Summary

Este é um livro do autor Alexandre Dumas, é uma história de vingança e drama ambientada em diversas épocas e locais diferentes. O Conde de Monte Cristo é uma das suas obras mais famosas que gira em torno do famoso personagem Edmond Dantés.

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ALEXANDRE DUMAS - 0 CONDE DE MONTE CRISTO Tradução e adaptação Heloisa Prieto SUMÁRIO A chave para descobrir os clássicos 6 Almanaque 11 Convite á leitura 36 cairo1 — Avelanegora 43 caermo: Mercedes, a bela 49 caenmos O ressentimento de...

ALEXANDRE DUMAS - 0 CONDE DE MONTE CRISTO Tradução e adaptação Heloisa Prieto SUMÁRIO A chave para descobrir os clássicos 6 Almanaque 11 Convite á leitura 36 cairo1 — Avelanegora 43 caermo: Mercedes, a bela 49 caenmos O ressentimento de Danglars 56 cartnos A carta andnima 60 urmuss — O interrogatorio 64 carmios O Castelo de If 72 cartinno?r ksolamento 76 carinmos O abade Faria 79 wrimmos O desejo de vinganga 84 caringo e — O mapa do tesoura 95 cartmuoto A fuga 101 carmnoz O conde de Monte Cristo 104 caríimo e Crédito ilimitado 115 carinaco s Haydée 113 in D golpe final 127 carirunDo s Esperar e ter esperanga 136 Muitas conversas com um mesmo livro 140 A vela negra No dia 24 de fevereiro de 1815, em Marselha, Franga, apor- tou um grande navio, o Faraó. Ele viera de Esmirna, na Turquia, passando por Trieste e Ndpoles, na Itdlia, carregado de merca- dorias. Seu proprietdrio era o senhor Morrel, que aguardava sua embarcação, ansioso. Morrel era um armador, dono de navios, comerciante honesto e rico. Nesse dia, em especial, ele parecia preocupado. A vela negra do navio simbolizava morte a bordo. Quem teria morrido? Desolado, Morrel não aguentou esperar e de bote foi ao en- contro do capitdo, a bordo do Farad. No lugar do capitao, Mor- rel encontrou o imediato, um jovem entre 18 e 20 anos, Edmond Dantés, Alto, esguio, olhos e cabelos negros, o jovem demonstra- va qualidades de lideranga, gestos rapidos, olhar atento. Eviden- lemente, conquistara a confianga de toda a tripulagao. O rapaz demonstrava a calma tipica de pessoas habituadas a lutar contra 0 perigo, desde a infancia. Ao avistar o bote, o jovem deixou séu posto 20 lado do pilo- toefoi cumprimentar o senhor Morrel, que, espantado, perguntou: — É você, Dantês? O que aconteceu? Onde está o capitão? Por que todos estão com esse ar de tristeza? — Ah, meu Deus, ele morreu em Nápoles — respondeu Dantes. — O que você me diz? Que perda horri- vel! Como aconteceu? Ele caiu no mar? — quis saber Morrel. — Tudo aconteceu de maneira inespera- da. O capitio nio se sentia bem quando saimos de Nápoles. Em vinte e quatro horas, ele come- çou a ter febre alta e, trés dias depois, faleceu. Ninguém estava esperando que isso aconteces- se. Foi uma tragédia. Seu enterro, com todas as honras e cerimônias, aconteceu na ilha del Gi- [ thadoarquipélsge | 80" E, agora, meu senhor, seja bem-vindo a | Toscano, localizada sua embarcagio, no mar Tirreno, na e SA O armador Morrel subiu a bordo, en- T quanto dizia: — Meu caro jovem, também preciso feli - cité-lo por ter liderado a tripulagio nesse mo- mento tão dificil. — Sim, senhor, obrigado! Consegui trazer toda a mercadoria. A tripulagio agiu com soli- dariedade e seguiu minhas orientacd es, Nesse momento, um homem de cerca de vinte e cinco anos se aproximou de ambos. Seu nome era Danglars, Era amável com os superio- res e arrogante com os subalternos. Apressou-se ém cumprimentar Morrel, — O senhor já foi informado de nossa per- da, não é mesmo? — disse ele. — Sim, pobre capitão Leclére! — Excelente marinheiro! Envelheceu en- tre 0 céu e o mar, como convém a um homem responsável pelos interesses de uma casa tão im- portante como a Morrel! — respondeu Danglars. — Mas vejo que ele não era o único que conhecia seu ofício — disse Morrel, seguindo com os olhos o jovem Dantes, que comandava a atracagio, — Eis aí o nosso Dantês, que ndo pre- cisa pedir conselhos a ninguém. — Sim, senhor Morrel — disse Danglars, lançando um olhar obliquo em que brilhava uma chispa de rancor —, Dantés é jovem e não I * Localizada entre o | mar Ligure, ao norte; teme nada. Assim que o capitdo faleceu, ele as- o mar Tirreno, ao sul; sumiu o comando do navio, sem consultar nin- e o canal da Córsega, a oeste; é a maior guém e nos obrigou a perder um dia e meio na ilha do arquipélago ilha de Elba’, em lugar de voltar diretamente | Toscano e a terceira maior da Ttdlia. para Marselha. ndo do navio — disse o ar- comar — Assuo mi g mador — era seu dever como imediato. Quanto , a não perder um dia e meio na ilha de Elba, ele errou ser que o navio tivesse alguma avaria para consertar, — O navio estava tão bem como eu desejo que o senhor esteja, senhor Morrel, Esse atraso de de um dia e meio foi puro capricho, só pelo prazer pisar em terra, eis tudo. O senhor Morrel virou-se para Dantés ¢ in- dagou: _ — O que vocé foi fazer na ilha de Elba, meu I'Napoleãn Bonaparte | jovem? i | (1769-1821) nasceu | na Górsega (ilha | — Cumprir uma última ordem do capitão | francesa no mar | Leclére. Antes de morrer, ele me pediu que entre- | Mediterrineo, | Tc ee dA gasse uma carta a Napoledo’. Não poderia recusar | Ttália). Atuoucomo — | o pedidode um homem em seu leito de morte. Eu | oficial de artilharia e | N iy il | lhe dei minha palavra. politica ¢ militar — Vocé fez bem em seguir as instrugoes do | tornando-se um dos L | maiores lideres da | capitão Leclére e parar na ilha de Elba, ainda que | história da Franga. entregar uma carta ao imperador poderia compro- | Yol imperador da metê-lo, | Franga de 1804 a | 1814, assumindo o — E como isso poderia me comprometer, $é- | nomede Napoleão S il nhor? Eu não sei o que estava escrito. | ocargo poralguns — | — Tudo bem, Dantés. Vocé pod vir e janta’ meses em 1815 LT | emcasa esta noite? — Senhor, peço desculpas, mas primeiro preciso visitar meu pai, que está me esperando depois dessa longa viagem, — Sim, meu caro, sei que você é um bom filho. V4, então, visite sua família, meu jovem. Dantés despediu-se e já ia saindo, mas Mor- rel o chamou de volta, sorrindo: — Por que tanta pressa? Vocé sente assim tantas saudades de sua familia, ou há mais al- guém? Quem sabe uma amiga especial, que o aguarda? | Dantês ficou com o rosto vermelho e con- ÉESSOI.I: — É verdade, senhor. Tenho uma namora- da à minha espera. Nés nos casaremos em breve. - Eu sabia! Estava esquecendo que na vila dos catalies* há alguém esperando por você com [ Atual Proia dos tanta ou mais impaciéncia do que seu pai: a lin- | Cataldes, povoada | inicialmente por da Mercedes! l pescadores do sul | da Espanha. mais Danteés sorriu. especificamente da — Ah! Ah! Não me espanta que ela tenha Catalunha, de onde vindo trés vezes me pedir noticias do Faraó. provêm seu nome. Fica próxima do — Ah, senhor, preciso pedir também uma antigo porto e do licen¢a de quinze dias. | centro de Marselha, — Para casar? — Sim, mas depois para ir a Paris. — Bom, use o tempo que quiser, Dantês. O tempo para descarregar todas as mercadorias vai nos tomar pelo menos seis semanas e nós só voltaremos ao mar dentro de trés meses, Só que, dentro de trés meses, é preciso que você esteja aqui. O Fa- raó não pode partir sem seu capitão... — Sem seu capitão! — exclamou Dantês com os olhos bri- lhantes de alegria. — O senhor tem intenção de me nomear ca- pitão do Faraó? — Se fosse apenas eu, eu apertaria sua mão agora mesmo e diria “parabéns”. Mas eu tenho um sócio, você sabe. Mas, pelo menos, de dois votos você já tem um. — Ah, senhor Morrel — exclamou o jovem marinheiro, com lagrimas nos olhos, apertando as mãos do armador —, eu agrade- o de todo o coração, em nome do meu pai e da minha noiva, Dantes saltou para o bote e ninguém reparou em Danglars, calado, ressentido, murmurando para si mesmo: — O comando desta embarcacao ainda ha de ser meu! Feliz, Dantês acenou dando adeus a todos e partiu no bote que se afastava da embarcacio. Morrel, o armador, seguiu o jovem com os olhos, depois se voltou para Danglars, que estava ao seu lado, como se aguar- dasse ordens. Contudo, a expressio dúbia de seu rosto revelava a raiva que sentira ao ser preterido para ocupar o ambicionado posto de capitão. Mercedes, a bela Nio muito longe do porto, na vila dos catalães, uma belá jo- vem de cabelos negros bordava, A três passos dela, sen tado numa cadeira de balanço, um jovem alto, de 22 anos, a observáva. Sua expressão demonstrava inquietude e despeito. — A Páscoa está chegando, Mercedes, poderfamos nos ca- sar, o que você acha? — perguntou ele. — Fernand, eu já respondi a essa pergunta umas cem vezes! Como você tem coragem de pedir minha mão, mais uma vez? — Eu nunca vou perder a esperança de receber um sim, mi- nha Mercedes! — Mas eu nunca encorajei essa ideia, Fernand, pelo con- trário! Eu gosto de você como se fosse um irmão, Eu sempre lhe disse isso. — Sim, eu sei, Mercedes. Mas a lei pede que os casamentos se façam entre pessoas que sejam do mesmo circulo. — Você se engana, Fernand. Isso não é uma lei, é só um há- bito! Nãs sa o oo um argumento a seu favor. Você é meu Primo e fomos criados juntos, você tem todo o meu carinho... — Mas núnca encontrei alguém que quisesse tanto como quero você, Mercedes. — Você