando ao agente a liberdade de escolha relativamente ao que fazer. (ex: aborto). Assim, nem tudo o que é indiferente ou permissivo em termos jurídicos é moralmente correcto. O Direito e a justiça A justiça é a base do direito, sendo o sentido do direito o de servir a justiça. No entanto, sendo a justiça um valor do direito, não é o único. Para Aristóteles, a justiça pode ser dividida em justiça distributiva e justiça comutativa. 10 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva o Justiça distributiva – orienta a distribuição de bens (materiais e imateriais). Regula as relações “verticais” entre a comunidade e um indivíduo, gerindo-se pelo princípio da proporcionalidade geométrica – “o mesmo para os que precisam do mesmo, mais para os que precisam de mais”. Verifica-se um tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, assentando assim num princípio de descriminação positiva. Conclui-se que, nesta perspectiva, “aquele que necessita de mais tem direito a receber mais do que aquele que não necessita de tanto”. o Justiça comutativa (ou correctiva) – orienta as “transacções entre os indivíduos”. Trata das relações “horizontais”, seguindo um princípio de proporcionalidade aritmética - “é justo que aquele que mais trabalho receba uma maior remuneração” – equilíbrio prestação/contraprestação. A justiça comutativa pode dividir-se em iustitia vindicativa (não adoptada nos dias de hoje) – “olho por olho, dente por dente” – e em iustitia restitutiva – “aquele que violou um bem jurídico deve reconstituir a situação que existia antes da violação”. Cerca de 1500 anos depois de Aristóteles criar esta distinção, S. Tomás de Aquino pega na definição de justiça distributiva e afirma que, sendo toda ela verdadeira, temos de ter em conta o seu contrário: analisar não só o contributo que a comunidade tem para cada indivíduo, mas também o contributo devido por cada indivíduo à comunidade – justiça legal. A justiça legal determina os deveres/encargos de cada um para atingir o bem comum, sendo que essa contribuição deve ser proporcional às possibilidades de cada um. Entre os interesses individuais e o bem comum pode haver concordância – interesse individual coincide com o bem comum - ou conflito – interesse individual não coincide com o bem. Dentro do conflito, pode dar-se o caso de interesse individual e o bem comum não coincidirem mas haver algum benefício para o prejudicado (1), como também pode dar-se o caso de tal não acontecer (2). EXEMPLO: (1) Construção de uma auto-estrada beneficia a colectividade, mas prejudica quem vive perto dela com barulho. No entanto, estes podem também vir a beneficiar da mesma. (2) Experiências clínicas realizadas num doente em estado terminal não lhe salvarão a vida, mas poderão salvar a vida de quem venha um dia a ter a mesma doença. A justiça distributiva em conjunto com a justiça legal origina a justiça social, que rege as relações entre os particulares e o Estado. Existe ainda a justiça material que se baseia em critérios de justificação e adequação. A chamada “pena justa” é uma pena que é justificada e adequada. O Direito e a democracia O poder político é um poder sobre a sociedade e os seus membros, pelo que nem para eles nem para o direito é indiferente a maneira como esse poder político está atribuído e distribuído. O direito é, muitas vezes, criada pelo poder político através de órgãos com essa competência. A democracia é o sistema político caracterizado pela igualdade política de todos os membros, abolindo a posição imperativa de um só. A soberania, na democracia, é colectiva – “É o poder do povo, pelo povo e para o povo” - Abraham Lincoln 11 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva À democracia podemos atribuir aspectos normativos – valores fundamentais da democracia – e aspectos funcionais – processo democrático da decisão (há SEMPRE uma prevalência da vontade da maioria sobre a da minoria). Os aspectos normativos relacionam-se com a trilogia de Kant – “liberdade como pessoa; igualdade como súbdito; autonomia como cidadão” O Direito e o Estado Mostra-se essencial responder às questões: “o que prevalece, o Direito ou o Estado?” e “há Direito sem Estado?” Não há Estado sem direito, uma vez que o direito é essencial para a organização do Estado. Podemos assumir que o Estado prevalece sobre o direito dado que não se submete a ele nem por ele está limitado (regimes totalitaristas), mas também podemos assumir que o Direito prevalece sobre o Estado, dado que podemos afirmar que o Estado está limitado pelo direito, assim como está a sua produção (Estado de direito). O Estado de direito aceita sempre os limites impostos pelo direito, subordinando-se à Constituição e às leis. Porém, o direito é produzido pelo próprio Estado, pelo que podemos afirmar que o Estado se subordina a um direito que ele próprio produz – “who watch the watchman?” / “quem guarda o guarda?”. Estamos perante um paradoxo de soberania – “o soberano está, ao mesmo tempo, fora e dentro da ordem jurídica” – Agamben. Tendo tudo isto em conta, a resposta a como limitar o poder do soberano quando este está fora do ordenamento jurídico é a democracia – o soberano, mesmo nessas circunstâncias, tem de ter presentes os valores democráticos da justiça e da tolerância. Apesar de não haver Estado sem direito, há direito sem Estado. Esse direito pode ter a sua fonte na própria sociedade – como o direito consuetudinário – ou em entidades supra-estaduais – como o direito criado pela União Europeia – ou em entidades infra- estaduais – como as Regiões Autónomas. Para além disso, o direito também não precisa do território de um Estado para vigora e, como exemplo disso, temos o direito regional e o direito local. § 4º Ordem jurídica e imperatividade Enquadramento geral A ordem jurídica impõe um dever ser e espera que esse seja cumprido. Esse cumprimento das regras pode ser mecânico ou intencional. Se esse dever ser não for observado, o direito tanto pode limitar-se a atribuir um certo desvalor ao acto jurídico, como pode aplicar uma sansão ao agente. A ordem jurídica é, assim, coactiva – a imperatividade do direito gera a cominação de uma sanção a quem violar uma regra jurídica. Não basta, no entanto, que o direito dite a sanção, é necessário que esta se faça cumprir. Disso resulta a coercibilidade do direito, sendo a ordem jurídica a única ordem normativa que a detém. A ordem jurídica é assim simultaneamente imperativa – é prescrito um dever ser – coactiva – verifica-se a cominação de uma sansão ao agente que violou a regra jurídica – e coerciva – pode ser importo pela força o cumprimento dessa sansão. 