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ISPA

2020

Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva

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psicopatologia resumos psicologia perturbações mentais

Summary

Este documento contém resumos de psicopatologia do ano letivo 2020/2021, da autoria de Margarida Ribeiro e Mª Matilde Silva, do ISPA.

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2020/2021 PSICOPATOLOGIA SAME. MARGARIDA RIBEIRO & Mª MATILDE SILVA ISPA ...

2020/2021 PSICOPATOLOGIA SAME. MARGARIDA RIBEIRO & Mª MATILDE SILVA ISPA 1 Índice A Cadeira..................................................................................................................................................... 3 Objetivos................................................................................................................................................. 3 Competências......................................................................................................................................... 3 Programa................................................................................................................................................ 3 Psicopatologia............................................................................................................................................. 5 O que é a Psicopatologia?...................................................................................................................... 5 Como se constitui como Ciência?.......................................................................................................... 6 Qual é o Objeto de Estudo?................................................................................................................... 6 Grandes Paradigmas Psicopatológicos.................................................................................................. 7 Objetivos da Psicopatologia................................................................................................................... 7 Discurso Psicopatológico........................................................................................................................ 8 Análise Psicopatológica.......................................................................................................................... 9 Normal e Patológico em Psicopatologia.............................................................................................. 10 Comportamento Patológico................................................................................................................. 14 Perturbações Mentais Orgânicas............................................................................................................. 15 O que são?............................................................................................................................................ 15 Incluem................................................................................................................................................. 15 Perturbações Orgânicas Crónicas........................................................................................................ 16 Perturbações Orgânicas Agudas.......................................................................................................... 17 Perturbações Mentais Orgânicas mais associadas com Violência...................................................... 18 Status Pós Traumatismo Craniano....................................................................................................... 18 Perturbações Mentais e de Comportamento decorrentes do Uso de Substância Psicoativa................ 19 Substâncias Psicoativas........................................................................................................................ 19 Problemas Ligados ao Álcool................................................................................................................ 19 Ciclo da Mudança................................................................................................................................. 23 Etiopatogenia........................................................................................................................................ 25 Perturbações Psicóticas............................................................................................................................ 26 Psicose.................................................................................................................................................. 26 Sintomas Psicóticos.............................................................................................................................. 31 Personalidades Psicóticas..................................................................................................................... 31 Perturbações do Humor........................................................................................................................... 32 Importância Clínica............................................................................................................................... 32 Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 2 Depressão............................................................................................................................................. 32 Tristeza Normal vs. Tristeza Patológica................................................................................................ 32 Depressão............................................................................................................................................. 33 Perturbação Bipolar.............................................................................................................................. 35 Depressões Psicóticas/Endógenas....................................................................................................... 36 Depressões Neuróticas/Reativas.......................................................................................................... 36 Depressão ao Longo do Ciclo de Vida.................................................................................................. 37 Suicídio e Depressão............................................................................................................................. 38 Perturbações Neuróticas.......................................................................................................................... 39 Perturbações Neuróticas...................................................................................................................... 39 Ansiedade............................................................................................................................................. 39 Perturbações Fóbicas........................................................................................................................... 43 Perturbações Obsessivas...................................................................................................................... 44 Perturbações Dissociativas................................................................................................................... 46 Perturbações Somatoformes............................................................................................................... 47 Perturbações Relacionadas com o Stress............................................................................................ 50 Perturbações da Personalidade............................................................................................................... 53 Epidemiologia....................................................................................................................................... 