não gostaria que eu me casasse com você apaixo- nada por outro, não ¢ mesmo? Contente-se com minha umiza- de, pois é tudo que posso lhe oferecer, Fernand. — Serei então um homem do mar. Assini como aquele que capturou seu coração, não ¢ mesmo, Mercedes? Eu sei que você é dura comigo porque aguarda alguém que vive pelos sete mares. — Sim, eu sou apaixonada por Edmond Dantes. O jovem fez um gesto de raiva, — De que serve agir assim? Vocé perderd minha amizu- de. Não deixe que 08 maus sentimentos dominem seu coragio, Mercedes comegou a chorar ¢ Fernand sentiu séu ódio por Dantés aprofundar-se ainda mais. — É esta a sua decisdo final, Mercedes? — Sim, enquanto estiver viva, meus sentimentos perten- cem à Dantês. — E se ele morrer no mar? — Se ele morrer, morrerei também, — E se ele a esquecer? — Mercedes! — chamou uma voz alegre do lado de fora da casa, A jovem lançou-se na direção da porta, dizendo alto: — Edmond; venha, estou aqui! Fernand empalideceu, estremeceu e T tivesse diante de uma serpente. Em seguida, caiu sentado na cadeira. | Dantês e Mercedes entraram de braços dados. O sol arden- te de Marselha penetrava pelas frestas da porta e os inundava com um fluxo de luminosidade. Uma felicidade intensa os iso- lava do mundo, eles murmuravam palavras de afeto e a alegria de viver era tanta que nenhum deles reparou na dor estampada nos olhos de Fernand. Repentinamente, Dantés reparou na figura sentada e per- guntou a Mercedes: — Quem é? — Ah, perdoe-me, Dantês. Ele é Fernand, meu melhor amigo, meu primo ¢ um irmao para mim. Depois de você, ele é o homem que mais amo no mundo — disse a jovem, Edmond esbocou um sorriso e estendeu a mio a Fernand, num gesto cordial. Mas no lugar de retribuir a amabilidade, Fernand ficou mudo e imével como uma estitua. mesmo instante. Dantés compreendeu 0 que se passava no O ciúme o invadiu. rc ed es , eu nd o ter ia vi nd o com tanta pressa se sou- — Me ; oimigo 20 Su lado. um in besse que enco nt ra ri a di ss e a jo ve m. — Um in im igo, na mi- — Um inimigo? — es se um in im ig o Se u aqu i, eu partiria imedia- nha casa? Se ho uv : ar!! tamente para nunca mais volt UN Fernand ficou terrivelmente pálido. — Você se engana, Edmond — ela prosseguiu — você não tem nenhum inimigo aqui. Quem você tem aqui é Fer- nand, meu irmão, que vai cumprimentá-lo como UM amigo devotado. Depois de dizer essas palavras, a jovem fixou seu olhar imperativo sobre Fernand, que se aproximou lentamente, to- cou a mão de Dantês e saiu abruptamente. Assim que chegou & rua, ouviu uma voz que o chamava. — Ei, catalão! Onde você vai? O jovem deteve-se, virou-se e avistou Danglars, que se aproximou ¢ o convidou para beber na taberna. Uma vez diante do jovem, Danglars fez de tudo para que ele se abris- se. Depois de saber do amor de Fernand por Mercedes e de sua frustragio por não ser correspondido, perguntou sinistra- mente: — Meu caro Fernand, vocé vai mesmo permitir que Ed- mond Dantés o afaste da mulher que vocé escolheu? Quando serd o casamento deles? — Em breve — respondeu Fernand, nervoso —, pois Dantés foi promovido a capitio do navio Faraó. — Ouvi dizer que os homens de sua regiao não admitem ser suplantados por um rival. Vocé não acha que seria o caso de se vingar? — sugeriu Danglars, maliciosamente. — Você não É o único a ser prejudicado por Dantés — acre scentou. E completou: — Como eu o compreendo, meu amigo! Quando se ama — disse Danglars batendo no ombro de Fernand —, é mui- to dificil aceitar que o afeto não seja reciproco, Um brinde ao novo capitão e futuro marido da bela Mercedes! — fez Dan- glars, para fomentar o ódio de Fernand. Ainda mais enraivecido pelas palavras do colega, Fernand encheu a taca de vinho e atirou o liquido no chao, amaldigoan- do, ém voz baixa, o jovem Dantes, seu rival, — Meu caro amigo, veja só que ironia! Repare no casal que caminha na rua, bem à nossa frente! Dois jovens apaixona- dos! De maos dadas, vejam so! Danglars avistou do lado de fora da taberna o jovem Dan- tés e sua querida Mercedes abragados. A raiva foi tão intensa que seu rosto foi tomado por uma expressao sombria. — Dantés e Mercedes, que lindo casall — provocou Danglars. Satisfeito ao perceber que o ódio de Fernand por Dan- tês crescia, Danglars acenou chamande Dantés e Mercedes e disse: — Vejam só! Os enamorados! Dantês, como é bela sua noival Venham tomar uma taca de vinho e nos contar para Quando serd o casamento! Dantés e Mercedes aproximaram-se da mesa, sorrindo Inocentemente. — Desculpe se não o cumprimentei antes, Danglars. Eu não o vi! Estava distraido! Estoy Él º Cupido, deus feliz e o amor é cego’, ndo é mesmo? romano do amor, era — Como vai vocé, senhorita Mercedes? — | um menino rebelde | que atirava flechasno — Danglars perguntou, voltando-se para a jovem. Coração das pessoas, — Está cega de amor também? | fazendo com que se apaixonassem umas Mercedes imediatamente desconfiou das | pelas outras. Suas verdadeiras intenções de Danglars e o cumpri- escolhas nem sempre eram convencionais, mentou com ar sério, afirmando em seguida; de modo que o amor — Na minha familia não se costuma fa- não correspondia a zer brincadeiras com os sentimentos alheios. O explicações. Costuma ser representado com amor é algo sério demais na vida de uma pessoa uma venda nos olhos, para ser motivo de piada. | Daf o proyérbio “O | amor é cego”. Dantés, ingénuo, rapidamente defendeu Danglars. — Não o leve a mal, querida. Ele só estava tentando ser gentil com vocé. — Quer dizer entio que o casamento acontecerd logo? — indagou Danglars. — O mais rapido possivel! Hoje mesmo conversaremos sobre isso com meu pai e, depois de amanhi, o mais tardar, serd o noivad o. — Meu capitio — disse Danglars a0 jo- vem Dantés —, vocé realmente nio perde tempo! — Não me chame de capitão ainda, Danglars. Só faga isso quando estivermos de volta a0 mar. Por enquanto, o posto não me pertence e falar assim pode dar azar! — Desculpe — disse Danglars —, eu só estáva brincan- do. Sua vida realmente corre rápido, aos 20 anos estará casado ¢ serd capitdo de um navio importante como o Faraó, — Todos têm pressa de conquistar a felicidade... Mesmo assim, preciso ir a Paris antes de voltar ao mar. — É mesmo? Por que, posso saber? — indagou Danglars com ironia, — Não viajo em causa prépria. Ainda preciso cumprir uma Gltima promessa que fiz ao nosso pobre capitio Leclére, que Deus o tenha. Vocé entende, nio é mesmo? Promessa ¢ divida! — Sim, eu entendo — respondeu Danglars. Em seguida, sussurrou ao amigo Fernand: — Tive uma ideia genial! Dantes nio conseguird se casar com Mercedes e jamais sera o capitio do Farad! Fingindo alegria, o invejoso Danglars despediu-se do ca- sal dizendo: — Boa viagem, meu caro Dantes! — Obrigado — respondeu ele, inocentemente. O casal saiu da taberna, calmo e feliz, sem suspeitar dog Perigos que o espreitavam. S ” 0 ressenfimenio de Danglars Danglars, o ressentido, os acompanhou com o olhar, de- pois se voltou para Fernand, o jovem preterido, — Veja s6! Esse alegre casal parece destinado à felicidade! Isso me causa tanto sofrimento! — disse Fernand. Então, vocé está mesmo apaixonado por Mercedes? Eu a amo! Ha muito tempo? - Desde a primeira vez que a vi. — E vacé fica ai, parado, sem fazer nada? — O que você quer que eu faga? — perguntou Fernand. — Sc¢i lá, Não sou eu que estou apaixonado por Mer- (t‘d\'.‘i. — Fu queria matd-lo. Pensei muito em desafia-lo para um duelo, mas Mercedes me disse um dia que, se algo de mal acom tecesse a Dantes, ela também morreria. — Ah, isso é bobagem de menina! Nio é bem assim-- — Mercedes não é uma menina qualquer. Ela disse © que realmente sente, — Imbecil — murmurou o astucioso Danglars para si mes- mo. — Tanto faz se essa tal de Mercedes sofrerá ou não. Para J i mim, o que importa agora é descobrir uma forma de impedir que Dantês se torne capitão. — Só a morte o5 separard — disse Fernand dando conti- nuidade a seu pensamento, — A auséncia mata todo o amor — sugeriu venenosamen- te Danglars ao jovem infeliz. — Imagine que Dantés vá para a prisdo, Ele ficaria separado de Mercedes... com o tempo, ela o esqueceria e voltaria o olhar para você, — Mas por que Dantés seria preso? Ele não é ladrio, nun- ca fez mal a ninguém... — Cale-se! — disse Danglars. — Não! Agora, eu quero saber! Como podemos fazer com que Dantês vá preso? Danglars levantou a mao e pediu pena, tinta e papel. O dono da taberna atendeu ao seu pedido imediatamente. — Napoledo Bonaparte tem muitos inimigos por aqui. Se conseguirmos denunciar Dantés, afirmando que ele é agente se- creto do imperador, teremos um modo de fazer com que ele scja preso. Vou escrever uma carta de denúncia com a mão es- querda, Ninguém vai reconhecer minha letra. Serd uma dentin- tia andnima. Danglars comegou a escrever uma carta acusando o jovem Dantés de traição. [ Orei Luís XVl “Senhor procurador do rei", (1755-1824), que Um amigo do trono informa que Edmond reinou na Franga de 1814 a 20 de Dantés, imediate do navio Farad, que chegou março de 1815 e de hoje de Esmirna, eniregou uma carta do usur- 8 de julho de 1815 a 1824 Nascido em pador, na ilha de Elba, e dele recebeu uma carta Versalhes; fugiu para para o comité bonapartista de Paris. o exilio durante