12 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Desvalores jurídicos A actuação dos agentes tem certos limites e daí resultam valores jurídicos negativos: ilicitude – desvalor atribuído às condutas dos agentes dos actos que infringem comandos ou proibições – e ilegalidade – desvalor que recai sobre os actos jurídicos. A ilicitude representa assim a desconformidade de uma conduta com uma regra jurídica. Relaciona-se com a responsabilidade civil, disciplinar, contra-ordenacional e penal uma vez que todas estas são necessárias ao agente para que este pratique um acto ilícito. A ilicitude é um dos elementos da responsabilidade jurídica. A ilegalidade é a contrariedade de um acto jurídico à lei, pelo que todo o acto que viola a lei é ilegal. Esta, dentro de si, tem desvalorações específicas – inexistência, invalidade e ineficácia. o Inexistência – forma mais grave de ilegalidade; É considerado grave que para o direito nada existe. EXEMPLO: acto normativo que não tenha sido promulgado pelo PR – é inexistente – art 137º CRP // casamento celebrado por alguém sem competência para tal – art 1628º CC o Invalidade – comporta as modalidades de nulidade – decorre da violação dos interesses mais relevantes – e de anulabilidade – violação de interesses menos relevantes. A nulidade é invocável a qualquer momento. A anulabilidade tem de ser arguida pelos interessados num determinado prazo e é sanável pelos mesmos mediante confirmação ou ratificação. o Ineficácia – situação de inoponibilidade do acto EXEMPLO: acto normativo não publicado – art 119º, nº 2CRP Acto administratito que não tiver sido publicitado – art 130º, nº 2 CPA Sansões jurídicas A sansão jurídica é um dos meios adoptados pelo direito para impor o cumprimento ou evitar o incumprimento de uma regra jurídica, indicando assim a reprovação da acção do agente perante a ordem jurídica. Esta pode traduzir-se numa desvantagem para o infractor ou numa vantagem a quem cumprir a regra. As sansões podem, no fundo, ser preventivas – procuram evitar a violação do direito - repressivas – impõem uma pena ao agente que não cumpriu com a regra jurídica - ou reparadoras – visam reconstruir a situação existente antes da violação da regra jurídica. Independentemente disso, todas as sansões têm um carácter preventivo, uma vez que pode ser por receio da sua aplicação que o agente cumpre a regra jurídica em vigor. A sanção é sempre estabelecida por uma regra jurídica, podendo entender-se que esta decorre de uma regra autónoma, complementar ou subsidiária de uma regra de conduta: uma regra impõe uma conduta e uam outra regra determina a reacção contra a sua violação. Assim, as regras de conduta definem o comportamento que é obrigatório ou proibido e as regras autónomas, complementares ou subsidiárias das regras de conduta determinam a respectiva sanção na hipótese de desrespeito daquele comportamento. Da regra sancionatória é sempre possível retirar qual o comportamento devido pelos agentes (p.e. “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos” – daqui retira-se que a conduta devida é a de não matar outrem). No entanto, a distinção é feita porque a regra de conduta e a regra 13 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva sancionatória têm destinatários distintos. Isto faz com que, então, elas só possam ser violadas por diferentes destinatários. Enquanto o desvalor jurídico incide sobre condutas (ilicitude) ou sobre actos jurídicos (ilegalidade), a sanção atinge o agente que violou o direito. Para a observância das suas regras jurídicas, o direito tem dois meios: meios punitivos – imposição de uma desvantagem aos infratores - e meios premiais – atribuição de uma recompensa àqueles que observam o direito. No entanto, defende-se que os meios premiais distorcem o sentido do dever ser. As sanções podem ser preventivas, compulsórias, reconstitutivas, compensatórias e punitivas: o Sanções preventivas – visam prevenir a violação da regra jurídica o Sanções compulsórias – visam levar o infractor a adoptar, depois de a infracção já ter sido cometida, o comportamento devido o Sanções reconstitutivas – visam reconstituir a situação que existiria se o agente não tivesse violado a regra. o Sanções compensatórias – visam colocar o lesado numa situação equivalente àquela que existiria se não tivesse ocorrido a violação da regra jurídica. o Sanções punitivas – visam impor uma pena ao infractor da regra jurídica. Podem ser civis – valem no domínio do direito privado – disciplinares – corresponde a uma infracção disciplinar – contra-ordenacionais – coima – ou criminais – aplicada ao agente de um crime. Actuação da imperatividade o Imperatividade – exprime-se na imposição de um dever ser o Coacção – exprime-se na cominação de uma sanção no caso de violação do dever ser. Geralmente, a imperatividade é acompanhada da cominação de uma sanção ao agente que desrespeitou o dever ser. É ainda necessária a coerção para assegurar a aplicação da sanção a esse agente. As sanções podem ser com ou sem expressão física. A possibilidade de cominação de sanções com expressão física – como a pena de prisão – é uma característica da generalidade das ordens jurídicas. No entanto, a sanção pode não ter expressão física, como as sanções de carácter institucional – p.e. destituição do administrador de uma sociedade. Pode ainda dar-se o caso de a imperatividade não ser acompanhada de nenhuma sanção. Aí, há um dever ser mas não é aplicável qualquer sanção a quem não o respeitar. Diz-se, nesses casos, que estamos perante uma lex imperfecta EXEMPLO: dívidas de jogo (obrigação natural) – o devedor pode cumprir a obrigação natural, mas o credor nada pode fazer para obrigar o devedor a faze-lo (art 12545º CC). Há ainda áreas do direito em que a imperatividade é reduzida. Ao direito não sancionatório e com imperatividade reduzida chamamos soft law. Fazem parte desta área do direito as “guidelines” ou os códigos de conduta/boas práticas. A aplicação de uma sanção é garantida pela coercibilidade. Esta coercibilidade pressupõe um poder capaz de impor pela força o cumprimento de sanções jurídicas. Nas sociedades actuais, esse poder pertence ao Estado (a órgãos como os tribunais ou 14 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva a polícia). Pode dizer-se que a coacção é completada pela coerção. Disto resulta que primeiro coage-se o agente a agir de certa maneira sob a ameaça de uma sanção – vis coactiva. Depois, recorre-se à coerção para aplicar a sanção ao agente que violou essa regra – vis directiva. A coerção só actua quando o agente tiver violado ou ameaçado violar a regra, não visando nunca impor o respeito por uma regra jurídica. A coacção pode não ser acompanhada por qualquer coerção. Existem ainda regras de coerção – regras que regulam a aplicação efectiva da sanção a aplicar. Assim: uma regra define o comportamento devido (regra de conduta), uma outra comina a correspondente sanção (regra de coacção) e ainda uma outra determina quem e como se aplica a sanção através da força (regra de coerção). Cabe perguntar: a quem cabe exercer o poder coercivo quando este tem de se aplicar sob os responsáveis por exercer esse mesmo poder? – “quem guarda o guarda?” § 5º Ordem jurídica e tutela jurídica Meios de tutela jurídica Os meios de tutela jurídica podem ser de autotutela ou de heterotutela. o