53 Dificuldades na Identificação da Patologia.......................................................................................... 53 Aspetos Clínicos.................................................................................................................................... 53 Classificação DSM................................................................................................................................. 54 Grupo A................................................................................................................................................. 54 Grupo B................................................................................................................................................. 55 Grupo C................................................................................................................................................. 57 Perturbações do Comportamento Sexual................................................................................................ 59 Comportamento Sexual........................................................................................................................ 59 Tipos de Perturbações.......................................................................................................................... 59 Perturbações do Comportamento Alimentar.......................................................................................... 66 Perturbações Qualitativas.................................................................................................................... 66 Perturbações Quantitativas.................................................................................................................. 66 Quadro Resumo.................................................................................................................................... 68 Outras Perturbações Frequentes............................................................................................................. 70 Entrevista Clínica...................................................................................................................................... 75 Áreas de Exploração............................................................................................................................. 78 Exame do Estado Mental.......................................................................................................................... 82 Exame Exemplo......................................................................................................................................... 92 Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 3 A Cadeira Objetivos · Conhecer o objeto de estudo da Psicopatologia na perspetiva psicológica. · Conhecer métodos de investigação e técnicas de recolha de dados. · Saber quais são as perturbações mentais que mais afetam os Portugueses. · Conhecer o funcionamento psicológico perturbado e as manifestações das perturbações mentais mais comuns. Competências · Pensar criticamente sobre a Psicopatologia atual. · Saber diferenciar normal e patológico em Psicopatologia. · Saber identificar sujeitos com diferentes perturbações mentais. · Analisar casos clínicos. Programa Psicopatologia · O que é a ciência psicopatológica. · Psicopatologia critica. Temas Essenciais em Psicopatologia · Normal e Patológico. · Métodos de Investigação e Modelos Teóricos. · Técnicas de Recolha de Dados. Saúde Mental em Portugal · Perturbações mentais mais comuns ao longo do ciclo de vida. Funcionamento Mental Perturbado · Manifestações do funcionamento mental perturbado. · Perturbações mentais orgânicas. · Perturbações devidas a uso de substâncias e comportamentos aditivos. · Perturbações psicóticas. · Perturbações do humor. · Perturbações neuróticas, relacionadas com o stress e somatoformes, · Perturbações da personalidade. · Perturbações do comportamento. · Perturbações de adaptação. · Síndromes associados a disfunções fisiológicas e a fatores físicos. Casos Clínicos Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 4 Teóricas Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 5 Psicopatologia O que é a Psicopatologia? Seja qual for a época histórica e seja qual for o contexto social e cultural considerado é uma realidade que existiram e existem sempre alguns individuos que, num momento ou outro das suas existencias, apresentam perturbações do funcionamento psicológico, quer de forma transitória, quer permanente. Podendo afetar qualquer um (perturbar-se é uma possibilidade humana universal), essas perturbações são sentidas como indesejáveis e vividas com sofrimento. Sao sentidas como indesejaveis porque limitam a liberdade, a autonomia individual e a autorrealização, podem alterar a consciência do próprio e a perceção da realidade. Perturbam a maneira de estar-no-mundo, de vivenciar, de comportar-se e de relacionar-se com os outros. Sao vividas com sofrimento psicológico na tripla relação do individuo consigo próprio, com os outros e com o mundo. Das perturbações mentais podem resultar alterações do equilibrio psicológico e integração das forçãs psiquicas (conflito interno), do estilo relacional (nomeadamente da capacidade de identificar-se com os outros), das competencias para realizações concretas (profissionais e sociais) e, ainda, da capacidade para promover o seu proprio enriquecimento existencial, entendido como liberdade de vir- a-ser. Ou seja, de construir urn projecto existencial, simultaneamente afirmando-se como pessoa e interrogando-se como ser-no-mundo. A Psicopatologia é a Ciência geral que estuda as perturbações do funcionamento psicológico em todas as suas dimensões (afetivas, cognitivas, comportamentais e relacionais), ao longo do ciclo de vida, incluindo as suas causas e consequências, procurando delimitar conceitos dotados de validade universal. Centrando-se no individuo que se perturba mentalmente, constitui-se como uma visão (a visão psicopatológica) de determinados fenómenos vividos por ele e resulta duma interpretação do que acontece a partir de uma determinada perspetiva em que o observador se coloca, influenciado pela cultura, pela concepção do Homem e por factores do contexto social. Não está preocupada com o tratamento, mas sim com perceber identificar e estudar as perturbações mentais que variam no ciclo de vida. PSICO (PATO) LOGIA “Psychê” “Pathos” “Logos” (Conteúdos Mentais) (Sofrimento; Estar sujeito a (Discurso, palavra, razão: alguma influência muitas vezes crença numa ordem racional contra a sua vontade.) no mundo que permitiu a Afeção Afeição ciência) (patologia, (simpatia, padecer, empatia paciente) paixão) Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 6 SOFRIMENTO PSICOPATOLÓGICO Experiências patológicas de sofrimento Complicações psicológicas vividas como contradições do ser Construídas nas relações do ser com o seu-mundo (história pessoal e projeto de ser) Como se constitui como Ciência? Constitui-se numa determinada cultura, influenciada por fatores ideológicos (científicos e sociais) contemporâneos e associados às instituições que se ocupam da saúde mental e do controlo social dos indivíduos perturbados. Não podemos tomar a psicopatologia como conhecimento de natureza absoluta: foi variando ao longo dos diferentes períodos históricos e foi influenciada pelos diferentes períodos históricos culturais e por diferentes mentalidades – a apresentação das perturbações variam consoante as culturas. Por exemplo, na China, é típica uma perturbação onde os homens preocupados com o encolher, desaparecer ou até envaginar do pénis. Qual é o Objeto de Estudo? A psicopatologia relaciona-se estreitamente com a Medicina e com a Psicologia, Na sua relação com a Medicina, através da Psiquiatria, estuda as doenças mentais e é denominada