a A prova do seu crime — a carta de Napo- revolucio de 1789. Em 1793, por ocasião ledo — poderd ser encontrada na casa do pai de do guilhotinamento Edmond Dantés ou na sua cabine a bordo do do rei Luis XVI é da rainha Maria Farad.” Antanieta, foi declarado regente do sobrinho Lufs XVII, Após concluir o texto, Danglars virou-se Exilou-se em virios para Fernand satisfeito e disse: paises da Europa até se tornar rei — Viu só como é simples? apds a abdicagio de — Sim, é simples, mas se trata de uma ati- Napoledo Bonaparte, em 6 de abril de 1814, tude falsa, horrivel e covarde! — Vocé não quer sua felicidade? — inda- gou Danglars ao rapaz. — No jogo e no amor, vale tudo... Mas, se vocé ndo quer correr riscos, se prefere viver sozinho, lamentando sua sorte pelo resto da vida, tudo bem... Danglars amassou a carta e a atirou num canto da taberna. O gesto parecia corriquei- ro, mas seus olhos denunciavam a vitoria. Ele saiu da taberna pisando forte, despedindo-se de todos EM voz alta, para que jamais desconfiassem, Ao al- cançar a porta de saída, virou-se rapidamente para surpre en- der Fernand fazendo exatamente o que ele queria: apa nhando a bola de papel e colocando-a no bolso. — Vamos — murmurou Danglars —, meu plano dar á certo. Que Dantês aproveite sua felicidade enquanto lhe res- ta tempo. A caria anéonima A casa do pai de Danteés nunca recebera tantos convidados: os amigos de infancia do filho, os pescadores, os marinheiros do Farad, todos o felicitando pelo noivado com a bela Mercedes. En- tre cles, o senhor Morrel, que fizera questio de participar da festa de noivado de seu futuro capitao. No dia seguinte, Dantés seguiria para Paris. Voltaria em uma semana, Em seguida, desfrutaria, ao lado de Mercedes, de trés meses de férias ¢, finalmente, voltaria ao mar. A jovem pre- tendia esperd-lo, como verdadeira companheira de um capitio dos mares. A vida se abria para ambos, Em pouco tempo, estariam casados. Repentinamente, bateram à porta da residéncia. — Em nome da lei! Edmond Dantés está? — disse um co- missirio, seguido de quatro soldados armadaos, liderados por um major. — Sou eu — respondeu o jovem, — Você está preso. Venha conosco! — Preso! Por quê? — perguntou Dantés, ligeiramente palido, — Não sei, mas o senhor ficará sabendo no primeiro inter- rogatório. O senhor Morrel, que conhecia o comissário, tentou evitar que Dantês fosse detido. — Deve ser um engano, senhores, Edmond Dantês é um jo- vem honesto,.. Estd prestes a se casar. — Caso seja realmente um engano, senhor Morrel, ele logo sera liberado — disse o comissdrio. Dantês foi levado. Mercedes, chocada, perdeu os sentidos. Fernand tentou reanimá-la. Danglars, responsável pela prisão de Dantês, fingia que protestava, enquanto no Íntimo comemorava, No mesmo dia, na mesma hora, do outro lado da cidade, Gé- rard de Villefort, o jovem substituto do procurador do rei, festeja- va seu noivado com Renée, a filha do marquês de Saint-Méran, um dos homens mais ricos do local. Na mesa, durante a festa, a conversa girava em torno de politica. — O rei é muito generoso com Napoleão. Ele deveria prendé- -Jo. Ou até mesmo condená-lo à morte. Mas, não, no lugar disso, permitiu que Napoleão reinasse na ilha de Elba. — Não há o que temer — disse Villefort ao sogro. — Os espiões vigiam a ilha, Eu, por exemplo, sei tudo o que acontece por lá. Um criado entrou ¢ falou ao ouvido do jovem substituto do procurador, Villefort desculpou-se com os convidados e saiu da sala. Alguns minutos depois, retornou trazendo nas maos uma carta. — O senhor tinha rázão, meu sogro. Napoleão não po- derá agir contra o rei. Os franceses não o querem mais no poder. O comissário acaba de me trazer uma carta. Vou lê- -la: “Senhor procurador do rei, um amigo do trono informa que Edmond Dantês, imediato do navio Faraó, que chegou hoje de Esmirna, entregou uma carta ao usurpador, na ilha de Elba, e dele recebeu uma carta para o comitê bonapartista de Paris. A prova do seu crime — a carta de Napoleão — po- derá ser encontrada na casa do pai de Edmond Dantês ou na sua cabine 4 bordo do Farad”. Vejam, amigos — prosseguiu o substituto —, esse tal Dantés serd condenado por tramar con- tra o rei. — Ah, querido — disse Renée ao seu noivo —, essa é ape- nas uma carta anénima, que, alids, foi enderecada ao procura- dor do rei e não a vocé. Esqueqa isso... — Mas o procurador do rei estd ausente. Em sua ausén- cia, a carta chegou ao secretdrio, que tem como tarefa abrir as cartas. Assim, ele abriu esta carta, me procurou ¢, não me en- contrando, emitiu a ordem de prisão, — Assim, o culpado já estd preso — disse a marquesa. — O acusado, a senhora quis dizer... — retomou Renée e, dirigindo-se ao noivo, disse: — Seja indulgente, querido, hoje é o dia do seu noivado! — Nio se preocupe, minha querida Renée. Eu farei tudo o que puder, mas, se os indicios forem seguros, se ? acusação for verdadeira, será preciso cortar pela raiz essa erva daninha benapartista. E Ao ouvir a palavra corfar, Renée teve um arrepio porque essa erva daninha que seria necessdrio cortar tinha uma cabega. — Fique tranquila, Renée, pelo nosso amor, eu serel 1n- dulgente, O interrogatório Ao chegar má esquina da vua dos Conselhos, Villetor ta abordado por um homemn que parecia espevar aua paáassagem Ah, senhor Villetort! saudou 6 homen, Estoun muito feliz em reencontra-lo, hmagine que cometeram um gran de ervo: acabaram de prender imeêéu inmediato,s Edmond Vantês Fu sei disso, senhor, e estou vindo para interroga- o, Ah! Os-senhores não conhecem e jovem a quem acu SA Mmas u sim: não há ra Mais educado, justo, eu qusaria dizer que se trata do melhor profissional detóda à marinha mei cante, senhor Villetort, posso/ The dar àas melhoves recomenda ções, com toda a sinceridáde do meu coração, Villetort olhou, Morrel com desdém o responden frament — O senhor bem sabe que se pode ser educado na vida pri vada, honesto nas relações comerciais, contiecedor de seu ot Cio €, mesino dAssim, ser k't'lll"ihln dao ponto de vista t‘“h‘ o U é mesmo? Morrel entubescou, Pois 080 tinha muita olaceza com el ção às STS Dl : ma são 45 questões políticas, Moy a sinceridade com que Dantos i relatou o encontrou com o imperador o deixava despreocupado. Por isso mesmo, pediu: — Eu lhe suplico, senhor Villefort, seja justo, seja bom, como é de seu feitio, e devolva-nos rapidamente o pobre Dantês, — Senhor — respondeu ele —, fique totalmente tranqui- la. Se o jovem for, de fato, inocente, será libertado rapidamente, mas, se for culpado, serei obrigado a cumprir o meu dever. Ao chegar diante do Paldcio de Justica, Villefort entrou so- lenemente, deixando para trás o infeliz armador, perplexo dian- te dos acontecimentos. No Paldcio de Justiça, o prisioneiro esperava em pé, calmo eimovel, no meio dos soldados. Villefort atravessou o saldo, langou um olhar em Dantes, pegou um monte de papéis que um soldado lhe entregou ¢ en- trou em seu gabinete, dizendo: — Tragam o prisioneiro. Dantês atravessou a soleira da porta, pilido, mas contiante em sua inocéncia. perguntou-lhe o — Qual é o seu nome? Sua profissão? — substituto do procurador do rei. iato — Eu me chamo Edmond Dantés, senhor, e sou imed Morrel. do navio Faraó, que pertence ao senhor — Idade? — Dezenove anos — responden Dantes. tido? — O que você fazia quando foi de — Estava na festa do meu noivado — disse o jovem com m tristeza, — Voce ficou noivo... “Como a vida é estranha”, pensou o jovem substituto, “dois homens ficam noivos no mesmo dia e um deles pode decretar a morte do outro”. Prosseguiu; — Continue, meu caro, — Como assim? — Diga a verdade, para que a justica seja feita. — Mas eu ndo entendo por que fui detido. Nao sei o que se passa — respondeu Dantés. — Você serviu no exército de Napoleio? — Não, — Disseram-me que vocé é contra o rei. | — Nao, senhor. Na verdade, não tenho envolvime nto al- gum com politica. Todas as minhas opinides, nao direi políti- cas, mas particulares, se limitam a trés sentimentos: amo meu pai, respeito o senhor Morrel ¢ adoro minha noiva. É tudo o que posso dizer à justica. O senhor bem vê que ¢ algo sem nenhum interesse para ela... — Vocé tem inimigos? — Sou apenas um homem do mar, Por que teria inimigos? — Se vocé não tem inimigos, pod e ter pessoas que o in- vejem, Você vai ser capitão, vaj se casar com uma bela jo vem... Muitos teriam inveja de vo cê, — O senhor conhece as pessoas melhor do que eu, senhor o rador. Se há pessoas que senlem inveja de mim, prefiro nem sapero. — Você se engana, meu caro. Tanto quanto possivel, é preciso pmcur'.ll' ver claro em torno de si. Na verdade, você me parece um jovem digno e vou me afastar das regras ordinárias da justiça para ajudá-lo a lançar um pouco de luz sobre a razão pela qual você foi trazido até mim. Villerfort tirou a carta anônima do bolso e a apresentou a Dantês: — Leia esta denúncia e diga se você conhece essa letra. O jovem leu a carta e ficou lívido. — O senhor tem razão! O autor dessa carta é meu inimigo! — Mas o que a carta esta dizendo é verdade ou não? — per- guntou o substitute. — As duas coisas a0 mesmo tempo. Dantês, entao, contou a respeito da morte do velho capitio, do pedido feito por ele no leito de morte, de sua visita ilha de