Autotutela – “justiça pelas próprias mãos”; realização do direito pelo próprio agente ofendido, sem recurso a uma entidade ou a um órgão imparcial e independente. É característico das sociedades primitivas. Esta acarreta o inconveniente de, geralmente, o ofendido ter tendência a exagerar na sansão que aplica ao agressor, aumentando o mal sofrido. o Heterotutela – a resolução de conflitos passa pelo recurso a um órgão imparcial e independente, geralmente aos tribunais estaduais. Estes são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça (art 202º, nº 1 CRP) e asseguram a defesa dos interesses legais dos cidadãos (art 202º, nº2 CRP) Por vezes, é necessário recorrer aos tribunais arbitrais para obter tutela das situações subjectivas (art 209, nº 2 CRP). Essa arbitragem pode ser voluntária – as partes decidem atribuir ao tribunal arbitral a resolução do litígio – ou necessária – lei impõe a resolução do litígio através do tribunal arbitral. A heterotutela é regra no ordenamento jurídico português, uma vez que ninguém pode recorrer à força para realizar ou assegurar o próprio direito. Justifica-se assim que o acesso aos tribunais seja um direito fundamental dos cidadãos, quer no âmbito de direitos e interesses individuais – art 20, nº1 CRP – quer para a tutela de interesses difusos – art 52º, nº 3 CRP). Meios de autotutela A autotutela, apesar de tudo, está presente na ordem jurídica portuguesa: o Legitima defesa – a defesa é legítima se é uma reacção contra uma agressão alheia tanto sobre uma pessoa como sobre um património – pode ser usada para defender qualquer direito pessoal ou patrimonial meu ou de terceiros. Considera-se lícitio o acto que pretende afastar qualquer agressão contrária à lei, desde que não seja possível faze-lo de outra maneira e o prejuízo causado não seja largamente superior ao que pode resultar da agressão – art 337, nº 1 CC – a legitima defesa está 15 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva subordinada a um princípio de proporcionalidade. Se essa proporcionalidade não se verificar, estamos perante um excesso e legítima defesa e o acto torna-se ilícito. PRESSUPOSTOS: Haver agressão – ameaça resultante de um comportamento voluntário, dominável pela vontade, que pode ser uma acção ou uma omissão (ex: a mãe que se recusa a alimentar o filho) Actualidade da agressão – agressão já teve de ter início ou estar pelo menos iminente e não pode ter já cessado Ilicitude da agressão Agressão contra bens pessoais/patrimoniais do agente ou de terceiros. REQUISITOS: Necessidade do meio – o meio é idóneo e menos gravoso para o agressor (caso haja pluralidade de meios, é então escolhido o menos gravoso, o que pressupõe um juízo comparativo) Necessidade da defesa – não é necessária a defesa quando é possível recorrer às autoridades policiais; não é necessária quando a agressão seja pré-ordenada – pessoa provoca a agressão do outro para o poder, depois, agredir em defesa; não é necessária quando seja desrazoavelmente ou crassamente desproporcionada: há um mínimo de proporcionalidade na defesa – proporcionalidade mínima; a lesão provocada pela defesa não deve ser manifestamente superior à que resulta da agressão. A defesa tem de ser mais contida quando estamos perante uma agressão sem culpa. OBJECTO O agressor ou os seus bens. o Direito de resistência – pode ser activa – direito a evitar pela força qualquer agressão contra os direitos, liberdades e garantias do agente, quando não seja possível recorrer a uma autoridade pública (art 21º CRP) – ou passiva – direito a resistir a qualquer ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias do indivíduo o Estado de necessidade – visa evitar um dano ou evitar o aumento do mesmo. É lícita a acção do agente que danifica uma coisa alheia com o objectivo de pôr fim ao perigo de um dano manifestamente superior, quer para o agente quer para terceiros – art 339, nº 1 CC. Difere da legítima defesa por não se pressupor nenhuma agressão contra o agente. O estado de necessidade pode ser agressivo – agente danifica uma coisa para remover um perigo – ou defensivo – agente danifica a própria causa do perigo. Tal como na legítima defesa, a violação do princípio de proporcionalidade conduz ao excesso de estado de necessidade. Se o dano que se tenta evitar não for manifestamente superior ao que se vai causar, podemos ainda estar perante uma situação de estado de necessidade desculpante – não exclui a ilicitude mas sim a culpa do agente. o Accção directa – torna lícito o recurso à força com o objectivo de realizar ou assegurar um direito próprio quando a força for indispensável pela impossibilidade de recorrer aos meios coercivos normais. O agente não pode, no entanto, exceder o que é necessário para evitar o prejuízo – art 336º, nº 1 CC 16 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Pode dizer-se que a acção directa corresponde a todas as situações de autotutela que não são abrangidas pela legítima defesa, o direito de resistência e o estado de necessidade. Distingue-se da legítima defesa por pressupor uma agressão ou violação já consumada, mas que ainda permite uma reacção passível de evitar a inutilização prática do direito – art 336º, nº 1 CC. Para que seja lícita, é necessário que não sejam sacrificados interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar. Verifica-se aqui também a necessidade de respeitar o princípio de proporcionalidade. PARA RESOLUÇÃO DE CASOS PRÁTICOS: Legítima defesa → estado de necessidade → acção directa § 6º Regime das fontes do direito Comparação jurídica O Direito Comparado trata da comparação entre várias ordens jurídicas (microcomparação) ou entre institutos de diferentes ordens jurídicas (macrocomparação). Serve-se do método comparativo para analisar diferenças e semelhanças entre direitos ou institutos. O Direito Comparado não é um direito vigente e pode servir como auxílio à Política do Direito, permitindo conhecer e analisar o direito estrangeiro. Isto facilita a uniformização entre as várias ordens jurídicas, uma vez que permite analisar diferenças e semelhanças entre direitos. Dado isto, é frequente a importação de soluções criadas no direito estrangeiro para resolver problemas e apagar lacunas na ordem jurídica nacional. Para determinar os sistemas de direito, podem ser utilizados critérios como o que define que pertencem ao mesmo sistema jurídico as ordens jurídicas que comportam as mesmas fontes de direito. Esta determinação é necessária porque, para pertencerem ao mesmo sistema de direito, os sistemas que partilhem mais semelhanças do que diferenças. Este critério das fontes de direito permite distinguir direitos tradicionais de direitos modernos. Dentro do sistema ocidental (direitos modernos), por sua vez, podemos distinguir o modelo da civil law do modelo da common law. Sistema romano-germânico – civil law O sistema romano-germânico tem, na sua génese, o direito romano – Corpus Iuris Civilis. As grandes épocas de recepção do Direito Romano foram a Alta Idade Média (séculos XII e XIII), o Renascimento e a Época Humanista (séculos XVIII e XIX) e a Pandectística alemã (séculos XVIII e XIX). Esta recepção do direito foi facilitada pelas Universidades (época escolástica). Neste sistema, a lei é a principal fonte de direito, o que levou à criação de constituições políticas e à codificação (movimento de codificação) das principais áreas jurídicas. Com isto, o costume a jurisprudência tomam um papel secundário. O direito é tido como um sistema, do que resulta que as leis são abstractas – aplicam-se a vários casos concretos – e gerais - aplicam-se a vários destinatários. 