pelo paradigma biológico. Na sua relação com a Psicologia, através da Psicologia Clínica, estuda a psicologia do patológico (compreensão do significado individual da perturbação)e é denominada pelos paradigmas psicológicos (psicanalítico, cognitivo-comportamental e humanista, entre outros) e ecológico-social. Perspetiva Biomédica Perspetiva Psicológica Sintomas das doenças mentais associadas Funcionamento psicológico perturbado a perturbações da estrutura e/ou do nas dimensões afetiva, cognitiva, funcionamento cerebral. comportamental e relacional. · Não é perceber a pessoa a partir das perturbações: as perturbações sé que têm de ser percebidas a partir das pessoas. · Não pode haver uma rotulação/redução da pessoa a um rótulo ou diagnóstico. (VOCÊ ESTÁ AQUI) A perspetiva psicopatológica em Psicopatologia implica a centração no individuo e não na perturbação, ou seja, implica o que é experimentado (as vivências), o que faz (comportamento) e como Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 7 estamos com os outros (a relação). Portando, as dimensões fundamentais são as experiências, o discurso, o comportamento e a interação. O objeto de estudo é, então, o ato de conduta perturbado enquanto observável diretamente através de comportamentos, e a ação mental. A grande questão, à qual a psicopatologia carece de uma única resposta, incide sobre a relação entre a ação mental e aquilo que é diretamente observável. Da mesma forma que não existe apenas uma resposta a esta questão, também a psicopatologia e a conduta perturbada (i.e., a perturbação) podem ser compreendidas de diferentes maneiras: Modelos sobre o que é a perturbação Modelo Psicopatologia Comportamental A psicopatologia é uma perturbação dos processos de aprendizagem. Cognitivista A psicopatologia é uma perturbação ou disfunção do processamento da informação (i.e., entre o input e o output houve vieses e distorções cognitivas). Psicanalítica A psicopatologia é a expressão de um conflito interno inconsciente (intrapsíquico) ou défice relacional (de afeto ou relação com o objeto de vinculação). Comunicacional A psicopatologia é uma perturbação/distorção da comunicação interpessoal num determinado grupo, a família. Neurofisiológica A psicopatologia é uma perturbação do funcionamento cerebral(disfunção cerebral). Fenomenológica A psicopatologia é uma forma alterada de estar-no-mundo. Existencial A psicopatologia é uma expressão de uma escolha inautêntica (que torna inseguro ou inviável o projeto de ser) e de recusa de certos dados da existência. Grandes Paradigmas Psicopatológicos A abordagem à psicopatologia requer o concurso dos enfoques biológico, psicológico e social · Biológico: foca-se na relação entre a perturbação e o funcionamento cerebral. · Psicológico: foca-se no funcionamento mental. · Ecológico-social: foca-se no contexto social. Tudo isto está em jogo, achar que só uma está em jogo é um erro epistemológico (tanto o biologismo como o psicologismo são muito limitadores. Achar que tudo é sociocultural é redutor porque excluiu a individualidade de cada um. Há uma discussão sobre qual é o peso de cada um dos aspetos – não há uma verdade – depende da natureza sobretudo biológica, psicológica ou sociocultural do caso clínico. Objetivos da Psicopatologia “A finalidade da Psicopatologia é compreender a perturbação mental a partir do existir humano e não o seu contrário.” - Karl Jaspers, Pai da Psicopatologia (em Psicopatologia Geral, 1913) Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 8 A psicopatologia tem como objetivos principais: · Observar : Conhecer o que se “passa”, quando o que se passa é mentalmente perturbado ou provoca sofrimento psicológico. · Explicar : Saber o “porquê” das coisas se passarem assim. · Compreender : Entender o “como”. · Teorizar : Sistematizar os conhecimentos em teoria geral. Dificuldades Para atingir estes objetivos, a psicopatologia confronta-se com 3 dificuldades: · Como saber o que é normal e o que é patológico : que critérios usar para os diferenciar? · Que meios utilizar para conhecer o outro que está perturbado (a problemática dos métodos de investigação em psicopatologia pode enunciar-se desta forma): que métodos de investigação utilizar ? Nota: O problema é como conhecer a realidade do outro que é sujeito de perturbações do funcionamento psicológico para confirmar ou refutar hipóteses que possam ser colocadas sobre isso. Assim o método é o procedimento que se utiliza para resolver o problema “o que é que conduz o individuo a perturbar- se?” · Como ordenar e sistematizar os conhecimentos obtidos: que teorias psicopatológicas? Nota: As teorias procuram responder á pergunta: o que é que provoca o comportamento patológico? Discurso Psicopatológico A Psicopatologia constrói um discurso sobre o indivíduo com perturbações mentais que comporta 4 níveis diferentes: · Diz respeito a tudo aquilo que é acessível à observação a partir dos dados obtidos na entrevista clínica, ou seja, a fenomenologia dos estados de consciência perturbados. Nível Observacional · A este nível, o discurso psicopatológico é descritivo (descreve os acontecimentos do perturbar-se), taxonómico O que é que aconteceu? (forma categorias de perturbações) e verificativo (permite a O que é acessível. confirmação ou infirmação de hipóteses). Descritivo | Verificativo · É o nível dos dados empíricos, que permite identificar, descrever, classificar e verificar Exemplo: O paciente estava com expansão de humor. · Refere-se às inferências que podem ser feitas sobre as condutas perturbadas para as interpretar como processos psicológicos. Nível Processual · Infere o sentido daquilo que é observado, fazendo uma Aconteceu isto. O que quer suposição provável entre várias possíveis. dizer? · A este nível, o discurso psicopatológico é probabilístico, O que se supõe que acontece. conjetural e interpretativo do perturbar-se, delimitando Conjetural | Probabilístico processos psicológicos relacionados com o que aparece. Exemplo: Os atos pedófilos do meu paciente estão associados com o facto de ter sido abusado na infância. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 9 · Refere-se às hipóteses teóricas explicativas e compreensivas acerca do maior número de observações possível e dos processos contidos nas mesmas. Nível Processual · A este nível, o discurso psicopatológico pode ser explicativo Porquê? Como? (das relações causais) e interpretativo (das relações de As hipóteses teóricas. sentido). Explicativo | Interpretativo · No primeiro caso é descritivo e verificativo. No segundo é conjuntural e probabilístico. Exemplo: A teoria de Beck está centrada na noção de esquema. · Reflete criticamente sobre a lógica dos métodos e das Nível Metateórico ou teorias que são apresentadas sobre as observações e os Epistemológico processos de natureza psicopatológica. · A este nível o discurso psicopatológico é crítico e reflexivo. Será mesmo assim? · Como são construídos os conceitos? Qual é a estrutura lógica A lógica dos métodos e teorias das explicações? Qual a validade das conclusões? Crítico | Reflexivo Exemplo: Psicanálise trabalha a nível mais profundo que o modelo cognitivo. Análise Psicopatológica A análise psicopatológica de casos individuais comporta duas dimensões fundamentais · Mostrar qual é a forma de vivenciar e qual é o comportamento perturbado (vivências e comportamento). · Trata-se de identificar , descrever e caracterizar as perturbações mentais em termos de comportamento patológico, por meio da observação. · É a patologia do psicológico que estuda as perturbações Psicopatologia Descritiva do funcionamento psicológico (da consciência, memória, pensamento, perceção, etc.) que aparecem em Observar diversos estados de perturbação mental. Identificar, descrever e caracterizar. · Não é teoricamente neutra, porque assenta na Comportamento | Experiência perspetiva do modelo biomédico (que confere às perturbações do funcionamento o estatuto de “sintomas”). · É comum entre os diferentes modelos. · É a partir da descrição que se chega ao diagnóstico. · Está relacionada com os sintomas , com as manifestações clínicas. · Mostrar qual é a experiência e qual o seu significado. · Trata-se de compreender as relações de sentido e a Psicopatologia Compreensiva perturbação mental como acontecimento biográfico. Compreender · Estabelecer relações de sentido entre: Relações de sentido · Experiência/comportamento perturbado. · Acontecimentos vividos. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 10 · Características da personalidade. · Desenvolvimento psicológico e social. · É a psicologia do patológico que estuda os processos psicológicos envolvidos na perturbação e o seu significado em termos do individuo em situação. · O estudo psicopatológico que mais interessa aos psicólogos é o que lhes permite a compreensão dos casos individuais , através da perspetiva psicanalítica, cognitiva, desenvolvimentista ou fenomenológico- existencial: finalidade última não é categorizar ou classificar comportamentos mas sim compreender pessoas. · Difere de acordo com o modelo. Normal e Patológico em Psicopatologia But first, 3 conceitos básicos: · Normal : Derivado do latim norma, significa "regra", "linha de orientação" e pressupõe um comportamento relacionado com o que se deve, com o que se pode e é permitido fazer numa determinada cultura, num dado espaço social, em relação a uma situação definida. Deste ponto de vista, domina um critério exterior ao individuo no qual o comportamento normal seria o que está concordante com as normas, com o que é esperado e que, portanto, pode variar em função de diferentes contextos sociais e culturais. Contudo, do ponto de vista psicológico, pode ser anormal um indivíduo querer comportar-se de forma sempre normal em todas as situações, ou seja, como expressão de um desejo de agradar aos outros a todo o custo e receber o seu apoio. · Anormal : Remete para um comportamento que se desvia da norma num determinado grupo. Neste sentido, a sobredotação seria tão anormal como o atraso intelectual. E anormal também o comportamento de colocar um piercing corporal. O que quer dizer que o anormal não é, necessariamente, patológico. · Patológico : Tem a ver com pathos, ou seja, remete para a dimensão subjetiva e individual do sofrimento psicológico, que se mostra na experiência, no discurso e na relação com os outros. Assim, o conceito de normalidade psicológica e saúde mental implica um estado de bem-estar psicológico através do qual o individuo desenvolve as suas próprias capacidades e potencialidades, relaciona-se com os outros de forma significativa, pode lidar eficazmente com o stress, trabalha de forma produtiva e com satisfação, sendo capaz de contribuir para a comunidade onde está inserido. Já a psicopatologia é uma possibilidade humana universal, que reflete uma experiencia de sofrimento com significado e uma complicação psicológica vivida como contradição de ser e/ou inviabilização do projeto : um modo alterado de estar-no-mundo , que é necessário compreender. Qualquer um de nos pode entrar num estado de perturbação mental, não existe um “eles os loucos” e um “nós os saudáveis”. Faz parte da condição de ser humano ser “perturbável”, mesmo que alguns sejam mais vulneráveis a do que que outros. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 11 Em Psicopatologia existem diferentes critérios de diferenciação entre normal e patológico, todos eles insuficientes quando considerados isoladamente. · A normalidade é identificada com saúde , entendida como ausência de sintomas de doença. · O patológico é identificado com doença. · Conceitos de saúde e doença considerados como opostos. · Constitui um discurso sobre sintomas e categorias de doença. · Centra-se na presença de doença identificada por sintomas que são resultado de disfuncionamento cerebral/alteração do funcionamento cerebral Critério Biomédico normal. · Liga-se à vida , ao funcionamento do cérebro Saúde | Doença · Críticas: não considera · Não considera a dimensão interpessoal/relacional da patologia mental. · Não considera a subjetividade (pois se é verdade que não existe psicopatologia fora do corpo, também não existe psicopatologia fora da experiência subjetiva do sujeito). · Não considera o sujeito. · Normalidade é identificada com bem-estar subjetivo. · Traduz-se pela autonomia, autorrealização, satisfação, controlo, abertura ao outro/mundo. · Patológico é identificado com sofrimento mental. · Traduz-se pela experiencia de mal-estar, preocupação, sufoco, opressão, Critério Fenomenológico enclausuramento, perda de liberdade. · Liga-se à consciência , à experiência , ao vivido : Bem-estar Subjetivo | Sofrimento Mental a pessoa tem consciência dos seus problemas ou incapacidades. · É o próprio indivíduo quem decide sobre seu estado ou situação, o que geralmente se traduz em queixas e manifestações verbais ou comportamentais. · Crítica: há perturbações mentais (ex., estados maníacos) que são patológicas mas que são vividas com bem-estar e sentimento de felicidade. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 12 · A normalidade é identificada como o equilíbrio harmónico entre as forças intrapsíquicas conscientes e inconscientes (harmonia intrapsíquica), suportando-se na ideia de continuidade entre normal e patológico. · Patológico é identificado com o conflito interno desorganizador desse equilíbrio. Critério Psicodinâmico · Ligado ao inconsciente , ao intrapsíquico ; Harmonia | Conflito latente /manifesto. Intrapsíquico · Vantagem: é um critério psicológico que estabelece a noção de continuidade normal- patológico. · Desvantagem: centração exclusiva no intrapsíquico e focalização no inconsciente, com desvalorização da experiência consciente e exclusão do contexto (descontextualização social). · Normalidade é identificada com o que aparece como maior frequência. · Patológico identificado com o estatisticamente raro. · Liga-se aos factos. · Objeções: Critério Estatístico · Não discrimina as perturbações que se Frequente | Raro situam nos extremos da curva de Gauss e que não serão necessariamente patológicas (veja-se a sobredotação, por exemplo). · Não define a essência da normalidade nem os limites entre o normal e o patológico. · Normalidade é identificada como adaptação social do individuo às normas sociais e com a reação positiva que o individuo provoca no grupo social no qual está inserido. · Patológico identificado com violação /transgressão das normas sociais. · Liga-se às normais socias e aos valores. Critério Social · Objeções: Adaptação |Transgressão · Não se conformar é ser mentalmente Às normas sociais perturbado? Não estar adaptado socialmente até pode ser um indicador de normalidade psicológica e saúde mental, particularmente me contextos sociais repressivos e fundamentalistas. · Contém o perigo de aproveitamento ideológico (político ou religioso) no qual os Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 13 dissidentes podem ser considerados doentes mentais. · O desvio da norma pode ter significados diferentes: apenas uma reduzida percentagem de comportamentos delituosos é que são levados a cabo por indivíduos mentalmente perturbados. · Normalidade identifica-se simultaneamente com atributos psicológicos e com um certo desenvolvimento pessoal. Entre os atributos psicológicos destacam-se: · Equilíbrio e integração das forças psíquicas (equilíbrio psicológico interno). · Autoperceção com unidade e coerência (unidade do eu e perceção coerente de si mesmo). · Capacidade de autorrealização e de lidar com a adversidade. · Resistência à frustração e ao stress. · Autonomia pessoal (liberdade de se escolher) · Perceção adequada da realidade, com Critério Psicológico capacidade para interagir de forma adaptada com os outros e o mundo. · Confronto ativo com o stresse. · Capacidade de adaptação à mudança. · Autoeficácia. · Relações gratificantes e compromisso com os outros. · Competências comunicacionais, relacionais e sociais. · Ajustamento familiar e profissional · O desenvolvimento pessoal está associado a manutenção da possibilidade de promover o seu próprio enriquecimento existencial, através de projetos significativos, que resultam de escolhas livres e autênticas (concordantes consigo mesmo). Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 14 Comportamento Patológico É possível identificar vários aspetos que contribuem para a definição do que é o comportamento patológico: · Experiência de sofrimento , em especial quando intenso (intensidade do disfuncionamento), mais ou menos permanente, desproporcionado aos acontecimentos precipitantes e invasivo de todo o funcionamento psicológico (invasividade mental e corporal). Esta experiência de sofrimento traduz-se numa sensação de peso opressivo, sufoco, enclausuramento e perda de liberdade · Comportamento desadaptado/desviante , marcado por: · Dificuldade em controlar impulsos · Dificuldade em identificar-se com os outros · Crises de violência · Inadequação às situações · Dificuldade nas relações interpessoais , que se pode traduzir por: · Inibição-evitamento · Conflito disruptivo · Dependência excessiva ou · Indução de sofrimento ao outro. · Crise familiar · Dificuldades escolares · Desajustamento profissional · Dificuldades de adaptação social · Limitação do desenvolvimento existencial · Pedido de ajuda , que implica consciência de perturbação e envolve um comportamento de procura de cuidados dirigido a um sistema de referência especializado, o que não acontece sempre uma vez que há perturbações mentais em que não há desejo de ser tratado, porque não há consciência de perturbação. Nota: não há sintomas. O que há são vivencias patológicas, que correspondem a experiências vividas com sofrimento e a comportamentos perturbados, que devem ser contextualizados na situação (atual), na história (singular individual) e no contexto (familiar, social e cultural). Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 15 Perturbações Mentais Orgânicas O que são? Uma perturbação orgânica é uma perturbação do nível cerebral, e não somático. Somático diz respeito ao corpo, mas o organismo não diz respeito ao corpo, mas sim a um órgão – neste caso o encéfalo. Neste sentido, definem-se como estados psicopatológicos resultantes de efeitos diretos ou indiretos de alterações cerebrais , isto é, de problemas específicos do funcionamento cerebral. Podem dever-se a: · Lesão ou disfunção cerebral transitória ou permanente. · Alteração funcional (ex., redes neuronais que não são mobilizadas, problemas metabólicos nos neurónios) ou estrutural (e.g., massa tumoral que comprime as estruturas cerebrais). Estas perturbações pertencem ao campo da neurologia, contudo são muito parecidas às perturbações funcionais, daí serem dadas em psicopatologia, para que não façamos o diagnóstico erradamente. Por exemplo, um paciente de 40 anos aparentava ter uma depressão, foi encaminhado para uma psicoterapia, mas, na verdade, tratava-se de um tumor cerebral. · Perturbação funcional : padrões de conduta anormais sem claros indícios de alterações orgânicas cerebrais. Se há consciência clara (o que pensamos surge de forma clara à consciência) é uma perturbação funcional. Sinal de organicidade: · Flutuações da consciência (tendência a piorar ao fim do dia) => diminuição da vigila e consciência turva. · Desorientação espácio-temporal, em especial do espaço. · Alucinações olfativas ou gustativas fortes. · Rutura com funcionamento anterior da pessoa. Incluem · Síndrome Demencial : perda progressiva de capacidades mentais, nomeadamente das capacidades cognitivas. Há vários tipos de demência. · Síndrome Amnéstico : enquanto o demencial é uma perda global de capacidades cognitiva que afetam a vida quotidiana, o síndrome amnéstico refere-se à memória. Pode ou não ser gradual. Há vários tipos de amnésia. · Síndrome Confusional (Delirium ): pessoa ter as tais alterações do estado de consciência e desorientação. · Outros transtornos (muito semelhantes aos funcionais): · Perturbação orgânica da personalidade. · Alucinose : experiência alucinatória de causa orgânica, nas quais, a alucinação é criticada no próprio momento em que ocorre. A experiência é ego-distónica (fenómeno psicopatológico não é concordante com a totalidade psicológica do individuo) e há consciência de irrealidade. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 16 · Catatonia : estado de estupor (diminuição da reatividade aos estímulos externos e redução significativa da atividade motora) com imobilidade, rigidez muscular, postura fixa e negativismo (atitude de oposição a qualquer movimento solicitado), estando o individuo vígil mas relativamente indiferente relativamente ao que se passa à sua volta). · Delírio. · Humor. · Ansiedade. · Dissociação. · Astenia. Nota: um sindrome é um conjunto de sinais e sintomas que aparecem como um quadro clínico. Por outras palavras, trata-se de um agrupamento ou padrão recorrente de sinais e sintomas. Perturbações Orgânicas Crónicas Perturbações cognitivas geralmente irreversíveis e permanentes. Causas · Degenerativas (ex., Alzheimer) · Vasculares (ex., Arteriosclerose: irrigação insuficiente) · Tóxicas (ex., Alcoolismo) · Traumáticas Incluem Demências Perturbação Cognitiva Generalizada · Caracterizam-se pela perda progressiva/declínio gradual de funções cognitivas. · Os comportamentos desadequados podem ter origem na incapacidade de compreensão das situações. · Existe risco acrescido do aparecimento de estados confusionais em pessoas com processo demenciais em curso. Exemplos Alzheimer (é a mais frequente) · Alterações neuroanatómicas cerebrais na doença de Alzheimer: · Atrofia cortical. · Placas senis. · Degenerescência neurofibrilar. · Morte neuronal. · Rarefação dendrítica. · Proteína amiloide (aumento, cérebro fica muito “gordo”). · Emaranhados neurofibrilares. Nota: confirmação do diagnóstico pós-morte · Alterações mnésicas respeitam a lei de Ribot: perde-se primeiro o material mnésico mais recente. Vascular · Segunda mais prevalente. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 17 · A cada enfarte a perda de capacidade é maior, a perda dá-se em escada. · Mais fácil de reverter através de baixar a pressão arterial. Pick · Primeiros sintomas são comportamentais (desinibida, inoportuna) só depois surgem os cognitivo. Creutzfeldt-Jacob. Huntington. Parkinson. HIV. São demências secundárias a outras doenças. Neurossifilis. Poliartrite nodosa. Outras. Nota: As que estão em itálico são primárias, isto é, não derivam de outras perturbações. Estado Amnéstico Perturbação cognitiva seletiva · Défice de memória global e permanente, produzido por uma disfunção cerebral, sem que haja alterações nas outras capacidades cognitivas. · Afetam primariamente a memória. · O amnésico "puro" mantém intacta a sua capacidade intelectual (em termos de quociente de inteligência), não tem problemas de linguagem, não mostra deficiências preceptivas ou de atenção, e conserva as competências adquiridas antes da lesão. Exemplo Síndrome de Korsakoff · É o mais comum. · Está ligado ao consumo excessivo de álcool e é irreversível. Perturbações Orgânicas Agudas Perturbações reversíveis e transitórias do estado de consciência e orientação Causas · Tóxicas (intoxicações agudas e síndromes de abstinência do álcool e drogas) · Metabólicas · Infeciosas (doenças febris infeciosas) · Vasculares (perturbações orgânicas cerebrais, por exemplo, vasculares ou tumorias) · Traumáticas Incluem Estados Confusionais Simples · Caracterizam-se por: · Alteração do estado de consciências: diminuição do nível de consciência (hipovigilidade). · Desorientação no tempo e no espaço. · Incoerência do pensamento e do discurso. · Dificuldades de compreensão e de memória (fixação e evocação). Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 18 · Comportamento incoerente. · Alteração psicomotora (inibição ou agitação). · A experiência confusional envolve vivencia de estranheza, perplexidade e, por último, ansiedade. Estados Confuso-Oníricos ou Delirium · Trata-se de um estado de confusão mental no qual aparecem alterações percetivas muito vivas (alucinações visuais e táteis e ilusões), de caráter visual, às quais o individuo reage com reações afetivas (geralmente de medo e terror) concordantes com o seu conteúdo desagradável e aterrorizador (monstros, animais, cadáveres). · Corresponde aos estados confuso-oníricos nos quais aparece um delírio alucinatório (com base em alucinações e ilusões) em contexto de perturbação da consciência e de desorientação. · Acompanha-se por sintomas corporais (tremores, sudação excessiva, taquicardia e febre) e por inversão do ciclo vigília-sono. · A agitação confusional e as experiências alucinatórias são predominantemente vespertinas (i.e., à tarde) e noturnas. · O protótipo do delirium é a síndrome de abstinência alcoólica, chamada de delirium tremens. Nota: DELÍRIO ≠ DELIRIUM O delírio é um conjunto de ideias delirantes da mesma natureza ou natureza diversa, mas provenientes do mesmo estado psicopatológico. Características dos delírios: - Perda do juízo da realidade: individuo impossibilitado de emitir juízos adequados à realidade e distinguir esta última do irreal. - Impossibilidade e irrealidade do conteúdo : os temas das ideias delirantes, não são específicos das entidades clínicas em que podem aparecer, os fatores que influenciam a construção dos conteúdos das ideias delirantes podem ser: fenómenos psicopatológicos (alucinações e ilusões, falsas recordações), fase do ciclo de vida, características da personalidade, biografia pessoal, contexto social e cultural, crenças religiosas e políticas. - Não é influenciável pela experiência e é incorrigível. Perturbações Mentais Orgânicas mais associadas com Violência · Epilepsia temporal (crises parciais complexas) · Coreia de Huntington. · Síndrome de Korsakow. · Tumores cerebrais. · Deficiência mental. Status Pós Traumatismo Craniano · As perturbações orgânicas podem ter causas ligadas a traumatismos cranianos. · Lesões orbito frontais podem simular características da personalidade antissocial. · Desinibição pode levar a comportamentos socialmente inaceitáveis. · Irritabilidade e explosividade podem levar a comportamentos agressivos por pequenas contrariedades. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 19 Perturbações Mentais e de Comportamento decorrentes do Uso de Substância Psicoativa Quando é que há uma perturbação mental ou de comportamento decorrente do uso de substâncias psicoativas? 1. Consumo em quantidades superiores ao pretendido. 2. Durante um longo período de tempo. 3. Desejo não sucedido de paragem ou controle. 4. Grande quantidade de tempo gasto a tentar obter a substância. 5. Descuido das obrigações sociais (na escola ou trabalho). 6. Uso continuado apesar de problemas sociais ou mesmo físicos. Substâncias Psicoativas · Álcool (problema de saúde pública) · Opiáceos (ex., heroína). · Canabinoides (substâncias extraídas da planta cannabis sativa) · Sedativos e hipnóticos (psicofármacos, como o diazepam e as benzodiazepinas) · Cocaína 1 · Estimulantes (ex., cafeina, anfetaminas (substâncias de síntese em laboratório), ecstasy) · Alucinogénios (ex., pó de anjos, LSD) · Fumo · Solventes voláteis (ex., cola, sacos de plástico) · Múltiplas substâncias · Outras Problemas Ligados ao Álcool Conceito de Alcoolismo e Alcoologia O alcoolismo não é um conceito fácil de definir já que há uma ausência de acordo universal sobre a sua definição. Muitas das definições são demasiado amplas e ambíguas, não sendo claro se o alcoolismo corresponde a: · Abuso, dependência ou a ambas. · Beber demais. · Beber inadequadamente. · Não poder parar de beber. 1 Uma compilação frequente do consumo de cocaína é o aparecimento de ideias delirantes persecutórias. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 20 · Ou ainda se o alcoolismo se define através do sofrimento que o consumo apresenta para a própria pessoa ou família. Para além disso, o facto de muitas definições serem quantitativas torna mais difícil que se alcance consenso. Neste sentido, hoje em dia, utiliza-se um termo mais abrangente: Problemas Ligados ao Álcool. Falamos em problemas ligados ao álcool quando o consumidor começa a ter complicações na sua vida quotidiana. Estádios de Consumo Os manuais de diagnóstico (DSM-V e ICD-10) fazem a distinção entre "abuso de álcool " e "dependência do álcool ". Esta distinção tem sido amplamente relatada na literatura. · Abuso : por um lado, há indivíduos que consomem álcool repetidamente de forma excessiva, mas que nunca apresentam sintomas de abstinência (quadro sintomático que aparece num sujeito que consome álcool devido a uma diminuição dos níveis sanguíneos da substância). · Dependência : por outro lado, há indivíduos que abusando igualmente de álcool, manifestam sintomas de abstinência quando deixam de beber. Contudo, tanto o abuso como a dependência partilham alguns sintomas: · Sintomas físicos (perigo de cirrose, aumento da pressão arterial, etc.). · Psicopatologia (perturbações do sono e do sexo, alucinose, etc.) · Desadaptações ao ambiente social e de trabalho (perda de horas de trabalho problemas familiares e sociais). Estádio Descrição · O consumo de álcool é uma atividade social e agradável. 1 · Contudo, há autores que defendem que esta fase progride para um consumo Consumo de álcool com uma frequência cada vez maior utilizado como meio de redução Integrado do stress. · A pessoa começa a desenvolver uma habituação ou tolerância ao álcool, necessitando de beber cada vez maior quantidade e com mais frequência para 2 obter os efeitos psicotrópicos desejados. Consumo de · Quantidade ou padrão de consumo de álcool que põe o individuo em risco de Risco desenvolver problemas de saúde quer física quer mental. · Padrão de consumo regular que pode vir a implicar dano físico ou mental se este persistir. · Padrão de consumo que causa danos à saúde quer física quer mental, mas que 3 não satisfaz os critérios de dependência. · Episódios de amnésia. Consumo · Transtornos do sono. Nocivo · Ansiedade. (Abuso) · Sintomas depressivos. · Começam a surgir problemas relacionais e descuido das obrigações sociais. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 21 · O fenómeno da tolerância reduzida pode aparecer, de modo que o sujeito pode alcançar a intoxicação com quantidades menores de álcool que anteriormente não produziam tal efeito. · Padrão de consumos constituído por um conjunto de fenómenos fisiológicos, cognitivos e comportamentais que podem desenvolver-se após repetido uso de álcool. · Inclui: · Um desejo/impulso intenso e muito forte de consumir bebidas alcoólicas (craving). 4 · Descontrolo sobre o seu uso. · Desejo de parar, mas não consegue. Dependência · Continuação dos consumos independentemente das consequências. · Alta prioridade dada aos consumos em detrimento de outras atividades e obrigações. · Síndrome de abstinência (sintomas de privação quando o consumo é descontinuado) · Tolerância ou habituação ao álcool: necessidade de ir aumentando as doses para obter mais efeitos). Dimensão do Problema Os problemas ligados ao álcool são dos problemas mais importantes e graves que a sociedade atual enfrenta, com cerca de meio milhão de pessoas apresentando problemas ligados ao álcool. Estes dados são obtidos através de indicadores diretos (inquéritos) e indiretos (Fórmula de Jellinek : método para calcular a taxa de alcoolismo num país em função da proporção de necropsias em que é revelada cirrose hepática, partindo do pressuposto que uma proporção de alcoólicos morre de cirrose). Em Portugal há grande prevalência de consumo aditivo alcoólico, estado o nosso país nos primeiros lugares no Mundo. Relação Direta entre Consumo, Morbilidade e Mortalidade · Consumo abusivo de álcool pode levar a: · Cirrose hepática. · Neoplasias malignas. · Consumo de álcool pode estar na origem: · Acidentes de viação (50%) · Acidentes de trabalho (15%): estão positivamente correlacionados com o consumo de álcool. · Violência e criminalidade. · Suicídios (25%): o risco de suicídio aumenta na população dependente de álcool · Todos estes aspetos podem, por sua vez, levar à mortalidade. · A idade do início do consumo pode mediar a relação entre o consumo e a morbilidade e mortalidade. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 22 Aspetos Clínicos A ingestão excessiva de álcool causa perturbações mentais agudas ou crónicas. Intoxicação Aguda · É o resultado do consumo recente de quantidades excessivas de álcool. · Os sinais fisiológicos característicos de intoxicação incluem: · Pronunciação e linguagem incorreta e gaguejante. · Descoordenação. · Andar instável. · Nistagmo. · Declínio da atenção e memória. · E, finalmente, estupor ou coma. Estado de Abstinência ou Privação · O aparecimento desta síndrome coincide com a interrupção ou redução do consumo de álcool por um sujeito que depende fisicamente de álcool ou tem estado a beber durante dias, semanas ou meses. · Sintomas: · Tremores. · Hiperatividade autónoma (sudação, taquicardia…). · Ansiedade. · Irritabilidade. · Inquietude. · Náuseas e vómitos. Estados Confusionais, Psicóticos Ou Depressivos Delirium Tremens · Estado confusional de abstinência alcoólica, com alteração da consciência, desorientação, tremor intenso das extremidades, agitação psicomotora e alucinações visuais do tipo zoopsias. · Ocorre em alguns alcoólicos em consequência da cessação do consumo de álcool, como um exagero dos sintomas da abstinência. · Os sintomas começam entre o segundo e quarto dia de abstinência e, na ausência de mortalidade, terminam geralmente com um episódio de sono que pode durar muitas horas. · Sintomas: · Alteração da consciência (flutuações dos níveis de consciência). · Desorientação. · Tremor intenso das extremidades. · Agitação psicomotora. · Alucinações visuais do tipo zoopsias. · Sudação, taquicardia, ansiedade, insónia e medo intenso. Embriaguez Patológica · É um tipo de alcoolismo particular em que se verifica uma disrupção aguda e caótica do comportamento resultante da ingestão de uma pequena quantidade de álcool. · A pessoa fica muito violenta. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 23 Alucinose Alcoólica · É um episódio com sintomas psicóticos que se produz na sequência de uma forte intoxicação alcoólica em que o individuo tem estado a consumir doses elevadas de álcool durante vários dias. · É uma complicação do alcoolismo crónico. · Durante este episódio não há desorientação ou perda de consciência. · Sintomas: · Alucinações auditivo-verbais de conteúdo ameaçador ou acusatório: diversas vozes falam entre si, comentando as ações do sujeito e insultando-o. · É autolimitada (dura umas semanas e passa). Delírio Alcoólico Crónico · Temática do ciúme muito presente: está na origem de muitos crimes passionais Korsakov · É um síndrome amnéstico irreversível. · Caracteriza-se por uma forte diminuição das funções da memória anterógrada e da memória retrógrada, apatia e preservação das capacidades sensoriais e outras capacidades intelectuais. · Alteração pronunciada na memória de fixação e amnésia lacunar que é preenchida por confabulações: · Amnesias lacunares (ou localizadas): comprometem apenas periodos limitados do passado pessoal, com duração de minutos a horas, sendo que o individuo recorda o que lhe aconteceu antes e depois do periodo afectado pela amnesia. São amnesias características das alterações da consciencia associadas a estados confusionais, crises epilepticas, psicoses toxicas, estados crepusculares e delirium tremens. Uma forma característica é o black-out alcoolico (palimpsesto de Bonhoeffer), associado ao período da elevação da alcoolemia nos indivíduos dependentes do alcool. A amnesia é limitada ao período no qual o individuo apresentou diminuição da vigília. · Confabulações: produtos da imaginação (verosimeis ou mesmo inverosímeis) são usados para preencher lacunas de memória, isto é, sao falsificações da memoria devidas a amnesias lacunares orgânicas. O individuo nao tem consciencia da perturbação. Demência Alcoólica · 10% dos alcoólicos crónicos apresentam uma deterioração permanente, progressiva e irreversível das suas funções cognitivas, mesmo após a abstinência. · Este processo é considerado como um processo de demência associado ao alcoolismo. Ciclo da Mudança Prochaska & DiClemente O Ciclo de Mudança é um modelo compreensivo de mudança em comportamentos aditivos que visa ser aplicável às diversas formas pelas quais as pessoas podem mudar: from maximum interventions of traditional inpatient and outpatient therapy programs to more minimal interventions, such as a few hours of therapy for problem drinkers or self-help manuals for troubled drinkers and smokers. É um modelo biopsicossocial integrativo que conceptualiza o processo intencional de mudança de comportamento As pessoas passam por uma série de etapas quando modificam o seu comportamento. Embora o tempo que uma pessoa pode permanecer em cada fase seja variável, as tarefas necessárias para passar à fase seguinte não são. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 24 Estapa Descrição · As pessoas nesta fase não pretendem tomar medidas (take action) num futuro próximo (geralmente próximos 6 meses). · Estar desinformado ou estar mal informado sobre as consequências do seu 1 comportamento pode fazer com que uma pessoa se encontre na fase de pré- Pré- contemplação, bem como múltiplas tentativas fracassadas de mudança Contemplação podem levar à desmoralização sobre a capacidade de mudança. A pessoa tem um consumo problemático mas ainda não se apercebeu que o seu consumo é um problema. · É a fase em que as pessoas, tomando consciência do seu problema, tencionam mudar nos próximos seis meses. · As pessoas estão mais conscientes dos prós da mudança, mas estão também 2 muito conscientes dos contras. Esta ponderação entre os custos e os benefícios da mudança pode produzir uma profunda ambivalência que pode Contemplação levar as pessoas a permanecerem nesta fase por longos períodos de tempo. Já reconhece um problema mas com pouca vontade de agir “se calhar devia fazer qualquer coisa” · A preparação é a fase em que as pessoas tencionam agir no futuro imediato, 3 geralmente medida como o próximo mês · É a fase em que as pessoas pedem ajuda. Preparação Começa a agir (ex., marca consulta) · É a fase em que as pessoas fizeram modificações específicas e evidentes nos seus estilos de vida durante os últimos seis meses (ex., afastar-se dos triggers 4 que levam a pessoa a consumir ou encontrar outras coisas que sejam tão boas quanto a substância) Ação Não é só deixar de consumir, mas sim mudar o estilo de vida para diminuir os triggers que levam ao consumo. · É a fase em que as pessoas fizeram modificações específicas e evidentes nos seus estilos de vida e estão a trabalhar para evitar recaídas. No entanto, não aplicam processos de mudança com a mesma frequência com que as pessoas 5 na fase anterior (ação). · Enquanto estão na fase de manutenção, as pessoas são menos tentadas a Manutenção recair e ficam cada vez mais confiantes de que podem continuar as suas mudanças. Não é só parar, mas manter. 