Elba, de seu encontro com Napoledo e da carta que deveria entregar em Paris. — Tudo isso parece verdade — disse Villefort. — E se vocé é culpado, é mais por imprudéncia, imprudéncia essa provocada pe- las ordens de seu cápitão. Dé-me essa carta que vocé deveria entre- && em Paris e vá encontrar seus amigos. — Verdade? O senhor me deixard livre? — exclamou Danteés, cheig de alegria. — Sim, apenas me dé a carta. — Ela já deve estar com o senhor, Porque a trouxeram, com outros papéis, quando me prenderam. — Espere — disse o substituto a Dantés, que se preparava para sair. — A carta, a quem ela foi enderecada? l 'Rua nocentro-de — Ao senhor Noirtier, Rua Cog-Hérop, Paris, próxima do n? 13, Paris. Muscu do Louvre, Héron é um tipo — Senhor Noirtier, Rua Cog-Héron, n? 13 de garça; cog-héran — repetiu Villefort, cada vez mais pálido. “Ao significa garça macho meu pail”, ele pensou... — Sim, senhor, ele é seu conhecido? — in- dagou Dantés. — Não conhego ninguém que conspire contra o rei, senhor Dantes. — Conspiração? — perguntou Dantés que, depois de acreditar-se livre, comecou 2 sentir mais medo do que antes, — Mas eu não sei de nada disso. Eu ignoro completamente 0 conteúdo da carta. — Sim, mas você sabe o nome da pessod que deveria recebê-la. — Claro, senhor, eu precisava saber seu nome, para poder entregd-la. Villefort leu a carta e, perplexo, perguntou a Dantês: — Além de você, mais alguém sabe desta carta? — Ninguém. O silêncio voltou a reinar. O substituto leu a cárta uma se- gunda vez. Ideias terriveis povoaram sua mente: “Ah, meu pai! Que ideias horriveis o senhor põe na cabeça. Como isso pode acontecer no dia do meu noivado? E se Dantés perceber que sou filho do traidor? Estarei perdido!”. De sua parte, Dantês começou a compreender que algo ia mal. — Se o senhor duvida de mim — disse ele —, basta me interrogar, que estou pronto a responder! Villefort o encarou com severidade. — O conteúdo dessa carta é muito grave. Preciso mantê- -lo preso ainda algum tempo, o menor tempo possivel. A prin- cipal prova que existe contra vocé é essa carta... Veja o que fago com ela... Ele atirou a carta na lareira. — Obrigado — disse Dantés. — O senhor ¢ mais do que justo, ¢ um homem bom! — Escute — prosseguiu Villefort —, depois deste ato, vocé compreende que pode ter confianga em mim, ndo é? — Sim, senhor! Ordene e eu seguirei suas ordens. — Não — disse Villefort, aproximando-se do jovem —, não são ordens que eu vou dar, são apenas conselhos..B se gu ir ei co mo se fo ss em ordens. — Pode falar, que eu no Pa lá ci o de Ju st iç a at é a noite. Se al — Vou deixá-lo aqui r int err ogá -lo , voc ê pod e con tar tud o o que me contou, guém vie s nã o di ga um a só pa la vr a sobre essa carta. ma afirmou Dantes. — Eu prometo, senhor - re ci a su pl ic ar € 0 ac us ad o qu e parecia Era Villefort que pa tranquilizar o juiz. qu e ess a car ta foi de st ru id a, só vocé e eu sabemos — Agor a Vil lef ort , la nc an do um olh ar so bre as cin- que ela existiu - disse me nc io nd -l a, ne gu e sua ex is téncia, negue com- zas. Se alguém pletamente e vocé ficard livre. neg are i, se nh or , fiq ue tr an qu il o - disse Dantés. - Eu - dis se Vil lef ort , to ca nd o um a sineta. O comis- — Estd bem ici a en tr ou. Vil lef ort ap ro xi mo u- se dele e disse-lhe sario de pol ao pé do ou vi do. O co mi ss ár io respondeu com algumas palavras um sinal de cabeça. — Siga esse senhor — disse a Dantés. inc lin ou- se, deu um últ imo olhar de reconheci- Dantés mento a Villefort e saiu. u desmaiado em Mal a porta se fechou, Villefort quase cai tro na. Ao fim de uns ins tan tes , co me go u a remoer: “Ah! uma pol Marselha, eu & Meu Deus! Se o procurador do rei estivesse em ia em UM taria perdido. Essa carta, essa maldita carta me langar táculo à mMi” abismo. Ah! Meu pai, o senhor será sempre um obs nha felicidade?” De repente, um clarão inesperado passou pelo seu espirito e iluminou seu rosto; um sor- riso se desenhou na sua boca e seus olhos afli- tos paréceram parar em um pensamento: “Essa I’ Em 18 de junho de carta que poderia causar minha desgraça vai me 1815, a cerca de 5 km trazer sucesso. O futuro me pertence!” a0 sul da cidade de Waterloo, que fica Na manhã seguinte, Villefort foi a Paris. acercade 14,5 km Encontrou-se com o rei e lhe contou o conteú- 20 sul de Bruxelas, capital da Bélgica. do da carta de Napoledo. A conspiragdo fora ar- Napoleio foi vencido mada para que ele voltasse a Paris e recuperasse por tropas do Reino Unida, Holanda; o poder. O exército The daria apoio, bem como Bélgica, Alemanha ¢ grande parte da população. | Prússia. Tudo isso realmente aconteceu. Napoleio " 1lha pcrtcm:enle‘ Mas, voltou à França, o rei fugiu para a Bélgica. ao Reino Unido, no meio do Atlintico | três meses depois, derrotado na batalha de Water- | sul, a cerca de 2 mil Hele- Joo*, Napoledo foi exilado na ilha de Santa | quilômetros da costa | africana e de 3 500 na’ até o fim de seus dias. O rei regressou França quilómetros do Brasil. | elheiro real. e o procurador tornou-se cons O " 0 Casiclo de 1 Depois do interrogatério, Dantés foi colocado em uma cela. Por volta das 10 haras da noite, os soldados o conduzi- ram a uma carruagem sem janelas. Dantés perguntou para onde estava sendo levado. Os soldados nio responderam, A carruagem passou diante da grande prisão de Marselha, mas não parou. No porto, os soldados fizeram com que ele desces- se. Um barco o aguardava, Dantés seguiu sem protestar. Pen- sou que seria abandonado numa praia deserta de onde sairia livre. Do barco, avistou a casa de seu pai e a de Mercedes. Sen- tiu vontade de chami-los. O tempo passou e Dantés comegou a ficar apreensivo, — Aonde vocés estio me levando? — Vocé logo vai saber — respondeu um soldado. — Mas... — Você i é marselhês e marinhei. ro, e não conhece esta rota* ? Não acredito, Dantés tentou descobrir para onde estava sendo levado. S bitamente, compreenden tudo, No alto de uma ilha, viu a somb'? imensa do Castelo de Ifº. Aquele lugar sinistro I 1" Localizado em era a prisão das figuras mais perigosas para o Es- uma ilha na bafa de Marselha, pode tado. Quem entrasse no castelo jamais sairia dele ser visto da Praia com vida. dos Cataldes. Foi | construide por ordem ; — Não é possivel! — gritou o jovem. — O | do rei Francisco L, a senhor Villefort prometeu que me devolveria a li- partir de 1529, como fortaleza, tornando-se | berdade. j depois prisao. — Isso não me interessa, meu jovem — dis- se um soldado. — Apenas sigo ordens. Dantês tentou saltar nas águas, mas quatro punhos vigorosos o impediram. — Mais um movimento e você será morto — afirmou um soldado apontando-lhe uma arma. Dantes sentiu vontade de tentar fugir no- vamente. Mas depois pensou que nao gostaria de ser morto tão jovern e atirado no fundo das dguas. Depois, consolou-se imaginando que Villefort vi- ria buscé-lo, desfazendo aquele mal-entendido. O barco atracou. Os soldados o jogaram dentro do castelo. Dantés escutou a pesada porta fechando-se s Suas costas e viu-se cercado por muros altos. No €, a lua brilhava, — Levem o prisioneiro — disse uma voz desconhecida, Isolamento L4 estava Edmond Dantés encarcerado no Castelo de 1f Longe da noiva e de sua carreira como capitão do Faraó, o jo- vem tentou defender-se das acusações. Por mais que afirmasse sua inocência, não conseguiu provar que fora envolvido numa ardilosa armação. Invadido pelo desejo de morrer, decidiu parar de comer para que seu fim chegasse logo. Quando lhe traziam alimento, pela manhã e à noite, ele os jogava fora através de uma pequena abertura na parede, que era sua única passagem de luz. Acabado, impotente contra a injustiça que vinha sofrendo, só lhe restava observar o céu por aquela fresta, Com o tempo, Dantês enfraqueceu, até o dia em que nem Sequer conseguiu mais jogar a refeição pela fresta. Ele não tinha mais forgas, não enxergava e escutava muito mal, O carcereiro, que ignorava o fato de Dantês não estar se alimentando, pensou que ele estava gravemente doente e que, em breve, a morte o levaria. — O que lhe 4contece? Q) que vocé deseja? — pergunlº“' -lhe o carcereirg, Quero ver o diretor desse lugar, O carcerciro deu de ombros e saíu. Entao, Dantes ajoe- ter saltado do |hou-se é começou a orar. Arrependeu-se de nao de seu pai e bárco. Ele nadava muito bem. Teria ido ao encontro ou para’a Itália, ele teria... de Mercedes, fugido para a l"..'ip;mha Dantêés pensou que estava enlouquecendo. No dia seguinte, 6 carcereiro lhe perguntou: — Hoje você está melhor da cabeça? Dantés nao lhe respondeu. — Coragem! Posso fazer alguma coisa por você? — Quero falar com o diretor, É proibido. — Então, o que posso fazer? livros e o direi- — Se você pagar, receberá comida melhor, to de passear. o diretor! — Não quero nada disso, quero falar com lhe trarei mais - Pare de pensar a mesma coisa, ou não comida. — Otimo! Morrerei de fome. Você podera encon- — Acalme-se — disse o carcereiro. — sair para caminhar. trar o diretor futuramente, quando — Quando? de — Nio sei ao certo, depois de um mês, ou talvez depois um ano. ora! — É tempo demais, quero vé-lo ag Pre ste ate nçã o, qu an do se fic a com a mesma j deja e — nes te cas tel o, é pos siv el qu e vo cé en lo