17 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva No que toca ao movimento de codificação, reste resultaram códigos – sistema ordenado de regras jurídicas respeitantes a uma determinada matéria jurídica. A codificação levada a cabo no século XVIII teve a sua causa em vários factores políticos - demonstração de um poder político forte, favoração da unificação política e definição de regimes jurídicos universais e não discriminatórios - e ideológicos – jusracionalismo e ideias de sistematização, ordenação e abstacção. A codificação apresenta vantagens e desvantagens: tem as vantagens de facilitar o acesso ao direito vigente, de orientar o aplicador na solução casos concretos e de promover a sistematização e ordenação da matéria jurídica. Por outro lado, tem as desvantagens de gerar uma fixação da doutrina, de promover a rigidez da regulamentação jurídica e de tender a seguir apenas as soluções presentes nos códigos. No que toca à distinção entre direito público e direito privado, esta pode ser feita através de critérios de interesse, de qualidade dos sujeitos ou de posição dos sujeitos. De acordo com o critério de interesse, o direito público é o que trata de interesses públicos e o privado o que trata de interesses privados. Este apresenta o problema de distinguir entre interesses públicos e privados. Relativamente ao critério da qualidade dos sujeitos, o direito público é o que tem como sujeitos entes públicos e direito privado é o que tem como sujeitos entes particulares, regulando as suas relações. Quanto a este critério, apresenta o problema de não aceitar que os entes públicos também pode actuar como um particular. Por fim existe o critério da posição dos sujeitos que trata do direito público como sendo aquele em que os entes públicos intervêm dotados de poderes de soberania e o direito privado é aquele em que os sujeitos, mesmo que sejam públicos, intervêm numa posição de paridade com os outros interessados. Este terceiro é o critério geralmente adoptado. Sistema anglo-saxónico – common law Com a conquista normanda (1066), o direito romano-germânico foi, nas Ilhas Britânicas, erradicado. Disto resultou a crescente importância das decisões dos tribunais, dada a falta de direito vigente. Criou-se, daqui, o sistema da common law. No entanto, esta mostrou-se, por vezes, insuficiente. Assim, no século XV, o Chanceler passou a decidir em nome do Rei, casos que não pudessem ser resolvidos pela common law, do que resultou a formação da equity (funcionando como, no direito romano, o ius civile e o ius praetorium). Neste sistema, apesar de também existirem leis, é a jurisprudência a principal fonte de direito, funcionando nela a regra do precedente – há um precedente fixado pelos tribunais superiores na decisão de casos concretos. Este precedente é vinculativo para os tribunais inferiores que, no entanto, podem não seguir esses precedentes se acharem que a solução de determinado caso concreto passa pela aplicação de um princípio que não faz parte do precedente indicado ao caso – practice of distinguishing. Há, em relação ao modelo romano-germânico, uma menor preocupação com a sistematização do direito mas uma maior contribuição dos práticos e menor das Universidades e da doutrina. 18 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Sistema muçulmano A principal característica do sistema muçulmano é a estreita relação existente entre o direito e a religião – fonte de direito. Desta religião advém regras de comportamento – a lei divina (char’), que define obrigações do Homem perante Deus e dos homens entre eles. As fontes de direito são, deste modo, o Corão (livro sagrado no qual estão presentes as revelações de Alá a Maomé); a Suna (constituído pelas tradições relativamente à conduta, aos actos e aos propósitos e Maomé); o Idjma’ (opinião unânime dos jurisconsultos do islão, que vem completar o Corão e a Suma). § 7º Delimitação das fontes do direito Delimitação positiva A expressão “fontes de direito”, dita por Cícero, representa modos de revelação de normas/regras jurídicas. As fontes de direito assentam num critério gnosiológico – “são um fundamento do conhecimento de algo como o direito”. Não há sistema jurídico sem fontes. Estas constituem, após a sua formação, um modo de conhecimento de critérios de decisão (Savigny). São sempre factos normativos ou, em sentido lato, sociais, expressos em linguagem performativa ou ilocutória – constroem uma nova realidade. Daí resulta que o Direito tenha uma linguagem performativa – constrói uma realidade jurídica. Pode dar-se o caso de uma regra ser revelada através da fonte mas ao mesmo tempo ser inaplicável dado ao vício na formação da própria fonte. Geralmente, uma fonte tem origem numa outra fonte – fontes derivadas. Isto gera a diferenciação entre fontes de produção e fontes produzidas. Isto implica que haja sempre uma fonte originária que é, geralmente, uma Constituição elaborada após acontecimentos como uma Declaração de Independência ou uma revolução. Apesar da importância das fontes, estas não são suficientes para o conhecimento do direito vigente. Para isso é necessário atender também a factores como a doutrina e a jurisprudência. É desta realidade que advém a distinção entre fontes do direito e fontes do conhecimento do direito. O Estado tem uma função legislativa, executiva e jurisdicional, sendo que em todas elas é possível a formação de fontes do direito – regras jurídicas de origem legal, regulamentar ou jurisprudencial. No entanto, pela jurisprudência não ser fonte do direito nos sistemas romano-germânicos, não é atribuído aos tribunais a função da criação de direito. Os tribunais têm sim uma função de controlo da conformidade legal dessas fontes. As fontes de direito têm de ter uma aceitação social pelo que para o direito ser efectivo, não basta que seja produzido – é necessário que seja aceite pela comunidade – Acceptatio legis. Espécies de fontes o Quanto ao modo de formação: As fontes do direito podem ser intencionais – têm na sua origem um acto normativo, exigindo assim um órgão com competências legislativas - ou não intencionais – têm na sua origem, p.e., o costume (direito consuetudinário) 19 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva o Quanto à eficácia: As fontes do direito podem ser imediatas – são fontes por si próprias, não