6 · É necessário trabalhar o risco de recaída, isto é, prevenir recaídas. · Mas recair não é o fim do mundo: não dramatizar. Eventual Recaída Recaída rs Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 25 Etiopatogenia2 · Deve ser entendida segunda uma perspetiva biopsicossocial, na qual se têm em conta: · Aspetos Biológicos : genéticos e bioquímicos. · Aspetos Psicológicos : no que toca aos aspetos psicológicos a investigação psicodinâmica e cognitivo-comportamental tem oferecido dados quanto aos fatores psicológicos que contribuem para o desenvolvimento de perturbações mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas. · Fatores socioculturais : · Consumo geograficamente sobreponível à produção (nos países com maior produção haverá mais perturbações). · Atitudes sociais generalizadas de encorajamento ao consumo (ex., no estado novo defendia-se que beber vinho é bom). · Grupos de pares. Não há personalidade pré-alcoólica ou pré-toxicodependente · Contudo, traços mais frequentes: · Dependência. · Impulsividade. · Hostilidade. · Ansiedade-traço. · Depressividade. Nota: há uma predisposição hereditária na adição alcoólica. 2 Estudos das causas ou processos de desenvolvimento de uma patologia. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 26 Perturbações Psicóticas Psicose ≠ Sintomas Psicóticos ≠ Personalidade Psicótica Psicose São as mais graves, sendo que há graus de gravidade. Pode haver perturbações da forma (fuga de ideias e aceleramento do pensamento) e do conteúdo do pensamento (ideias delirantes). Características Presença de Manifestações Psicóticas Implicam a interpretação da realidade. Consubstanciam o distanciamento da realidade Ideias delirantes · Podem ou não ser bizarras. · São crenças falsas que: · Não cedem à argumentação lógica, nem à experiência. · São vivenciadas com convicção absoluta. · Não são culturais ou socialmente partilhadas (pelos membros do grupo social e cultural a que o individuo pertence). · São ego-sintónicas (concordantes com totalidade psicológica do indivíduo, isto é, o individuo adere completamente aos seus conteúdos). Alucinações · Perceções sem objeto, sem que haja estímulo exterior correspondente. · Podem ser: · Auditivo-verbais sem emissor. · Visuais. · Olfativas. · Gustativas. · Táteis (ex., sensações de queimadura, sopros, beliscões e de formigueiros, quase sempre associados com alucinações visuais zoopsias, como no delirium tremens e na psicose da cocaína). · Cenestésicos ou corporais (perceção de estar petrificado, oco ou vazio, de estar reduzido de tamanho ou deformações corporais. Podem ser experimentados por indivíduos esquizofrénicos). · Cinestésicas ou motoras (perceções alucinatórias de movimentos corporais que o individuo não efetuou na verdade). Comportamentos bizarros (comportamentos descontextualizados) Distanciamento da Realidade Comunicacional (introversão) Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 27 Comportamental (Inibição/agitação) Relacional (isolamento) Nova forma de interpretar a realidade (delírios) Perda de Juízo Crítico Ausência de consciência de perturbação Consequências pessoais, familiares e sociais Tipos de Psicoses Classificação tradicional · Psicoses Orgânicas (passou para Perturbação Mental Orgânica, porque há perturbações orgânicas em que há sintomas psicóticos). · Psicoses Afetivas (passou para Perturbações do Humor). · Psicoses Esquizofrénicas. · Psicoses Esquizo-afetivas (podem ser arrumadas aqui ou nas afetivas). · Psicoses Paranoides/Delirantes. · Psicoses Reativas (surgem em reação a um acontecimento externo, nas outras pode haver precipitantes mas é diferente, são breves). Psicoses Afetivas3 · Grupo de psicoses cujo transtorno fundamental é uma alteração do humor e afetos · No sentido depressivo. · No sentido maníaco. · De alternância entre mania e depressão. Tipos clínicos Psicose Afetiva Unipolar · Episódios depressivos sem episódios maníacos. · Personalidade prévia pré-melancólica. · Início mais tardio. Psicose Afetiva Bipolar · Episódios depressivos com episódios maníacos. · Personalidade prévia ciclotímica. · Início mais precoce. Notas sobre episódios maníacos: - Desinibição sexual é frequente nos estados maníacos. - Aceleração do pensamento e fuga de ideias são típicos dos estado maníacos. Psicoses Esquizofrénica Ou Esquizofrenia · São perturbações dispares e estão muito longe de ter as mesmas características. 3 Nota: hoje já não se fala muito porque as pessoas com sintomas uni ou bipolares é mais correto dizer perturbação unipolar ou bipolar com sintomas psicóticos. Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 28 · Há uma predisposição hereditária. · O primeiro surto de psicose esquizofrénica afeta sobretudo adolescentes (adolescência tardia) e adultos (15 aos 30 anos) e afeta de maneira igual ambos os sexos: · Início geralmente antes dos 45 anos. · É rara depois dos 30. · Tem uma duração de pelo menos 6 meses. · Patologia global que afeta todas as áreas da vida mental (“Cancro mental”). · Caracteriza-se em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da perceção, e por afetos inapropriados ou embotados. Caracteriza-se por um conjunto de alterações graves: · Alteração da personalidade. · Perturbações/Distorção do pensamento com sentimento de ser controlado por forças externas. · Forma: · Vivência de bloqueios de pensamento. · Afrouxamento das associações, não estão encadeados: pensamento saltuário. · Conteúdo (ideias delirantes ). · Afeto, perceção e da relação com o mundo: · Afeto alterado sem relação com a situação real: embotamento afetivo. · Autismo (virados para si). · Deterioração do nível de funcionamento anterior: · Leva a que a pessoa funcione ao nível cognitivo um pouco pior do que no nível anterior (é necessária reabilitação cognitiva), os surtos nem sempre implicam deterioração cognitiva mas é muito frequente. · Profissional, social, cuidados pessoais. Nota: tem os 4 As de Bloier: afeto, autismo, ambivalência, associações entre as ideias Manifestações Clínicas Positivas Negativas Cognitivas · Ideias delirantes. · Frieza afetiva ou · Dificuldades de atenção, · Alucinações. embotamento afetivo. memória e funções · Alterações psicomotoras. · Inércia. executivas. · Retraimento. · Anhedonia (diminuição da capacidade para experimentar prazer/satisfação em atividades quotidianas) · Isolamento. Manifestações de 1ª linha (existindo estes fenómenos há esquizofrenia, sem eles não há) · Fenómenos alucinatórios – quase sempre auditivo-verbais: · Sonorização do pensamento (ouvir pensamento em voz alta) Margarida Ribeiro & Mª Matilde Silva | ISPA 29 · Duas ou mais “vozes” a falar. · “Vozes” que comentam ações do sujeito. · Fenómenos delirantes: · Ideia delirante de influência (i.e., que influenciam o pensamento ou os atos). · Imposição do pensamento (pensamentos são impostos de fora). · Roubo do pensamento. · Divulgação do pensamento. · Sensações corporais impostas. · Perceção delirante (há um objeto que é corretamente percebido mas ocorre alteração da significação) Tipos Clínicos Indiferenciada · Preenche os critérios diagnósticos gerais para a esquizofrenia mas não corresponde a nenhum dos subtipos. Simples Perturbação de Personalidade Esquizoide e Esquizotipica · Só há traços de personalidade, não tem sintomas, por isso passou para outra categoria. Hebefrénica ou Desorganizada · Há mais alterações da forma. · Predomina: · Afetividade aplana ou inapropriada (ex., risos imotivados). · Pensamento e a linguagem são desorganizados (ex., respostas pobres). · Comportamento desorganizado, irresponsável e imprevisível. · Puerilidade. · As ideias delirantes e as alucinações são fugazes e fragmentárias. · Deveria normalmente ser somente diagnosticada em adolescentes e em adultos jovens. Paranoide · Há mais alterações do conteúdo do pensamento e é mais organizada. · Caracteriza-se essencialmente pela presença de ideias delirantes (frequentemente de perseguição) em geral acompanhadas de alucinações auditivo-verbais. · Na esquizofrenia paranoide há habitualmente alucinações auditivo-v

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