uqueca de , erdade. bega, o de úh Foi o que aconteceu com o abade que ficava faland souro. Ele foi isolado e continua lá. — Mas eu não sou louco. Eu lhe darei dinheiro se voca S. tregar uma carta a minha noiva, em Marselha — Quanto? — Cem francos. — Só isso? Se alguém descobrir perco meu emprego. — Tudo bem, então, carcereiro, se amanhd na mesma hora vocé voltar aqui sem o diretor, eu arrebento sua cabeca contra a parede. — Vocé ficou louco como o abade, Com o pouco de forgas que lhe restavam, Dantés avangou na direção dele com os punhos erguidos. O homem saiu correndo. Voltou trés minutos depois, acompanhado de quatro soldados, — Por ordem do diretor, o prisioneiro deve ser deslocado Para 0 andar de baixo e colocado numa cela isolada. Com o olhar vazio, Dantês deixou-se levar pelo carcereiro. Eles desceram uma escada e ele foi jogado numa cela escura, lt minada apenas por uma Pequena janela, Certa noite, Dantês ouviu um ruído que vinha da parede da cela ao lado, Fragilizado, o jovem se perguntou se o ruído seria verdadeiro ou apenas fruto de sua imaginação. O barulho con- tinuou durante trés horas. Em seguida, Dantés ouviu um ruido semelhante ao de pedras caindo. Depois disso, o siléncio voltou a reinar, Algumas horas depois, o barulho recomegou e tornou-se cada vez mais próximo. Dantés, mesmo quase delirando, ficou curioso, querendo saber quem estaria na cela ao lado. Aos pou- cos, comegou a suspeitar que seu vizinho estivesse cavando um túnel para fugir da prisao. “Ah, se eu pudesse ajuda-lo! Fugiria também!”, pensou. Desse momento em diante, passou a devorar as refeicoes que o carcereiro trazia. Em pouco tempo, começou a recuperar à satide ¢ a capacidade de raciocinio. Uma ideia passou a domind-lo: conhecer seu vizinho de cela. — Vou bater na parede também e tentar fazer contato com mesmo. esse prisioneiro que trabalha tanto — falou para si Assim [ez. Bateu três vezes. O vizinho ficou em siléncio, interrompendo a atividade, Naquela noite, Dantês não ouviu mais nada. Durante os trés dias seguintes, o siléncio reinou. Finalmente, uma noite, assim que ó carcereiro terminou a última inspeção, Dantés colou a orelha contra a parede, Ele ti- nha a impressio de escutar um ruido de pedras caindo e decidiu tomar uma atitude. Olhou ao seu redor e percebeu que precisava de um objeto que servisse de instrumento. A solução veio a sua mente rapidamente: ele quebrou seu prato e pediu ao carcerei- ro que o substituisse por uma panela de metal. Dantés planejava utilizar o cabo da panela para cavar um buraco na parede. Assim que o carcereiro lhe entregou a panela, o jovem pas- sou a escavar a parede. Depois de quatro dias de trabalho no- turno, durante os quais Dantés tomou o cuidado de esconder 05 restos da parede debaixo da cama, ele conseguiu fazer um bura- co. Animado, ele gritou: — Vocé que estd do outro lado, qual é seu nome? Ninguém respondeu e ele prosseguiu; — Sei que vocé escava a parede todas ag noites e creio que de- seja fugir daqui, Quero ajuda-lo e participar de seu plano de fuga — Quem esta falando? — finalmente uma voz perguntou" -lhe. — Eu sou Dantês. Um injustiçado. Acusado falsament® : condenado à prisão. Há quanto tempo vocé estd aqui? Desde o dia 28 de fevereiro de 1815, — Você foi acusado de quê? — De conspiração para a volta do impera- dor Napoleão ao trono. — Como!? O imperador não está mais no poder? — Não. Ele abdicou'' e foi exilado na ilha I ' Napoledo abdicon de Elha. Mas e você? Há quanto tempo estd en- no din 6 de abril de 1814, carcerado, que não sabe nada disso? — Desde 1811, Agora, diga-me em que al- lura está o buraco que você anda escavando? — Num cantinho, pertinho do chão, es- condido atrás da minha cama, — E para onde dá a sua cela? — Para um corredor. — E o corredor? — Dá para um pátio. — Que pena! — murmurou à voz. — Ah, meu Deus, o que aconteceu? — É que me enganei e pensei que a parede que você cavava fosse a muralha da cidadela”. I * Fortaleza que protege uma cidade — Você queria chegar ao mar? — lsso mesmo. — E se consegu isse? — Mergulharia nas águas e chegaria a uma das ilhas a4 redor do Castelo de If. Mas agora tudo se perdeu. — Tudo? — Sim. Por enquanto, pare de trabalhar e aguarde mi- nha orientacio. — Quem é vocé? De onde veio? — Eu sou... sou... o numero 27. — Vocé desconfia de mim? Nao me deixe aqui sozinho, sinto falta de falar com alguém, quero ser seu amigo, eu lhe imploro, não me abandone, colega. — Tudo bem — respondeu o prisioneiro —, amanha CONVErsamos mais. No dia seguinte, depois da vistoria do carcereiro, Dantês ouviu a voz de seu vizinho, subitamente. — O carcereiro já passou por aí? — Sim — respondeu Dantés —, ele nio voltard mais hoje. Temos doze horas de liberdade, — Podemos agir, entio? — Sim, sim, agora mesmo, por favor! Em seguida, o pedago de chio onde Dantês apoiava as mãos comegou a ceder. Dantês jogou o corpo para trás, porque um buraco se abriu revelando um túnel e, no fundo dele, viu surgir uma cabeca, 0s ombros e finalmente o ot po todo de um homem de pelo menos 65 anos, que entrou em sua cela, Dantês pegou seu novo amigo pelo brago. Tratava-se de um homem baixo, magro, o rosto marcado pelo sofrimento. — Agora, diga, quem é você? O homem sorriu com tristeza. — Sou o abade Faria — respondeu, — Então, você não quer mais fugir? — Não. Acho que a fuga dessa prisão ¢ impossivel. O abade sentou-se na cama. Dantés ficou de pé. — Ha quanto tempo vocé estd escavando esse tunel? — Ha varios anos. Mas também fiz outras coisas — res- pondeu o abade. — Estou eserevendo um tratado. — Então lhe deram papel, pena e tintal — gritou Dantés. — Não — disse o abade —, mas eu os fiz. — O senhor fez o proprio papel, pena e tinta? Sim. Dantês encarou o homem com admiragao, E como conseguiu? Fiz a pena com a cartilagem dos peixes que nos dao para comer, tinta com à fuligem de uma chaminé que dá para minha cela. Usel um pouco do vinho que me dão aos domin gos ¢ fiz uma mistura parecida com tinta. — E quando poderei ver tudo isso? — indagou Dantés. — Quando quiser — respondeu o abade. — Agora! — disse o jovem. — Entio, siga-me! — disse o homem. O descijo de vingança O abade entrou por um corredor subterrâneo no qual de- sapareceu. Dantês o seguiu, Subitamente, pensou que talvez esse homem tão erudito ¢ sábio pudesse aliviar o seu sofrimento, O abade percebeu que algo cruzou a mente do jovem e per- guntou: — No que você está pensando, meu rapaz? — Tenho uma dúvida, O senhor é tão sábio: O que o senhor faria se estivesse em liberdade? — Eu não faria nada. Meu cérebro se perderia em futilida- des. À infelicidade faz com que cada um consiga descobrir minas de ouro ocultas na mente. É preciso pressão para que essas por- tas s¢ abram. — Pois en sou um ignorante — afirmou Dantês, O abade sorrin e The perguntou; — Vock estava pensando em duas coisas. Qual era a segunda! — Senti vontade de lhe contar a min ha vida — respondet Dantés, com sinceridade, — Sua vida é bem curta, o que lhe aconte cen? — Minha vida esconde um sofrimento imenso — disse Pantês —, um sofrimento que, alids, não mereci, - Você é inocente das acusações que lhe foram feitas? — Completamente inocente. E não consigo parar de pen- sar nas duas pessoas mais importantes de minha vida: meu pai ¢ minha noiva, Mercedes. — Vejamos. Conte tudo o que lhe aconteceu. Dantes descreveu todos os acontecimentos, seu noivado, sua prisão no momento da festa, o interrogatério, seu aprisio- namento e, finalmente, sua chegada ao Castelo de If. Depois disso, 0 jovem perdera a conta dos dias que passara ali, en- carcerado, O abade manteve-se em siléncio por um tempo, depois prosseguiu; — Existe um axioma de direito de grande profundida- de; a verdadeira natureza humana odeia o crime e a injusti- ¢i. Contudo, a civilizagio nos encheu de necessidades, vicios, apetites ¢ desejos, que, por vezes, podem sufocar nossos bons instintos ¢ nos conduzir ao mal. Se vocé quiser descobrir o responsdvel par suas desgragas, procure primeiro quem pode- ria obter vantagens em incriminar você. — Ninguém, era apenas um marinheiro! — Sua resposta carece de logica. Tudo é relativo, meu caro; cada individuo, do mais baixo até o mais alto na escala social traz onsigo um pequeno mundo de interesses, com seus turbilhoes, A cada ano que passa, esse mundo se alarga como uma espira EE que cresce sem parar. Voltemos aó seu mundo: você ia ser no- meado capitio do navio Farad? — Isso mesmo. — E vocé pretendia se casar com uma linda jovem? — Sim. — Alguém mais tinha interesse no posto de capitao? Al- guém mais pretendia a mio de sua noiva? — Nio. Fu era muito querido a bordo do Farad. A tripu- lação demonstrava respeito por mim. Só havia um homem que, de vez em quando, opunha-se a mim. — Bem, qual é o nome dele? — Danglars. — Qual era a funcio dele a bordo? — Contador. Era responsavel pela contabilidade comer- cial e pelo pagamento dos saldrios. — Se vocé se tornasse capitio, ele manteria o cargo? — Não, pois certa vez percebi irregularidades em suas contas. — Bem, vejamos. Alguém ouviu sua última conversa com o capitdo que falecen? — Não, nós estávamos sozinhos. — Mas alguém poderia ter ouvi do a conversa? — Sim, pois a porta estava aberta, Ah, aliás, lembro-Mºe de ter visto