necessitando de outra fonte que as classifique como tal – ou mediatas – qualificadas por uma fonte imediata, daí retirando a sua juridicidade. As fontes imediatas e mediatas não têm entre si uma relação de hierarquia. NOTA: o art 1º, nº1 CC enuncia as fontes do direito mas não é através dele que se faz a sua qualificação. Este limita-se a reconhecer as leis e as normas corporativas como fontes do direito, usando uma linguagem descritiva/constativa. (Ausência do costume) o Quanto à origem: As fontes do direito podem ser internas – fontes que têm origem na ordem jurídica em que se inserem – ou externas – têm origem noutra ordem jurídica, vigorando nesse ordenamento por meio de regras de recepção que podem ou não ser impostas ao sistema subordinado. Há ainda o caso de várias fontes coexistirem no mesmo espaço jurídico. Nesse caso, vigoram nesse fontes respeitantes a diferentes ordens jurídicas (ex: Portugal e a União Europeia). Quanto à sua constituição: As fontes do direito podem ser simples – provêm de um único facto normativo – ou complexas – são constituídas por um facto originário e por um facto posterior à produção da fonte ou resultam da modificação da fonte (resulta da interpretação de uma fonte, que é sempre feita por outra fonte de hierarquia igual ou superior.). A novação da fonte ocorre quando a regra contida na fonte se mantém mas se verifica a alteração do facto normativo. EXEMPLO: uma lei consagra uma soluçaõ que já constava de um decreto-lei o que já vigorava sob a forma de costume – a regra mantém-se, agora com uma nova fonte. Delimitação negativa A doutrina decorre do trabalho dos juristas sobre a lei e pode ser fonte do direito num sentido individual ou colectivo. Pode ser fonte de direito tanto a resposta dada por um jurista a um problema jurídico como a orientação que prevalece da doutrina sobre a resposta a dar a uma questão jurídica. No Direito Português actual, por derivarmos do sistema romano-germânico, a doutrina não é considerada fonte do direito. Uma opinião doutrinária não é nunca vinculativa nem para o Tribunal nem para os outros órgãos de aplicação do Direito. No entanto, mostra-se essencial para o conhecimento do direito vigente e não é por não ser fonte do direito que o direito vigente deixa de ser muito mais o “direito dos juristas” o que o “direito dos códigos”. Relativamente à jurisprudência (resultado da actividade decisória dos tribunais na resolução de casos concretos), a função jurisprudencial é levada a cabo pelos tribunais, cuja função é administrar a justiça em nome do povo – art 202º, nº1 CRP. A decisão de um tribunal pode ser vinculativa para a resolução de casos análogos, tornando-se desse modo fonte de direito. O facto de as decisões do tribunal não serem vinculativas faz com que o juiz tenha liberdade de decidir diferentemente do que decidiu em casos anteriores. O juiz constrói a decisão do caso concreto a partir das fontes. Qualquer decisão dos tribunais constitui um modelo para outras decisões sobre a mesma questão. A jurisprudência adapta os textos legais ao tempo em que se desenrola. A jurisprudência também tem a função de concretizar conceitos indeterminados, pois é pode ser com base neles que o caso é resolvido. 20 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Os modelos de decisão estabelecidos pelos tribunais originam a jurisprudência constante. São resolvidos casos análogos (art 8º, nº3 CC) de forma análoga, sendo imposto o princípio de igualdade (art 16º nº1 CRP), de maneira a tornar o direito uniforme e confiável. A jurisprudência constante é assim um facto de confiança, mas coloca-se a dúvida de se essa jurisprudência pode ou não ser alterada a qualquer momento. Na verdade, por a jurisprudência não ser fonte de direito, esta não tem de ser seguida de forma obrigatória, pelo que o juiz tem liberdade para aplicar ou não a jurisprudência que se verifica relativamente a casos análogos anteriores. Isso não significa, no entanto, que este mecanismo de salvaguarda de expectativa das partes não seja vantajoso. Esse princípio da confiança decorre, até, do artigo 2º da Constituição. A jurisprudência uniformizada é fixada pelos tribunais supremos, tentando evitar decisões contrárias relativamente a questões idênticas. Apesar disso, “cada caso é um caso” e como tal os factos alegados numa acção são sempre diferentes dos factos alegados numa outra causa. Isso não implica, por sua vez, que os casos análogos não devam ser tratados como tal – art 8º, nº3 CC. Esta contradição de ideias faz com que seja preciso encontrar um mecanismo que permita uniformizar a jurisprudência. A jurisprudência uniformizada é admissível no âmbito do processo civil, do processo penal e do contencioso administrativo. No processo civil e no contencioso administrativo, é sempre admissível interpor recurso de uma decisão que não siga a jurisprudência uniformizada. No processo penal, o Ministério Público deve recorrer de qualquer decisão que vá contra a jurisprudência uniformizada pelo STJ. A jurisprudência uniformizada tem uma eficácia retroactiva, dado que é aplicada a factos que são praticados antes dessa uniformização. Para evitar, com isto, a violação do princípio de confiança presente no art 2º da CRP, deve reconhecer-se que o tribunal que profere a decisão de uniformização deve restringir a eficácia retroactiva desta decisão. Esta jurisprudência não é fonte de direito. O art 2º CC, na sua versão originária, estabelecia que “nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral”. Isto transformava os assentos em fontes de direito. § 8º Modalidades das fontes de direito Fontes externas Direito internacional público O DIPúblico tem diversas fontes, das quais se destacam o direito internacional comum e convencional. O direito internacional comum é constituído, não só mas também, pelo costume internacional resultante da “prática geral aceite como direito”. É, ainda, constituído pelos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas. – art 8º, nº1 CRP. O direito internacional convencional é constituído pelas convenções internacionais (que quando ratificadas ou aprovadas vigora na ordem jurídica portuguesa depois de publicadas – art 8º, nº2) e por outros instrumentos de unificação legislativa que são ou se tornam vinculativos para os Estados, p.e., normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte – art 8º, nº3. 