Danglars passar pelo corredor. Bem — prosseguiu o abade —, vocé levou alguém con - sigo quando esteve na ilha de Elba? — Ninguém. - Deram-lhe uma carta na ilha, cer to? — Sim. Eu a recebi do imperador Napoleao. — O que você fez com essa carta? — Eu a guardei na minha pasta, com outros documento s. — Vocé levou a pasta para a ilhat — Nao, a pasta ficou a bordo, - Vocé 5ó guardou a carta depois de estar dentro do navio? — Sim. Da ilha até 0 navio, o que fez com a carta? - Eu a segurei na mão. Entio, a bordo, todos puderam ver que você carregava uma carta, certo? — sim, - Tanto Danglars quanto os outros. — lsso mesmo, — Agora, preste atenção: você se lembra dos termos escri- los na denúncia que fizeram contra você? — Claro! Eu li a denúncia umas três vezes. — Repita então. - “A prova do seu crime — a carta de Napoleão — poderá e encontrada na casa do pai de Fdmond Dantés ou na sua ca bine a bordo do Faraó. o di a. Vo cê re al me nt e tem um coração i, — É claro como gênuo. er a a le tr a de ss e tal Danglars? — Como rme. — Uma letra bonita e fi Co mo er a a le tr a de ss a denúncia anônima? — — Uma letra horrivel. O abade sorriu. certo? — Uma letra feia e torta, — Isso mesmo! — Repare... ad e ap an ho u sua pen a, mo lh ou a ponta na tinta & es- O ab creveu com a mão esquerda. Dantés recuou, SUrpreso. a letra é idêntica à da — É espantoso! — ele gritou. — Ess carta de denúncia! esquerda — Sempre que um destro escreve com à mão produz esse tipo de letra. — Agora, passemos à segunda questão, — Estou ouvindo. — Quem teria interesse em impedir seu casamento om Mercedes? — Um jovem apaixonado por ela. — Seu nome era? — Fernand. — Um nome espanhol. — Catalão, — Você Foconill acha 2 que esse rapaz seria- capaz de escrever à de- : m mnúncia? — Não, ele ignorava minha estada na ilha de Elba. — Você nunca disse nada a ningué m? — Nurica, — Nem mesmo à sua noiva? — Não. — Foi Danglars quem articulou tudo. — Ah, só agora começo à compreender... — Espere! Será que Danglars conhecia Fernand? — Não que eu me lembre... — Nao mesmo? — Espere! Na véspera de meu noivado, eu os vi juntos na taberna. Danglars estava amistoso e Fernand parecia pálido e atormentado. — Eles estavam sozinhos? — Não. Havia um terceiro, mas estava totalmente bébado. Es- pere... Como serd que não pensei nisso antes? Perto da mesa onde eles bebiam havia um tinteiro e penas. Ah, os infames! Traidores! — Você quer saber mais? — perguntou o abade, rindo. — Agora compreendo por que fui julgado e condenado sem razao. — Ah, a justica é tão misteriosa que, as vezes, é dificil com- preendeé-la. Vamos refletir mais sobre o que aconteceu... — Continue me interrogando, abade. O senhor vê minha vida com mais nitidez do que eu mesmo! — Quem o interrogou? O procurador do I Y Ma justica francesa, rei, um juiz de instrugio'’? o juiz responsivel por — Nao, foi um substituto do procurador uma investigagdo. do rei. — Jovem ou velho? — Jovem: 27 ou 28 anos. — Como ele o tratou na hora do interro- gatorio? — Ele me tratou bem, — E você lhe contou tudo? — Sim. — E seus modos foram mudando ao longo do interrogatório? — Isso mesmo. Depois que ele leu a carta que me comprometia, deu a impressão de estar abatido com minha infelicidade. — Com a sua infelicidade? — Sim, — Você tem certeza de que ele ficou abati- do por sua causa? — Pelo menos ele me deu uma grande prova de sua simpatia, — Qual? — Ele queimou a única prova que podia mé comprometer. m — Qual? A demincia? — Não, a carta de Napoleão, — Você tem certeza? — Ele fez isso diante de mim! — Este homem pode ter sido o mais corrupto que você en- controu no caminho. — Como assim, abade? Então o mundo está povoado por tigres e crocodilos? — Sim, só que os tigres e crocodilos que caminham em dois pés são mais perigosos que os outros. — Continue. — Ele então queimou a carta? — Sim! E disse que daquela forma não haveria mais pro- vas contra mim. — Esse é um gesto generoso demais para ser desinteres- sado... A quem era enderecada a carta? — Ao senhor Noirtier, em Paris. inte- — Você acredita que o substituto pudesse ter algum resse no desaparecimento dessa carta? a tal — Talvez, porque ele me fez prometer não mencionar carta a ninguém. um — Noirtier... — disse o abade, pensativo. — Conheci o? Noirtier na corte... Como se chamava esse substitut — Villetort. O abade desatou a gargalhar. Dantês o fitou estupefato. — Você já compreendeu tudo? — Ainda nio... — respondeu Dantês. — Este Noirtier é simplesmente o pai de Villefort, cujo nome completo é Noirtier de Villefort. Nesse momento, uma luz fulgurante atravessou o cérebro de Dantés e tudo que estava obscuro foi esclarecido instantanea- mente. As perguntas de Villefort durante o interrogatdrio, a car- ta destruida, a promessa feita, a voz trémula do jovem que, em lugar de ameaçá-lo, parecia implorar, tudo voltou à sua mente. Ele soltou um grito, ficou tonta, depois saiu da cela dizendo que precisava ficar só para pensar em tudo aquilo. Ao entrar em sua cela, Dantés caiu na cama, os olhos fi- x0s, as feições do rosto contraidas, imóvel e mudo como uma estatua. Durante as horas que se passaram como segundos, Dantés tomou uma resolucao terrivel. Uma voz tirou Dantés de seus devaneios. Era o abade Fa- ria que o convidava para jantar em sua cela. Ele tinha certos pri- vilégios, entre eles, o direito a uma boa refeicio acompanlmd-‘ de vinho. — Estou arrependido de ter ajudado vocé a compreender º que realmente Ihe acontecen — afirmou o abade. Por quê? — indagou o jovem, Percebi que infiltrei em seu coração um sentimento que g existinantes: o desejo-de vingança! Dantês sorriu. Vamaos falar de outras coisas, então. O abade o fitou com tristeza e abaixou a cabeça, Em segui- da, passaram a falar de outros assuntos. O velho era um homem cuja conversa continha inúmeros ensinamentos, Dantés escutava cada palavra com enorme ad- miração: algumas delas correspondiam a ideias que ele ji tinha, outras lhe transmitiam novos conhecimentos. Dantés compre- endeu que fora abengoado pela sorte ao entrar em contato com o abade Faria, — Q senhor poderia me ensinar um pouco do que sabe? — sugeriu Dantés. — Nem que fosse para não se entediar comigo. Parece-me agora que deve preferir a solidão a um companheiro sem educagdo ¢ sem importincia como eu. — Ah, meu filho — disse-lhe o abade —, a ciéncia huma- na é muito limitada! Depois queeu lhe ensinar matemática, fisi- ca, histdria e as trés ou quatro linguas vivas que eu falo, você vai saber o mesmo que eu, De todas essas ciéncias, em dois anos eu despejarei o meu espirito no seu. — Dois anos? Acredita que poderei aprender tudo isso em dois anos? — Nio em suas aplicagdes, mas em seus principios sim. Aprender não ¢ saber. Existem os sabichões ¢ os sábios, É d te moria que faz os primeiros, enquanto é a filosofia que faz o outros, — Posso aprender filosofia? — Nao se aprende filosofia, ela é a reunião das Ciências aprendidas com o gênio que as aplica, é uma espécie de nuvem sobre a qual Cristo pisou para subir a6 céu. — Tenho sede de aprender! O mapa do fesouro Daquele dia em diante, os dois prisioneiros seguiram um plano de estudo, Dantês tinha uma memória prodigiosa, facili- dade para matemática e idiomas. Ele sabia um pouco de italiano , logo foi compreendendo as estruturas dos idiomas e começou a falar espanhol, inglês e alemão. Depois de algum tempo, Dantés era outro homem. Um novo universo se abria em sua mente inquieta, Outros anos se passaram. O abade não mencionara mais o desejo de fugir, e Dantés, mesmo no isolamento, sentia-se quase feliz na companhia do amigo erudito. Certa manhã, quando Dantés entrou na cela de seu ami- g0, percebeu o abade no meio do quarto, pálido, suando, as mãos crispadas. — Ah, meu Deus! Vocé estd se sentindo mal? O que vocé tem? — Rapido, rapido! Escute! — disse o abade, — O que é? — Estou muito doente. Comecei a ter essas crises há al- sum tempo. Não h4 cura para minha doenga. Se eu desmaiar, ueno frasco de faca o seguinte: embaixo da cama há um peq líquido na cristal escondido. Abra-o e coloque dez gotas do minha boca. Talvez eu seja salvo. Mas já estou passando mal, Muito mal... A crise foi súbita e violenta. O pobre abade mal conseguiu conicluir a frase. Suas pupilas se dilataram e sua boca se torceu. O abade caiu, seu corpo ficou rigido e o rosto livido. Dantés fez com que ele engolisse as dez gotas do liquido do frasco é aguardou. Uma hora se passou sem que nada acon- lecesse, Dantés não deixou seu amigo por um só instante, Fi- nalmente, o rosto do abade retomou a cor, um suspiro escapou de sua boca e ele comegou a movimentar-se. — Vocé estd salvo! Vocé estd bem! — disse Dantes, Ao ouvir os passos do carcereiro no corredor, Dantés cor- reu rapidamente para sua cela. Pouco depois, sua porta se abriu ¢, como sempre, o carcereiro encontrou Dantés sentado na cama. Assim que o ruido de seu caminhar desapareceu, Dantés voltou para perto do amigo. O abade tinha recobrado os sentidos, mas estava ainda muito fraco, deitado em seu leito. — Coragem! Sua forga voltara — disse Dantés, O abade fez que não com a cabeça. — Não, não — ele disse. — Da última vez, a crise durou meia-hora. Quando acordei, consegui levantar. Hoje, não con- sigo mais movimentar a perna, nem o braço direito. A próxima crise sera a ultima: morrerei na hora, sei disso. — Não fale assim — disse Dantes —, tudo vai dar certo, você verd, nao o abandonarei, — Eu sei, meu amigo, mas também sei que tenho razao. Vá descansar. Amanha, depois da passagem do carcereiro, venha me ver, tenho algo muito importante a lhe dizer. No dia seguinte, quando Dantés entrou na cela do amigo, encontrou o abade sentado com expressdo tranquila no rosto. Com a mio esquerda, a (inica que ele conseguia movimen- tar, entregou a Dantês um papel enrolado como se fosse um per- gaminho. — O que é iss0? — indagou Dantés. — Este papel, meu amigo — disse 0 abade —, & o meu te- souro. Se algo de ruim me acontecer e vocé um dia conseguir sair dessa prisdo, este documento o ajudará muito. — Como assim? — Ouça com atencio. E o abade contou que fora secretirio de um homem impor- tante chamado conde Spada, o último herdeiro do cardeal César Spada, que fora assassinado em 1498 por inimigos que queriam seapossar de sua fortuna. Mas seus bens, que eram muitos, nun- ca foram encontrados. assina- Seu sobrinho, que também fora ass 100 do, deixou para sua esposa um único bem: um icas"", I W Livro de orações breviario®, ilustrado com iluminuras'® gót geração que devem ser Esse livro foi passando de geração em até o último herdeiro do cardeal, o conde Spada, | regadas todos os | dias pelos religiosos catolicos em horas que, antes de falecer, o legou ao abade. | determinadas do dia, Um dia, enquanto rezava, o livro escapou l !" Pinturas ou de suas mãos e a capa soltou-se. Nesse momento, | desenhos que o abade Faria descobriu um pedaco de papel que ! Hustram um | texto, geralmente continha um mapa, Esse mapa indicava o local manuscrito, onde fora escondido o tesouro do cardeal Spada, Aparentemente, 0 tesouro encontrava-se em uma l W Refore-se À arte gotica, que designa gruta na pequena ilha de Monte Cristo”, | o estiloartistico — Este tesouro existe, meu filho. Se eu surgido na Franga, no século X1, € que morrer e vocé conseguir sair daqui, ele será to- | se espalhou pela talmente seu. Europa até o inicio do Renascimento, no — Mas então até hoje ninguém o desco- século XVI, briu? I 7 1lha do arquipélago — Claro que não. E agora a familia Spada | Toscario, localizada desapareceu. no mar Tirreno, na | costa oeste da Itália, Dantês pensou que sonhava. ao sul da ilha de Elba. — Nós fugiremos juntos e encontraremos 0 tesouro — disse o jovem ao abade. Faria esticou o braco na direcio do jovem que o abraçou. A fuga 101 Passadas algumas semanas, o abade sofreu uma crise fatal. Os carcereiros o enfiaram dentro de um saco e o deixaram 10 leito até a hora do enterro. Assim que sairam da cela, Dantés correu até a cela do amigo para ficar ao seu lado, Desesperado, 0 jovem se sentia profundamente só. A ideia de suicidar-se o as- sombrava. Mas a lembranca da amizade o ajudava. Dan tés sabia que o abade lhe ensinara tudo o que sabia e ficaria decepcion a- do se desistisse de viver. — A morte! Ndo vale a pena viver tantas coisas, aprender tanto para morrer! Não, quero viver, quero reconquistar a feli- cidade que me foi roubada. Quero punir meus inimigos, Ago- ra, eles todos estdo ocultos, mas saberei descobrir onde estio e minha vinganca serd impiedosa. Como escaparei daqui? Se não fizer nada, ficarei preso até meu último dia! Serei exatamente como o abade! Assim que pronunciou essa frase, Dantés ficou imével, de olhos fixos. Aquelas palavras lhe deram uma ideia, Ele he- i , depoisi levantou o manto que cob ria o corpPo do amigo. sitou Ele 6 abriu e retirou de dentro do saco 6 corpo do abade, levou -0 para sua cela, colocou-o na sua cama e o cobriu com cobertas, abraçou o amigo uma última vez, virou sua cabeça na diregéo da parede, para que o carcereiro pensasse que ele estava adormeci- do. Finalmente, regressou à cela do abade, enfiou-se no saco, fe- chou a abertura e ficou imdvel. Dentro do saco, o jovem tentava manter a calma, enquanto aguardava que alguém viesse buscá-lo. Seu plano era o seguinte: depois de ter sido depositado sobre um túmulo no cemitério, ele seria coberto de terra. Quando a noite chegasse, a terra ainda es- taria fofa e úmida, de modo que ele conseguiria fugir. A noite caiu. Dantes ouviu passos. Era o carcereiro que viera buscar o caddver, Dois homens entraram na cela, apro- ximaram-se da cama e apanharam o saco pelas duas extremi- dades, — Você amarrou a ponta? — perguntou um deles. — Não, farei isso depois — respondeu o outro. O falso cadáver foi colocado sobre uma maca. Os carce- reiros saíram e subiram uma escada. Repentinamente, Dantés percebeu que o ar ficava puro. Também sentiu cheiro de mar Fi- nalmente, os homens voltaram, levantaram a maca, deram cerca de vinte passos e a colocaram no solo. “Onde estou?”) pensava Danteés, quando percebeu que um objeto pesado era colocado ao seu lado. Em seguida, sentiu que amarravam seus pés com uma co rda, p SM AI/V/ = É“ "“ S 2AMÂÊP P PÔM.O ST RRR - Enta E o, 1 você) vai :.amarra - rá o saco agora? — perguntou um dos homens. - Sim, vou dar um nó bem forte. — Então, ande logo, Os dois homens €rgueram a ma ca e caminharam um pou- co. Dantés ouviu o ruído do mar batendo nos rochedos. Repen- linamente, os homens pararam. — Vamos lá — disse um deles —, um, dois, trés e já! Ao mesmo tempo, Dantês sentiu como se fosse jogado no vazio e estivesse atravessando o ar como um pássaro ferido. De- pois, caiu e caiu, até que seu corpo, com um barulho assustador, rasgasse as dguas geladas como uma flecha, O jovem fora jogado ao fundo do mar, amarrado a uma bola de ferra pesando dezoito quilos. O mar ¢ra 0 cemitério do Castelo de If, r & 104 ¢ conde de Monte Cristo Foi assim, fingindo-se de morto, que Edmond Dantês conse- guiu fugir. Quatorze anos depois de sua prisão, em 28 de feverei- ro de 1829, Muitas foram as peripécias até que encontrasse a gruta da ilha de Monte Cristo e a fortuna do cardeal Spada. Ao resgatar G tesouro, nascera para uma nova vida, Uma existéncia na qual ele desfrutaria de boas finangas e colocaria à prova os conhecimentos adquiridos na companhia do abade. Dantés tratou, entdo, de investigar. Soube que seu pai havia fa- lecido e descobriu como estavam todos aqueles que o haviam trafdo: fol informado de que Mercedes se casara com Fernand, que se torna- ra o condede Morcerf, que tinham um filho, Albert, e viviam em Pa- ris. Soube que Danglars era banqueiro e também morava em Paris. Graças à sua nova fortuna, construíu um palácio luxuoso na ilha de Monte Cristo, Vigjou muito e passou a chamar-se conde de Monte Cristo. Finalmente, deu início à sua vingança. a Nºl dia 21 de maio de 1838, em sua casa em Paris, Albert, 0 fu?fivim:;:]fim filho de Fernand e Mercedes, havia 1805 para almoçar, Todos os presentes eram jovens da mais alta sociedade parisiense: Lucien Debray, secretário particular do ministro do inte- rior; Maxilimilien Morrel, capitão de spahis™®, fi- l " Soldados de lho do senhor Morrel, proprietário do Faraó: um cavalaria do norte da Africa. jornalista de nome Beauchamp... — Então, meu querido amigo, é verdade que você vai se casar? — indagou Beauchamp. — Isso mesmo! Acabou minha vida de solteiro! Meu pai quer que eu me case com Eu- génie Danglars. — A filha do banqueiro? — perguntou De- bray. — Que bela historia de amor! O pai dela lhe dard um belo dote! — Mas não há paixao em nosso casamento. Eugénie se considera uma grande cantora. Ela só ama a ópera e nada mais... — Melhor assim! — disse Beauchamp. — Quando sua futura esposa se apresentar nos mais importantes teatros da Europa, vocé sen- tird orgulho dela. — Nao faga piadas com a minha vida, meu amigo! — Vamos entdo passar à mesa. — Aguardo um dltimo convidado, o conde de Monte Cristo. — Eu conheço esse nome — disse um jovem. 106 — Você não é o único — respondeu Albert. — Em Paris, só se fala dele! Trata-se do homem mais rico e estranho de que se tem noticia. Quando estava em Roma, com um amigo, durante o carnaval, não encontrei um quarto de hotel livre. Um homem muito elegante veio ao meu encontro e disse: “Posso ajudá-lo, visconde de Morcerf, Estou ocupando o andar inteiro, posso ofe- recer-lhe um quarto”, Era o conde de Monte Cristo. Ele me con- vidou para jantar. Estava acompanhado de uma princesa grega belissima. Depois do jantar, fui assistir ao carnaval de rua e uma jovem charmosa, usando uma máscara, convidou-me para dan- ¢ar. Repentinamente, alguns homens me sequestraram, O ban- dido que me raptou se chamava Luigi Vampa. Era uma figura extremamente perigosa. Pediu uma soma exorbitante como res- gate. Pela manha, seis horas, bem no momento em que Vampa pretendia me matar, o conde de Monte Cristo chegou. Ordenou que me libertasse sem cobrar resgate. O celerado atemorizou-se diante da comitiva de Monte Cristo e libertou-me. — Quer dizer que esse tal de conde de Monte Cristo é res- peitado pelos bandidos romanos! — Espere. Minha histéria ainda nio acabou. Na manhã seguinte, reencontrei a jovem italiana que havia me convidado para dangar. Ela era irma de Vampa. Foi ela quem me contou tudo sobre o conde. Ela me disse que meu salvador é filho de um rei que passou a vida viajando pelo mundo. O nome dele Monte Cristo, vem de uma pequena ilha no mar Tirreno, onde construiu um paldcio. 