21 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Direito Europeu Sendo Portugal um dos Estados-membros da UE, o direito europeu originário e derivado que vigora na ordem jurídica Portuguesa é relevante. O direito europeu originário é constituído pelos tratados que estão na base da União Europeia. Este direito entra na ordem jurídica portuguesa por meio do disposto no art 8º, nº 4 CRP. O direito europeu derivado é constituído pelo direito proveniente dos órgãos e das instituições europeias, como o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu. Este direito entra na ordem jurídica portuguesa também por via do art 8º, nº 4. Quanto à sua criação, o direito europeu tem por base o princípio de subsidiariedade – a UE intervém apenas e só quando os objectivos não consigam ser realizados pelos Estados-membros ou sejam alcançados de forma mais eficiente a nível europeu. Relativamente à sua aplicação, o direito europeu rege-se pelos princípios do primado e do efeito direito, ambos com origem na jurisprudência. O princípio do primado faz com que o direito europeu prevaleça sobre o direito interno e ordinário dos Estados- membros. O princípio do efeito directo faz com que os efeitos imediatos produzidos pelo direito europeu na esfera jurídica dos indivíduos devam ser sempre respeitados pelos Estados-membro. As principais fontes do direito europeu derivado são os regulamentos, as directivas e as decisões a) Regulamentos – têm carácter geral, sendo obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados-membros. b) Directivas – vinculam o Estado-membro destinatário quanto ao objectivo, deixando às instâncias nacionais a responsabilidade de escolher os meios e a forma de alcançar o objectivo estipulado. Necessitam, assim, de um acto de transposição (art 112º, nº 8); c) Decisões – são obrigatórias em todos os seus elementos para os respectivos destinatários. Fontes internas imediatas As fontes de direito internas imediatas são a lei, as normas corporativas e o costume. Lei A lei é considerada uma fonte imediata pelo art 1º, nº 1 CC e pode definir-se como “qualquer enunciado linguístico cujo significado seja uma regra jurídica”. Podemos distinguir as leis entre leis em sentido material – qualquer enunciado linguístico cujo significado seja uma regra jurídica – e leis em sentido formal – enunciado linguístico cujo significado é uma regra jurídica e que emana de um órgão com competência legislativa, ou seja, de um acto legislativo (art 112º CRP). São órgãos com competência legislativa o Governo, a Assembleia da República, o Presidente da República e as Assembleias Legislativas Regionais. Assim, são leis em sentido formal: a) As leis constitucionais, ou seja, aquelas que provém da AR no exercício de poderes constituintes – art 161º, a) e 166º, nº 1 CRP 22 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva b) As leis da AR – art 161º, c) e 166º, nº 3 CRP – incluindo as leis orgânicas – art 166º, nº 2 e 168º, nº 5 CRP – e as leis reforçadas – art 168º, nº 5 CRP c) Os decretos-leis do Governo – art 198º, nº 1 CRP d) Os decretos legislativos regionais – art 227º, nº1 CRP Na lei em sentido material integra-se a lei interpretativa – lei que realiza a interpretação autêntica de outra lei. Esta lei não tem carácter inovatório, sendo-lhe atribuída eficácia retroactiva – art 13º, nº 1 CC. As leis em sentido material e as leis em sentido formal interrelacionam-se. Podemos ter leis simultaneamente formais e materiais; há leis em sentido material que não são leis em sentido formal porque, apesar de serem enunciados linguísticos sujo significado são regras jurídicas, não emanam de órgãos com competência legislativa ou no exercício da competência legislativa. EXEMPLO: regulamentos das autarquias locais – art 241 CRP – e regulamentos do Governo – art 199º, c) e 112º, nº 6 CRP. Muitas vezes, o problema prende-se com saber em que sentido deve ser entendida a referência à lei nos textos legais. Não há uma resposta única para ultrapassar esta questão. Por exemplo: a) A igualdade dos cidadãos perante a lei – art 13º, nº 1 CRP – serve perante qualquer lei, quer formal quer material; b) A vinculação dos tribunais à lei – art 203º CRP – serve também para ambas; c) As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias – art 18º, nº 2 e 3 CPR – só podem ser leis formais dado que são resultado exclusivo da actividade da Assembleia da República e esta é um órgão legislativo. Na mesma situação está a criação de impostos – art 103, nº 2 CRP – dada que esta é uma actividade de realização exclusiva através de uma lei da AR ou de um decreto-lei do Governo. A toda a lei está subjacente um acto normativo. Este acto normativo pode ser um acto legislativo ou um acto regulamentar – art 112º CRP. Um acto legislativo decorre do exercício de uma competência legislativa do órgão que o pratica e dá origem a uma lei em sentido formal; um acto regulamentar decorre do exercício de uma competência administrativa do órgão que o realiza e produz um regulamento. Do acto regulamentar, com excepção dos regulamentos independentes, deve constar a lei que ele visa regulamentar ou que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão – art 112º, nº 7 CRP. Isto acontece porque o acto regulamentar serve para possibilitar a “boa execução das leis” – art 119, c) CRP. As leis em sentido formal decorrem de actos legislativos. Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos, nem conferir aa actos de natureza não legislativa o poder de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos – art 112º, nº 5 CRP. “São actos legislativos as leis, os decretos-lei e os decretos legislativos regionais.” – art 112º, nº 1 CRP As leis da AR Leis constitucionais – art 166, nº 1 e 286, nº 2 CRP Leis orgânicas – art 166º, nº 2 e 168, nº 5 CRP Leis de valor reforçado – art 112º, nº 3; 166º, nº 2 e 168, nº 5 CRP Leis ordinárias – art 166º, nº 3 CRP 23 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Estas leis devem ser promulgadas pelo PR – art 134º, b) CRP – devendo esta ser referendada pelo Governo – art 197º, nº 1 a) CRP Os decretos-leis do Governo – art 198º, nº 1 CRP Estes decretos devem ser promulgados pelo PR – art 134º, b) CRP – devendo esta ser referendada pelo Governo – art 197º, nº 1, a) CRP Os decretos legislativos regionais – art 112º, nº 4 e 227º, nº 1 CRP Estes decretos são assinados pelo Representante da República na própria Região Autónoma – art 233º, nº 1 CRP. Os actos regulamentares não estão abrangidos pelo imposto no art 112º, nº 5 CRP aos actos legislativos. Disto resulta que podem ser criados quaisquer actos regulamentares e pode ser conferida a actos de diferente natureza o poder de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos. Neste tipo de actos, distinguem-se os que emanam do Governo dos restantes. Provêm do Governo a) Os decretos e os decretos regulamentares – art 112º, nº 6 e 199º, c), CRP. Os decretos regulamentares devem ser promulgados pelo PR – art 134º, b) CRP, devendo esta ocorrer após referendada pelo Governo – art 197º, nº 1, a), CRP. Os restantes são apenas assinados pelo PR – art 134º, b) CRP b) As portarias, os despachos normativos e as resoluções do Conselho de Ministros. Estes regulamentos não estão previstos na Constituição mas têm uma base consuetudinária, não necessitando de promulgação presidencial. São produzidos por outras entidades: a) Os regulamentos da administração autónoma, p.e., as posturas e os regulamentos municipais e as posturas e regulamentos das juntas de freguesia b) Os regulamentos da administração indirecta, em específico