10 — Eu conhego a ilha — disse Maximilien Morrel. — Já ouvi falar de seu proprietério. — Que mistério delicioso! Mas o conde est4 atrasado! Bem nesse momento, o mordomo entra na sala e anuncia: — Sua Exceléncia, o conde de Monte Cristo. O homem que entrou na sala aparentava 35 anos. Longos cabelos negros emolduravam um belo rosto, muito alvo. Os jo- vens ficaram admirados com seu olhar profundo, como o de al- guém que viu tanto as coisas mais belas quanto as mais horriveis desse mundo. — Perdoem-me o atraso — disse Monte Cristo. — A pon- tualidade ¢ a polidez dos reis, mas não é sempre a dos viajantes, chegar até apesar de seus esforcos. Fiz uma longa viagem para aqui. Albert foi em sua direção e lhe apertou a mao, amistosa- mente. Em seguida, apresentou- lhe os amigos. Ao ouvir o nome Morrel, Monte Cristo, que até entao tinha cumprimentado to- lesas, dos polidamente, mas com f[rieza € impassibilidade ing que , um pa ss o av an te € um lev e tom de vermelho ' deu, se m rer L] ago por sua fac e pál ida. O almoço foi passou como um relâmp. servido. da vid a par isi ens e — dis se Monte Cristo, — Nada conhego — Nunca estive agui antes- — Sim. Um principe que veio de todas as partes do mundo. Veja só, meu amigo. Aqui não querem acreditar em minha aventura entre og bandidos romanos. Conte-lhes como me salvou de Vampa. — Não foi dificil. Vampa me devia a vida, com Ele foi condenado. Eu paguei sua fianga uma pedra preciosa. Depois disso, nunca tocou , quero pessoas que me são caras. Bem, Albert Ihe pedir para ser meu guia em Paris. ' º Uma dás imis famosas avenidas de — Bem, primeiro é preciso encontrar uma Paris, É considerada casa para o senhor. por muitos como à mais belá avenida da — Eu lhe agradego, mas essa providéncia já capital ¢, segundo tomei. Comprei uma casa nos Campos Eliseos". | o8 parisienses, "a | mais bela avenidado — Bem, entio o conde necessita de uma | mundo", Seu nome companhia feminina — disse um dos convidados. alude & morada dos mórtos virtuosos — Que bobagem! — disse Albert, rindo. — na mitologia greco- Em Roma vi o conde com a mais bela princesd. -romana, Nó inicio do século XX, 0 — Haydée não é minha acompanhante, brasileiro Santos Albert, ela é minha protegida. Eu a salvei de um Dumont morou no | n 104 dessa avenida, perigo. | local onde há uma — Você a salvou! Bem, conde, você já tem placa comermorativa informando que a casa é a bela Haydée, agora só precisd dos E ele ali pousou seu valos e da carruagem. é A — Essas providéncias também já 10" dirigivel n29, Pela janela, 66 convidados viram os cava- los mais belos e a Carrua gem mais luxuosa de toda Paris, Ao térming do almogo, Albert convidou Monte Cristo para conhecer sua casa. Ao per- correr a luxuosa mansio, o conde ficou ad- mirado com o salão, cheio de ob jetos de arte, tecidos e tapetes orientais. Do saldo, ¢le pas- sou a0 quarto de dormir, um apos ento que era 0 mesmo tempo elegante e despojado. Na pa- rede, um único quadro, mas assinado Léopol d Robert®, brilhava em sua moldura de ouro fos- l * Louis Léopald co. A pintura atraiu a atenção do conde, que | Robert (1794-1835), | gravador e pintor alravessou rapidamente o quarto e se postou suigo, do cantio diante dela. de Neuchatel. Uma de suas pinturas, O quadro retratava uma jovem de 25 a expostas no Salão de 26 anos, de pele morena. Ela vestia a roupa | 1827 foi comprada pelo rei Luis Filipe 1, pitoresca das pescadoras catalds, com corpe- altimo rei da Franga, te vermelho e preto. Sua silhueta elegante se destacava contra o azul do céu e do mar. Mon- te Cristo, muito palido, contemplou a pintura em siléncio. Depois, com a voz calma, disse a Albert; — Vocé tem uma bela noiva, Albert! — Ah, vocé se engana — respondeu ele. N — 2. dar o retra- — Esta ¢ minha mãe. Ela queria l * A Guerrada Independência to a meu pai, mas ele ficou bravissimo assim Espanhola {1808 que o viu € quem o ganhou de presente fui eu. Ja IR14) refere-se à está na hora de apresenlé-lo a meus pais; eles têm nesistência ante a pressa em conhecê-lo para agradecer pelo que fez invasão da Espanha pelas 1rhpas. napu]eím icas. por mim na Itália. Inspirou, entre outras Então, deixaram a casa de Albert e se diri- úbras,à pintura (% Tuzilamentos de Inés de giram à residência do conde de Morcerf. midic ¢ uma série de No salão, para onde um criado os condu- #2 gravuras chamada Os dlesastres da guerra, 7iu, também havia um retrato: um homem de de Coya (1746- cerca de 35 anos, trajando uniforme militar de 1828). A Guerra da Independéncia Grega general, com muitas medalhas. Elas indicavam [1R21 1H32) refere-se que à pessoa participara das guerras da Grécia e à rebelião dos gregos à doninação elonana, da Espanha* ou que tinha desempenhado algu- que terminou com ma missão diplomática nesses dois países, O con- a independência do país. de era par de França, isto ¢, fazia parte dos seletos membros da Câmara dos Pares””, Monte Cristo B Crindapelo rei observou o retrato cuidadosa 1 Luis XVII em 1814, á Cimara dos porta lateral se abriu e ele se yil Pares era composta de membros prio conde de Morcerf. nomeados pelo rej Tratava-se de um hom para desempenhar Mas que parecia ter pelo menos funções legislativas, É burgués, com várias medalhas antecessora do aqnual , Senado. Foi extinta — Meu pai — disse Albert em |B48, ra de apresenti-lo a6 conde d P e. amigo generoso que tive a felicidade de conhecer nas circunstin- cias dificeis que já lhe relatei, 111 — Caro senhor, seja bem-vindo — disse o conde de Mor- cerf, saudando Monte Cristo. — Eu lhe agradeco de todo o cora- ção por tudo o que fez por nós ao salvar nosso filho das mios de bandidos italianos. Sente-se, por favor. — Ah, lá vem minha mãe — disse Albert. Monte Cristo virou-se para ver a condessa de Morcerf entrar no saldo. Imóvel e pilido, ele a encarou. A mulher deixou cair a mão que segurava a maganeta da porta. Monte Cristo a saudou solenemente é ela se inclinou para retribuir o cumprimento. — Meu Deus, madame — disse o conde —, o que a senhora tem? Estd se sentindo mal? É o calor do salão, por acaso? — Vocé tem alguma coisa, mamae? — perguntou Albert aproximando-se de Mercedes. Ela agradeceu a ambos com um sorriso. — Não — disse Mercedes —, fui tomada por uma forte emo- ção a0 conhecer o homem que salvou a vida do meu filho, Senhor, acredite na gratiddo eterna que tenho ao senhor por essa atitude. O conde inclinou-se uma vez mais, porém mais profun- damente que antes. Ele estava ainda mais pélido que a propria Mercedes. o — Senhor — disse Mercedes a ele —, 0 conde nos daria imenso prazer de passar o dia conosco? da me , eu lhe ag ra de ço mui to, mas acabo de — Obrigado, ma Par is e te nh o mu it o qu e faz er em mi nha residência. chegar a es se pr az er fu tu ra me nt e, a0 menos? — per- — Teremos guntou a condessa. inc lin ou- se sem res pon der , mas o gesto in- Monte Cristo ele ace ita va o con vit e. Em se guida, ele deixou a resi- dicava que dência dos Morcerf. o ES Crédito 115 ilimitado que o conde tinha salvado da morte % Em uma de suas Vi: agen é s, em Tinis® , | a=EEA —— = No dia seguinte 4 sua chegada a Paris, às | do már Mediterraneo cinco horas da tarde, 0 , conde de Monte Cris. to | 0o golfo de mesing | nome, capital da pediu a Ali que preparas se sua carruagem para || Tunisia, pais da conduzi-lo à casa do banqueiro ) Danglars. || Africa do Norte, No | inicio do século XX Este presidia uma reunião quan , do a vi- | mais especificamente sita do conde de Monte Cristo foi anunciada. ::1::;:5;:2;::1 Ao ouvir o nome do conde, Danglars levan- suíço Paul Klee tou-se. (1879-1940}, que lá realizon algumas de — Senhores — disse ele —, perdoem-me | | Suas mais belas obras, se 05 deixo assim, mas imaginem que o banco Thomson e French, de Roma, enviou-me um certo conde de Monte Cristo, pedinda que eu lhe abrisse uma conta com crédito ilimitado, Deve ser uma brincadeira. Entretanto, fiquel muito cunoso, te- E nho préssa em conhecé-lo. Danglars deixou 0 aposento € passou parz dentre do salão onde aguardava seu visitante. Camprimentou o conde com a ca- bega e lhe fez sinal para que se sentasse. — Senhor conde — disse ele —, recebi uma carta do ban- có ¢, para ser franco, não compreendi muito bem o que deve- ria fazer. — O que deseja saber, caro senhor? — Essa conta de crédito ilimitado, o senhor poderia expli- car melhor do que se trata? - Pois não, o que ha de obscuro nisso? — Nada, senhor, só achei estranho o termo credite ili- mitado... — O que há de estranho nisso? Creio que está perfeita- mente elaro. Ao ouvi-lo, tenho a impressão de que o senhor não está disposto a me conceder o crédito. — Não se trata disso, senhor — disse Danglars. — A unia coisa que desejo é que o senhor mesmo determine 3 soma que deseja pegar emprestado, — Mas, caro senhor — disse Monte Cristo —, se eu lhe pedi crédito ilimitado, é porque justamente ignoro quanto 0i necessitar, — Ah, meu conde — disse Danglars —, peça-me um 1 lhão,eu não hesitaria em lhe conceder o credito. — Um milhão? — disse Monte Cristo, — E o que eu fa- ria com um milhão? Tenho sempre essa quantia comigo. Senhor 117 Danglars, se

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