os produzidos pelas entidades administrativas independentes com função de regular e supervisionar, como o Banco de Portugal – art 102º CRP – a CMVM, etc. c) Os decretos regulamentares regionais, competência do Governo regionais d) Os estatutos, que são regulamentos produzidos por pessoas colectivas de direito público e que servem para definir a sua organização interna e) Os regimentos, que são regulamentos que definem o modo de funcionar dos órgãos colectivos f) As instruções, que são actos de carácter administrativo, que regulam a organização de um serviço administrativo. Para além dos actos legislativos e dos actos regulamentares, podem ainda destacar-se os actos atípicos. Exemplo destes são os decretos do Presidente da República, as resoluções da Assembleia e os decretos dos Representantes da República. As leis, por sua vez, podem ser centrais, regionais e locais: o Leis centrais – produzidas pelos órgãos de soberania e destinadas a vigorar em todo o território nacional. Podem, deste modo, provir da AR ou do Governo o Leis regionais – leis emanadas dos órgãos legislativos das Regiões Autónomas o Leis locais – são as leis em sentido material produzidas pelas autarquias locais – pessoas colectivas territoriais (art 235º, nº2 CRP). 24 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva As leis são, ao abrigo do art 1º, nº1, 1ª parte, CC, disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes. Disto retira-se que a lei tem de provir de um órgão estadual com competência para a produzir e que apresenta um número indeterminado de destinatários. Esta definição não consiste, no entanto, com o sentido de leis formais nem materiais. Não define uma lei material porque há leis em sentido material que não provêm de órgãos estaduais (p.e. posturas e regulamentos municipais); não define uma lei em sentido formal também porque há leis em sentido formal que não provêm de órgãos estaduais (p.e. decretos legislativos regionais). O art 1º, nº 1 CC é doutrina e não uma norma jurídica, dado que se a lei é fonte imediata de direito, o art nº 1 não pode ser uma norma jurídica pois a lei não se classificaria nunca a si própria. Apesar disso, o direito não provém todo de órgãos estaduais. Este pode vir, também, de organizações corporativas, das quais resultam as normas corporativas – normas ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos (art 1º, nº 2, 2ª parte, CC). Estas normas corporativas são, no ordenamento jurídico português, fonte imediata de direito – art 1º, 1º CC. Apesar disso, subordinam-se à lei, não podendo contrarias as disposições legais de carácter imperativo – art 1º, nº 3, CC. Uma lei é geralmente de carácter abstracto e geral. No entanto, pode em certos casos ser concreta – relativamente à sua aplicação material – e individual ou colectiva - tendo em conta a sua aplicação subjectiva. Carácter abstracto Uma lei abstracta é uma lei que se refere a uma pluralidade indeterminada de situações ou de factos, não se referindo nunca a uma situação concreta. Pode dizer-se que esta abstracção implica que a lei se refira a situações ou factos futuros, não sendo por isso característica das leis que atingem factos passados. No entanto, essa perspectiva é discutível. P.e., uma lei da AR que amnistia certos crimes é uma lei referida a factos passados, mas não deixa de ser abstracta, porque diz respeito a todos os crimes, punidos ou não punidos. Carácter geral Uma lei com carácter geral é uma lei que se refere a uma pluralidade indeterminada de destinatários e não a sujeitos determinados. Assim, uma lei que se dirige a uma pessoa não é uma lei geral. Nem todas as leis têm de ter carácter geral. Estas podem, também, ter carácter individual (leis individuais) – leis que têm destinatários determinados – ou carácter colectivo (leis colectivas) – dirigem-se a um conjunto determinável de pessoas. Pode dar-se o caso de a lei ser “falsamente genérica”, pois apesar de se dirigir a um indeterminado de sujeitos, apenas certas pessoas preenchem a sua previsão. Outras vezes, a lei pode ser “falsamente individual”. EXEMPLO: leis que dizem respeito aos poderes do PR ou do PM são leis genéricas porque não têm por destinatários as pessoas que, em certo momento, ocupam esses cargos. Dizem respeito, sim, a qualquer um que o faça. O carácter abstracto e geral de uma lei garante que casos análogos são tratados de forma análoga. Isto garante aos cidadãos a sua igualdade perante a lei – art 13º, nº1 25 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva CRP. Isto vai ao encontro da máxima kantiana: “age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”. Uma lei de carácter abstracto e geral é uma lei universal. Apesar de tudo isto, uma lei pode ser concreta e geral – refere-se a situações concretas mas tem um número indeterminado de destinatários. É exemplo disto uma lei que autoriza e confirma a declaração de estado de sítio ou de emergência. A lei pode também ser concreta e individual – refere-se a situações concretas e tem destinatários determinados. Como exemplo têm-se as leis que atribuem competência a um órgão para regular uma certa matéria (p.e. leis de autorização legislativa – art 165º, nº 2 CRP) Costume O costume consiste no uso que é assumido pelo agente com a convicção da sua juridicidade. O Direito consuetudinário está, no CC, tratado no art 348º. O costume representa, a par com a legislação, um modo típico de formação da vontade social. É uma fonte imediata de direito que implica um elemento fáctico – o uso (prática social reiterada) – e um elemento normativo – convicção da juricidade. Um uso contrário à boa-fé nunca pode estar na base de uma fonte consuetudinária – art 3º, nº1 CC. A convicção da juricidade decorre do sentimento de que algo deve ser ou não deve ser, porque tal corresponde a uma ideia de direito. Para que se forme o costume, apenas estes dois factores são necessários. Primeiro aparece o uso, que aparece quando determinado comportamento se torna habitual. Depois, o hábito passa a ser acompanhado de uma convenção social de ideia de obrigatoriedade, fazendo o uso agora pertencer à ordem do trato social. Por fim, quando esta convenção se completa com a convicção da juridicidade, o costume forma- se. Para que o costume seja relevante na sociedade, não é necessária a consagração legal do mesmo, dado que isso pressuporia uma subordinação do costume à lei que não se verifica. O costume só deixa de vigorar quando desaparece algum dos seus elementos ou quando se forma um costume contrário. Ao contrário da lei, que pode ser eficaz ou ineficaz, o costume só pode ser eficaz, dado que se for ineficaz, deixa de ser costume. De acordo com a forma como o costume se relaciona com a lei, este pode ser secundum legem, praeter legem e contra legem. o Costume secundum legem – a regra consuetudinária coincide com a regra geral. Há uma coincidência entre a lei e o costume, pelo que o costume realiza apenas uma função declarativa da lei. o Costume praeter legem – o costume complementa a lei, ou seja, vai para além daquilo que esta dispõe. Há uma complementaridade do costume perante a lei fazendo dele uma nova fonte de direito. o Costume contra legem – é o costume que contraria a lei, havendo entre ambos uma relação de oposição. O costume contra legem implica a cessação da vigência da lei e pode formar-se de forma consciente ou inconsciente. Este costume não deve ser confundido com desuso. Em caso de desuso, verifica-se apenas a não aplicação de uma regra, sem que nada se construa em alternativa à regra geral. 26 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva Quanto maior for a relevância concedida à lei, menor será a importância dada ao costume, e vice-versa. Pode dar-se o caso de a lei extinguir ou fazer cessar o costume (art 1401º CC) ou até proibi-lo (art 1718º CC). A lei pode, também, reconhecer o costume e fornecer-lhe um título legal. Há certas áreas do ordenamento jurídico português em que, por haver uma reserva constitucional da lei, só pode aceitar-se o costume como fonte de direito depois de se constituir um costume contrário às disposições constitucionais, p.e., criação de impostos ou restrições aos direitos, liberdades e garantias. O costume jurisprudencial é, também, uma fonte de direito. Daí decorre que necessita também dos prossupostos supramencionados: uso e convicção da juricidade. Fontes internas mediatas As fontes internas mediatas de direito tê, a sua juricidade dependente de uma outra fonte que é a lei. São, então, os usos, a jurisprudência vinculativa e as fontes privadas. Usos Os usos são um dos elementos do costume mas podem, também, eles individualmente serem considerados fontes de direito. Do art 3º, nº 1 CC resulta que o costume é uma fonte mediata de direito porque os “usos que não forem contrários aos princípios da voa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine”. Assim, um uso que contrarie a boa fé nunca pode ser fonte de direito. Como exemplo de situações em que a lei concede importância aos usos temos: “o silêncio vale como declaração negocial quando esse valor lhe for atribuído pelos usos” – “quem cala consente” art 218º CC Jurisprudência normativa São fonte de direito os acórdãos com força obrigatória geral. A ordem jurídica portuguesa admite como acórdãos normativos os acórdãos do TR que declaram a inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas e os acórdãos dos tribunais administrativos que declaram, com força obrigatória geral, a ilegalidade de regras administrativas. A jurisprudência como fonte de direito refere-se a um valor negativo, pois impede, através de um juízo de inconstitucionalidade ou ilegalidade, que desta fonte possa ser retirada uma regra jurídica. Os contratos normativos são instrumentos de carácter negocial que contêm regras jurídicas. EXEMPLO: convenções colectivas de trabalho – podem ser celebradas entre associações sindicais e associações de empregadores (contractos colectivos), entre associações sindicais e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas (acordos colectivos) ou entre associações sindicais e um empregador para determinada empresa/estabelecimento (acordos de empresa). As convenções colectivas obrigam todos os empregadores e todos os trabalhadores que nelas foram representados. 27 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva § 9º Vicissitudes das fontes do direito Desvalores do acto normativo Toda a lei emana de um acto normativo. Este acto pode ter um valor negativo, que pode por sua vez ser de inexistência, de invalidade ou de ineficácia. o Inexistência – o vício que afecta o acto é tão grave que nem se pode dizer que haja um acto. A isto conduzem factos como a falta de promulgação ou assinatura do Presidente da República quando exigidas – art 137º CRP – e a falta de referenda do Governo aos actos do PR quando requerida – art 140º, nº 2 CRP. Esta inexistência pode ser declarada pelo próprio órgão legislativo e pode ser verificada por qualquer órgão de aplicação do direito, como os tribunais. o Invalidade – comporta as modalidades de nulidade e de anulabilidade. Nulidade – vício mais grave dentro da invalidade; impede a produção de quaisquer efeitos pela lei – art 134º, nº 1 CPA – e pode ser apreciada e declarada por qualquer órgão de aplicação do direito – arts 286º CC e 134º, nº 2 CPA EXEMPLO: inconstitucionalidade ou ilegalidade da lei Anulabilidade – impede a produção de efeitos depois da anulação do acto e pode ser sanada através da confirmação ou ratificação do acto – art 137º, nº 1 CPA. EXEMPLO: regulamento que foi elaborado com base numa delegação de poderes que afinal não existe. o Ineficácia – decorre de uma irregularidade verificada no processo de formação. Este acto ineficaz é existente e é válido, mas não produz efeitos. EXEMPLO: a falta da publicação do acto – art 119º. Nº 2 CRP Publicação das fontes A publicação dos actos normativos é o que permite que estes se tornem conhecidos. É, portanto, uma condição do seu conhecimento pelos respectivos destinatários. Geralmente, a publicação das principais fontes de direito é feita nos jornais oficiais. Em Portugal, esse jornal oficial é o Diário da República – art 119º, nº1 CRP – editado electronicamente e disponibilizado no site gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S.A. As fontes de direito internas que devem ser publicadas em Diário da República encontram-se explanadas no art 119º, nº 1, a) – h) CRP. O art 8º, nº 2 CRP impõe a publicação das convenções internacionais ratificadas ou aprovadas por Portugal. Relativamente a deliberações dos órgãos autárquicos ou às decisões dos respectivos titulares, casos estas sejam suposto ter eficácia externa, devem ser publicadas em edital afixado nos lugares de estilo, bem como no boletim oficial da autarquia e nos jornais regionais editados na área do respectivo município. A lei só se torna obrigatória depois de ser publicada no jornal oficial – art 5º, nº 1 CC. Daí resulta que a publicação da lei é condição necessária da sua eficácia – art 119º, nº 2 CRP e art 1º, nº 1, L 74/98. Da junção do art 5º, nº 1 CC com o a noção de lei presente no art 1º, nº 2 CC, podemos concluir que apenas devem ser publicadas no Diário da República as leis emanadas dos órgãos estaduais. De uma interpretação conforme à Constituição do primeiro artigo 28 Ano 1,TA, ST7 Patrícia Vogado Silva supracitado, podemos concluir que todas as leis que constam do art 119º, nº1 CRP são ineficazes se não forem publicadas no Diário da República. As restantes não devem ser aí publicadas, pelo que a sua eficácia não depende desse factor. É recorrente que a data da publicação do Diário da República não seja idêntica à data da sua disponibilidade no site. No entanto, e para que isso não seja um problema, encontra-se acessível na Internet um registo dessa data – art 1º, nº 3 L 74/98 – que comprova a data da disponibilização do Diário da República. É possível fazer rectificações das leis já publicadas. No entan